A DESPEDIDA COLETIVA NO BRASIL:

UMA ANÁLISE DA POSSÍVEL APLICAÇÃO DA   EXPERIÊNCIA EUROPEIA

 

 

 

ANTÔNIO BONATTO BARCELLOS

Doutorando em Ciências Sociais pela Universidade de Salamanca (Espanha). Graduação em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul e Graduação em Educação Física pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul . Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho.

 

ELIZABET LEAL DA SILVA

Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Mestrado em Ciências Jurídicas pelo Centro de Ensino Superior de Maringá -UNICESUMAR. Bolsista CAPES. Graduação em Ciências - Biologia pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE. Graduação em Direito pela Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas de Cascavel - UNIVEL.

 

 

 

Resumo: O presente trabalho pretende discutir o instituto sócio-jurídico da despedida coletiva no Brasil com base na normativa de países europeus como Portugal, Espanha e Itália. Desde questões como a nomenclatura até a proposta de conceitos, analisa-se a necessidade social da implementação das despedidas coletivas para a realidade econômica brasileira. No Brasil o instituto não está regulado pela legislação e, sem embargo, já teve lugar em diversas oportunidades nos últimos anos, principalmente a partir da crise econômica mundial de 2008.    A realidade vem acontecendo em um ambiente laboral desprovido da fundamental preparação já que as discussões estão cingidas ao tema acadêmico. Por fim, entende-se ser possível a adaptação de alguns elementos da despedida coletiva europeia para a realidade jurídica e cultural brasileira.

 

 

 

SUMÁRIO: Introdução; 1. Despedir, Dispensar e Demitir, é Fácil Confundir; 2. A Necessidade se uma Leitura Constitucional da Justa Causa; 3. Um Coletivo Diferente; 4. O Despedimento Colectivo em Portugal e outros Países Europeus; 5. Despedida Coletiva no Brasil, uma Proposta Conceitual; 6. A Realidade não Respeita o Vazio Legislativo; Considerações Finais; Referências.

 

 

 

INTRODUÇÃO

 

A despedida coletiva é um tema bastante novo no Brasil. A bem da verdade, já ocorreram despedidas coletivas em território nacional, mas não há, seja na doutrina ou na jurisprudência consenso sobre a sua aplicabilidade, formas e preceitos. Da mesma maneira, a legislação laboral brasileira não prevê o instituto em nenhum artigo, inciso ou alínea, deixando a realidade acontecer em um vazio normativo.

 

O presente trabalho é fruto de inúmeras discussões e leituras originadas no Grupo de Pesquisa em Estado, Processo e Sindicalismo da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Tivemos a oportunidade de aproximar-nos do instituto da despedida coletiva a partir da legislação portuguesa e é também a partir dela que teceremos muitas das considerações do presente texto.

 

No caso europeu, o “despedimento colectivo” (português da Europa), foi regulamentado a partir de uma diretriz europeia[1] determinando a transposição do instituto para os ordenamentos jurídicos nacionais. Quase todos os Estados o fizeram, criando, inclusive, normas mais favoráveis ao trabalhador do que a própria Diretiva do Conselho Europeu. Abordaremos principalmente o caso dos países do Sul da Europa, fundamentalmente Portugal, Espanha e Itália, seja pela maior proximidade linguística, seja pelo tradicional influxo de tendências jurídicas até este lado do Atlântico.

 

Tentaremos, no presente trabalho, propor um conceito sobre despedida coletiva no Brasil a partir de uma discussão entre a realidade nacional e os paradoxos da despedida coletiva. Também comentaremos as questões sobre o controle judicial da despedida coletiva e o poder normativo da Justiça do Trabalho, tema bastante controverso e, em nosso sentir, todavia pouco discutido.

 

 

1. DESPEDIR, DISPENSAR E DEMITIR, É FÁCIL CONFUNDIR

 

A escolha da nomenclatura utilizada em algum tema, às vezes acontecida por acaso e outras por obra de longas reflexões, certamente trará consequências na difusão e no futuro da discussão da temática. No Brasil, a doutrina tem feito distinções entre os termos despedir, demitir e dispensar.  A depender do contexto e do autor, os três termos podem ser sinônimos ou apresentar significados algo distintos. Como soe passar, os significados atribuídos pelos dicionários e aqueles da linguagem jurídica não correspondem exatamente.

 

Todos os três termos, ademais do uso para designar o fim das relações de trabalho, também possuem outras acepções. O tempo e o costume de cada local acabaram por consagrar o uso de um ou outro termo com mais frequência para cada caso. Outro fato curioso é terem os três termos, dispensar, despedir e demitir possibilidade de uso independente de quem tem a iniciativa, se o empregado ou o empregador. No caso do direito laboral, Maurício Godinho Delgado (2011) faz distinção entre os termos, distinção esta que, ao menos na semântica, é mais frágil. Para Delgado (2011) os termos relacionados ao término do contrato de trabalho por ato lícito se configuram na resilição contratual por iniciativa do empregador, sendo considerada terminologicamente em dispensa ou despedida. Quando a resilição contratual se dá por iniciativa do empregado, ela será de maneira geral tratada como pedido de demissão.

 

No caso da língua espanhola[2], os termos “dimitir”, “dispensar” e “despedir” têm significados mais marcados e unívocos no que tange ao aspecto trabalhista. O termo “dispensar” raramente é usado no sentido de fim do contrato de trabalho. Já o termo “dimitir”, de mesma raiz latina que o termo em português, é utilizado exclusivamente no sentido de renúncia, abandono, ou seja, válido quando a iniciativa da cessação parte do empregado. A seu turno, o termo despedir é utilizado quase exclusivamente na acepção contrária, de ruptura contratual por ato do empregador. A despedida coletiva, na Espanha, fixou-se como “despido colectivo”, termo aceito não sem divergências (MONEREO E FERNÁNDEZ, 1997).

 

Optamos, por isso, utilizar o termo despedida por ser aquele, em nosso sentir, mais adequado ao ato do empregador de terminar contratos de trabalho. Além disso, ao utilizar despedida coletiva, imediatamente estabelecemos a diferença na referência ao instituto português e o brasileiro, não sendo necessárias maiores aclarações. Curiosamente, desta feita, o gerúndio tão próprio de terras americanas, ficou do outro lado do Atlântico. Já o adjetivo “coletiva” consagrou-se na doutrina, lei e jurisprudência tanto pátrias como estrangeiras de maneira que tentar mudá-lo provavelmente ocasionaria mais confusão do que nossa tentativa de explicá-lo.

 

 

2. A NECESSIDADE DE UMA LEITURA CONSTITUCIONAL DA JUSTA CAUSA

 

É inegável que as relações de trabalho, principalmente após a primeira metade do século XX, passaram por muitas transformações. Talvez a mais fundamental tenha sido o reconhecimento do trabalho como elemento de dignidade humana e sua inserção no rol de direitos humanos fundamentais.

 

Partindo de tal pressuposto, o instituto da despedida deixa de ser apenas uma decisão do empresário para tomar contornos de interesse geral em prol da dignidade do trabalhador. Como se diria no século passado a cena laboral deveria conjugar os interesses do capital e do trabalho, ou, hodiernamente, interesses sociais e econômicos, dois elementos interconectados e dependentes um do outro.

 

Por isso, na imensa maioria dos países ocidentais, de tradição de direito romano-germânico, a despedida, de um funcionário singular ou de vários, já não se admite sem uma causa que a justifique. Em outras palavras, a Constituição brasileira, a exemplo de outros países, veda a dispensa arbitrária ou sem justa causa. A vedação já está presente no sistema brasileiro há mais de um quarto de século sem haver cobrado um patamar mínimo de efetividade. Aliás, a baixa multa/compensação para o caso de uma despedida sem justa causa traz a impressão de que esta é permitida, bastando depositar algumas migalhas para o trabalhador. Mutatis mutandis, seria como acreditar ser permitido trafegar em excesso de velocidade, bastando, para isso, o depósito de uma multa em favor do Estado.

 

A dispensa arbitrária, sem qualquer razão além da discricionariedade do empregador, ou a sem justa causa, aquela fundada em uma causa, mas não justa o suficiente para embasar o despedimento, são ambas vedadas pela Constituição brasileira. Se a sanção posta é inexistente ou não atende minimamente os requisitos de uma sanção a ponto de coibir a prática da conduta vedada, a norma carece de efetividade. Afinal, é o que passa em nosso sistema, ao ponto de muitos acreditarem ser permitida a dispensa sem justa causa, fato arraigado, inclusive, no próprio ideário dos trabalhadores. Somadas, estas circunstâncias induzem a incrível rotatividade dos postos de trabalho brasileiros e os pesados gastos com subvenções aos desempregados.

 

Então, ao falarmos de despedida coletiva é necessário que tenhamos clara a questão da justa causa, vista a partir de uma interpretação sistemática e constitucional, ela é necessária para qualquer despedida, seja em uma despedida individual, seja na coletiva. O sistema português, a partir da constatação de tal necessidade, divide a justa causa em duas subespécies: justa causa disciplinar e justa causa objetiva.

 

A justa causa disciplinar é a mesma que, no Brasil, conhecemos como justa causa. É a motivação advinda de uma falta disciplinar grave praticada pelo trabalhador e que torna insustentável a continuação do trabalho. Uma das peculiaridades da justa causa disciplinar é ser ela decorrente de um ato específico (ou reiteração de atos após a progressão de punições).

 

Já a justa causa objetiva, traz motivação idêntica àquela admitida nos casos da despedida coletiva. Aqui, a continuação da relação de trabalho também deverá revelar-se impossível, mas por outros motivos. A motivação será assentada em questões econômicas ou de mercado, tecnológicas ou estruturais. A maneira de elencar os motivos justificadores da despedida veio, claramente, do sistema concebido para o despedimento coletivo. A causa da despedida é normalmente alheia ao trabalhador. Esta modalidade de justa causa objetiva tem muito em comum com a despedida coletiva a não ser pelo fato de que, naquela, somente um único trabalhador é despedido. Como veremos a seguir, talvez a própria distinção entre a despedida individual fundada na justa causa objetiva e o despedimento coletivo seja um tanto inócua.

 

 

3. UM COLETIVO DIFERENTE

 

O adjetivo coletivo, utilizado para designar uma modalidade especial de despedida pode ser o motor de confusões e dúvidas, principalmente por sua natural associação ao Direito Coletivo do Trabalho. O que pretendemos deixar claro neste tópico é a diferença entre o sentido semântico do termo “coletivo” constante na expressão “despedida coletiva” daquele presente no termo “Direito Coletivo do Trabalho”. Ainda que no mundo da linguagem as palavras sejam iguais, para o Direito do Trabalho as palavras são distintas e isto é o que tentaremos demonstrar.

 

Em primeiro lugar, a confusão é criada, no Brasil, pela opção da maior parte dos estudiosos em designar as relações entre os sujeitos coletivos (sindicatos ou entidades sindicais), bem como entre os empresários e entidades sindicais ou coletivos de trabalhadores não sindicalizados como “Direito Coletivo do Trabalho”. Argumentam os defensores de tal nomenclatura, como por exemplo o clássico autor José de Segadas Vianna (1972), que nem todas as relações coletivas de trabalho acontecem entre sindicatos, havendo comissões de trabalhadores na empresa que negociam diretamente com o empresário entre várias outras manifestações de similar caráter. Por isso, não se poderia chamar o ramo do direito laboral de Direito Sindical sob pena de olvidar estas outras manifestações não sindicais.

 

Por outro lado, existem autores, a exemplo de Amauri Mascaro do Nascimento (1991), os quais defendem a nomenclatura “Direito Sindical” por ser esta a principal manifestação de caráter coletivo do direito laboral. Tal vertente encontra amparo em países como Espanha (OJEDA AVILÉS, 2014) e Itália (SANTORO PASSARELI, 2009) onde a disciplina é conhecida apenas como Direito Sindical. Aliás, poder-se-ia reputar às relações sindicais a própria separação do ramo trabalhista como autônomo dentro dos estudos jurídicos (PALOMEQUE E ÁLVAREZ, 2014). Existe, também, uma terceira variante principal, sustentada por José Augusto Rodrigues Pinto (1998) segundo o qual ambas as nomenclaturas devem, juntas, designar esta seção do direito do trabalho: Direito Sindical e Coletivo do Trabalho. Para o mencionado autor, o Direito Coletivo do Trabalho não pode sobreviver alijado do sistema sindical e, por outro lado, o sistema sindical também pereceria não fossem os institutos e instrumentos proporcionados pelo Direito Coletivo, a exemplo da greve. O certo é que se a nomenclatura adotada pela maior parte dos autores fosse “Direito Sindical” a confusão de termos não ocorreria.

 

O Direito do Trabalho costuma ser dividido entre individual e coletivo para facilitar o seu estudo, embora ambos os campos pertençam a um ramo maior chamado somente Direito do Trabalho. Apesar dos pontos em comum, existem muitas distinções, sobretudo principiológicas, para diferenciar o direito individual do coletivo. A divisão entre individual e coletivo tem menos a ver com o número de pessoas envolvidas e mais com a qualidade da relação jurídica estabelecida entre as partes (MONEREO E FERNÁNDEZ, 1997).

 

A primeira e fundamental distinção está na hipossuficiência do trabalhador isolado em relação ao empregador, circunstância da qual deriva o princípio da proteção e todo um arcabouço normativo estatal criado para regular as relações entre o empregado individualmente considerado e o empregador. Por sua parte, no “Direito Coletivo” se presume uma equivalência entre as partes da relação jurídica, sejam elas um sindicato ou comissão de trabalhadores face ao empregador, ou entre sindicatos. Além disso, como bem aponta Delgado (2011), os seres coletivos, por exemplo, sindicatos, empresa, sindicato de empresas, comissões de empresa etc., têm todos eles um ponto em comum: a capacidade de oposição e defesa de seus direitos. Cada um destes atores coletivos da cena laboral possui mecanismos de defesa dos seus direitos sem necessitar assistência do Estado e, ao menos em teoria, em posição de equivalência de forças com relação ao oponente. Nestes pontos residem as principais distinções entre o individual e o coletivo no que toca aos ramos do direito do trabalho.

 

Mas e então a “Despedida Coletiva” supõe uma relação jurídica entre partes equivalentes, capaz de inseri-la no ramo de estudos do Direito Coletivo do Trabalho? Parece que não. Ao que tudo indica, a Despedida Coletiva deverá ser estudada sob o enfoque do direito individual do trabalho em que pese o nome indicar o contrário.

 

O primeiro indício para comprovar tal afirmação é a discricionariedade do empregador. A despedida coletiva, em que pese seguir uma regulamentação específica, pelo menos nos países onde é regulada, depende exclusivamente de uma decisão do empregador. O empregador deve seguir certa sorte de procedimentos específicos descritos pela lei. Ademais, a dispensa coletiva deve estar fundada em uma causa suficiente que a justifique. Os motivos podem ser de ordem técnica, em razão de questões da organização da empresa, em razão da conjuntura econômica, entre outros. Ou seja, deve haver a comprovação de mudança na situação anteriormente estabelecida para justificar a despedida coletiva. No entanto, nem o Estado, nem os sindicatos e tampouco as comissões de empresa podem impedir a despedida coletiva quando cumpridas as formalidades legais. Claro está, que as entidades poderão tentar evitar a despedida coletiva a partir de movimentos paredistas ou mesmo ações judiciais. Sem embargo, a despedida coletiva  não interessa apenas ao trabalhadores despedidos como se verá a seguir. O procedimento da despedida coletiva visa a buscar o cumprimento dos requisitos formais e não discutir o mérito da decisão de despedir tomada pela empresa. É claro, sempre pode haver uma solução negociada após o anúncio da necessidade de despedir diversos trabalhadores. Contudo, o acordo e a concordância dos trabalhadores não são condição sine qua non para a ocorrência da despedida coletiva.

 

O segundo indício a indicar ser a despedida coletiva um instituto afeito aos princípios do direito individual do trabalho é a regulação estatal de sua forma e motivos. É inegável que os Estados, seja o brasileiro ou qualquer outro, principalmente naqueles de tradição de regulamentação jurídica positiva e latina, interferem nas relações de trabalho para tentar equilibrar a balança entre trabalhador e empresário. Neste sentido são quase todas as normas de direito individual do trabalho. Normalmente, onde falta o direito coletivo no sentido de sindicatos atuantes e negociações coletivas abrangentes e habituais, o direito individual cresce e clama por regulação através do Estado (FERNANDES, 1999).

 

A bem da verdade, a despedida coletiva é o único instituto de Direito do Trabalho no qual a parte fragilizada é o empregador. Parece estranho fazer tal afirmação, principalmente depois de quase um século de maniqueísmo excessivo entre a “a classe operária” e a “burguesia”. A necessidade de realizar uma despedida coletiva implica em que a empresa esteja passando por dificuldades e, por isso, deva permitir-se ao empresário, violar princípios do direito laboral consistentes na necessária continuidade da relação de emprego e na estabilidade dos contratos de trabalho. Tais circunstâncias também estão a indicar que uma das partes está fragilizada e necessita do amparo estatal, caso pontual de prevalência do direito individual do trabalho como matriz principiológica fundamental a ser utilizada.

 

Mas e então que “coletivo” seria esse? A explicação, como sempre, não é simples. Apesar de cada empresa, cada trabalhador e cada localidade apresentarem realidades distintas, alguns fatores são comuns.

 

A despedida recebe o adjetivo coletivo (em nosso entender mal escolhido) porque interessa a uma coletividade. Novamente, a nomenclatura tem pouco a ver com a quantidade de trabalhadores despedidos e muito mais com as circunstâncias da despedida. De maneira, em nosso entender, equivocada (MONEREO E FERNÁNDEZ, 1997), a maioria das legislações optou por um critério numérico para que fosse caracterizada a dispensa coletiva. Mesmo que seja somente um trabalhador a ser despedido, a despedida poderia ser, ao menos em teoria, caracterizada como coletiva.

 

Sempre que o empregador anuncia uma das causas possíveis para a despedida coletiva, motivos técnicos, organizativos ou econômicos tal decisão interessa à toda a empresa, à comunidade na qual está inserida e também ao Estado. Os demais trabalhadores podem, inclusive, estar interessados em que a despedida seja concretizada, se assim for possível ao empresário manter os demais empregos. A comunidade também está interessada pois uma despedida de vários trabalhadores, ou mesmo de um único, quando significar que a empresa está passando por dificuldades põe em alerta as famílias e os comerciantes locais em razão de uma possível queda na circulação de dinheiro local. Para o Estado a despedida interessa já que os desempregados certamente receberão algum tipo de ajuda social e se a empresa está com dificuldades poderá também significar uma queda na arrecadação de impostos. Existe, por fim, o inequívoco interesse daquele universo de trabalhadores que pode ser despedido por enquadrar-se nos critérios de seleção anunciados.

 

Como visto, por diferentes motivos, a despedida coletiva interessa ao coletivo que gravita em torno dos postos de trabalho que serão extintos. Por tal motivo ela deve ser chamada de coletiva e não porque se trata de um instituto de direito coletivo. A despedida coletiva, portanto, deverá ser analisada e tratada sob o olhar do direito individual do trabalho e seu arcabouço normativo e principiológico.

 

 

4. O DESPEDIMENTO COLECTIVO EM PORTUGAL E OUTROS PAÍSES EUROPEUS

 

Tomamos como referência de nosso estudo o sistema português do despedimento colectivo em razão da facilidade linguística e uma maior aproximação entre os institutos jurídicos portugueses e brasileiros. Apesar do despedimento colectivo não ser algo novo em Portugal e outros países europeus, a já aqui mencionada Diretriz 98/59/CE do órgão da União Européia encarregado da questão fixa as bases interpretativas das legislações nacionais à ela correlatas. Na exposição de motivos da diretriz nota-se a intenção de inserir nos ordenamentos dos países da União Européia um modelo de “flexisegurança[3]” (MONEREO PÉREZ, 2012. p. 12). Em outras palavras, a diretriz pretende tornar possível a adequação do pessoal por parte do empresário mas sem deixar de exigir a presença de certos elementos necessário para a despedida de vários trabalhadores.

 

Em Portugal o despedimento colectivo encontra respaldo legal desde 1974 através do DL 783/74. O tema é atualmente regulado pelo Código do Trabalho (2009) que, em seu art. 359, apresenta o conceito legal de despedimento colectivo:

 

Art. 359º

1. Considera-se despedimento colectivo a cessação de contratos de trabalho promovida pelo empregador e operada simultânea ou sucessivamente no período de três meses, abrangendo, pelo menos, dois ou cinco trabalhadores, conforme se trate, respectivamente, de microempresa ou de pequena empresa, por um lado, ou de média ou grande empresa, por outro, sempre que aquela ocorrência se fundamente em encerramento de uma ou várias secções ou estrutura equivalente ou redução do número de trabalhadores determinada por motivos de mercado, estruturais ou tecnológicos.

2. Para efeitos do disposto no número anterior consideram-se, nomeadamente:
a) Motivos de mercado – redução da actividade da empresa provocada pela diminuição previsível da procura de bens ou serviços ou impossibilidade superveniente, prática ou legal, de colocar esses bens ou serviços no mercado;

b) Motivos estruturais – desequilíbrio económico-financeiro, mudança de actividade, reestruturação da organização produtiva ou substituição de produtos dominantes;

c) Motivos tecnológicos – alterações nas técnicas ou processos de fabrico, automatização de instrumentos de produção, de controlo ou de movimentação de cargas, bem como informatização de serviços ou automatização de meios de comunicação.

 

Como se nota, a legislação adota um critério quantitativo para a configuração do despedimento coletivo. A principal relação é entre o número de despedidos e o tamanho da empresa como medida para a gravidade da situação enfrentada. O critério adotado pelo legislador é evidentemente instrumental e pragmático, diferencia o despedimento individual fundado em causas objetivas do coletivo a partir da representatividade da quantidade de despedidos no seio da empresa e da comunidade. O despedimento coletivo não é mais que um despedimento individual revestido de “maior importância” pela legislação em razão da quantidade de pessoas implicadas. O despedimento colectivo é socialmente relevante e por isso ganha contornos especiais.

 

A legislação portuguesa traz três principais elementos configuradores   do despedimento colectivo: o primeiro elemento é o causal,  a decisão do despedimento deverá ser fundada em um dos motivos autorizados pela lei, encerramento da empresa, motivos de mercado, organizacionais ou tecnológicos; o segundo elemento é quantitativo, é necessário afetar um determinado número de trabalhadores conforme o tamanho da empresa; por fim, o terceiro elemento é o temporal onde os despedimentos ocorridos em determinado lapso de tempo são somados para configurar o despedimento colectivo.

 

Cabe agora analisar os motivos permitidos pela legislação portuguesa para a configuração do despedimento colectivo. Dentro da ideia de flexibilidade dos contratos de trabalho, sem atropelar os princípios da continuidade da relação de emprego e o princípio protetor, a legislação fixa as causas passíveis de justificar o despedimento colectivo. Os motivos tem uma característica bastante importante, devem ser alheios aos trabalhadores, seja, atinentes à empresa, comuns aos empregados despedidos e por óbvio, situações supervenientes e inevitáveis. O Código do Trabalho coloca quatro motivos sobre os quais deverá estar calcado o despedimento colectivo.

 

O primeiro deles é a extinção do estabelecimento ou da empresa. O código português traz o termo secção, o que poderia ser entendido inclusive como um determinado departamento da unidade empresarial com certo grau de autonomia e independência dos demais. Contudo, ao transpor o conceito para a realidade brasileira, acreditamos mais factível falar em estabelecimento ou empresa. Nestes casos, por óbvio, será impossível a continuação dos contratos de trabalho e a extinção dos contratos assume especial relevância para os trabalhadores, para a unidade empresarial que   se extingue, para a comunidade e para o Estado que perderá fonte de arrecadação.

 

Em segundo estão os motivos de mercado. Entende-se por motivos de mercado uma queda na procura pelos produtos ou serviços pela empresa provocados entre outras causas por crises econômicas ou recessão além da impossibilidade de seguir produzindo face ao aumento dos impostos, aumento do preço das matérias primas, câmbio desfavorável etc. Assim, a empresa passa a encontrar dificuldade na colocação dos produtos ou serviços no mercado necessitando adequação do quadro de funcionários para sobreviver e competir. Segundo Monteiro (2007), a legislação acolhe a possibilidade do despedimento colectivo por fatores de mercado inclusive quando existir somente a previsão (evidentemente bem fundamentada) de resultados negativos.

 

Logo em seguida temos os motivos estruturais que importarão em uma reorganização da estrutura produtiva empresarial. Tal reorganização poderá dar-se para adequação de finanças, troca de atividade principal ou mesmo substituição de produtos ou serviços ofertados.

 

Finalmente a legislação também contempla os motivos tecnológicos. A motivação fundada em razões tecnológicas tem a ver com a incorporação de novos processos de fabricação, automatização ou informatização de processos e também novos instrumentos de comunicação.

 

Nenhum dos motivos é peremptório e definido exatamente. Haverá sempre margem para a discussão sobre a adequação da motivação e necessidade efetiva do despedimento. A decisão sobre a adequação da causa aventada com relação ao preceito legal cabe ao empresário. Note-se que aos trabalhadores atingidos caberá questionar a adequação e necessidade imperiosa na causa invocada e nunca a decisão sobre os rumos da atividade empresarial.

 

O despedimento coletivo português, apesar de sua vicissitudes, apresenta semelhanças com o de outros países europeus. Comentaremos brevemente os casos espanhol e italiano por acreditarmos que, junto ao direito português, são os sistemas mais próximos e influentes em terras brasileiras.

 

Na Itália o instituto recebe o nome de “Licenziamento Colletivo” (TATTARELLI, 2006). O marco regulatório é a Lei 223, de 1991, a qual somente foi promulgada, transpondo ao ordenamento italiano as Diretivas da União Europeia, após o Estado Italiano ter sido condenado pela mora legislativa (PESSI, 2014). A lei prevê duas “fattispecie” de despedida coletiva. A primeira delas é uma hipótese mais restrita ao caso de empresas que passam por um programa de suspensão temporária de atividades, similar a algum plano de recuperação e que, ao final, não reúnem suficientes condições para readmitir a totalidade dos trabalhadores anteriormente afastados de maneira temporária. A segunda hipótese de despedida coletiva italiana é a de caráter geral e mais próximo àquela regulada pelo ordenamento português. Tal hipótese está regulada no art. 24 da mencionada lei. De acordo com o art. 24, tal regulamento se aplica a empresas que empreguem mais de 15 trabalhadores e, num prazo de 120 dias, demitam pelo menos 5 obreiros em uma mesma unidade produtiva ou de diversas unidades produtivas na mesma província.

 

A legislação italiana, diferentemente da portuguesa, não detalha os motivos que podem ensejar a despedida coletiva, somente refere poder ser por motivos técnicos, organizativos ou produtivos. Sem embargo, a lei italiana define melhor o conceito de unidade produtiva ou várias unidades produtivas em uma mesma província para a soma dos despedimentos que deverão contar para atingir os patamares quantitativos do despedimento coletivo. A legislação portuguesa refere apenas a palavra empresa, sem detalhar se o conceito pode abranger filiais, unidades em diferentes cidades e podendo gerar razoáveis dúvidas. O conceito italiano de província (uma unidade intermediária que estaria entre o município e o Estado federado e que não existe no Brasil) parece acertado, pois privilegia os impactos locais da despedida coletiva justamente um dos motivos porque a despedida coletiva recebe tal nome.

 

Cabe ressaltar que Tatarelli (2006) aponta que as mesmas razões objetivas podem justificar uma despedida individual ou coletiva. A distinção entre ambas as espécies é de caráter pragmático, determinada pelo perfil quantitativo-temporal onde a distinção baseia-se exclusivamente nos critérios legais definidores de um e de outro. A consequência disso, para o mencionado autor, é a impossibilidade de converter a despedida coletiva em uma despedida individual plúrima. Uma vez classificado o despedimento como coletivo pelo empregador este será ou não legítimo e estará sujeito às cominações legais em caso de ilegitimidade.

 

Por sua vez, a Espanha também regula o tema do “despido colectivo” (GARCÍA, 2002). A previsão legal está no art. 51 do Estatuto de los Trabajadores (1995) com critérios bastante similares aos da legislação portuguesa. Ali também são referidos os motivos técnicos, econômicos, organizativos ou de produção como as causas suficientes para justificar a despedida coletiva. A legislação espanhola, a exemplo da portuguesa, tenta detalhar o que seria cada um dos motivos, de maneira mais precisa. A causa econômica estaria configurada quando os resultados econômicos da empresa, durante três trimestres consecutivos, forem inferiores em todos eles no cotejo com igual período do ano anterior. Causa técnica seria quando são produzidas mudanças nos meios ou instrumentos de produção e organizativas, quando ocorram mudanças nos sistemas e métodos de produção ou na maneira de organizar a produção da empresa. Por fim, estão as causas de produção quando existam mudanças na demanda dos produtos ou serviços que a empresa pretende comercializar.

 

Sobre os critérios quantitativos, entende a legislação espanhola que a despedida coletiva pode se configurar a partir de três diferentes quantidades de trabalhadores: dez trabalhadores, quando a empresa ocupe menos de 100 obreiros; dez por cento dos trabalhadores naquelas empresas que tenham entre 100 e 300 empregados; e, finalmente, trinta trabalhadores naquelas empresas que possuam mais de 300 empregados. Note-se que a legislação espanhola privilegia o contexto de maior relevância social da despedida coletiva. Só existe uma hipótese onde a despedida de menos de dez e mais de cinco trabalhadores configura-se como despedida coletiva: quando ocorra a extinção da empresa fundada em alguma das causas anteriormente apontadas.

 

O aspecto temporal na legislação espanhola é, tal qual a lei portuguesa, de noventa dias. O mencionado prazo é aquele onde as despedidas devem ser somadas para configurar a despedida coletiva e impedir que uma sucessão de despedidas individuais não receba a devida atenção de maior relevância social.

 

Como visto, as legislações transpuseram a diretriz européia de distintas maneiras para os ordenamentos nacionais. Todas elas procuraram adotar um critério quantitativo e temporal para a configuração da despedida coletiva. Reputamos que tal opção é de caráter pragmático, para possibilitar maior segurança jurídica tanto aos trabalhadores quanto aos empreendedores.

 

Mas e no Brasil, seria possível delinear um conceito de despedida coletiva? É a tarefa que nos incumbe a seguir.

 

 

5. DESPEDIDA COLETIVA NO BRASIL, UMA PROPOSTA CONCEITUAL

 

Vários dos elementos listados ajudam ou dificultam a elaboração de um conceito de despedida coletiva adequado à realidade político-social brasileira. Como exemplo, a ausência de uma leitura constitucional da justa causa torna difícil separar o que são razões objetivas para a cessação dos contratos de trabalho, por outro lado, a experiência européia mostra ser necessário delinear o máximo possível qual o conceito de empresa deve ser aplicado para consideração da despedida coletiva.

 

É importante recordar ser a despedida coletiva a maneira mais fácil de proceder a despedida em massa de trabalhadores como assevera Bernardo Lobo Xavier (LOBO XAVIER, 2002) e, como dito antes, medida destinada à preservação da empresa. Por tudo isso, a conceituação e, consequentemente, definição das hipóteses em que permitida a despedida coletiva deve ser o mais precisa possível. Os três elementos (quantitativo, causal e temporal) principais da noção de despedida coletiva serão analisados um a um. Ademais, no caso brasileiro, tendo em vistas as dimensões do território nacional deveria ser adicionado o critério espacial.

 

Quanto ao elemento quantitativo, embora irrelevante em um plano ontológico, de maneira pragmática interessa à segurança jurídica e estabilidade das relações. Acreditamos que o número de trabalhadores a ser despedido, para configuração da despedida coletiva deve sempre guardar relação de proporcionalidade com o tamanho do estabelecimento empresarial. Assim, dever-se-ia falar sempre em percentuais que mudam segundo a quantidade de empregados do estabelecimento.

 

O aspecto causal parece ser aquele segundo o qual existem menos polêmicas. Está claro ser impossível delinear perfeitamente todas as hipóteses de despedida coletiva, ou seja, hipóteses de dificuldades empresariais justificadoras de uma despedida em massa. Por outro lado, os motivos econômicos, técnicos e organizativos parecem abarcar uma ampla gama de possibilidades realmente significativas para o assunto.

 

Já o aspecto temporal parece ser o mais mal compreendido. A maioria das legislações estabelece um período dentro do qual as despedidas pela mesma razão devem somar-se para configuração da despedida coletiva. A legislação portuguesa coloca tal período como de três meses. Este aspecto deve ser analisado com muita parcimônia pois a distinção entre as despedidas individuais fundadas em causas objetivas e a despedida coletiva importa tal distinção. Um período muito reduzido poderia esconder a real situação da empresa que, através de despedimentos individuais fragmentados não deixa transparecer ao mercado, ao Estado e à comunidade local sua real situação. Por outro lado, estender o período em demasia poderia transformar despedidas realmente individuais e pontuais em despedidas coletivas. Parece que o critério adotado pela legislação portuguesa (e também pela espanhola) de três meses seja adequado à tais fins.

 

Ainda, quanto ao aspecto espacial, temos como importante considerá-lo no Brasil. Junto ao aspecto espacial/territorial vem a noção de empresa para fins de despedida coletiva. Em nosso sentir, seria importante considerar a noção celetista de estabelecimento empresarial (principalmente aquela utilizada para a obrigatoriedade manutenção de registros de horário) combinada com a noção de município ou região metropolitana. Desta feita, os percentuais de trabalhadores valeriam para o estabelecimento empresarial ou para todos aqueles estabelecimentos localizados no mesmo munícipio ou região metropolitana.

 

Por fim, o conceito de despedida coletiva no Brasil poderia, de maneira geral, ser próximo a: A despedida de A% de trabalhadores no caso de estabelecimentos empresariais singulares ou de todos situados em um mesmo município ou região metropolitana que tenham até X empregados, B% trabalhadores para empresas que possuam mais de X até Y trabalhadores e C% trabalhadores no caso de empresas que possuam mais de Y trabalhadores, em um espaço de três meses, sempre que fundada em causa comum a todos eles e que seja econômica, técnica ou organizativa. Também se considera despedida coletiva o encerramento total das atividades em determinado estabelecimento seja pelas causas acima descritas ou por motivos alheios à vontade do empregador, a exemplo da força maior.

 

Claro está que os percentuais e limites de funcionários dos estabelecimentos deverão ser analisados a partir de uma ótica multidisciplinar em busca de adequação à realidade nacional. Por isso, preferimos indicar apenas termos gerais do conceito sem aprofundar tanto a questão da proporcionalidade quanto o detalhamento das causas econômicas, técnicas e organizativas.

 

 

6. A REALIDADE NÃO RESPEITA O VAZIO LEGISLATIVO

 

Parece claro que o costume vem sempre antes da lei. Aliás, a reiteração de práticas invariavelmente acaba causando a sua transposição para o sistema jurídico ou, ao menos, a tolerância de tais pautas sociais. Tanto Henry Summer Maine (1900) quanto Fustel de Coulanges (1984) discorrem sobre a importância da religião familiar indiana e romana para a configuração de alguns institutos de direito que conhecemos hoje, a exemplo da adoção.  A regra é, portanto, a transposição de um costume para o ordenamento jurídico.

 

A norma jurídica, quando bem editada e acorde com as necessidades sociais traz aos usuários uma maior previsibilidade e maior segurança jurídica. Sem embargo, no Brasil muitas normas jurídicas cobram força extraordinária, às vezes com o condão de torcer o costume, seguindo o caminho antinatural da criação de costumes e práticas sociais a partir da lei.

 

A despedida coletiva em todas suas nuances é uma realidade em nível mundial a partir da superação dos paradigmas de direitos humanos básicos e do trabalho como elemento de dignidade. Desde o final da Segunda Guerra Mundial as organizações passaram a reconhecer direitos inerentes à condição humana sendo o trabalho um dos principais, pois possibilita a sobrevivência digna e contribui para a evolução das sociedades. A segunda metade do século XX viveu uma época de plena produção legislativa em busca de garantir aos trabalhadores, condições mínimas de trabalho e dignidade. Ao sabor da guerra fria, falava-se em conflito capital versus trabalho para ilustrar a necessária divergência de interesses entre o empresário e obreiro.

 

Na sociedade pós-moderna e contemporânea é necessário superar os dogmas que colocam em lados opostos empresários e trabalhadores e o Estado, na maioria das vezes, na condição de “protetor” dos últimos. A geração de valor na pós-modernidade se dá através de diversas pautas, principalmente, por elementos capazes de gerar a confiança e o otimismo necessários nas bolsas de valores e nas opiniões de possíveis clientes e investidores. O aumento do lucro não passa, exclusivamente, pelo ganho empresarial baseado em exigir mais trabalho e menores salários (LOPES DE ANDRADE, 2005).

 

É dentro de tal perspectiva, de necessária sinergia (MASUDA, 1984) entre os atores do meio laboral que deve analisar-se a despedida coletiva.     A despedida coletiva desperta o interesse de todos, trabalhadores, empresários, comunidade e Estado em prol da manutenção da atividade empresarial, ainda que com o sacrifício de alguns.

 

Talvez o caso mais emblemático de despedida coletiva em solo nacional tenha sido a ocasião, no ano de 2009, em que a Embraer necessitou extinguir aproximadamente 20% (mais de 4.000 trabalhadores) de seus postos de trabalho por conta da crise mundial imobiliária iniciada nos Estados Unidos em 2008. A Embraer, fabricante de aviões e grande exportadora, sentiu a forte retração nas vendas devido à situação da economia mundial e do mercado internacional.

 

Não houve sucesso na negociação coletiva e o sindicato profissional ajuizou um dissídio coletivo de natureza jurídica para a discussão judicial da despedida coletiva. Cabe ressaltar, como afirma Homero da Silva (2009) que a Embraer teve um grande aporte de recursos públicos a financiar seu desenvolvimento e expansão internacional. Será possível discutir a despedida coletiva a partir de um dissídio coletivo de natureza jurídica que supostamente aborda o vazio da norma coletiva? Em nosso entender, não.

 

O Regulamento Interno do Tribunal Superior do Trabalho (2014), fala sobre o dissídio coletivo de natureza jurídica em seu art. 220: “Os dissídios coletivos podem ser: (...) II - de natureza jurídica, para interpretação de cláusulas de sentenças normativas, de instrumentos de negociação coletiva, acordos e convenções coletivas, de disposições legais particulares de categoria profissional ou econômica e de atos normativos”. Ou seja, supõe-se, a priori, que a ausência de referência à despedida coletiva é o que os intérpretes chamam de “silêncio eloquente”. A ausência de norma torna-se, paradoxalmente, o caminho para poder interpretá-la. Contudo, tal assunto certamente merece uma maior reflexão e não pretendemos esgotá-lo aqui.

 

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Parece ter ficado clara a fundamental importância do instituto da despedida coletiva para o mundo laboral pós-moderno. Por uma série de motivos, no Brasil, a questão ainda se restringe ao meio acadêmico ou alguns esparsos casos judiciais. Um tema tão relevante, merece estar na pauta de debates nacionais, principalmente em tempos de crise econômica.

 

A despedida coletiva, ao contrário do que possa parecer, pertence ao campo de estudos do direito individual e sob tal ótica deve ser estudada. Nada impede que a norma coletiva regule a questão mas, dado o sistema sindical estabelecido no Brasil, parece difícil a solução negociada. Quando o sindicato único representa forçosamente a integralidade da categoria, parece difícil que atue em prol dos empregadores despedidos e daqueles que dependem da despedida para manter o próprio emprego. Talvez tenha maior importância neste caso a comissão de empresa e outros canais de comunicação e negociação não sindicais. No entanto, no Brasil tais formas  de representação de trabalhadores não soem ser permitidas e, menos ainda, possuir poderes suficientes para transigir em nome de uma coletividade.

 

De outra banda, a despedida coletiva é um instituto jurídico imprescindível em casos de grave crise econômica. Efetivamente, novas normas foram adotadas pela União Europeia justamente após a crise mundial de 2008 atingir os níveis mais alarmantes. O interesse coletivo prevalece sobre o interesse individual e relativiza princípios e garantias trabalhistas como a continuidade no emprego e o direito ao trabalho. O modelo de segurança jurídica das relações com flexibilidade para os tempos de crise parece ser necessário ao atual momento brasileiro.

 

A existência de uma legislação clara e precisa sobre a despedida coletiva no Brasil poderia servir para estabelecer um novo marco de confiança e previsibilidade nas relações. Lado outro, a regulamentação da despedida coletiva deveria, necessariamente, vir acompanhada da implementação da justa causa por razões objetivas e da vedação à despedida arbitrária e sem justa causa.

 

Finalmente, acreditamos impossível transpor, tal e qual, a legislação europeia para o Brasil. São realidades bastante distintas, cada uma reclama diferentes abordagens. No entanto, como mencionado, poderíamos aproveitar elementos da experiência europeia para, após reflexão e estudos sobre a necessidade nacional, aplica-los no Brasil. Não se pode admitir o completo silêncio sobre um tema tão relevante.

 

 

REFERÊNCIAS

 

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[1] Diretriz 98/59/CE de 20 de julho de 1998 do Conselho Europeu relativa à aproximação das legislações dos Estados-membros respeitantes aos despedimentos colectivos.

 

[2] Segundo a Real Academia Española: www.rae.es

 

[3] Tradução livre do termo “flexiseguridad” utilizado pelo mencionado autor.

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Dezembro/2016