O RECURSO DE REVISTA CONFORME O ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO

 

 

 

JOÃO VICENTE ROTHFUCHS

Mestre em Direito Empresarial pela Universidade de Coimbra. Professor de Direito do Trabalho da PUCRS. Advogado.

 

 

 

Resumo: O presente estudo visa à análise do posicionamento do Tribunal Superior do Trabalho, pacificado através de Súmulas e Orientações Jurisprudenciais, no que diz respeito ao recurso de revista.

 

Palavras-Chave: Processo do Trabalho; Tribunal Superior do Trabalho; Recursos; Recurso de Revista.

 

 

 

SUMÁRIO: Introdução; 1. Recurso de Revista – Aspectos Gerais; 2. Súmulas do Tribunal Superior do Trabalho; 3. Orientações Jurisprudenciais da SDI-1; Conclusão; Referências Bibliográficas.

 

 

 

INTRODUÇÃO

 

O objeto inicial do presente estudo deveria ser uma análise ampla acerca do posicionamento jurisprudencial do Tribunal Superior do Trabalho no que diz respeito aos recursos em espécie, na sua generalidade. Pretendia-se ter um espectro mais aberto de exame, buscando-se a integralidade do posicionamento do TST, por meio de súmulas e orientações jurisprudenciais, com relação aos principais recursos trabalhistas. A tarefa; porém, mais do que inglória, mostrou-se impraticável dentro dos limites deste trabalho, já que o universo de verbetes é tão amplo que tornaria eventual análise, se possível, extremamente superficial.

 

Optou-se, então, por escolher uma das espécies recursais mais relevantes; no caso, o recurso de revista, e limitar a análise àquelas súmulas e orientações jurisprudenciais que se mostrassem, ou mais comuns no dia a dia do operador do Direito; ou tecnicamente mais relevantes.

 

Obviamente, tal limitação possui um imenso grau de subjetividade, já que não se fez qualquer pesquisa quantitativa para verificar, estatisticamente, as súmulas e orientações jurisprudenciais mais aplicadas ou aquelas que geravam maior controvérsia jurídica. A escolha é pessoal deste autor, baseada nas máximas da experiência e, por isso, sujeita a imperfeições daí decorrentes.

 

O que se pode afirmar, com certeza, é que mesmo antes de se analisar o conteúdo material do trabalho, uma primeira conclusão já salta aos olhos: a importância que a jurisprudência vem adquirindo em nosso sistema jurídico, algumas vezes se sobrepondo, de forma indevida, à própria legislação e, com isso, aproximando-nos do modelo da common law.

 

Em razão disso, não se pode mais conceber, na contemporaneidade, o jurista meramente legalista. Necessário se faz que o profissional do Direito consiga enxergar além dos limites estritos do dispositivo legal e, preferencialmente, com o mesmo foco dos tribunais superiores, para que logre êxito na sua batalha diária na busca da Justiça. Essa (nova) visão passa, para o jus-laboralista, pelo conhecimento aprofundado das súmulas    e orientações jurisprudenciais do Tribunal Superior do Trabalho.

 

 

1. RECURSO DE REVISTA – ASPECTOS GERAIS

 

Dentre as diversas divisões doutrinárias a serem feitas na classificação dos recursos, a mais relevante para o presente estudo é, provavelmente, uma das mais básicas: a separação entre recursos ordinários e extraordinários ou especiais. O recurso de revista se enquadra nessa última categoria, se prestando, antes de tutelar um direito individual, a “corrigir a decisão que violar a literalidade de lei e a uniformizar a jurisprudência nacional”[1]. Funda-se, com efeito, na “tutela do direito objetivo, buscando a sua exata aplicação”[2], diferentemente dos primeiros, que “visam a tutela do direito subjetivo, de modo que permitem a rediscussão ampla da matéria”[3].

 

Consoante leciona Martins[4]:

 

O recurso de revista não vai fazer um reexame geral da decisão do Tribunal Regional do Trabalho. É um apelo eminentemente técnico e extraordinário, estando a sua admissibilidade subordinada ao atendimento de determinados pressupostos. Não vamos aplicar a regra da interposição do recurso por simples petição (art. 899 da CLT), ou seja, sem fundamentação, bastando a intenção de recorrer, que devolveria à apreciação do tribunal ad quem o exame de toda a matéria. No recurso de revista é mister que a parte demonstre divergência jurisprudencial, ou violação literal de dispositivo de lei ou as Constituição para o seu conhecimento (art. 896, a e c, da CLT). Poderá demonstrar, também, interpretação divergente de lei estadual, convenção ou acordo coletivo, sentença normativa ou regulamento de empresa de observância obrigatória em área territorial que exceda a jurisdição do TRT prolator (art. 896, b, da CLT).

 

Em meados de 2014, a Lei 13.015/14 alterou a CLT e, embora possa ter, em tese, ampliado as hipóteses de cabimento do recurso de revista[5], na prática veio a trazer maiores limitações à utilização do remédio processual  em questão. O principal objetivo da referida legislação foi de “dar maior celeridade no processamento e no julgamento dos recursos, em especial no âmbito do TST, passando a adotar técnicas previstas no CPC, como de julgamento de recursos repetitivos e de assunção de competência”[6].

 

Embora a inovação legislativa tenha tornado mais árduo o caminho a  ser percorrido para a interposição do recurso de revista, estabelecendo novos ônus à parte recorrente e importando do processo civil mecanismos especiais para o julgamento dos denominados “recursos repetitivos”, não chega a  afetar substancialmente o conteúdo do presente estudo, que se concentrará naquilo que não foi (ou pouco foi) alterado, em especial nas alíneas a, b e c do artigo 896 da CLT.

 

Assim, considerando a vastidão da matéria, passar-se-á à análise dos referidos enunciados jurisprudenciais.

 

 

2. SÚMULAS DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO

 

Na análise das súmulas, a metodologia adotada neste estudo é a de transcrever o texto dos enunciados jurisprudenciais selecionados, por ordem numérica crescente, e, na sequência de cada um, tecer breve comentário. Inicia-se pela de número 23.

 

SÚMULA 23 – RECURSO (mantida) - Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003. Não se conhece de recurso de revista ou de embargos, se a decisão recorrida resolver determinado item do pedido por diversos fundamentos e a jurisprudência transcrita não abranger a todos.

 

Essa súmula é simples e de lógica inquestionável. Pressupõe a existência de mais de um fundamento apto a embasar determinada decisão proferida pelo tribunal de origem e, como consequência, a necessidade de a divergência jurisprudencial examinar todos esses aspectos, sob pena de tornar inócuo o conhecimento do recurso. Se a decisão em cotejo não tiver condições de afastar a totalidade dos fundamentos, não será suficiente para demonstrar a divergência capaz de alterar o resultado do julgamento, tampouco abrangerá a integralidade do objeto do recurso.

 

É lógico que para tal entendimento ser aplicável, é basilar que a argumentação do acórdão seja composta e que qualquer dos fundamentos, por si só, seja suficiente para a sua manutenção. Nesse sentido, lecionam MIESSA e CORREIA:[7]

 

(...) a fundamentação composta se subdivide em três espécies: a) cumulativa, quando os diversos fundamentos levantados na decisão devem ser somados para se chegar à conclusão adotada; b) independente e disjuntiva (alternativa), quando existem diversos fundamentos, mas basta apenas um deles para se chegar à conclusão adotada; c) independente e excludente, quando há vários fundamentos e a negação deles é suficiente para ensejar conclusão contrária à adotada. (...) A súmula em comentário tem aplicação apenas na fundamentação composta cumulativa e na fundamentação composta independente e disjuntiva. (...) Se a fundamentação tem vários fundamentos complementares ou alternativos sobre um mesmo pedido, não basta afastar apenas um, porque a decisão se manterá pelo outro fundamento.

 

Destaca-se, ainda, que, s.m.j., entende-se possível que diferentes acórdãos divergentes possam, de forma cumulativa, enfrentar os diferentes fundamentos, não sendo necessário que a divergência esteja concentrada em uma única decisão paradigma.[8]

 

SÚMULA 126 – RECURSO. CABIMENTO (mantida) - Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003. Incabível o recurso de revista ou de embargos (arts. 896 e 894, “b”, da CLT) para reexame de fatos e provas.

 

A Súmula 126 apenas ressalta a natureza extraordinária do recurso de revista, cuja finalidade “repousa na supremacia do direito objetivo e na uniformização acerca da interpretação dos tribunais regionais do trabalho”.[9] Se o bem jurídico tutelado (preferencialmente) não é o direito individual, não será cabível a interposição do remédio processual em busca de mero reexame do caso concreto.

 

SÚMULA 218 – RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO PROFERIDO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO (mantida) - Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003. É incabível recurso de revista interposto de acórdão regional prolatado em agravo de instrumento.

 

A impossibilidade de interposição de recurso de revista em decisão proferida em sede de agravo de instrumento decorre, em uma primeira análise, da própria literalidade do artigo 896 da CLT, que estabelece ser cabível o recurso de revista “das decisões proferidas em grau de recurso ordinário[10] (grifamos). Ainda que assim não fosse, uma interpretação sistemático-principiológica da CLT levaria ao mesmo resultado, tendo em vista a regra geral de irrecorribilidade das decisões interlocutórias. Como a decisão recorrida   em sede de agravo de instrumento diz respeito apenas ao cabimento de um recurso trancado, não enfrentando, diretamente, o seu mérito, trata-se de decisão interlocutória. Seria ilógico que o sistema simplificado do processo do trabalho permitisse a interposição de recurso de revista de tal julgamento.

 

Apesar disso, doutrina e jurisprudência suscitam a possibilidade de se questionar o julgamento de agravo de instrumento pelo regional por meio de outros remédios processuais, como o recurso extraordinário, o mandado de segurança ou a correição parcial,[11] quando cabíveis, visando tutelar importantes princípios jurídicos, em especial a ampla defesa.

 

SÚMULA 221 – RECURSO DE REVISTA. VIOLAÇÃO DE LEI. INDICAÇÃO DE PRECEITO (cancelado o item II e conferida nova redação na sessão do Tribunal Pleno realizada em 14.09.2012) Res. 185/2012 – DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012. A admissibilidade do recurso de revista por violação tem como pressuposto a indicação expressa do dispositivo de lei ou da Constituição tido como violado.

 

A questão trazida pela Súmula 221 é singela, determinando que reste especificado, claramente, qual o dispositivo legal se tem por violado, não bastando a arguição genérica de que a legislação federal ou a Constituição teriam sido afrontadas. Tal posicionamento reforça a ideia de o recurso de revista ser um recurso técnico, não se submetendo à regra do artigo 899, de interposição por “simples petição”. Mais do que a indicação expressa, a interposição do remédio processual demanda demonstração precisa da afronta.

 

SÚMULA 266 – RECURSO DE REVISTA. ADMISSIBILIDADE. EXECUÇÃO DE SENTENÇA (mantida) - Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003. A admissibilidade do recurso de revista interposto de acórdão proferido    em agravo de petição, na liquidação de sentença ou em processo incidente    na execução, inclusive os embargos de terceiro, depende de demonstração inequívoca de violência direta à Constituição Federal.

 

Para a interposição de recurso de revista na fase de execução, a legislação estabelece uma hipótese limitada de cabimento: a ofensa direta e literal à Constituição Federal, conforme parágrafo segundo do artigo 896 da CLT. A Súmula 266 apenas especifica essas hipóteses de cabimento de recurso de revista em sede de execução e se utilizada da expressão “violência direta” à Constituição Federal, o que, segundo Dani,[12] configura-se em “grande dificuldade” para a interposição do recurso excepcional em tal fase processual, limitando-se as situações concretas, em regra, a violação à coisa julgada, à ampla defesa, ao contraditório e ao devido processo legal.

 

SÚMULA 285 – RECURSO DE REVISTA. ADMISSIBILIDADE PARCIAL PELO JUIZ-PRESIDENTE DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO. EFEITO (mantida) - Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003. O fato de o juízo primeiro de admissibilidade do recurso de revista entendê-lo cabível apenas quanto a parte das matérias veiculadas não impede a apreciação integral pela Turma do Tribunal Superior do Trabalho, sendo imprópria a interposição de agravo de instrumento.

 

O posicionamento da súmula em questão deixa clara a independência entre os juízos de admissibilidade “a quo” e “ad quem”. Isso significa dizer que o exame pelo TRT da admissibilidade do recurso de revista não vincula o TST, que terá, novamente, de apreciar os pressupostos recursais e conhecer ou não do recurso.

 

Com isso, ao entender o recurso cabível por um dos fundamentos recursais, o tribunal regional poderá deixar de examinar os demais, já que o recurso será remetido ao tribunal superior que terá a incumbência de, novamente, fazer tal análise. A contrário senso, se entender incabível por algum dos fundamentos, deve, obrigatoriamente, examinar os demais, até que ou admita o recurso ou o “tranque”, em razão do descabimento por todas as matérias apresentadas. Esse juízo precário, portanto, tem como principal finalidade a filtragem dos recursos, deixando de admitir aqueles em que nenhuma das matérias demonstre-se apta ao seu cabimento para, em tese, limitar os julgamentos pela instância extraordinária. Mesmo nessa hipótese, todavia, cabe à parte a insurgência por meio de agravo de instrumento, o que obrigatoriamente submeterá a questão ao tribunal superior, tornando, desta forma, questionável a eficácia do juízo de admissibilidade realizado  pelo tribunal “a quo” como limitador quantitativo de recursos encaminhados  ao TST.

 

SÚMULA 296 – RECURSO. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. ESPECIFICIDADE (incorporada a Orientação Jurisprudencial nº 37 da SBDI-1) - Res. 129/2005, DJ 20, 22 e 25.04.2005.

I - A divergência jurisprudencial ensejadora da admissibilidade, do prosseguimento e do conhecimento do recurso há de ser específica, revelando a existência de teses diversas na interpretação de um mesmo dispositivo legal, embora idênticos os fatos que as ensejaram. (ex-Súmula nº 296 - Res. 6/1989, DJ 19.04.1989)

II - (...)

 

A questão da especificidade da divergência jurisprudencial é deveras polêmica, tendo em vista possibilitar, no exame de tal fundamento, um alto grau de subjetividade ao julgador para não admitir o recurso. A expressão “fatos idênticos”, apontada no item I da referida súmula, autoriza que, em  uma interpretação restritiva, seja praticamente impossível de se conhecer de um recurso de revista por divergência jurisprudencial, na medida em que, salvo em processos repetitivos contra uma mesma reclamada, os fatos serão equivalentes, análogos, semelhantes, mas, dificilmente, idênticos.

 

Nesse sentido, instruem MIESSA e CORREIA[13]:

 

Registra-se que, de nossa parte, pensamos que os fatos semelhantes também são capazes de ensejar a divergência jurisprudencial, uma vez que a identidade absoluta entre as circunstâncias fáticas do acórdão impugnado e do paradigma é de difícil ou quase impossível ocorrência, pois cada caso concreto tem suas peculiaridades. Tanto é assim que o parágrafo único do art. 542 do CPC declina expressamente que o recorrente deverá demonstrar, na divergência, “as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os casos confrontados”. (grifo no original)

 

Parece-nos, todavia, que o atual parágrafo 8º do artigo 896 da CLT, incluído pela Lei 13.015/2014, trouxe solução à questão, ao determinar a possibilidade de identidade ou semelhança fática. Transcreve-se:[14]

 

§ 8º. Quando o recurso fundar-se em dissenso de julgados, incumbe ao recorrente o ônus de produzir prova da divergência jurisprudencial, mediante certidão, cópia ou citação do repositório de jurisprudência, oficial ou credenciado, inclusive em mídia eletrônica, em que houver sido publicada a decisão divergente, ou ainda pela reprodução de julgado disponível na internet, com indicação da respectiva fonte, mencionando, em qualquer caso, as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os casos confrontados. (Incluído pela Lei nº 13.015, de 2014) (grifamos).

 

O item II da súmula não diz respeito ao recurso de revista, mas à possibilidade de embargos à SDI, o que não é objeto do presente estudo.

 

SÚMULA Nº 297 DO TST – PREQUESTIONAMENTO. OPORTUNIDADE. CONFIGURAÇÃO (nova redação) - Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003.

I. Diz-se prequestionada a matéria ou questão quando na decisão impugnada haja sido adotada, explicitamente, tese a respeito.

II. Incumbe à parte interessada, desde que a matéria haja sido invocada no recurso principal, opor embargos declaratórios objetivando o pronunciamento sobre o tema, sob pena de preclusão.

III. Considera-se prequestionada a questão jurídica invocada no recurso principal sobre a qual se omite o Tribunal de pronunciar tese, não obstante opostos embargos de declaração.

 

O prequestionamento é requisito fundamental para a admissão do recurso de revista, embora ainda suscite dificuldades em operadores do direito. Configura-se na necessidade de discussão pretérita da matéria que se busca venha a ser apreciada pelo tribunal superior. A jurisprudência é farta sobre o tema, destacando-se como entendimento mais importante o constante da Súmula 297, supra transcrito, que se divide em três itens.

 

O primeiro consagra a tese da necessidade de manifestação na própria decisão, do posicionamento do tribunal acerca da matéria invocada, não bastando a mera discussão prévia da matéria, se o tribunal não vier a enfrentá-la, explicitamente. Nesse sentido, LEITE[15]:

 

a admissibilidade da revista pressupõe que a decisão recorrida tenha se pronunciado explicitamente sobre a matéria veiculada no recurso, ainda que se trate de violação frontal e direta à norma da Constituição Federal. Não vale, pois, o pronunciamento implícito. Mas não é preciso que a decisão reproduza ipsis litteris o dispositivo de lei que a recorrente alega tenha sido violado.

 

O itens II e III, por sua vez, determinam os limites do ônus da parte que pretende dar cumprimento ao anterior: (i) ter suscitado, previamente, a matéria nas suas razões recursais e (ii) interpor os competentes embargos de declaração objetivando a apreciação de item do recurso prévio que não tenha sido examinado pelo tribunal. Isso significa dizer que, em primeiro lugar, não cabe à parte inovar na sua argumentação, pois a matéria já deve ter sido “invocada no recurso principal”; e, em segundo, deve opor os embargos, sob pena de preclusão. Se cumprir com tais ônus processuais e, ainda  assim, o tribunal não se posicionar expressamente, a matéria será tida por prequestionada, em circunstância denominada “prequestionamento ficto”, prevista no item III do verbete sumulado.

 

SÚMULA 333 – RECURSOS DE REVISTA. CONHECIMENTO (alterada) - Res. 155/2009, DJ 26 e 27.02.2009 e 02.03.2009. Não ensejam recurso de revista decisões superadas por iterativa, notória e atual jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho.

 

A Súmula 333 traz a necessidade de “utilidade” ao recurso, pois ao determinar que não é cabível o recurso de revista quando a matéria for superada por “iterativa, notória e atual jurisprudência do TST”, o tribunal superior está afirmando que de nada adianta o exame de uma matéria já pacificada, pois o seu resultado será inútil. Vem a ser um estágio embrionário da tendência à jurisprudência vinculante dos tribunais superiores. O aspecto negativo desse posicionamento é a criação de certa rigidez no posicionamento jurisprudencial do órgão superior, dificultando a revisão de posicionamentos, em prol de uma busca de celeridade e segurança jurídica.

 

Jurisprudência iterativa, notória e atual é aquela consagrada, conhecida e presente. MIESSA e CORREIA[16] afirmam:

 

Objetivamente, pode-se dizer que uma decisão é iterativa (reiterada, repetida) e notória (conhecida por todos) se estiver consubstanciada em orientação jurisprudencial do TST.

 

Tal posicionamento, atualmente, restou positivado pela Lei 13.015, que acrescentou o parágrafo 7º ao artigo 896 da CLT, com o seguinte conteúdo:

 

§ 7º A divergência apta a ensejar o recurso de revista deve ser atual, não  se considerando como tal a ultrapassada por súmula do Tribunal Superior do Trabalho ou do Supremo Tribunal Federal, ou superada por iterativa e notória jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho. 

 

Finalmente, a Súmula 337 vem a apresentar critérios formais e materiais necessários para a comprovação de divergência apta à interposição dos recursos de revista e embargos.

 

SÚMULA Nº 337 DO TST – COMPROVAÇÃO DE DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. RECURSOS DE REVISTA E DE EMBARGOS (redação do item IV alterada na sessão do Tribunal Pleno realizada em 14.09.2012) - Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012.

I - Para comprovação da divergência justificadora do recurso, é necessário que o recorrente:

a) Junte certidão ou cópia autenticada do acórdão paradigma ou cite a fonte oficial ou o repositório autorizado em que foi publicado; e

b) Transcreva, nas razões recursais, as ementas e/ou trechos dos acórdãos trazidos à configuração do dissídio, demonstrando o conflito de teses que justifique o conhecimento do recurso, ainda que os acórdãos já se encontrem nos autos ou venham a ser juntados com o recurso.

II - A concessão de registro de publicação como repositório autorizado de jurisprudência do TST torna válidas todas as suas edições anteriores.

III - A mera indicação da data de publicação, em fonte oficial, de aresto paradigma é inválida para comprovação de divergência jurisprudencial, nos termos do item I, “a”, desta súmula, quando a parte pretende demonstrar o conflito de teses mediante a transcrição de trechos que integram a fundamentação do acórdão divergente, uma vez que só se publicam o dispositivo e a ementa dos acórdãos;

IV - É válida para a comprovação da divergência jurisprudencial justificadora do recurso a indicação de aresto extraído de repositório oficial na internet, desde que o recorrente:

a) transcreva o trecho divergente;

b) aponte o sítio de onde foi extraído; e

c) decline o número do processo, o órgão prolator do acórdão e a data da respectiva publicação no Diário Eletrônico da Justiça do Trabalho.

 

As questões materiais passaram a ser objeto da própria legislação, sendo incluídas na Consolidação das Leis do Trabalho, de forma ainda mais abrangente do que o da própria súmula, por meio do parágrafo 1º-A, do   artigo 896, “in verbis”:

 

§ 1º-A. Sob pena de não conhecimento, é ônus da parte

I - indicar o trecho da decisão recorrida que consubstancia o prequestionamento da controvérsia objeto do recurso de revista; 

II - indicar, de forma explícita e fundamentada, contrariedade a dispositivo de lei, súmula ou orientação jurisprudencial do Tribunal Superior do Trabalho que conflite com a decisão regional; 

III - expor as razões do pedido de reforma, impugnando todos os fundamentos jurídicos da decisão recorrida, inclusive mediante demonstração analítica  de cada dispositivo de lei, da Constituição Federal, de súmula ou orientação jurisprudencial cuja contrariedade aponte.

 

Resta claro, assim, a necessidade de demonstração inequívoca, por meio de cotejo precisamente identificado e fundamentado, da divergência suscitada.

 

Já as questões formais, embora demandem atenção, são juridicamente de menor relevância, tendo também sido introduzidas à legislação por meio do parágrafo 8º do mesmo artigo.

 

 

3. ORIENTAÇÕES JURISPRUDENCIAIS DA SDI-I

 

Diferentemente da metodologia utilizada nas súmulas, para a análise  das orientações jurisprudenciais, considerando os limites do texto e o fato de estarem hierarquicamente em nível inferior às primeiras, a análise não mais será individualizada, mas em três pequenos grupos de verbetes com conteúdo similar. Além disso, consoante já destacado introdutoriamente, apenas verbetes selecionados serão analisados.

 

O primeiro grupo diz respeito à questão do prequestionamento e contém as seguintes orientações jurisprudenciais:

 

OJ-SDI1-118 – PREQUESTIONAMENTO. TESE EXPLÍCITA. INTELIGÊNCIA DA SÚMULA Nº 297 (inserida em 20.11.1997) Havendo tese explícita sobre a matéria, na decisão recorrida, desnecessário contenha nela referência expressa do dispositivo legal para ter-se como prequestionado este.

 

OJ-SDI1-119 – PREQUESTIONAMENTO INEXIGÍVEL. VIOLAÇÃO NASCIDA NA PRÓPRIA DECISÃO RECORRIDA. SÚMULA Nº 297. INAPLICÁVEL (inserido dispositivo) - DEJT divulgado em 16, 17 e 18.11.2010) É inexigível o prequestionamento quando a violação indicada houver nascido na própria decisão recorrida. Inaplicável a Súmula nº 297 do TST.

 

OJ-SDI1-256 – PREQUESTIONAMENTO. CONFIGURAÇÃO. TESE EXPLÍCITA. SÚMULA Nº 297 (inserida em 13.03.2002). Para fins do requisito do prequestionamento de que trata a Súmula nº 297, há necessidade de que haja, no acórdão, de maneira clara, elementos que levem à conclusão de que o Regional adotou uma tese contrária à lei ou à súmula.

 

A simples leitura das OJs demonstra tratarem-se de enunciados explicativos da Súmula 297. Das três orientações, destaca-se a de número 119, que contém hipótese em que o prequestionamento seria, teoricamente, desnecessário.    O que é desnecessário, em realidade, é a oposição de embargos de declaração, já que, logicamente, não houve discussão prévia (ao julgamento) da matéria, pois a violação nasceu no próprio acórdão e, sendo assim, já consta, expressamente, da decisão. Se a violação se configurou no acórdão recorrido, obviamente que já existe tese explícita; ou seja, a questão já “nasce prequestionada”.

 

Novamente, socorre-se do ensinamento de MIESSA e CORREIA[17]:

 

De nossa parte, pensamos que o prequestionamento é um pressuposto recursal específico dos recursos de natureza extraordinária, consistente           na obrigatoriedade de que haja decisão prévia acerca do direito objetivo supostamente violado ou aplicado de forma divergente. Assim, se a violação nasce no próprio acórdão impugnado, já existe decisão sobre a matéria, o que significa que a matéria já está prequestionada. Noutras palavras, por existir decisão prévia nascida no próprio acórdão impugnado, na realidade, o prequestionamento já existe.

 

As orientações, a seguir, tratarão de questões envolvendo o recurso de revista interposto com base em divergência jurisprudencial.

 

OJ-SDI1-111 – RECURSO DE REVISTA. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. ARESTO ORIUNDO DO MESMO TRIBUNAL REGIONAL. LEI Nº 9.756/98. INSERVÍVEL AO CONHECIMENTO (nova redação) - DJ 20.04.2005. Não é servível ao conhecimento de recurso de revista aresto oriundo de mesmo Tribunal Regional do Trabalho, salvo se o recurso houver sido interposto anteriormente à vigência da Lei nº 9.756/98.

 

OJ-SDI1-219 – RECURSO DE REVISTA OU DE EMBARGOS FUNDAMENTADO EM ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL DO TST (inserida em 02.04.2001). É válida, para efeito de conhecimento do recurso de revista ou de embargos, a invocação de Orientação Jurisprudencial do Tribunal Superior do Trabalho, desde que, das razões recursais, conste o seu número ou conteúdo.

 

Os verbetes são de simples entendimento. O primeiro repete a previsão legal, confirmando que, consoante dispõe o artigo 896 da CLT, a divergência jurisprudencial apta para o cabimento do recurso de revista deve ser proveniente de tribunal regional diferente daquele em que foi julgado o processo recorrido. Simples e literal interpretação da alínea ‘a’ do dispositivo consolidado, que estabelece que divergência com “outro Tribunal Regional  do Trabalho” (grifamos). Destaca-se que, anteriormente à Lei 9.756/98, a redação do artigo era diferente e permitia a divergência dentro de um mesmo regional, o que justifica a exceção contida na parte final do texto.

 

A OJ 219, na mesma linha, também interpreta, singelamente, a lei. Se o dispositivo legal prevê a possibilidade de interposição do remédio processual em razão de interpretação divergente dada pela “Seção de Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho” e a orientação jurisprudencial nada mais é do que o posicionamento pacificado da SDI, desnecessária a sua menção expressa.

 

Por fim, destaca-se orientações referentes a recurso de revista interposto em face de afronta a dispositivo de lei.

 

OJ-SDI1-115 – RECURSO DE REVISTA. NULIDADE POR NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL (alterada em decorrência da redação do inciso II do art. 894 da CLT, incluído pela Lei nº 11.496/2007) – Res. 182/2012, DEJT divulgado em 19, 20 e 23.04.2012. O conhecimento do recurso de revista, quanto à preliminar de nulidade por negativa de prestação jurisdicional, supõe indicação de violação do art. 832 da CLT, do art. 458 do CPC ou do art. 93, IX, da CF/1988.

 

OJ-SDI1-257 – RECURSO DE REVISTA. FUNDAMENTAÇÃO. VIOLAÇÃO DE LEI. VOCÁBULO VIOLAÇÃO. DESNECESSIDADE (alterada em decorrência da redação do inciso II do art. 894 da CLT, incluído pela Lei nº 11.496/2007) – Res. 182/2012, DEJT divulgado em 19, 20 e 23.04.2012. A invocação expressa no recurso de revista dos preceitos legais ou constitucionais tidos como violados não significa exigir da parte a utilização das expressões “contrariar”, “ferir”, “violar”, etc.

 

Tratam-se de duas orientações também bastante singelas. A primeira OJ aborda questão pontual: a negativa de prestação jurisdicional, determinado quais os dispositivos de lei devem ser invocados quando suscitada tal preliminar. Ou seja, serve de orientação aos advogados sobre as formas aceitas pelo TST para o enquadramento da arguição preliminar de negativa de prestação jurisprudencial em dispositivos legais específicos aptos a fundamentação do recurso de revista.

 

A segunda, afasta a excessiva formalidade de obrigar a parte a se utilizar de expressões específicas para que cumpra o determinado em lei; dando preferência ao conteúdo material da demonstração da violação legal suscitada, sem olvidar-se, por óbvio, da necessidade de demonstração efetiva da afronta.

 

 

CONCLUSÃO

 

Conforme se disse em linhas introdutórias, a relevância atual da jurisprudência como fonte de direito é inequívoca, demandando análise pormenorizada do seu conteúdo.

 

A presente tentativa de análise da jurisprudência do Tribunal Superior  do Trabalho acerca das hipóteses de cabimento do recurso de revista se demonstra como apenas um primeiro passo nesse vasto universo, composto por súmulas, orientações jurisprudenciais, precedentes normativos e demais decisões.

 

Em especial agora, após o advento da Lei 13.015/2014, que trouxe inovações ao processo do trabalho, é essencial se acompanhar de perto a evolução jurisprudencial trazida pelo TST, pois será o norte a ser seguido a fim de se conseguir utilizar de tão importante remédio processual, como é o caso do recurso de revista, para a busca de resultados processuais favoráveis.

 

Ainda que a doutrina afirme – e com razão – não ser esse remédio processual apto à proteção a um direito individual, mas sim à correção de decisões ilegais e à uniformização jurisprudencial; o que cada parte quer é proteger o seu direito subjetivo. A boa técnica na utilização do recurso de revista permite o atingimento dessa finalidade, mesmo que como resultado reflexo da tutela do direito objetivo.

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

BRASIL. Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, (CLT). Disponível em: . Acesso em: 23 dez. 2014.

 

CORREIA, Henrique; MIESSA, Élisson. Súmulas e Orientações Jurisprudenciais do TST – comentadas e organizadas por assunto. 4. ed., Bahia: Juspodivm, 2014.

 

DANI, Marcos Ulhoa. Direito Processual do Trabalho no TST: teoria e práticas modernas. Rio de Janeiro: Forense, 2012.

 

GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Lei 13.015/14 e Inovações no Processo do Trabalho. Disponível em: . Acesso em: 28 jan. 2015.

 

LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito Processual do Trabalho. 10. ed., São Paulo: LTr, 2012.

 

MARTINS, Sérgio Pinto. Direito Processual do Trabalho. 29. ed., São Paulo: Atlas, 2009.

 


[1] LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito Processual do Trabalho. p. 855.

 

[2] CORREIA, Henrique; MIESSA, Élisson. Súmulas e Orientações Jurisprudenciais do TST – comentadas e organizadas por assunto, p. 951.

 

[3] Idem.

 

[4] MARTINS, Sérgio Pinto. Direito Processual do Trabalho. p. 423-424.

 

[5] A alínea a do art. 896 da CLT passou a permitir, de forma expressa, a interposição do recurso de revista por contrariedade a súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal.

 

[6] GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Lei 13.015/14 e Inovações no Processo do Trabalho.

 

[7] CORREIA, Henrique; MIESSA, Élisson. Op. cit., p. 974.

 

[8] CORREIA, Henrique; MIESSA, Élisson. Op. cit., p. 975.

 

[9] LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Op. cit., p. 861-862.

 

[10] BRASIL, Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, (CLT), art. 896.

 

[11] DANI, Marcos Ulhoa. Direito Processual do Trabalho no TST: teoria e práticas modernas,              p. 123.

 

[12] DANI, Marcos Ulhoa. Op. cit., p. 152.

 

[13] CORREIA, Henrique; MIESSA, Élisson. Op. cit., p. 972-973.

 

[14] BRASIL, Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, (CLT), art. 896.

 

[15] LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Op. cit., p. 859-860.

 

[16] CORREIA, Henrique; MIESSA, Élisson. Op. cit., p. 982.

 

[17] CORREIA, Henrique; MIESSA, Élisson. Op. cit., p. 963.

______________________________

 

Dezembro/2015