O ARTIGO 388 DO CÓDIGO DE TRABALHO DE PORTUGAL: APRECIAÇÃO JUDICIAL DO DESPEDIMENTO COLETIVO

 

 

 

JOÃO VICENTE ROTHFUCHS

Mestre em Direito Empresarial pela Universidade de Coimbra. Professor de Direito do Trabalho da PUCRS. Advogado.

 

 

 

Resumo: O presente estudo visa à apresentação do sistema procedimental referente à análise judicial do despedimento coletivo prevista no ordenamento português.

 

Palavras-Chave: Direito do Trabalho; Processo do Trabalho; Direito do Trabalho Português; Despedimento; Despedimento Coletivo.

 

 

 

SUMÁRIO: Introdução; 1. Aspectos Gerais sobre a Proteção ao Emprego em Portugal; 2. O artigo 388 do Código do Trabalho de Portugal; 3. Efeitos da Ilicitude do Despedimento Coletivo; 4. Compensação em Caso de Despedimento Coletivo; 5. Crítica ao Regime; Conclusão; Referências Bibliográficas.

 

 

 

INTRODUÇÃO

 

O presente estudo decorre de calorosos debates realizados ao longo do ano de 2015 acerca do modelo legislativo português no que diz respeito aos denominados “despedimentos coletivos”. A motivação dos debates decorre da ausência de previsão legal específica no ordenamento jurídico pátrio (embora existam projetos de lei tramitando no Congresso Nacional)[1] e da consequente heterogeneidade de tratamento do tema pelos órgãos competentes, em especial a Justiça do Trabalho. Em situações em que há as chamadas “despedidas em massa”, o Ministério Público do Trabalho tem agido e o Poder Judiciário atuado de forma a estabelecer consequências punitivas ao empregador que simplesmente despede, sem considerar os danos sociais inerentes ao ato e a função social da empresa. Os parâmetros de atuação, todavia, são muito subjetivos, construídos sobre conceitos abertos que acabam por tornar as decisões divergentes entre si e, com isso, criar enorme insegurança jurídica.

 

Para essas situações, o direito do trabalho de Portugal estabelece, de forma detalhada, regramento no seu Código do Trabalho (CT), que vai desde a definição do despedimento coletivo[2], estabelecendo conceito que leva em conta critérios subjetivos e objetivos, passando por suas possíveis justificativas e por todo o procedimento necessário para a sua implementação, para finalizar tratando das suas irregularidades. Toda a parte conceitual e operacional é tratada entre os artigos 359º e 366º do CT. Após, o artigo 383º configura a ilicitude do despedimento e o artigo 388º trata daquilo que os portugueses chamam de “apreciação judicial”.

 

Este artigo será construído tendo como núcleo a questão prevista no artigo 388º; ou seja, a apreciação judicial do despedimento coletivo, em razão do que será necessário se transitar, ainda que de forma bastante delimitada, pelo sistema jurídico trabalhista como um todo, incluindo-se, aí, questões processuais, a fim de possibilitar ao leitor brasileiro a compreensão daquilo que aqui se pretende demonstrar.

 

 

1.  ASPECTOS GERAIS SOBRE A PROTEÇÃO AO EMPREGO EM PORTUGAL

 

Em seara preliminar, importante ter-se em vista que o sistema jurídico lusitano estabelece, desde o advento da Constituição da República Portuguesa (CRP), de 1976, ampla proteção contra a dispensa imotivada já no âmbito constitucional. O artigo 53º da CRP, ao tratar da segurança no emprego, assim rege:

 

Artigo 53º

(Segurança no emprego)

É garantida aos trabalhadores a segurança no emprego, sendo proibidos os despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos.

 

Com efeito, o ponto de partida da análise do regramento previsto para    o despedimento coletivo deve ter em consideração que, diferentemente do que ocorre no sistema jus-laboral brasileiro, no português qualquer despedida deve ser justificada. Não é possível se despedir imotivadamente simplesmente se pagando uma indenização, como ocorre na grande maioria das dispensas de nosso país, as chamadas “despedidas sem justa causa”. Em Portugal, como, aliás, é comum em diversos países europeus, a liberdade de por fim ao contrato de trabalho por parte do empregador sofre limites reais, a fim de não deixar ao seu mero arbítrio a possibilidade de tirar o emprego de alguém que dele necessita para dar conta das suas mais básicas necessidades, em especial a alimentar. Obviamente, essas restrições são limitadas à iniciativa do empregador, já que o empregado sempre pode optar se quer ou não continuar trabalhando para determinado empregador. Ensina-nos o festejado mestre português Monteiro Fernandes:[3]

 

“(...) o regime da cessação do contrato de trabalho não é, como se verá, uniforme para ambas as partes. Particularmente à luz da legislação vigente, o empregador está sujeito a um conjunto de exigências, para que possa promover a ruptura do contrato, que não encontram, de modo algum, paralelo no estatuto do trabalhador; desde logo, só quanto a ele (empregador) existem limitações referentes aos motivos pelos quais o vínculo pode ser dissolvido unilateralmente, com incidência na eficácia da desvinculação.”

 

A necessidade de justificação do término da relação de emprego por iniciativa patronal, portanto, não é exclusividade do regime de despedimento coletivo, sendo válida, ainda, para as despedidas individuais, que também se submetem a limites impostos por lei e a procedimentos próprios, subsumidos dentro de um grande conceito de “justa causa”, estabelecido em sentido amplo na CRP.

 

Em se tratando de despedimento coletivo, consoante mencionado, necessário se faz que o conteúdo material exigido pelo legislador seja atendido e que o procedimento estabelecido, que prevê exposição de motivação, mecanismos de diálogo entre as partes, participação de terceiros e possibilidade de impugnações seja, de fato, cumprido.

 

Para que o despedimento coletivo seja válido, o primeiro aspecto a ser levado em conta é a sua caracterização como tal, que considera um elemento quantitativo, de número de empregados despedidos, analisado dentro de um intervalo temporal: apenas será coletivo o despedimento que abranger o mínimo de dois trabalhadores nas micro e nas pequenas empresas e de cinco trabalhadores nas médias e grandes empresas, se despedidos simultaneamente ou sucessivamente no período de três meses. É um quantitativo até certo ponto modesto, em especial quando se analisa o universo das empresas maiores[4] (médias e grandes), que torna o conceito muito mais abrangente do que as chamadas “despedidas em massa”, que vêm chamando a atenção do direito do trabalho brasileiro. O segundo critério, esse já no âmbito da validade, diz respeito aos motivos, sendo necessária a existência de motivos de mercado, estruturais ou tecnológicos, nos termos delimitados pela lei, que fundamentem o encerramento de uma seção ou estrutura equivalente da empresa ou a redução do número de trabalhadores. Entende-se necessária, ainda, a existência de nexo de causalidade entre os motivos invocados e a cessação dos contratos de trabalho e proporcionalidade na aplicação da medida.[5]

 

Sob o ponto de vista procedimental, a lei estabelece formalidades, divididas em três fases fundamentais: fase de comunicações, fase de consulta e fase decisória.[6] No procedimento, destacam-se a necessidade de comunicação inicial de intenção de despedimento coletivo; fase de informações e negociação, com intervenção do representante da Direcção-Geral do Emprego e das Relações de Trabalho (DGERT), decisão com aviso prévio e pagamento da compensação.[7]

 

A complexidade do ato torna possíveis inúmeras discussões acerca de eventual ilicitude, cujo reconhecimento deverá ser realizado por órgão judicial, nos termos estabelecidos no artigo 388º do Código do Trabalho.

 

 

2.  O ARTIGO 388º DO CÓDIGO DO TRABALHO DE PORTUGAL

 

Estabelece o artigo 388º do Código do Trabalho:

 

Artigo 388º

Apreciação judicial do despedimento coletivo

1. A ilicitude do despedimento coletivo só pode ser declarada por tribunal judicial.

2. A ação de impugnação do despedimento coletivo deve ser intentada no prazo de seis meses contados da data da cessação do contrato.

3. É aplicável à ação de impugnação do despedimento coletivo o disposto no nº 3 do artigo anterior.

 

O primeiro aspecto relevante do referido dispositivo legal é o fato de estabelecer uma presunção de licitude no despedimento coletivo, que demandará o ajuizamento de medida judicial para que se reconheça o contrário. Observe-se que apenas o “tribunal judicial” poderá reconhecer a ilicitude do despedimento, limitando qualitativamente a atuação dos demais atores sociais que participam do procedimento, como a comissão de trabalhadores, as comissões sindicais ou mesmo o ministério responsável pela área laboral.

 

O conteúdo dessa ilicitude do despedimento vem, também, previsto expressamente no Código do Trabalho. Será ilícito qualquer despedimento que seja amparado em motivos políticos, ideológicos, étnicos ou religiosos, conforme previsão constitucional; que tenha a sua motivação declarada improcedente ou não seja precedido do respectivo procedimento.[8] Especificamente o despedimento coletivo, será ilícito se:

 

a) Não tiver feito a comunicação prevista nos números 1 ou 4 do     artigo 360º ou promovido a negociação prevista no nº 1 do artigo 361º;    b) Não tiver observado o prazo para decidir o despedimento, referido   no nº1 do artigo 363º; c) Não tiver posto à disposição do trabalhador despedido, até ao termo do prazo de aviso prévio, a compensação por ele devida a que se refere o artigo 366º e os créditos vencidos ou exigíveis em virtude da cessação do contrato de trabalho, sem prejuízo do disposto na parte final do nº 5 do artigo 363º.[9]

 

Ainda o artigo 388º prevê ação judicial específica para o reconhecimento da ilicitude, a denominada “ação de impugnação do despedimento coletivo” que deve ser ajuizada no prazo de seis meses contados da data da cessação do contrato. Essa medida, enquadrada entre as ações especiais do Código de Processo do Trabalho (CPT) de Portugal, possui regramento próprio, estabelecido no artigo 156º e seguintes do CPT e é tratada como processo de natureza urgente pelo referido diploma, o que lhe confere privilégios de tramitação.[10] A ação especial estabelece uma série de ônus ao empregador, como a juntada, em defesa, de toda a prova documental comprovatória do cumprimento das formalidades previstas em lei para o despedimento coletivo e o chamamento para intervenção no processo dos demais empregados abrangidos pelo despedimento. Difere-se da ação geral de impugnação aos despedimentos[11], prevista no artigo 98-B e seguintes do CPT, que trata das demais espécies de extinção do contrato de trabalho por iniciativa patronal.

 

No que diz respeito à fundamentação, a defesa deve ser vinculada aos motivos previamente apresentados, não podendo o empregador inovar e apresentar justificativas diferentes para validar o seu procedimento, em especial no que diz respeito aos fatos e fundamentos constantes da decisão de despedimento comunicada aos trabalhadores, consoante estabelece o próprio artigo 388º.[12] Isso significa dizer que quando implementa um despedimento coletivo, o empregador se vincula às razões invocadas, não mais podendo alterá-las no curso do processo.

 

Embora exista procedimento especial próprio, a jurisprudência lusitana possui entendimentos no sentido de que essa ação especial não é único meio possível de se alcançar o reconhecimento de uma ilicitude em despedimento coletivo. Se, por opção ou mesmo por erro, o empregado ajuizar uma ação ordinária, ao invés da ação típica e conseguir demonstrar a ilicitude do despedimento, se utilizando de procedimento diverso, esse processo será válido e gerará os mesmos efeitos materiais do reconhecimento da ilicitude em ação própria. Transcreve-se entendimento:

 

I. Comunicando o empregador ao trabalhador que é forçado a encerrar a empresa e a cessar todos os postos de trabalho, esta comunicação configura um despedimento colectivo, a impugnar mediante a acção especial prevista no artigo 156º e seguintes do CPT, no prazo de seis meses a contar da cessação do contrato.

II. Se o trabalhador recorreu à acção comum, estando demonstrada a falta de cumprimento das formalidades legalmente previstas para o despedimento colectivo e a falta de pagamento da compensação e  dos créditos devidos, a determinar sempre a declaração de ilicitude do despedimento, o erro na forma de processo não implica, concretamente, a anulação de quaisquer actos praticados.[13]

 

O entendimento demonstra evolução procedimental, em claro privilégio do conteúdo em detrimento da forma.

 

 

3.  EFEITOS DA ILICITUDE DO DESPEDIMENTO COLETIVO

 

Logo na sequência cronológica do Código do Trabalho de Portugal, o artigo 389º trata dos efeitos da ilicitude do despedimento, que podem ser, basicamente, três: reintegração, indenização e caracterização de contraordenação laboral grave. Transcreve-se o referido dispositivo:

 

Artigo 389º

Efeitos da ilicitude de despedimento

1. Sendo o despedimento declarado ilícito, o empregador é condenado:

a) A indemnizar o trabalhador por todos os danos causados, patrimoniais e não patrimoniais;

b) Na reintegração do trabalhador no mesmo estabelecimento da empresa, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, salvo nos casos previstos nos artigos 391º e 392º.

2. No caso de mera irregularidade fundada em deficiência de procedimento

por omissão das diligências probatórias referidas nos nos 1 e 3 do artigo 356º, se forem declarados procedentes os motivos justificativos invocados para o despedimento, o trabalhador tem apenas direito a indemnização correspondente a metade do valor que resultaria da aplicação do nº 1 do artigo 391º.

3. Constitui contraordenação grave a violação do disposto no nº 1.

 

A primeira consequência prevista para a hipótese de reconhecimento de ilicitude do despedimento é dúplice: (i) reintegração, sem prejuízo da categoria e da antiguidade, no mesmo estabelecimento em que trabalhava e (ii) indenização por todos os danos causados, aí incluídos, expressamente, os extrapatrimoniais. Tratou o CT de prever a mais ampla possível restituição do status quo anterior à prática do ato ilícito.

 

A título excepcional, o dispositivo prevê a possibilidade de substituir-se   a reintegração por indenização, delimitada nos artigos 391º e 392º de forma diferenciada para hipóteses em que a iniciativa do pedido de substituição é do trabalhador ou do empregador, respectivamente.

 

Em termos gerais, observa-se que o trabalhador sempre pode exercer essa opção, pois, obviamente, não pode ser obrigado a seguir trabalhando se assim não o quiser, em especial em razão do desconforto causado por um despedimento ilícito e pela discussão judicial do mesmo. Se assim optar, receberá indenização variável entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por ano completo ou fração, garantido o mínimo de três meses. Para o empregador, a hipótese é de requerimento ao tribunal – e não de livre exercício – e limitada a microempresas ou cargos de administração ou direção, desde que existam “fatos e circunstâncias que tornem o regresso do trabalhador gravemente prejudicial e perturbador do funcionamento da empresa”. Ainda, estabelece a lei que são fatos excludentes da possibilidade de substituição da reintegração por indenização (a pedido do empregador) a circunstância de a ilicitude do despedimento se fundar em motivo político, ideológico, étnico ou religioso ou o fundamento da oposição ter sido culposamente criado pelo empregador. A indenização substitutiva será maior, pois o interesse do trabalhador de obter a tutela jurisdicional concreta – o retorno ao seu posto de trabalho – não está sendo atingido. Nessas circunstâncias, a indenização será entre 30 e 60 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fração de antiguidade, garantido o mínimo de seis meses.[14]

 

A segunda consequência possível é mais branda, por se tratar de hipótese em que o despedimento seria materialmente lícito, mas carece de vício formal específico (“irregularidade fundada em deficiência de procedimento por omissão das diligências probatórias referidas nos nos 1 e 3 do artigo 356º”), hipótese em que a sanção será apenas indenizatória, e por metade.

 

Por fim, há o enquadramento contraordenação grave a violação do item 1 do artigo. As contraordenações laborais configuram-se em previsões típicas do direito português, que podem ser comparadas, embora sem precisão científica, a espécies de sanções administrativas previstas para o descumprimento da legislação laboral, que não serão aqui tratadas em face da limitação de espaço deste artigo.[15]

 

 

4. COMPENSAÇÃO EM CASO DE DESPEDIMENTO COLETIVO

 

Independentemente da tutela indenizatória analisada no tópico anterior, o artigo 390º trata da compensação em caso de despedimento coletivo, assim estabelecendo:

 

Artigo 390º

Compensação em caso de despedimento ilícito

1. Sem prejuízo da indemnização prevista na alínea a) do nº 1 do artigo anterior, o trabalhador tem direito a receber as retribuições que deixar de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento.

2. Às retribuições referidas no número anterior deduzem-se:

a) As importâncias que o trabalhador aufira com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento;

b) A retribuição relativa ao período decorrido desde o despedimento até 30 dias antes da propositura da ação, se esta não for proposta nos 30 dias subsequentes ao despedimento;

c) O subsídio de desemprego atribuído ao trabalhador no período referido no nº 1, devendo o empregador entregar essa quantia à segurança social.

 

Observa-se, da previsão legal, que, de maneira semelhante ao que ocorre em situações de reintegração no emprego decorrentes de reconhecimento de nulidade de despedida no direito brasileiro, o direito português também estabelece que a remuneração do período de afastamento será devida na hipótese de ilicitude do despedimento. O ordenamento luso, porém, acertadamente, vai além, prevendo que essa denominada “retribuição” será devida de forma independente e cumulativa com a indenização pelos danos patrimoniais e extrapatrimoniais causados, que muitas vezes se acumulam e não são satisfeitos pelo mero pagamento dos salários do período de afastamento.

 

Como contrapeso à regra protetiva - e, novamente, de forma apropriada – estabelece hipóteses de compensação com aquilo que no nosso ordenamento seriam as “parcelas rescisórias” e o “seguro desemprego”.  Mais feliz ainda é a previsão de que, embora o trabalhador tenha um prazo de seis meses para ajuizar a demanda, conforme visto, supra, se não o fizer em trinta dias, deixará de receber a remuneração devida pelo período decorrido entre o despedimento e trinta dias antes da propositura da ação, para evitar que o trabalhador se aproveite da sua própria inércia para receber sem trabalhar.[16] Certamente o legislador entendeu que um mês é o tempo razoável para buscar um advogado e ajuizar a ação e que demora superior a esse prazo deve ser imputada à inércia do trabalhador, não podendo lhe gerar frutos sob pena de enriquecimento indevido.  

 

 

5. CRÍTICA AO REGIME

 

Embora a previsão de ação judicial típica para se questionar a legalidade do despedimento coletivo, a qual traz vantagens para o trabalhador, como por exemplo a previsão de uma série de ônus processuais ao empregador e a sua caracterização como medida urgente[17], seja absolutamente positiva, o sistema não está livre de críticas.

 

A mais contundente delas, talvez, seja o fato de o trabalhador, para intentar a medida judicial, segundo interpretação literal do CT, ter de devolver ou colocar à disposição do empregador o valor percebido a título de indenização. Ocorre que, mesmo na hipótese de um despedimento coletivo válido, o empregado faz jus a compensações, consoante estabelece o artigo 366º do CT. Combinada essa consideração com o fato de o empregado sempre poder se opor à reintegração, conforme já examinado, não parece razoável essa limitação pois se ele não vai querer ser reintegrado e assume essa postura desde logo, deveria receber a parcela devida pelo despedimento válido e postular as indenizações pelo inválido, as quais acresceria àquelas na hipótese de procedência da sua demanda. Poder-se-ia considerar como uma espécie de montante incontroverso que integraria, de imediato, o patrimônio do trabalhador, limitando a discussão econômica à parte controvertida.

 

Transcreve-se a parte final da previsão constante do artigo 366º do CT, que após estabelecer quais as indenizações ou retribuições previstas pelo despedimento coletivo lícito, determina que o trabalhador, para questioná-lo, deve restituir ou colocar à disposição do seu empregador esses valores:

 

Artigo 366º

Compensação por despedimento coletivo

(...)

4 - Presume-se que o trabalhador aceita o despedimento quando recebe do empregador a totalidade da compensação prevista neste artigo.

5 - A presunção referida no número anterior pode ser ilidida desde que, em simultâneo, o trabalhador entregue ou ponha, por qualquer forma, a totalidade da compensação paga pelo empregador à disposição deste último.

 

Embora ainda não trate especificamente da questão processual, o artigo acima transcrito deixa claro que a presunção de aceitação do despedimento só pode ser afastada se a parte abrir mão do montante integral da sua indenização, o que se configura em elemento obstativo do questionamento em face à indubitável hipossuficiência do trabalhador, mormente no momento do desemprego.

 

Fausto Leite[18], em artigo no qual considera “perverso” para o trabalhador o regime de impugnação do despedimento coletivo, assim resume a questão:

 

“O aumento dos despedimentos não tem sido acompanhado por um aumento equivalente de processos de impugnação de despedimento colectivo, fundamentalmente, por duas razões.

Em primeiro lugar, os trabalhadores despedidos só podem impugnar o despedimento colectivo se devolverem a compensação ou a colocarem à disposição do empregador. Trata-se de uma intolerável denegação de justiça, uma vez que os trabalhadores que não optarem pela reintegração têm sempre o direito à compensação, mesmo que venha a ser julgada improcedente a impugnação judicial do despedimento colectivo.

Por isso, urge revogar, de novo, a norma que condiciona a impugnação judicial do despedimento colectivo à devolução da compensação, ao arrepio do direito de acesso aos tribunais consagrado no art. 20º, nº 1, da CRP.

Acresce a excessiva morosidade dos processos de impugnação de despedimento colectivo, os quais, na maioria das vezes, excedem a duração do subsídio de desemprego, forçando os trabalhadores a desistir dos pedidos, sobretudo quando há risco de insolvência.”

 

Realmente não parece razoável que o trabalhador que não aceita o despedimento coletivo, mas que pretende optar pela indenização ao invés da reintegração no emprego não possa receber, ao menos, aquela parte da denominada “compensação”, que receberia em qualquer hipótese, na condição de parcela incontroversa. 

 

 

CONCLUSÃO

 

Conforme se disse em linhas introdutórias, a questão dos despedimentos coletivos merece especial atenção do Estado brasileiro, em todas as esferas, mas em especial no Poder Legislativo, que é quem possui o papel constitucional de estabelecer, por meio de legislação, regras para dar segurança jurídica ao instituto.

 

Em razão disso, a análise do sistema português é bastante válida, pois oferece possíveis soluções que, se adaptadas às peculiaridades do nosso regime jurídico e, em especial, ao porte continental do nosso país, podem auxiliar a inspirar o nosso legislador a criar regime ao mesmo tempo protetivo aos trabalhadores, individual e coletivamente, e com certo grau de segurança jurídica às empresas.

 

É claro que se deve considerar que, embora o direito do trabalho português e o brasileiro possuam diversos institutos em comum, no que diz respeito à segurança no emprego, eles são praticamente antagônicos. Enquanto o português, baseado em um conceito de estado do bem estar social fortalecido após a redemocratização daquele país, na década de 1970 do século passado, estabelece uma proteção real contra o término do contrato de trabalho por iniciativa do empregador, sendo as despedidas hipóteses excepcionais; no Brasil, a lógica é contrária. Apesar do preceito constitucional estabelecido no artigo 7º, I, da CF/88, que prevê “relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa”, a estabilidade no emprego existe apenas excepcionalmente. Portanto, o que é regra para um sistema é exceção para o outro e vice-versa.

 

Com efeito, prever-se regramento para o despedimento coletivo em Portugal não significa proteger mais os trabalhadores, na medida em que a regra geral é não poder despedir. Pode-se considerar, sob uma análise pragmática, que o regramento dos despedimentos coletivos em Portugal seria uma espécie de regra de flexibilização à rigidez da garantia no emprego.      Ao contrário, em se tratando de Brasil, o que se quer quando se pretende regulamentar as despedidas coletivas é, de fato, proteger e, por isso, a importação, ainda que parcial do instituto, deve considerar essa diferença paradigmática. Tudo o que se pensar em criar deve ter em conta que vem para aumentar o aspecto protetivo, aproximando-se (e não, se afastando) da segurança no emprego.

 

Mesmo que a lógica seja oposta, o regramento é interessante e pode servir de modelo para o nosso país, que, enquanto enfrenta a mais grave crise econômica do século, precisa, acima de tudo, de segurança. Segurança para o trabalhador não ser despedido sem nenhum tipo de cautela e segurança para o empreendedor, que precisa saber quais as consequências laborais do encerramento de uma unidade produtiva, por exemplo, para poder, conhecendo os riscos, investir na geração de empregos. 

 

Nosso direito do trabalho precisa evoluir e esse é um aspecto de fundamental demanda, pois gera reflexos em toda a economia nacional. A insegurança jurídica e a heterogeneidade dos posicionamentos judiciais apenas fragiliza a relação de trabalho, prejudicando os dois polos da relação. Torçamos para que evolua. 

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

FERNANDES, António Monteiro. Direito do Trabalho. 12ª Ed. Coimbra: Almedina, 2004.

 

LEITE, Fausto. O Regime Perverso da Impugnação do Despedimento Colectivo. Disponível em . Acesso em 10 nov 2015.

 

MONTEIRO, João. O Controlo Jurisdicional do Despedimento Colectivo. Breves Considerações.  Disponível em: . Acesso em 14 nov. 2015.

 

PORTUGAL. Código de Processo do Trabalho. Disponível em: . Acesso em 14 nov. 2015.

 

_____. Código do Trabalho. Disponível em: Acesso em 14 nov. 2015.

 

_____. Constituição da República Portuguesa. Disponível em: . Acesso em 14 nov. 2015.

 

_____. Tribunal da Relação do Porto. Processo nº 88/11.9TTVCT.P1, Nº Convencional JTRP000, Relator EDUARDO PETERSEN SILVA, data 28/10/2013. Disponível em: http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/OpenDocument&Highlight=0,despedimento,colectivo,impugna,388.Acesso em 14 nov. 2015.

 

REIS, João Pena dos et al. Contraordenações Laborais. 2ª. Ed. Lisboa: Centro de Estudos Judiciários. Disponível em: http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/trabalho/ Contraordenacoes_Laborais_2edicao.pdf?id=9&username=guest. Acesso em 29 jan. 2016.

 


[1] Os projetos mais relevantes em tramitação no Congresso Nacional são: Projeto de Lei nº 6.356/200, de autoria do deputado Vicentinho; Projeto de Lei nº 5.232/2009, de autoria do deputado Cleber Verde e Projeto de Lei nº 5.353/2009, de autoria da deputada Manuela D’Ávila.

 

[2] Item 1 do artigo 359º do Código do Trabalho de Portugal: “Considera-se despedimento coletivo a cessação de contratos de trabalho promovida pelo empregador e operada simultânea ou sucessivamente no período de três meses, abrangendo, pelo menos, dois ou cinco trabalhadores, conforme se trate, respetivamente, de microempresa ou de pequena empresa, por um lado, ou de média ou grande empresa, por outro, sempre que aquela ocorrência se fundamente em encerramento de uma ou várias secções ou estrutura equivalente ou redução do número de trabalhadores determinada por motivos de mercado, estruturais ou tecnológicos.”

 

[3] FERNANDES, António Monteiro. Direito do Trabalho. p. 520.

 

[4] O Código do Trabalho, em seu artigo 100, estabelece o critério de número de trabalhadores para definir o porte das empresas. Microempresa é aquela que emprega menos de 10 trabalhadores; pequena empresa, de 10 a 49; média empresa, de 50 a 249; e grande empresa, a partir de 250 empregados.

 

[5] MONTEIRO, João. O Controlo Jurisdicional do Despedimento Colectivo. Breves Considerações. p.10.

 

[6] Op. Cit. p.5.

 

[7] LEITE, Fausto. O Regime Perverso da Impugnação do Despedimento Colectivo.

 

[8] Art. 381º, CT.

 

[9] Art. 383º, CT.

 

[10] Art. 26º, d, CTP: 1 - Têm natureza urgente: (...) d) A acção de impugnação de despedimento colectivo; 

 

[11] “Acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento”.

 

[12] Tal exigência vem prevista, expressamente, no item 3 do artigo 388º que se reporta ao conteúdo do número 3 do artigo anterior, que assim rege: “3 - Na ação de apreciação judicial do despedimento, o empregador apenas pode invocar factos e fundamentos constantes de decisão de despedimento comunicada ao trabalhador.”

 

[13] Processo nº 88/11.9TTVCT.P1, Nº Convencional JTRP000, Relator EDUARDO PETERSEN SILVA, data 28/10/2013. Disponível em http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda 00381fdf/629d0e5222245ff580257c1b00596f21?OpenDocument&Highlight=0,despedimento,colectivo,impugna%C3%A7%C3%A3o,388. Acesso em 14 nov. 2015.

 

[14] Artigos 391º e 392º da CT.

 

[15] Para melhor compreensão do tema, sugere-se a leitura da obra eletrônica “Contraordenações Laborais”, Disponível em

 

[16] Essa solução seriainteressante em nosso país para casos em que o trabalhador opta, claramente, não pelo retorno ao seu posto de trabalho, mas pela indenização correspondente. Exemplo típico é o caso de algumas gestantes queocultam do seu empregador o estado gravídico quando da despedida e ajuízam a reclamatória trabalhista após o término do período estabilitário, postulando a indenização compensatória, apenas, nos termos da Súmula 244, em postura que para muitos configuraria abuso de direito, embora a jurisprudência majoritária não venha assim entendendo.

 

[17] Consoante Assevera João Monteiro,em “O controlo jurisdicional do despedimento colectivo. Breves considerações”: “A qualificação legal como urgente de um processo tem, além do mais, como finalidade subjacente conferir-lhe, no que respeita à sua concreta "movimentação processual", prioridade/precedência sobre qualquer outro serviço judicial não urgente do tribunal, daí resultando um significativo incremento quer da celeridade processual quer da efectiva tutela dos direitos e interesses legalmente protegidos.”

 

[18] LEITE, Fausto. Op. e loc. cit. 

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Dezembro/2016