UM SINDICATO ÚNICO E GERAL

 

 

 

                  JOSÉ CARLOS AROUCA

Advogado, desembargador aposentado do Tribunal Regional do Trabalho da Segunda Região, membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho, dos Institutos dos Advogados do Brasil, do Estado de São Paulo, de Direito Social Cesarino Júnior, diretor do Sindicato dos Advogados de São Paulo, foi conselheiro e diretor da Associação dos Advogados de São Paulo e da Associação dos Advogados Trabalhistas de São Paulo que ajudou a fundar.

 

 

 

 

            SUMÁRIO – 1. Passando pela história – 2. A Era Vargas – 3. 1988: Um novo sindicato – 4. Autonomia sindical – 5. Liberdade sindical. Unidade e divisionismo – 6. O sindicato e seus fins. – 7. A negociação e a convenção coletiva de trabalho – 8. Greve – 9. Dissídio coletivo – 10. Mediação e arbitragem – 11. Organização nos locais de trabalho – 12. Práticas antissindicais – 13. Administração – 14. A crise sindical – 15. A reforma da legislação sindical – 16. Um sindicato geral

 

 

            Resumo

A compreensão da organização sindical em nosso tempo exige conhecê-la através da história e a efetividade de seus institutos principais, sabendo que não se confunde com uma associação comum tratada nos incisos XVII e XXI do artigo 5° da Constituição, enquanto o sindicato significa a unidade de classe para a defesa de direitos e interesses, individuais e coletivos, e assim, interesses não só trabalhistas, mas também sociais e políticos. Frustrada a experiência socialista, a crise sindical acentuou-se em toda parte do mundo, exigindo uma reflexão e o pensamento de um novo modelo. De modo que cabe pensar num sindicato realmente único e geral.

 

 

            Palavras chaves

            Sindicato. Crise sindical. Reforma da legislação sindical.

 

 

            1. PASSANDO PELA HISTÓRIA

 

            Não são poucos os autores que procuram em tempos remotos a origem do sindicato, melhor dizendo, da organização dos trabalhadores como classe. Guilhermo Cabanellas trata longamente das corporações de ofícios na antiguidade, destacando desde os colégios romanos, as guildas germânicas, passando pela Lei Chapelier, pelo Edito de Turgot até os grêmios[1]. Interessa-nos neste estudo os tempos atuais e o Brasil. O sindicato como conhecemos tem sua origem com a chamada revolução industrial, na Inglaterra. Pode-se considerar três fases distintas: de proibição, de Tolerância e afinal de reconhecimento[2]. Em 1864, em Londres, depois de algum ensaio, foi fundada a I Internacional com a participação de delegações operárias inglesas, francesas, italianas, alemãs, suíças e polonesas. Destacaram-se Marx e Engels, aos quais incumbiu-se a redação dos estatutos e declaração de princípios. Já se defendia a jornada de trabalho de oito horas. A associação chegou ao fim em 1872, depois do esmagamento da Comuna de Paris, a primeira experiência de tomada do poder pela classe trabalhadora. [3]. A II Internacional surge em 1880 quando “o movimento operário amplia as suas conquistas sociais, enquanto, paralelamente, a burguesia cimenta as bases de sua II Revolução Industrial”. Desta maneira, operariado e burguesia consolidam reivindicações, a segunda aprofundando o seu crescimento produtivo e se expandindo colonialmente, o primeiro – tendo a frente a Inglaterra, a França, a Alemanha e os Estados Unidos – alargando o campo da legislação social e a consequente melhoria das condições de vida. Esses valores no conjunto permitem a superação dos estágios anteriores pelos quais passara a classe trabalhadora. Até a metade do século XIX temos os primeiros passos para a consolidação das estruturas organizadoras da classe – sindicatos e partidos – e de suas definições”[4]. O Brasil só conheceu o trabalho livre em 1888 com a Lei Áurea, nossa primeira lei trabalhista. A Constituição do Império, de 1824 proibiu as “Corporações de Ofícios, seus Juízes, Escrivães, e Mestres”.

 

            Na vigência da Constituição do Império dois documentos determinaram a ação sindical, revolucionária ou conciliatória, primeiro o Manifesto do Partido Comunista escrito por Karl Marx e F. Engels e divulgado em 21 de fevereiro de 1848, o segundo a encíclica Rerum Novarum do Papa Leão XIII, de 15 de maio de 1891. O Manifesto propugnava pela unidade da classe operária em nível internacional como direito político para a tomada do poder. Seguiu-se a Constituição de 1891, que assegurou a mais plena liberdade de associação: “Art. 72. § 8º A todos é licito associarem-se e reunirem-se livremente e sem armas; não podendo intervir a policia, senão para manter a ordem publica”. As primeiras organizações de classe tinham natureza mutualista, de socorros mútuos até a chegada dos imigrantes e com eles socialistas e anarquistas espanhóis e italianos que ensaiam formar as primeiras associações. No ano 1906 realiza-se no Rio de Janeiro o I Congresso Operário Brasileiro que repudia o assistencialismo, propondo a ação de resistência e a fundação de nossa primeira central sindical, a Confederação Operária Brasileira – COB. Mas a liberdade era mais aparente e a polícia agia em favor do incipiente capitalismo representado pelos coronéis donos das terras e pelas corporações de capital de fora, principalmente inglês. Apesar de tudo, graças a influência da igreja católica foi aprovado o Decreto n° 797 em 1903, nossa primeira lei sindical, restrita ao campo e depois o Decreto 1637 de 1907, geral. Todavia, o quadro social foi resumido por Everardo Dias: “Pode-se dizer sem receio de desmentido que de 1903 a 1930, não houve sindicato que tivesse vida regular e livre  de intervenções policiais. As greves declaradas – e houve muitas neste atormentado período – se foram bem organizadas e conseguiram as diversas corporações proletárias sair vencedoras, deve-se isso à tática dos líderes de então e ao trabalho subterrâneo e gigantesco de um grupo de abnegados e temerários operários conscientes”[5]. Para se ter uma visão definitiva do período basta conhecer os apelidos de duas leis: infame e celerada. A primeira, Decreto n° 4.269 de 1921, a segunda, Decreto n° 5.221, de 1927, além da chamada Lei de expulsão ou Adolfo Gordo[6], todas dirigidas contra o sindicato ou contra o imigrante sindicalista. Por isto mesmo as leis sindicais não tiveram aplicação, apesar dos conflitos sociais e greves.

 

 

            2. A ERA VARGAS

 

            O gaúcho Getúlio Vargas enfrentou nas urnas a aliança “café com leite” ou São Paulo-Minas e perdeu, mas assumiu o poder graças ao golpe que implantou a ditadura. Cumprindo a plataforma da Aliança Libera criou o Ministério do Trabalho, também da Indústria e Comércio entre a Lindolfo Collor e convocou para integrá-lo dois socialistas, o advogado carioca Evaristo de Morais, pai e o professor e agitador social pernambucano Joaquim Pimenta, que redigiram a primeira lei sindical da Era Vargas, Decreto 19.770 de 1931. O Decreto adotava a unicidade sindical e permitia a organização de uma confederação geral dos trabalhadores, outra dos empregadores. Mas impunha aos sindicatos a natureza de órgãos de colaboração com o Estado; autonomia nenhuma até porque o Ministério do Trabalho fora criado para administrar a questão social e também a ação sindical. Vargas elegeu-se presidente indiretamente após a aprovação de uma nova Constituição que adotou a pluralidade sindical. Pluralidade mitigada pela nova lei sindical, Decreto n° 24.694,  que só permitia dois, no máximo três sindicatos diante da exigência de 1/3 da categoria para o reconhecimento. 1937 outro golpe e a instauração do Estado Novo que reduziu o sindicato a órgão auxiliar do Estado Novo, corporativista. Seguiu-se o Decreto-lei 1.402 de 1939 escrito por Oliveira Viana que criou o registro, a representação por categoria e para melhor instrumentá-lo, depois, o imposto sindical (Decreto n° 2.377 de 1940) e o enquadramento sindical (Decreto n° 2.381 de 1940). Em 1943, uma comissão de juristas, com Arnaldo Lopes Sussekind, Segadas Viana e Dorval Lacerda, consolidaram a legislação trabalhista na CLT. O regime de exceção chegou ao fim juntamente com a cessação da Segunda Guerra Mundial quando foi vencido o eixo nazifascista. A CLT, agora também, contendo a disciplinação sindical atravessou os governos democráticos ou não que se seguiram[7]. Em 1964 outro golpe e a ditadura militar que só chegaria ao fim passados vinte e um anos. Começou com 270 intervenções em sindicatos, chegando a 409 até o final do ano. Em 1979 somavam 1.565. Fechou a Confederação Geral dos Trabalhadores – CGT e fez aprovar por um Congresso amordaçado e assustado a Lei n° 4.330, conhecida como “lei antigreve”. Os sindicalistas combativos, cessadas as intervenções recuperaram os sindicatos e aproveitando o declínio da ditadura realizaram o Congresso paralelo da CNTI em 1978, quando foi aprovada a Carta de Princípios, que serviria de base para os encontros futuros, o Encontro de Dirigentes Sindicais de Gragoatá (1979) e o maior de todos, de todos os tempos, a Conferência Nacional da Classe Trabalhadora - Conclat, no mesmo ano, todos sob o comando de Lula (metalúrgico de São Bernardo do Campo), Arnaldo Gonçalves (metalúrgico de Santos, filiado ao PCB), Hugo Perez (eletricitário de São Paulo), João Paulo Pires Vasconselos (metalúrgico de João Monlevade, Minas Gerais). Em 1969 eclodiram as greves de Contagem, Minas Gerais e Osasco, São Paulo, esmagadas por força militar e do ABC paulista que projetaria o metalúrgico Lula. O desafio foi além com o ressurgimento das centrais, a CUT em 1983, a Unidade Sindical no mesmo ano, transformada depois na Coordenação Nacional da Classe Trabalhadora – CONCLAT e depois na Confederação Geral dos Trabalhadores – CGT. De novo democracia e em janeiro de 1995, o Senador Fernando Henrique Cardoso que derrotara o metalúrgico Luiz Inácio Lula da Silva, elegendo-se presidente da República despediu-se do Senado proclamando o fim da Era Vargas, para iniciar a Era Neoliberal. Na terceira tentativa Lula elege-se presidente da República e tem início um novo tempo encerrado melancolicamente com o impedimento da presidente Dilma Rousseff.

           

            Sem conhecer a história recente não será possível analisar e criticar o sindicalismo brasileiro destes tempos.

 

 

            3. 1988: UM NOVO SINDICATO

 

            Foram 32 anos e 8 meses de ditadura desde o início da Era Vargas. Palpitava em todos os corações um desejo doído de liberdade[8]. O povo foi às ruas exigir “Diretas Já!”, de volta o direito de eleger seu governante. Uma Assembléia Nacional Constituinte, embora não exclusiva, formada pelos deputados e senadores aprovou a Constituição que Ulisses Guimarães batizou como Cidadã. Pela primeira vez os sindicatos conquistaram a autonomia pela qual tanto lutaram. Foram extraordinariamente ampliados seus fins institucionais e assegurada sua participação em toda e qualquer negociação coletiva. A greve tornou-se de fato um direito. Os servidores públicos finalmente puderam organizar-se em sindicato e exercer o direito de greve. Assegurada a liberdade sindical num sistema de unicidade. Nem tudo foi vitória. Foi legalizada a flexibilização de direitos fundamentais como salários e duração das jornadas os dois pilares básicos do contrato de trabalho mediante negociações coletivas, comprometendo o sindicato como parceiro do empregador. Ao invés de organização nos locais de trabalho só chegou-se a tênue representação do pessoal, ainda assim, apenas nas empresas com mais de duzentos empregados. Adiante a Emenda 45 de 2004 transformou o poder normativo em forma de solução arbitral, exceto em se tratando de atividade essencial, legitimado o Ministério Público do Trabalho para a instauração do dissídio coletivo. Mas foi ampliada a competência da Justiça do Trabalho inclusive para matéria de natureza sindical, inclusive pertinente ao exercício do direito de greve.

 

            A profunda reforma produzida trouxe um desafio: conquistada a autonomia o que resta da CLT no que se refere à organização sindical? Nada ou quase nada. Além do mais uma nova ordem do capitalismo, com nome de batismo globalização, criou a grande crise sindical que longe de ser superada exige longa e sincera discussão de temas de relevo, destacadamente: autonomia, liberdade, representatividade e estrutura, fins, administração, representação e custeio, organização nos locais de trabalho, práticas antissindicais, etc.

 

 

            4. AUTONOMIA

 

            Autonomia é poder, mas não se trata de absolutismo, ainda mais num Estado democrático regido pelo princípio da legalidade. Quer dizer, a autonomia que permite a autorregulamentação através da lei interna, ou seja, do estatuto aprovado pela assembléia geral submete-se aos princípios de democracia e de legalidade. Melhor dizendo, autonomia sob controle, mas afastada a ingerência do Ministério do Trabalho, dispensado da competência para o registro e do Ministério Público do Trabalho, que deverá se contentar com a prerrogativa que lhe deu o artigo 127 da Constituição: defesa da ordem jurídica, do regime democrático, dos interesses sociais e individuais indisponíveis, podendo ambos tornarem-se aliados preciosos dos sindicatos e parceiros no combate ao trabalho escravo, infantil, ao desrespeito sistemático da legislação protecionista que incha cada vez mais a estatística da Justiça do Trabalho, desmascarando aqueles que apesar de responsáveis por esta situação reclamam contra a ameaça a seu patrimônio em razão do que se chama “passivo trabalhista”. Portanto, autonomia sob autocontrole exercido por um Conselho Sindical Nacional, um profissional outro patronal, eleito diretamente pelos interessados, com instâncias locais, estaduais e nacional, incumbido também do registro sindical, do arquivamento das convenções coletivas e laudos arbitrais, solução dos conflitos, do julgamento de recursos contra deliberações das assembléias e atos da diretoria, legitimado para suspender e afastar diretores em nome da democracia interna, do princípio da legalidade, da transparência da administração e da gestão financeira. Cumprirá ao Conselho estabelecer parâmetros no que se refere a duração dos mandatos, a remuneração dos dirigentes afastados de seus empregos, e também quanto a normas estatutárias relativas ao processo eleitoral, à convocação da assembléia geral, priorizando uma para a aprovação da previsão orçamentária e do programa de ação, outra para a prestação de contas e votação do relatório de atividades.

 

 

            5. LIBERDADE SINDICAL

 

            Liberdade sindical nos exatos termos da Convenção 87 é precipuamente a liberdade individual de fundar e se filiar ao sindicato que melhor convier: “Art. 2°. Trabalhadores e empregadores, sem distinção de qualquer espécie, terão o direito de constituir, sem prévia autorização, organizações de sua própria escolha e, sob a única condição de observar seus estatutos, a elas se filiarem”. Tudo mais já se contém em nosso ordenamento jurídico: Artigo 3°. 1. As organizações de trabalhadores e de empregadores terão o direito de elaborar seus estatutos e regimentos, eleger livremente seus representantes, organizar sua administração e atividades e formular seus programas de ação. 2. As autoridades públicas abster-se-ão de qualquer intervenção que possa limitar esse direito ou cercear seu exercício legal. Artigo 4° As organizações de trabalhadores e de empregadores não estarão sujeitas a dissolução ou suspensão por autoridade administrativa. Artigo 5° As organizações de trabalhadores e de empregadores terão o direito de constituir federações e confederações, e de a elas se filiarem, e toda organização, federação ou confederação terá o direito de se filiar a organizações internacionais de trabalhadores e de empregadores. Artigo 6°. O disposto nos Artigos 2º, 3º e 4º desta Convenção aplica-se a federações e confederações de organizações de trabalhadores e de empregadores. Artigo 7°. A aquisição de personalidade jurídica por organizações de trabalhadores e de empregadores, federações e confederações não estará sujeita a condições que restrinjam a aplicação do disposto nos artigos 2º, 3º e 4º desta Convenção. E tudo, inclusive o artigo 2° está reproduzido na Convenção 141 que integra nosso ordenamento jurídico: “Art. 3 — 1. Todas as categorias de trabalhadores rurais querem se trate de assalariados ou de pessoas que trabalhem por conta própria, têm direito de constituir, sem prévia autorização, as organizações que estimem convenientes, assim como o direito de a elas se afiliarem, com a única condição de observar os estatutos das mesmas. 2. Os princípios da liberdade sindical deverão ser plenamente respeitados; as organizações de trabalhadores rurais deverão ter um caráter independente e voluntário, e permanecer livres de toda ingerência, coerção ou repressão. 3. A aquisição da personalidade jurídica pelas organizações de trabalhadores rurais não estará sujeita a condições cuja natureza limite à aplicação das disposições dos parágrafos 1 e 2 do presente artigo”. A unicidade foi proclamada por Marx  e Engels no Manifesto Comunista; “Trabalhadores de toda parte do mundo, uni-vos” e foi a bandeira dos socialistas franceses, portugueses, brasileiros. Pluralidade, ao contrário é o divisionismo. Os doutrinadores admitem ser um grande mal, mas preferível a unidade imposta pelo Estado. Pesquisa do Centro de Estudos de Cultura — CEDEC, de 1981, com 52 sindicalistas, às vésperas da CONCLAT, acusou o seguinte resultado: a favor da unicidade — 87,5%, da pluralidade — 8,3%[9]. O DIEESE em 1985 chegou ao seguinte resultado, envolvendo 425 entidades: a) 90% — contra a ratificação da Convenção n. 87 (382 entidades); b) a favor — 5,4% (20 sindicatos e 3 federações)[10]. O sindicato constitui uma coletividade organizada, de modo que importa para sua constituição, não o individualismo, mas o coletivismo, a vontade democrática majoritária. Por isto mesmo, a OIT flexibilizou sua principal convenção para admitir a unicidade na pluralidade, ou seja, o sindicato mais representativo: Verbete 949. A Recomendação n° 193 de 1981 sobre a negociação coletiva, enumera diversas medidas encaminhadas a promover a negociação coletiva, incluído o reconhecimento das organizações representativas de empregadores e de trabalhadores (§ 3º, a). Verbete 950. São compatíveis com os princípios da liberdade sindical tanto os sistemas de negociação coletiva com direitos exclusivos para o sindicato mais representativo como com aqueles em que são possíveis vários convênios coletivos concluídos por vários sindicatos dentro de uma empresa”[11]. Mas quem dirá qual é o mais representativo? Naturalmente o Conselho Sindical Nacional.

 

 

            6. SINDICATO E SEUS FINS

 

            Para a “velha” CLT, artigo 511, os fins do sindicato eram “estudo, defesa e coordenação de seus interesses econômicos  ou profissionais de todos que como empregadores, empregados, agentes ou trabalhadores autônomos ou profissionais liberais, exerçam respectivamente, a mesma atividade ou profissão ou atividades ou profissões similares ou conexas”. Por isto até hoje não são poucos que restringem os fins do sindicatos a temas de natureza exclusivamente trabalhista. Todavia, vale hoje o texto incluído no inciso III do artigo 8° da Constituição segundo o qual os fins do sindicato são defesa de direitos e interesses individuais ou coletivos da categoria. Assim, está legitimado para ajuizar a ação coletiva como substituto processual, não só de direitos homogêneos, mas também difusos e coletivos. Quando defende interesses coletivos, seus fins são de fato trabalhistas, ou seja, as reivindicações coletivas aprovadas pela assembléia geral, levadas à mesa de negociações coletivas. Mas defende, também, interesses sociais e políticos, do lado profissional, econômicos do outro.

 

 

            7. NEGOCIAÇÃO COLETIVA E CONVENÇÃO COLETIVA

 

            Orlando Gomes sentenciou: A Convenção Coletiva de trabalho “A convenção coletiva de trabalho foi a instituição que, pela primeira vez, permitiu aos trabalhadores influir, real e positivamente, na determinação das condições de trabalho”[12]. A negociação coletiva, por sua vez, colocou os trabalhadores frente a frente com os empregadores, falando de igual para igual. Afinal o conflito coletivo já não era caso de polícia, mas de ajustamento até chegar a um possível tratado de paz. Foi através de negociações que se conseguiu, primeiro o salário normativo, depois o piso salarial, primeiro o vale-refeição individual, depois a cesta básica familiar, garantias de emprego para o trabalhador em idade de convocação para o serviço militar, para o acidentado, para aquele que estivesse próximo da aposentadoria, aviso prévio proporcional, participação nos lucros/resultados, transportados para a Constituição da República; conseguiu-se também relação de emprego protegida contra demissão arbitrária que aguarda regulamentação ordinária. Falta remover os obstáculos criados por lei, como o marco temporal ou data-base e o efeito suspensivo que anula as sentenças normativas e refletem nas negociações em favor do patronato, mantidos pela Lei n° 10.192, de 2001[13], falta vedar e punir práticas antissindicais costumeiras, como recusar a proposta de abertura das negociações. Restos dos tempos de exceção que dificultaram as negociações a começar pelo Decreto-lei 229 de 1967 que exigiu quoruns sabidamente inatingíveis para permitir a instalação da assembléia convocada para tal fim, mantendo, contudo, o quorum fácil quando se tratasse de dissídio coletivo[14]. A Lei n° 4.725 do mesmo ano introduziu a chamada política salarial de “arrocho” e o efeito suspensivo. A negociação há que ser permanente, marcada pela boa fé e lealdade, com propósito sincero de acertamento. O que se ajustar só será alterado ou suprimido mediante negociação, justificadamente. Neste passo cabe elogiar o extraordinário avanço dado pela alteração da Súmula 277  do Tribunal Superior do Trabalho que deu maior importância às negociações coletivas[15]. Convenção ou contrato coletivo, tanto faz, compreendendo também o acordo direto com uma ou mais empresas.

 

 

            8. DIREITO DE GREVE

 

            Greve foi delito, foi subversão na ditadura militar, foi direito constitucionalizado em 1988, mas foi também “modulado”, para conter os movimentos sociais, pois se na greve não existe diálogo, é reação, é força, luta. Começou pela Lei n° 7.783 de 1989 que limitou seu exercício a um ano, marcando data para sua eclosão, sempre na data-base, como se extrai da leitura do artigo 14: Art. 14 Constitui abuso do direito de greve a inobservância das normas contidas na presente Lei, bem como a manutenção da paralisação após a celebração de acordo, convenção ou decisão da Justiça do Trabalho, Parágrafo único. Na vigência de acordo, convenção ou sentença normativa não constitui abuso do exercício do direito de greve a paralisação que: I - tenha por objetivo exigir o cumprimento de cláusula ou condição; II - seja motivada pela superveniência de fatos novo ou acontecimento imprevisto que modifique substancialmente a relação de trabalho. A Justiça do Trabalho foi pródiga em qualificar o que seria direito, além de abuso, ilegal, até formal quando desconsideradas exigências cartorárias como lista de presença, quorum, comprovação do esgotamento das negociações, mesmo quando recusadas[16]. A Constituição admitiu a paralisação até nos serviços essenciais, definidos no parágrafo único do artigo 11 da lei: “aquelas que, não atendidas, coloquem em perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população”. O atendimento, conforme o artigo deveria se dar de comum acordo entre trabalhadores e empresa: “Art. 11. Nos serviços ou atividades essenciais, os sindicatos, os empregadores e os trabalhadores ficam obrigados, de comum acordo, a garantir, durante a greve, a prestação dos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade”. No entanto a responsabilidade caia sempre para o sindicato sob pena de multas exorbitantes. A lei foi pródiga em prever as garantias dos grevistas: “Art. Art. 6º São assegurados aos grevistas, dentre outros direitos: I - o emprego de meios pacíficos tendentes a persuadir ou aliciar os trabalhadores a aderirem à greve; II - a arrecadação de fundos e a livre divulgação do movimento. § 1º Em nenhuma hipótese, os meios adotados por empregados e empregadores poderão violar ou constranger os direitos e garantias fundamentais de outrem. § 2º É vedado às empresas adotar meios para constranger o empregado ao comparecimento ao trabalho, bem como capazes de frustrar a divulgação do movimento”. Só que o “ 3° foi interpretado como proibição do piquete e entendido como ameaça de ocupação da empresa: “§ 3º As manifestações e atos de persuasão utilizados pelos grevistas não poderão impedir o acesso ao trabalho nem causar ameaça ou dano à propriedade ou pessoa”. Não bastasse a ação policial a serviço do empregador, ameaçando, batendo e prendendo os grevistas, os juízes mais conservadores – e quantos – viram no interdito proibitório forma hábil para impedir sua eclosão ou continuação, sem dar conta de que, nos termos do artigo 1.210 do Código Civil, a medida só tem cabimento para assegurar ao possuidor o direito de ser mantido na posse em caso de turbação, restituído no de esbulho, e segurado de violência iminente, se tiver justo receio de ser molestado”. A greve importa na perda do salário, na inclusão nas “listas negras”, na demissão, de modo que nesses tempos de crise, seu exercício ficou restrito aos servidores públicos que ao contrário, tem garantidos o emprego e o salário.

 

 

            9. DISSÍDIO COLETIVO

 

            Tanto foi criticado que acabou quando a Emenda Constitucional n° 45 de 2004 exigiu sua instauração de “comum acordo”, transformando-o em arbitragem judicial. Porém, tratando-se de atividade essencial, o concurso de vontades entre as partes conflitantes era dispensado e se permitia ao Ministério Público do Trabalho substituir o empregador, instaurando o dissídio em seu favor. De inspiração fascista, possível afirmar que foi bom ter acabado, mas foi um grande mal acabar sem antes proibir e punir práticas antissindicais e aprovar uma lei especial para dispor sobre a arbitragem trabalhista.

 

 

            10. MEDIAÇÃO E ARBITRAGEM

 

            Não fazem parte de nossa cultura nem da história do Direito do Trabalho. Transportados para a legislação sindical a mediação não foi além da chamada “mesa redonda” através de servidores da Superintendência Regional do Ministério do Trabalho, como passo inicial obrigatório para a instauração do dissídio coletivo de trabalho. Mediação de verdade tivemos na greve de 1917 quando espontaneamente jornalistas dos principais órgãos de imprensa se uniram e procuram solucionar o conflito. A Lei n° 10.192 de 2001 do governo Fernando Henrique Cardoso na esteira do chamado Plano Real incluiu a mediação como medida antecedente ao ajuizamento do dissídio coletivo mas não sensibilizou ninguém, até porque apresentou-se como instrumento de auxílio ao mais fraco a ponto de no artigo 11, § 2°, humilhar os sindicatos com este disparate: “A parte que se considerar sem as condições adequadas para, em situação de equilíbrio, participar da negociação direta, poderá, desde logo, solicitar ao Ministério do Trabalho a designação de mediador, que convocará a outra parte”. A regulamentação veio com o Decreto n° 1,572 de 1995 que mais complicou do que ajudou a dar-lhe eficácia, exigindo que o mediador deveria ser cadastrado, indicado de comum acordo pelas partes em conflito ou designada pelo Ministério do Trabalho, quando solicitado. Exigências: “comprovada experiência na composição dos conflitos de natureza trabalhista e conhecimentos técnicos relativos às questões de natureza trabalhista”. Completou-o a Portaria n° 817 de agosto do mesmo ano que complicou ainda mais conceituando a mediação como “integrante do processo de negociação coletiva que visa a oferecer às partes informações sobre os efeitos e consequências do conflito, formulando propostas ou recomendações às representações em litígio e estimulá-las à solução aceitável”. Depois, outra Portaria, n° 818, do mesmo dia, mesmo mês e mesmo ano, exigiu a qualificação do mediador, mediante comprovação de atuação nas áreas da advocacia trabalhista, ou recursos humanos ou relações sindicais.

 

            A arbitragem era a forma de solução dos conflitos não resolvidos pela mediação conciliatória na forma do Decreto-lei n° 21.396 de 1932. Foi adotada pela Lei n° 9.307 de 1996 com destinação explicita: “Art. 1°. As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis”.

O possível atrito com a garantia constitucional do livre acesso ao Poder Judiciário para a defesa contra lesão de direitos (CF. art. 5°, XXXV) foi resolvida pelo Supremo Tribunal Federal (AgRg, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 12.12.2001.(SE-5206)”. Transportado para o terreno das relações individuais de trabalho logo se formou a controvérsia, acolhendo o Tribunal Superior do Trabalho o voto do Ministro Pedro Paulo Manus favorável à sua aplicação (AIRR - 1475/2000-193-05-00, 7 Turma, DJ 17.10.2008)”[17].

 

            Na ditadura militar o Ministro do Trabalho Murilo Macedo cogitou de aplicar a mediação e a arbitragem nos conflitos coletivos instituindo o Conselho Federal de Relações do Trabalho através do Decreto n° 88.984 de 1983, que se perdeu pelo desuso. A Lei dos Portos (Lei n° 12.851 de 2013) acolheu a arbitragem. Também a Convenção n° 151 da OIT aplicável na situação de greve dos servidores públicos. Assim também a Lei Complementar n° 75 de 1993 que autorizou os procuradores do Ministério Público do Trabalho servirem como árbitros: “Art. 83. Compete ao Ministério Público do Trabalho o exercício das seguintes atribuições junto aos órgãos da Justiça do Trabalho:

(...) XI - atuar como árbitro, se assim for solicitado pelas partes, nos dissídios de competência da Justiça do Trabalho”. Pelo que se sabe raríssimas vezes houve solicitação e atuação.  A Constituição Federal acolheu a arbitragem como forma de solução dos conflitos coletivos, assim dispondo o artigo 114, no § 2°: “Recusando-se qualquer das partes à negociação ou à arbitragem, é facultado aos respectivos sindicatos ajuizar dissídio coletivo, podendo a Justiça do Trabalho estabelecer normas e condições, respeitadas as disposições convencionais e legais mínimas de proteção ao trabalho”. A alteração promovida pela Emenda Constitucional n° 45, de 2004, manteve a medida: “§ 2º Recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente”.

 

            O direito sindical é eminentemente político pois trata de um confronto entre o capital e o trabalho, devendo no sistema vigente conciliá-los e mantê-los como pilares do Estado Democrático de Direito (CF. art. 1°, II). Por isto mesmo a solução arbitral exige antes de mais nada a confiança das partes no árbitro e o certo é que nem temos árbitros[18].

 

 

            11. ORGANIZAÇÃO NOS LOCAIS DE TRABALHO

 

            Sem dúvida alguma a organização nos locais de trabalho constitui a forma mais democrática de interiorização do sindicato nas empresas, aproximando-se de verdade dos trabalhadores. É por certo o celeiro de lideranças, a multiplicação do quadro associativo. Foram ensaiadas diversas modalidades de organizações internas, mas nem sempre vinculadas ao sindicato. Assim as Comissões Internas de Prevenção de Acidentes do Trabalho – CIPAs, as transitórias comissões destinadas a aprovar a instituição do plano de participação nos lucros/resultados, as Comissões de Conciliação Prévia. As comissões de consulta e colaboração no plano da empresa, criação da ditadura militar (CLT, art. 621) assim como a inútil cogestão, excepcional, que deveria ser disciplinada por lei (CF. art. 7°, XI) nunca foram sequer lembradas para, quando menos, gerar um projeto de lei ou uma reivindicação dos trabalhadores. Mas teve importância enquanto existiram as comissões de fábrica que surgiram com as greves irradiadas do ABC paulista. Os constituintes, especialmente aqueles saídos dos sindicatos, não divergiram e não se importaram quando foi aprovada ao invés da organização sindical nos locais de trabalho, frágil e ineficiente representação do pessoal conforme o artigo 11: “Nas empresas de mais de duzentos empregados, é assegurada a eleição de um representante destes com a finalidade exclusiva de promover-lhes o entendimento direto com os empregadores”. Um único representante, sem nenhuma proteção e ainda assim apenas nas empresas cm mais de 200 empregados. As comissões de fábrica tiveram importância no final dos anos 50 quando o PCB distanciou-se da organização sindical oficial passando a fundar organizações situadas no âmbito das empresas, depois, em 1968, em Contagem, Minas Gerais, foram o estopim da greve dos metalúrgicos que desafiou a ditadura militar e foi esmagada por tropas do exército e da mesma forma, em Osasco, São Paulo, com a ocupação das principais indústrias metalúrgicas, mais tarde, em 1978 com seu surgimento no ABC paulista, estimulado pelas greves eclodidas[19].

 

            Conforme levantamento do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio Econômicos – DIEESE, mantido pelos sindicatos profissionais, com base nas Relações Anuais de Informações Sociais, tendo como referência o ano 2008, num conjunto de 2.134.511 empresas com empregados, somando 24.923.699 pessoas, apenas 51.374 eram de porte médio e grande, empregando 11.896.466 trabalhadores, enquanto 2.083.137 eram micro e pequenas empresas com um contingente de 13.027.233 empregados. Explica-se: para o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas – SEBRAE, organização mantida pelos empregadores, micro empresas são aquelas que empregam na indústria e na construção civil até 19 empregados e no comércio e no setor de serviços até 9; pequenas empresa são consideradas na primeira categoria as que possuem um quadro de 20 a 99 empregados e no segundo de 10 a 49; já as empresas de porte médio no primeiro grupo são as que contam com 100 a 459 empregados e no segundo de 50 a 99; finalmente, empresas de grande porte qualificam-se com um contingente superior a 499 empregados no primeiro grupo e no segundo a 99 [20]. De modo que bem compreendido o dispositivo constitucional pode-se dizer que a representação só é admitida nas empresas de médio e grande porte, que empregam menos de 50% do conjunto de trabalhadores formais[21] Mesmo assim, estranhamente a Coordenadoria Nacional de Promoção da Liberdade Sindical — CONALIS, do Ministério Público do Trabalho elegeu como prioridade sua a implantação da representação interna do pessoal nas empresas com mais de duzentos empregados para dar efetividade ao art. 11 da Constituição. E assim “determinou” aos sindicatos como agir, como realizar suas assembleias, negociar com os empregadores e como disciplinar a representação, desconhecendo que a reivindicação histórica do movimento sindical é outra: a organização sindical nos locais de trabalho.

 

 

            12. PRÁTICAS ANTISSINDICAIS

 

            O pouco que temos está na proteção ao dirigente sindical, no artigo 543, § 3ª, adotado pela Constituição que repetiu o texto no inciso VIII do artigo 8°: garantia do emprego contra demissão arbitrária ou sem justa causa, passível de reintegração judicial, intransferibilidade capaz de prejudicar a atividade sindical. A Convenção 98 da OIT que integra nosso ordenamento jurídico desde 1953 veio em socorro não só dos sindicatos, mas também de todos os trabalhadores como dispõe: “1 - Os trabalhadores deverão gozar de proteção adequada contra quaisquer atos atentatórios à liberdade sindical em matéria de emprego. 2 - Tal proteção deverá, particularmente, aplicar-se a atos destinados a: a) subordinar o emprego de um trabalhador à condição de não se filiar a um sindicato ou de deixar de fazer parte de um sindicato; b) dispensar um trabalhador ou prejudicá-lo, por qualquer modo, em virtude de sua filiação a um sindicato ou de sua participação em atividades sindicais, fora as horas de trabalho ou, com o consentimento do empregador, durante as mesmas horas”[22].) Octávio Bueno Magano anota que “a recusa à negociação coletiva — tão comum no Brasil — é prática antissindical nos Estados Unidos, assim como negar a reivindicação e depois concedê-la como liberalidade — ainda mais comum entre nós[23]. Alice Monteiro de Barros mostra que “o art. 14 do Estatuto do Trabalhador da Itália permite que seja solicitada sua cessação e anulação dos seus efeitos e o juiz, investido de jurisdição trabalhista, no prazo de dois dias sucessivos à reclamação, convocará as partes, pedindo as informações devidas e ordenará ao empregador a cessação do comportamento ilegítimo, com a consequente nulidade de seus efeitos. O juiz, baseando-se em informações sumárias, concederá medida liminar, devendo ser motivada e imediatamente executada, caso o comportamento seja considerado antissindical. Desta decisão caberá recurso no prazo de 15 dias, não podendo ser suspensos os seus efeitos até a sentença definitiva”[24].

 

            Sem uma lei, sem disposição positiva e forte não comportando tergiversações, as práticas faltosas continuarão impedindo a realização do direito e um sindicato mais atuante.

 

 

            13. ADMINISTRAÇÃO

 

            A mantença dos textos da CLT que cuidam da administração e de sua gestão financeira comprometem decisivamente a autonomia sindical.

 

            O artigo 522 consolidado impõe soberanamente uma diretoria composta por, no mínimo três e no máximo sete diretores, mais um conselho fiscal com três membros; já no que se refere às federações e confederações só se exige o número mínimo de três diretores. O sindicato é representado na federação por dois delegados, apenas um com direito de voto. Mandato de      três anos a partir de 1969 conforme o artigo 515, antes, dois anos apenas. Contraprestação dos diretores afastados de seus empregos gratificação não excedente ao que recebiam no emprego (art. 521, parágrafo único). Mesmo antes de conquistar a autonomia conseguiram salário, inscrição na previdência social e depois participação no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço. A autonomia justificou a liberação da contrapartida remuneratória e a extensão por vezes excessiva da duração dos mandatos, em média cinco anos. O Anteprojeto do Fórum Nacional do Trabalho não fez qualquer exigência senão a disciplinação estatutária: “Art. 6°; As entidades sindicais de trabalhadores e de empregadores podem eleger livremente seus representantes, organizar sua estrutura representativa e sua administração, formular seu programa de ação, filiar-se às respectivas organizações internacionais e elaborar seus estatutos, observando princípio democráticos que assegurem ampla participação dos representados”.

 

            A gestão financeira compreende ainda duas receitas que não se confundem, chamadas no jargão ministerial, quero dizer do Ministério do Trabalho, rendas próprias e rendas oriundas da contribuição sindical. Mesmo seus técnicos acreditavam que apoiados na autonomia não tinham que prestar contas. E foi assim que pensou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva quando vetou a sujeição da contribuição sindical ao Tribunal de Contas. Mas não é que o senador Ronaldo Caiado  (Democratas/GO) revidou contra uma passeata de sindicalistas denunciando justamente ao Tribunal de Contas o pagamento dos participantes com recursos da contribuição sindical; a denúncia foi acolhida e determinado ao Ministério que continuasse fiscalizando a aplicação da receita dela advinda.

 

            A CLT determina como se compõe o patrimônio dos sindicatos: Art. 548 - Constituem o patrimônio das associações sindicais: a) as contribuições devidas aos Sindicatos pelos que participem das categorias econômicas ou profissionais ou das profissões liberais representadas pelas referidas entidades, sob a denominação de imposto sindical, pagas e arrecadadas na forma do Capítulo lIl deste Título; b) as contribuições dos associados, na forma estabelecida nos estatutos ou pelas Assembléias Gerais; c) os bens e valores adquiridos e as rendas produzidas pelos mesmos; d) as doações e legados; e) as multas e outras rendas eventuais (art. 548), mas não lhe permite o exercício de atividade econômica (CLT. art. 564). Outra vez vale retomar o Anteprojeto do Fórum Nacional do Trabalho que entendeu melhor o alcance da autonomia sindical sob uma ótica democrática: “Subseção IV Da prestação de contas Art. 56. As entidades sindicais organizarão os lançamentos contábeis de forma a permitir o acompanhamento das transações, dos débitos e dos créditos, do recolhimento e do repasse das contribuições, assim como o conhecimento da composição patrimonial, a determinação dos custos dos serviços, o levantamento dos balanços gerais, a análise e a interpretação dos resultados econômicos e financeiros. Art. 57. Os dirigentes sindicais responderão pela violação aos deveres de: I - proceder à regular escrituração contábil e à prestação anual de contas na forma e segundo os padrões e normas gerais da contabilidade, ajustados às peculiaridades das respectivas entidades; II - manter disponíveis à livre consulta de qualquer representado, pelo prazo de 5 (cinco) anos, o balanço, os balancetes, a memória completa dos lançamentos contábeis dos créditos e dos repasses referentes à contribuição de negociação coletiva, a cópia do estatuto da entidade vigente no período respectivo e a relação nominal atualizada dos dirigentes sindicais, com a respectiva ata de posse; III - proporcionar, por todos os meios a alcance, o acesso dos representados aos estatutos e às informações aludidas nos incisos anteriores deste artigo”.

 

 

            14. A CRISE SINDICAL

 

            Passados mais de 27 anos assistimos um tempo de crise, econômica, política, social, ética, e também sindical. A Constituição deu aos sindicatos autonomia, vedando qualquer ingerência do Poder Público em sua atuação, ressalvado o registro no órgão competente conforme redação do artigo 8° e seu inciso I. O Ministério do Trabalho recebeu do Supremo Tribunal Federal competência para o registro das entidades sindicais, limitada, contudo, a preservação da unicidade sindical, como acentuou o voto do Ministro relator Sepúlveda Pertence. Seu poder de tutela repressiva, porém, vinha desde 1931, quando foi criado por Vargas e seus tecnocratas não pensavam perdê-lo, muito menos os titulares da pasta. Foi assim que cada um editou um ato ou mais, para disciplinar o registro. Um deles revelou sua inutilidade afirmando que “A inclusão de entidade sindical no Arquivo das Entidades Sindicais Brasileiras (que correspondia ao registro) não constitui ato concessivo de personalidade jurídica, ou de caráter homologatório, nem se destina a conferir ao requerente legitimidade para representar a categoria. É ato meramente cadastral (...)”; outro justificou seus nove artigos em mais de 20 páginas. Acreditando que liberdade sindical era o direito de criar sindicatos fantasmas que de qualquer modo dava a seus mentores recursos que não exigiam nenhuma ação positiva e significavam emprego duradouro com remuneração razoável, foram registrados 15.007 sindicatos, 10.167 de trabalhadores, 4.840 de empregadores. Georgenor de Sousa identificou alguns: Sindicato dos Artistas Sertanejos, Sindicato dos Astrólogos, Sindicato dos Cantadores, Poetas e Cordelistas, Sindicato dos Condutores de Veículos, Sindicato dos Parapsicólogos Clínicos, Sindicato dos Profissionais em Negociação Coletiva, Sindicato dos Proprietários de Cavalos Puro Sangue Inglês de Corrida, Sindicato dos Trabalhadores em Carpetes, Sindicato dos Trabalhadores em Categorias Similares ou Conexas, Sindicato dos Trabalhadores no Comércio e Indústria, Sindicato dos Vendedores de Acarajé e Comidas Típicas, Sindicato dos Trabalhadores que Prestam Serviços de Natureza Contínua ou Não, de Finalidade não Lucrativa à Pessoa ou à Família, no Âmbito Residencial Destas”.[25] Cabe acrescentar outros disparates como um sindicato dos empregados em “fast food”, cuja criação foi patrocinada pela transnacional Mc Donalds, outro dos movimentadores de mercadorias que pretendia transformar os “chapas”, trabalhadores avulsos em componentes de uma categoria diferenciada. O Ministério do Trabalho não parou por ai, criou o cadastramento para melhor gerenciar os sindicatos, depois o que denominou Sistema Mediador para controlar os acordos e convenções coletivas ao invés de simplesmente registrá-los, em seguida o Sistema Homologanet para determinar como proceder a assistência nas rescisões contratuais e finalmente restabeleceu o enquadramento sindicato a cargo do Conselho Nacional de Relações do Trabalho. O certo é que os sindicatos, hoje, não podem se afastar dos corredores das superintendências regionais do Ministério do Trabalho. Até a unicidade sindical foi atingida. Embora o inciso II do artigo 8° da Constituição a assegure em todos os graus a Portaria n° 186 de 2008, permitiu a pluralidade de federações e confederações[26].

 

            O Ministério Público do Trabalho, por sua vez elegeu a disciplinação dos sindicatos como prioridade criando para tanto a Coordenação Nacional da Promoção de Liberdade Sindical – CONALIS, que investiu contra a cobrança de uma contribuição de solidariedade retributiva da representação geral da categoria nas negociações coletivas, mal nomeada de assistencial. Num primeiro momento editou a Orientação n° 3 para admiti-la desde que assegurado ao trabalhador sem filiação ao sindicato o direito de oposição, fundada na irredutibilidade do salário. Constatado, porém, que a Convenção 95 da OIT secundando o artigo 462 da CLT permitiam o desconto desde que amparado por condição convencional, mudou seu foco para o inciso V do artigo 8° da Constituição que consagra a liberdade sindical negativa, direito de não se filiar nem de se manter filiado a sindicato De nada valeu a insistência dos advogados em mostrar que o artigo 7° permitia mediante negociação coletiva até reduzir salários. Com apoio da Justiça do Trabalho as cláusulas foram anuladas e os sindicatos condenados a devolver o quanto recebido. O propósito de intervenção foi revelado quando proclamou ter erigido em prioridade compelir os sindicatos a instituir a representação do pessoal estabelecida no artigo 11 da Constituição, que foi simplesmente ignorado já que a reivindicação sempre foi outra, a organização nos locais de trabalho. Agora aponta para os estatutos disposto a democratizá-los.

 

            O Poder Judiciário não ficou atrás. O Supremo Tribunal Federal fez leitura equivocada do inciso IV do artigo 8° da Constituição, lendo categoria como quadro de associados e deu à chamada contribuição destinada ao custeio do sistema confederativo de representação sindical alcance limitado para só obrigar os associados. Fosse assim, e categoria do inciso III, quando se trata da defesa de seus interesses coletivos implicaria na representação apenas do conjunto de associados nas negociações coletivas. Sem ler os Anais da Assembléia Nacional Constituinte que deixam claro que se discutiu, votou e aprovou uma contribuição geral envolvendo todos os representados, os Ministros deram-lhe fim. Como observou Octávio Bueno Magano, para impor contribuições aos associados bastava deliberação de assembléia, dispensando disposição de lei e muito menos da Constituição. Depois reviveram o artigo 522 da CLT que se tinha como já sepultado para estabelecer que a administração do sindicato, qualquer que fosse a extensão de sua base territorial e o contingente de trabalhadores, seria de apenas sete diretores efetivos e outros sete suplentes, de modo que os excedentes não teriam estabilidade no emprego apesar da literalidade do inciso VIII do artigo 8° da Constituição Quanto aos membros do conselho fiscal, irrelevante fazerem parte da administração, não têm nenhuma garantia. O Tribunal Superior do Trabalho seguiu a mesma trilha e foi mais longe, descobriu que o Código Civil restringia o direito de greve, impedindo o piquete e qualquer manifestação nas imediações da empresa, em que pese a redação do artigo 6° da Lei n° 7.783 de 1989.

 

            Enfim a crise sindical não só se mantém como se acentua cada vez mais com o baixo índice de sindicalização e a falta de confiabilidade[27].

 

 

            15. A REFORMA DA LEGISLAÇÃO SINDICAL

 

            Não temos uma lei sindical, apenas o que restou da incorporação do Decreto-lei 1.402 de 1939 à CLT. De fato, tendo presente a autonomia conforme a redação que lhe deu a Constituição Federal difícil será dizer o que se mantém do Capítulo V da CLT que trata da instituição sindical.

 

            Não há dúvida alguma que a última lei da Era Vargas foi uma cópia da Carta del Lavoro do fascismo de Mussolini como demonstrou a exaustão Arion Sayão Romita[28]. Logo após a redemocratização do pais João Valadares apresentou um projeto que procurava escoimar a submissão do sindicato ao Estado. Seguiram-se os projetos Segadas Viana (), Dorval Lacerda () e Evaristo de Moraes Filho, os últimos mais avançados chegando a códigos do trabalho. Nem sequer foram levados ao Congresso Nacional para votação. José Sarney isolado não deu importância ao projeto costurado no Ministério do Trabalho. Já nos governos Fernando Collor de Mello e Fernando Henrique Cardoso, cada um constituiu sua “Comissão de Notáveis” para a elaboração de uma lei sindical que, do mesmo modo não repercutiram sequer junto ao movimento sindical e aos empresários. Finalmente, no governo Luiz Inácio Lula da Silva, após seu Conselho Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, de formação tripartite, aprovar a afirmação de nossa legislação trabalhista constitucional e infraconstitucional ser anacrônica, foi instalado o Fórum Nacional do Trabalho formada pelas bancadas dos trabalhadores através das centrais, dos empregadores pelas confederações e do governo comandada pelo Ministério do Trabalho. Ao longo de nove meses seus membros discutiram e aprovaram os consensos que foram transformados em Anteprojeto de lei. É certo que não entenderam tudo que nele foi posto como representatividade derivada, exclusividade como forma transitória de unicidade, etc. A reforma acabou melancolicamente. Sobrou a PEC 369 redigida na Casa Civil, que institui a pluralidade sindical acompanhada de contribuição compulsória de custeio obrigatória para todos os abrangidos pela negociação coletiva, assegurada a representação dos trabalhadores nos locais de trabalho na forma da lei. O projeto, de 2005, tramita lentamente na Câmara dos Deputados, sendo relator Moreira Mendes (PSD/RO). De igual modo a Mensagem n° 16 de 1984, destinada a aprovar a Convenção 87 da OIT, presentemente no Senado, com o relator Paulo Paim (PT-RS).

 

 

            16. UM SINDICATO ÚNICO E GERAL

 

            Enfim, este é o sindicato que temos e que deve num sistema capitalista globalizado mas sob controle dos Estados Unidos que determinam os rumos de nossa economia, de nossa cultura e enquanto tiver forças de nossa história, defender os direitos e interesses da classe trabalhadora. Mesmo assim o que se discute nos meios acadêmicos, na imprensa, nos sindicatos, é o tamanho da autonomia e seu desmonte para evitar que se repita a ameaça dos tempos que antecederam o golpe de 1964 de instalação de uma “República Sindical”; a salvação do sistema com a aprovação da Convenção 87 da OIT que poderá instaurar um modelo fundado na liberdade sindical – e naturalmente – admitido o divisionismo provocado pelo pluralismo; o financiamento dos sindicatos que só serão autênticos quando forem custeados por contribuições voluntárias; a contenção das greves selvagens, com a penalização dos sindicatos que se valerem dos piquetes, da ocupação não das fábricas, das garagens, dos armazenas, mas das ruas; o controle das convenções coletivas para que não comprometam a economia, mas que possam atuando “in pejus”, no melhor juridiquês, avancem e reduzam o legislado; enquanto isto uma nova ordem, neoliberal ou neocapitalista, criará um novo Direito do Trabalho, menos protecionista, onde caiba a terceirização da mão de obra, a flexbilização, a desregulamentação da legislação trabalhista.

 

            A Constituição brasileira diferenciou a associação comum da sindical; a primeira foi tratada no artigo 5°, incisos XVII a XXI, este firmando que só representa seus associados e ainda assim desde que por eles autorizada: “as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, têm legitimidade para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente”, ao passo que a sindical, como estabelece o artigo 8°, no inciso III, representa e defende direitos e interesses da categoria que na forma do artigo 511, § 2° da CLT, distingue-se do quadro social, constituindo a coletividade de trabalhadores que operam numa mesma atividade econômica ou atividades assemelhadas. Interesses que não são exclusivamente trabalhistas, mas também sociais que estão elencados no artigo 6° da Constituição: educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparado e defende interesses políticos, sobrepondo-se aos partidos de “aluguel”, sem programa nem ideologia, 33 por ora e muitos outros na fila, aguardando registro[29].           

 

            Se é assim, por que mais de dez mil sindicatos, mais de 500 federações, mais de 30 confederações?[30] e dezenas de classes ou categorias? Verdadeiramente existe uma pluralidade sindical em função da divisão dos grupos profissionais: metalúrgicos, tecelões, padeiros, trabalhadores da construção civil, da hotelaria, etc.

 

            A organização da classe trabalhadora começou mutualista, tornou-se meio de resistência, renunciou o assistencialismo, passou a associação permanente. Foi órgão de colaboração com o Estado que enquadrou os trabalhadores em categorias correspondentes às atividades econômicas e impôs seu financiamento a cargo de todos, independentemente de filiação, controlando com mão forte sua gestão financeira, quase que inteiramente voltada para fins assistenciais (CLT, art. 592, II). Assistencialista sim mas só para os sócios, porquanto os demais, embora duplamente contribuintes (contribuições sindical e assistencial) não participam dos serviços organizados, como departamento jurídico, ambulatório médico-odontológico, colônia de férias, clube de campo, esporte, escolas. Permanente, é claro, mas sua ação principal, como regra, repete-se uma vez a cada ano com a convocação da assembléia geral para aprovar as reivindicações da categoria e participar das negociações coletivas que repetem, quase sempre, as mesmas conquistas, priorizando a correção dos salários que nada mais é do que a recomposição de seu valor nominal agastado pela inflação. Mesmo assim, nada menos do que “5.984 entidades profissionais, registradas (mais da metade neste grupo, portanto) nunca celebraram qualquer instrumento coletivo de trabalho, seja Acordo ou Convenção Coletiva de Trabalho”, denuncia o procurador do trabalho, Francisco Gérson Marques de LIMA, que atuou junto à CONALIS[31]. A contribuição sindical que nada exige em contrapartida para ser recebida, dirigida para custear o assistencialismo crescente fez do dirigente sindical um burocrata que deve administrar uma instituição complexa que emprega profissionais qualificados e exige gastos expressivos. O alheamento dos trabalhadores por se filiar e participar dos movimentos reivindicatórios esvazia o quadro associativo permitindo o continuísmo que cai no imobilismo.

 

            O sindicato é em tudo uma organização especial da classe trabalhadora considerada como um todo, independentemente de filiação. Nas greves quem irá saber se o grevista é ou não sindicalizado de “carteirinha”? Quando é desfraldada uma bandeira social protestando contra a carestia, o desemprego, a negação da assistência médica, a falta de creches, contra o trabalho escravo, infantil, ninguém há de querer saber se quem protesta e quem se quer proteger é sindicalizado ou não.

 

            Então porque um quadro de associados? melhor seria, por certo, um sindicato geral, de todos.

 

            O Brasil possui extensão continental dividido em 26 estados mais o Distrito Federal, 5.570 municípios, uma população demais de 11.807 milhões de trabalhadores.[32] Claro, portanto, que o sindicato terá de se projetar cobrindo todo o pais, através de sessões municipais, estaduais e nacional, eleitas diretamente por toda a coletividade do mundo do trabalho. Os trabalhadores de cada estado elegeriam a unidade estadual e todos a nacional. As unidades poderiam constituir sessões profissionais sem casuísmos, tendo presente as atividades básicas do sistema econômico: indústria, comércio, transporte, serviços, rural, além do trabalho intelectual, domésticos, serviço público. Quando se vê uma cidade de pequeno porte com menos de 30 mil habitantes, mas com duas ou três dezenas de sindicatos minúsculos, incapazes de se transformar em um sindicato de profissões várias já preconizado no 1° Congresso Operário de 1906, conclui-se que mesmo no sistema unitário reina o divisionismo.

 

            A negociação coletiva seria permanente, de níveo nacional, articulada, mas para ser ajustada nas diversas regiões, para mais ou para menos conforme a capacidade econômica dos diferentes setores e empresas. O resultado, quer dizer, a convenção coletiva teria duração pelo tempo determinado pelas partes, podendo contemplar cláusulas transitórias e outras definitivas. Greve, vedada a ação policial em favor do empregador, admitido o piquete não violento, como existe em toda parte do mundo. Sem qualificação, greve apenas, que sendo direito, ainda que não absoluto como se diz, não seria ilegal ou abusiva. A Justiça do Trabalho decide os conflitos de direito sem competência para determinar a interdição das vias públicas, do acesso às imediações das empresas e determinar o retorno ao trabalho. O atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade seriam atendidos pelo sindicato. Uma lição a ser aprendida com o dirigentes do “velho sindicato”: o movimento grevista deve sensibilizar a população e contar, pelo menos com sua simpatia. Para tanto, indispensável que conheça as razões determinantes, a reivindicação e a postura dos empregadores. Parar as avenidas, as rodovias, pois não atinge os adversários, mas a população que se coloca contra os grevistas.

 

            Democracia acima de tudo, sob controle, melhor dizendo: autocontrole, através de um Conselho Nacional Sindical que será a instância superior da estrutura, ao qual caberá determinar princípios básicos a serem adotados como prazo máximo de duração dos mandatos, condicionamentos para a fixação da contraprestação remuneratória dos dirigentes, como proporcionalidade à receita e razoabilidade em face do salário médio praticado na localidade. O sindicato não comporta adjetivação negativa: “oficialista”, “imobilista”, “pelego”, “corrupto”, o que existe são dirigentes “oficialistas”, “imobilistas”, “pelegos”, “corruptos”. Os qualificativos comprometem o sindicato e atiçam a crise que qual uma nuvem negra se espalha maculando todos, até os autênticos, de resistência. O procurador Francisco Gérson Marques de Lima em seu texto revela que 251 sindicatos possuem mandatos iguais ou superior a 6 anos, 5 deles, superiores a 10 anos. 14 federações, também com mais de 6 anos.

 

            O sindicato é a expressão maior da coletividade organizada, como organismo de luta, de reivindicações, de resistência e solidariedade, por isto tem que se estruturar conforme a vontade da classe trabalhadora e agir politicamente para alcançar seus fins. E quais são? A resposta está em nossa Constituição: Em que pese a reação do pensamento mais reacionário, vale ter presente que o sindicato compõe o pluralismo político destacado no inciso V do artigo 1° da Constituição que constitui um dos pilares do Estado Democrático de Direito. Pode parecer um exercício poético mas o Diploma coloca num mesmo plano o capital e o trabalho (art. 1°, II) e proclama que todo poder emana do povo (parágrafo único). A ordem econômica tem como fundamento a valorização não só da livre iniciativa, mas também  do trabalho humano, tendo  por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social (CF. art. 170) enquanto a ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais (CF. art. 193). A saúde como a educação são direito de todos e dever do Estado (CF. arts 196 e 205). Está escrito no artigo 3°: “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil; I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; (...) III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. Desse modo tem o sindicato como dever principal contribuir para a construção dessa sociedade livre, justa e solidária; sem pobreza e desigualdades, voltada para promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Quer dizer um sindicato de luta e resistência.

 

            Besteira? ou ideias de canário como diria Machado de Assis. Mas não é para superar a crise e criar um novo sindicato

 

 

Bibliografia

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[1] Derecho Sindical y corporativo, Buenos Aires, Editorial Bibliográfica Argentina, 1959, pp. 19 e ss.

 

[2] AVILÉS, Antonio Ojeda, Derecho Sindical, Madri, Tecnos, 1980, pp. 100 e ss.

 

[4] CARONE, Edgard. A II Internacional, Anita/Edusp,1993, pp.11/12.

 

[5] História das lutas sociais no Brasil, SP Edaglit, 1962, p. 20.

 

[6] Lei n° 1.641, de 7 de janeiro de 1907.

 

[7] No governo do Marechal Euríco Gaspar Dutra, foi fechada a central Confederação dos Trabalhadores do Brasil – CTB seguida pela intervenção em 220 sindicatos a ela filiados. Apesar de o Brasil ter assinado o Tratado de Chapultepec que reconhecia a liberdade sindical e o direito de greve, Dutra editou o Decreto-lei 9070 dificultando até a proibição seu exercício.

 

[8] Desejo doído de liberdade, feliz expressão de Augusto Boal e Gianfrancesco Guarnieri usada na peça Arena conta Zumbi.

 

[9] SILVA, Roque Aparecido da. Sindicatos em uma época de crise. Petrópolis: Vozes, 1984. pp 55/117.

 

[10] SANTOS, Roberto A. O. Trabalho e sociedade na lei brasileira. São Paulo: LTr, 1993. p. 137.

 

[11] NICOLADELI, Sandro Lunard e FRIEDRICHM TATYANA Scheila, O direito coletivo, a liberdade sindical e as normas internacionais, vol. II, São Paulo, LTr; 2013, pp. 227 e ss.

 

[12] A Convenção coletiva de trabalho, São Paulo, LTr;1995, p. 31.

 

[13] Inicialmente Medida Provisória 1053, de junho de 1995.

 

[14] CLT, art. 612, Os Sindicatos só poderão celebrar Convenções ou Acordos Coletivos de Trabalho, por deliberação de Assembléia Geral especialmente convocada para esse fim, consoante o disposto nos respectivos Estatutos, dependendo a validade da mesma do comparecimento e votação, em primeira convocação, de 2/3 dos associados da entidade, se se tratar de Convenção, e dos interessados, no caso de Acordo, e, em segunda, de 1/3 dos mesmos.

Parágrafo único. O "quorum" de comparecimento e votação será de 1/8 dos associados em segunda convocação, nas entidades sindicais que tenham mais de 5.000 associados.

Art. 859 - A representação dos sindicatos para instauração da instância fica subordinada à aprovação de assembléia, da qual participem os associados interessados na solução do dissídio coletivo, em primeira convocação, por maioria de 2/3 (dois terços) dos mesmos, ou, em segunda convocação, por 2/3 (dois terços) dos presente

 

[15] Súmula 277 - Convenção coletiva de trabalho ou acordo coletivo de trabalho. Eficácia. Ultratividade.

As cláusulas normativas dos acordos coletivos ou convenções coletivas integram os contratos individuais de trabalho e somente poderão ser modificadas ou suprimidas mediante negociação coletiva de trabalho.

 

[16] Usina de açúcar convocou seus empregados para saber quais haviam assinado a lista do sindicato, como causa para demissão.

 

[17] Em sentido contrário: Solução Arbitral. Impropriedade. Flexibilização de direitos fundamentais não chegou a ponto de resolver a inadimplência do empregador por meios estranhos às relações de trabalho. Se é instituída através de convenção coletiva de trabalho, obstando o acesso à Justiça do Trabalho, revela-se nula de pleno direito. A cláusula compromissória, como parte do contrato de trabalho, substituindo a Justiça do Trabalho por um tribunal de arbitragem é nula de pleno direito, na medida em que implica em desvirtuar e impedir a aplicação dos princípios protecionistas da legislação do trabalho (CLT, art. 9º). 2. Convenção coletiva. Cláusula discriminatória. Nulidade. Cláusula normativa que importe em tratamento discriminatório peca pela nulidade absoluta. Se a convenção reserva apenas à hipótese de assistência judiciária a cargo do sindicato a cobrança de multa por infração de suas condições, afronta o princípio fundamental que rege o Estado Democrático de Direito (CF, art. 1º). (TRT-2 - RO: 20010031310 SP 20010031310, Relator: Jose Carlos da Silva Arouca, Julgamento: 08/04/2002, 8ª Turma, data de publicação: 23/04/2002).

“Dissídio coletivo. Cláusula compromissória de arbitragem. Ilegalidade. A Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996, no art. 1º, taxativamente, restringe o alcance da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis, sem força, 2 portanto, para alcançar direitos de natureza alimentar ou sociais como são aqueles que compõem a reparação devida ao trabalhador pela rescisão imotivada do contrato de trabalho. Ao contrário da Justiça Comum, a Justiça do Trabalho foi pensada para proteger a parte mais fraca da relação de emprego, assim hipossuficiente, segundo a definição de Cesarino Júnior. Se a lei civil parte da suposição da plena igualdade dos contraentes, a legislação trabalhista tem feição nitidamente protecionista, em que pese a reação do pensamento neoliberal. Desse modo, o propósito assumido equivocadamente por sindicatos profissionais, de obstar o acesso dos trabalhadores do manto protecionista da Justiça do Trabalho, ofende a garantia inscrita no inciso XXXV do art. 5º da Constituição.” (TRT/SP SDC, Proc. 20030-2003-000-02-00, Ac. 2003001547, Rel. Juiz José Carlos da Silva Arouca, DOESP 08.08.2003)

 

[18] Numa negociação coletiva envolvendo o setor de panificação e confeitaria de São Paulo, o coordenador da bancada patronal desafiou-me: Vamos superar o atraso e resolver o conflito pela arbitragem. Aceitei, mas de pronto indaguei: - E quem você indica como árbitro: - Um economista respeitado, com experiência comprovada, que foi até ministro de Estado: o professor Delfim Neto. Retruquei: De minha parte indico um economista também respeitado e que foi igualmente ministro de Estado: Walter Barelli (que foi técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos). Recusa imediata. Insisti: - Que tal o Arcebispo D. Paulo Evaristo Arms. A tentativa chegou ao fim.

 

[19] AROUCA, José Carlos, Organização sindical no Brasil. Passado Presente. Futuro (?), São Paulo, LTr; 2013, pp. 129 e ss.

 

[20] Anuário do Trabalho na Micro e Pequena Empresa, SEBRAE/DIEESE, Brasília, 2009.

 

[21] Entende-se por formais os empregados com registro na Carteira de Trabalho e Previdência Social.

 

[22] Aprovada pelo Decreto Legislativo n° 49, de 27.8.1963 e promulgada pelo Decreto n° 33,196 de agosto de 1953.

 

[23] Convenção Coletiva de Trabalho, São Paulo, LTr; 1972, p. 159.

 

[24] Exposição feita no III Congresso Brasileiro de Processo Civil e Trabalhista, realizado em Natal (RN), de 24 a 26.9.1098, promovido pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

 

[25] Sindicalismo no Brasil. artigo publicado na Revista do Direito Trabalhista, Brasília, Consulex, ano XIX, nº 4, abril de 2013, p. 24.

 

[26] A Portaria 186 foi substituída pela de n° 328 de 2013 que, todavia, manteve seus dispositivos pertinentes aos órgãos de grau superior.

 

27] Na pesquisa do Índice de Confiança Social –ICS –do IBOP, no ano 2013, num grupo de 18 instituições, o sindicato ficou em 15° lugar, numa escala de 1 a 100, com 37 pontos, atrás das empresas, da polícia, dos bancos.

 

[28] O fascismo no Direito do Trabalho brasileiro, São Paulo, LTr; 2001.

 

[29] IDE – Partido da Igualdade. PDC – Partido Democrático Cristão, PMP – Partido da Mobilização Nacional, Partido da Solidariedade Nacional, PE – Partido do Esporte, PATRI – Partido Patriotas, PB – Partido Força Brasil, RDP – Real Democracia Parlamentar, PSPB – Partido dos Servidores Públicos e dos Trabalhadores da Livre Iniciativa Privada do Brasil , Prona – Partido da Reedificaçâo da Ordem Nacional, PPLE – Partido Popular de Liberdade e Expressão Afro-Brasileira (O Estado de São Paulo, 8.5.2016).

 

[30] Números crescentes, tal a facilidade de dissociação e desmembramento, apenas para criar um sindicato de um grupo de oportunistas que surrupia a representação de trabalhadores já representados, quase nunca de trabalhadores ainda inorganizados.

 

[31] Liberdade sindical e autorregulação: pelo assentamento de princípios e valores sindicais nacionais, Rev. LTr.vol. 79,  n° 2, fevereiro de 2015, p. 154.A denúncia já fora feita pelo Secretário de Relações do Trabalho do Ministério do Trabalho Manoel Messias, sem que, tal como o procurador, fossem nomeados os sindicatos “fantasmas”.

 

[32] http://mundogeo.com/blog/2015/08/31/ibge-divulga-as-estimativas-populacionais-dos-municipios-em-2015/,

número de trabalhadores em 2014, segundo o IBGE: www.brasil.gov.br/economia-e-emprego/2015/01/numero-de-trabalhadores-com-carteira-assinada-cresce-59-6-no-brasil-em-12-anos-diz-ibge, vistos em 13.5.2016.

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2016