BREVES COMENTÁRIOS ACERCA DO ART. 384 DA CLT À LUZ DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO Nº 658.312

 

 

 

PEDRO ALBERTO CARDOSO SAMUEL

Advogado. Pós-Graduado em Direito pela Escola Superior Verbo Jurídico, Pós-Graduado em Direito Processual Civil pela UniRitter, Pós-Graduando em Direito do Trabalho pela Escola Superior Verbo Jurídico e Fundação Escola da Magistratura do Trabalho do RS.

 

ANDRÉ BOTTI

Advogado. Pós-Graduado em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.

 

 

 

SUMÁRIO: Introdução; 1. Considerações sobre os argumentos favoráveis pela recepção do art. 384 da CLT pela CF88. Análise dos argumentos do Ministro Dias Toffoli; 1.1 Do momento histórico de inserção do art. 384 da CLT; 1.2 Da igualdade na Constituição de 1988 e os critérios que ensejaram a diferenciação do art. 384 da CLT; 1.3 Da inaplicabilidade do art. 384 da CLT aos trabalhadores do sexo masculino; 2. Das ponderações contrárias ao intervalo de 15 minutos as trabalhadoras do sexo feminino. Violação ao princípio da isonomia; 3. Súmulas dos Tribunais Regionais do Trabalho; Conclusão.

 

 

 

INTRODUÇÃO

 

O presente trabalho traz algumas reflexões sobre o julgamento do Recurso Extraordinário nº 658.312, de relatoria do Ministro Dias Toffoli, momento no qual o Supremo Tribunal Federal analisa a recepção do artigo 384 da CLT, dispositivo legal que concede intervalo de 15 minutos para as mulheres trabalhadoras antes da jornada extraordinária, com repercussão geral reconhecida.

 

O recurso foi apresentado pela Reclamada A. Angeloni & Cia. Ltda. contra decisão do Tribunal Superior do Trabalho (TST) que manteve condenação ao pagamento, a uma empregada, do intervalo de 15 minutos, com adicional de 50%. A jurisprudência do TST está pacificada no sentido da validade do intervalo. A fundamentação do recurso é a violação aos artigos 5º, inciso I[1]; e 7º, inciso XXX[2] da Constituição Federal, por não ter havido a recepção pela Carta Constitucional de 1988 ao art. 384 da Consolidação das Leis do Trabalho. Aduz a necessidade de se analisar o feito à luz do princípio da isonomia, haja vista a vedação a diferenciação apenas em razão do sexo, sob pena de se estimular discriminação do trabalho entre iguais.

 

Em sessão plenária no dia 27 de novembro de 2014 foi negado provimento ao Recurso Extraordinário, momento no qual entenderam os Ministros que o intervalo de no mínimo 15 minutos para as trabalhadoras em caso de prorrogação do horário normal, antes do início do período extraordinário, não ofendia o princípio constitucional da isonomia, reconhecendo assim a recepção do art. 384 da CLT pela Constituição de 1988.

 

Após o acolhimento de embargos infringentes apresentados pela Recorrente, por ausência de intimação dos advogados representantes da empresa, fora anulado o julgamento. Novamente incluído em pauta, em sessão realizada no dia 14 de setembro de 2016, após o voto do Ministro Dias Toffoli (Relator) que negava provimento ao recurso extraordinário, pediu vista dos autos o Ministro Gilmar Mendes.

 

Considerando que a materialmente o tema já foi analisado pelo Supremo Tribunal Federal fica claro que o pedido de vistas tem como intuito única e exclusivamente procrastinar o reconhecimento da recepção ao diploma celetista pela Constituição Federal de 1988. Tanto é verdade que, quando da sessão de julgamento, os Ministros discordantes de sua aplicação, entre eles o Ministro Gilmar Mendes, manifestaram seus motivos e estes nada mais eram do que a reiteração da divergência do julgamento anterior, argumentos já vencidos em sessão plenária. Neste cenário, é que passaremos analisar, criticamente, os fundamentos de cada ponto de vista.

 

 

1. CONSIDERAÇÕES SOBRE OS ARGUMENTOS FAVORÁVEIS PELA RECEPÇÃO DO ART. 384 DA CLT PELA CF88. ANÁLISE DOS ARGUMENTOS DO MINISTRO DIAS TOFFOLI

 

Primeiramente, analisaremos e comentaremos o voto condutor do Min. Dias Toffoli, proferido quando do julgamento em 2014 e reiterado quando da reinserção em pauta em 2016.

 

1.1 Do momento histórico de inserção do art. 384 da CLT

 

O dispositivo legal se encontra no Capítulo III da CLT que traz as regras específicas sobre a “Proteção do Trabalho da Mulher”, sendo assim redigido: Art. 384 - Em caso de prorrogação do horário normal, será obrigatório um descanso de 15 (quinze) minutos no mínimo, antes do início do período extraordinário do trabalho.

 

O artigo foi inserido pelo Decreto-Lei nº 5.452/1943 que unificou toda a legislação trabalhista (CLT) sob à luz da Constituição de 1937 que, da mesma forma à Constituição de 1988 previa a cláusula de igualdade. Vale ressaltar que como clausula igualitária isonômica entre homens e mulheres   de forma expressa surgiu em nosso diploma constitucional com a Constituição de 1934[3], portanto, antes mesmo da Constituição de 1937 que previa uma clausula geral de que todos são iguais perante a lei. Diferenciação retomada na Constituição de 1946 que, em seu art. 157, inciso II, proibia, expressamente, tratamento diferenciado nos salários em motivo de idade, sexo, nacionalidade ou estado civil.

 

Portanto, analisando os aspectos cronológicos, é de se observar que a isonomia a muito habita em nossas Constituições e tampouco fora impeditivo para a inserção do art. 384 à CLT quando de sua inserção em 1943. Na ocasião, o legislador não entendeu confrontar a igualdade entre homens e mulheres a concessão de intervalo de 15 minutos antes do exercício da jornada extraordinária as mulheres, mesmo sob o manto do princípio da igualdade. Ainda assim, o dispositivo esteve presente quando em vigor as Constituições posteriores a sua inserção no ordenamento, a saber os textos constitucionais de 1946 e 1967, sem qualquer questionamento acerca de sua recepção, sendo colocando em debate somente agora, à luz da Constituição de 1988, justamente a qual da maior proteção ao trabalho.

 

Inclusive, o próprio Ministro sustenta no corpo do voto que mesmo com a supressão do nosso ordenamento celetista de alguns dispositivos celetistas que cuidavam da proteção do trabalho da mulher, previstos nos arts. 374 a 376, 378 a 380 e 387, quando da revogação desses dispositivos pela Lei nº 7.855, de 24/10/89, ressalte-se, já em vigor à Constituição de 1988, “o legislador entendeu que deveria manter a regra do art. 384 da CLT, a fim de garantir à mulher uma diferenciada proteção, dada sua identidade biossocial peculiar e sua potencial condição de mãe, gestante ou administradora do lar”[4].

 

1.2 Da igualdade na constituição de 1988 e os critérios que ensejaram a diferenciação do art. 384 da CLT

 

No que tange à igualdade a Constituição Federal fora explicitado três mandamentos a garantia da igualdade, sendo eles: i) clausula geral de igualdade, prescrevendo, em seu art. 5º, caput, que “todos são iguais perante a lei, sem qualquer distinção de qualquer natureza”; ii) clausula específica de igualdade de gênero, declarando que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações” (art. 5º, inciso I, CF); e iii) ao mesmo tempo, deixou excepcionada a possibilidade de tratamento diferenciado, por opção do constituinte, na parte final desse dispositivo, salientando que isso se dará  “nos termos da Constituição”.

 

Para o Ministro Dias Toffoli[5] a Constituição utilizou alguns critérios para o tratamento diferenciado entre homens e mulheres, sendo critérios que:

 

i) em primeiro lugar, levou em consideração a histórica exclusão da mulher do mercado regular de trabalho e impôs ao Estado a obrigação de implantar políticas públicas, administrativas ou meramente legislativas de natureza protetora no âmbito do direito do trabalho (PITANGUY, Jacqueline & BARSTED, Leila L. (orgs.). O Progresso das Mulheres no Brasil. Brasília: UNIFEM,Fundação Ford e CEPIA, 2006);  ii) considerou existir um componente orgânico, biológico, a justificar o tratamento diferenciado, inclusive pela menor resistência física da mulher; e iii) considerou haver, também, um componente social, pelo fato de ser comum o acúmulo de atividades pela mulher no lar e no ambiente de trabalho – o que, de fato, é uma realidade e, portanto, deve ser levado em consideração na interpretação da norma, como propõe a metódica concretista de Friedrich Müller (cf. Métodos de trabalho do Direito Constitucional. Trad. Peter Naumann: Rio de Janeiro, Renovar, 2005 e O novo paradigma do direito: introdução à teoria e à metódica estruturantes do direito. Trad. Dimitri Dimoulis et. al.. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008).

 

A partir destes argumentos, o Min. entendeu como legitimo o tratamento diferenciado, desde que a norma amplie direitos fundamentais das mulheres e atenda a proporcionalidade na compensação das diferenças.

 

A histórica exclusão das mulheres ao mercado de trabalho, implicando ao Estado a implementação de políticas públicas de natureza protetora no âmbito do direito do trabalho é tema recorrente em discussões. É notório que os salários das mulheres são, em média, 30% inferiores que os homens[6] e que levará anos para a fidedigna equiparação[7], fato com que faz que sejam o Estado atue ativamente na diminuição e compensação destas diferenças.

 

Ponderou o Min., consideração que serve para sustentar o argumento acima exposto, acerca da inexistência de dados estatísticos “a amparar a tese de que o dispositivo em questão dificultaria ainda mais a inserção da mulher no mercado de trabalho. Não há notícia da existência de levantamento técnico ou científico a demonstrar que o empregador prefira contratar homens, em vez de mulheres, em virtude da obrigação em comento”[8]. Portanto, desde o voto condutor rechaçou a tese daqueles contrários a aplicação do art. 384 sob o fundamento que seria uma contramedida que acabaria excluindo as mulheres do mercado de trabalho fazendo com que aumentasse ainda mais a exclusão.

 

A proteção quanto a fragilidade física da mulher, inclusive, é prevista em outros dispositivos celetistas em vigência em nosso ordenamento, como na regra que prevê que o empregador é impedido de contratar mulher em “serviço que demande o emprego de força muscular superior a 20 (vinte) quilos para o trabalho contínuo, ou 25 (vinte e cinco) quilos para o trabalho ocasional” (art. 390 da CLT).

 

Outro argumento seria a inegável cumulatividade de atividades no ambiente de trabalho e no lar pela grande maioria das trabalhadoras. As mulheres, ao longo do tempo e com o intuito de complementar a renda doméstica, não mais custeada exclusivamente pelos homens passaram a exercer atividades externas sem deixar de cumprir com as rotinas diárias de amparo ao lar e a família.

 

1.3 Da inaplicabilidade do art. 384 da CLT aos trabalhadores do sexo masculino

 

Ponderou o Min. Toffoli ser admissível o intervalo de 15 minutos as mulheres rechaçando qualquer possibilidade de incremento a jornada de trabalho aos trabalhadores do sexo masculino, afastando o incremento sob a “tese genérica da isonomia”[9], na medida em que “não haveria sentido resguardar a discriminação positiva diante das condicionantes constitucionais”, fato que acabaria por mitigar a conquista obtida pelas mulheres, sendo esta justificada e proporcional.

 

Adverte o relator que o texto da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher - adotada pela Resolução nº 34/180 da Assembleia Geral das Nações Unidades em 18/12/1979 e ratificada pelo Brasil em 1º/2/1984, por meio do Decreto Legislativo nº 93, de 14 de novembro de 1983 foi recepcionado pela Constituição de 1988, disposição que assim prevê em seu art. 1º:

 

“Artigo 1º - Para fins da presente Convenção, a expressão ‘discriminação contra a mulher’ significará toda distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo e que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício pela mulher, independentemente de seu estado civil, com base na igualdade do homem e da mulher, dos direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo”.

 

Portanto, tanto a Constituição quanto as normas internacionais recepcionadas pelo Brasil à luz do texto constitucional não impedem (muito pelo contrário, incentivam) que ocorra tratamento diferenciado quando este fundado em elemento legítimo e para corrigir eventuais diferenças que hajam.

 

Expressamente quanto a eventual violação ao art. 7º, inciso XXX da Constituição o Relator assim se manifestou[10]:

 

O dispositivo atacado não viola o art. 7º, inciso XXX, da Constituição Federal, na medida em que não diz respeito a tratamento diferenciado quanto ao salário a ser pago a homens e mulheres, a critérios diferenciados de admissão, ou mesmo a exercício de funções diversas entre diversos gêneros. Essa norma, como já salientei, com o devido respeito àqueles que advogam a tese contrária, não gera, no plano de sua eficácia, prejuízos ao mercado de trabalho feminino. Aliás, o intervalo previsto no art. 384 da CLT só tem cabimento quando a trabalhadora labora, ordinariamente, com jornada superior ao limite permitido pela lei e o empregador exige, diante de uma necessidade, que se extrapole esse período. Adotar-se a tese da prejudicialidade nos faria inferir, também, que o salário-maternidade, a licença-maternidade, o prazo reduzido para a aposentadoria, a norma do art. 391 da CLT, que proíbe a despedida da trabalhadora pelo fato de ter contraído matrimônio ou estar grávida, e outros benefícios assistenciais e previdenciários existentes em favor das mulheres acabariam por desvalorizar a mão de obra feminina.

 

Assim sendo, o tratamento diferenciado em favor das mulheres, conferindo tal “benefício”, visa única e exclusivamente diminuir diferenças já existentes, sendo o art. 384 recepcionado pela atual Constituição.

 

 

2. DAS PONDERAÇÕES CONTRÁRIAS AO INTERVALO DE 15 MINUTOS AS TRABALHADORAS DO SEXO FEMININO. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA ISONOMIA

 

No presente tópico apontaremos os argumentos sustentados pelos Ministros Luiz Fux, Gilmar Mendes e o Min. Marco Aurélio na divergência aberta ao voto do Relator Toffoli, quando do julgamento em 2014.

 

A divergência tem como base dois pontos: que o disposto no art. 384 atacaria o princípio da isonomia bem como em razão do mercado de trabalho, eis que colocaria o trabalho feminino em segundo plano. Paralelamente,  como argumento justificador, especialmente o Min. Fux pondera que  haveria divergência doutrinária sobre o tema, citando como exemplo Arnaldo Süssekind, Mozart Victor Russomano e Celso Antônio Bandeira de Mello, argumento este que pesaria contrariamente à aplicação da norma.

 

Quanto a violação ao princípio da igualdade, assim dispõe o Min. Fux:

 

Então, eu verifico aqui, na realidade, no meu modo de ver, essa proteção do artigo 384, com a devida vênia, a um só tempo, ela viola o princípio da igualdade, porque ela peca por inconstitucionalidade e por omissão, porque deveria se deferir aos homens também, e assim a doutrina trabalhista sugere isso, e não a orientação jurisprudencial que acabou se firmando na SDI do Tribunal Superior do Trabalho de nº 342. Mas a doutrina tem três vetores bem claros: ou bem esse dispositivo viola o princípio da isonomia, ou bem, até por força da isonomia, concede-se esse período também para os homens, ou, então, aplica-se somente esse dispositivo naquelas atividades que demandam esforço físico, porque aí realmente devem ser tratados os homens de forma desigual em relação às mulheres, mas, no mercado de trabalho intelectual, absolutamente não faria sentido.

 

Portanto, apresenta o Min três cenários: I) violação ao princípio da isonomia; II) extensão do intervalo aos homens por força da própria isonomia; III) ou, ainda, a aplicação do dispositivo somente nas atividades que demandam esforço físico, sendo este (o esforço) a justificativa para o tratamento diferenciado entre homens e mulheres.

 

Aqui, cabe considerar, que os motivos que levam ao Min. Fux considerar a não incidência do intervalo não contrapõe os argumentos lançados no voto condutor do Min. Toffoli, estes que embasam e sustentam a medida protetiva as obreiras. Quando o Min. Fux sugere a aplicação do intervalo aos homens deixa de lado as razões históricas de exclusão da mulher do mercado regular de trabalho e o acúmulo de atividades no lar e no ambiente laboral.

 

A própria ressalva que, se concedido o intervalo este deveria ser aplicado somente em atividades que demandam esforço físico esquece que, para estas, as normas coletivas já encontram proteção específica[11], normas estas diferenciadoras entre obreiros e obreiras e regularmente válidas em nosso ordenamento. Ademais, não haveria qualquer ofensa a isonomia     visto que a diferenciação só busca equilibrar os desiguais, porque, como dito, biologicamente as mulheres são mais frágeis do que os homens e a extensão a estes sim atentaria ao tratamento igualitário da isonomia.

 

Por sua vez, quanto ao argumento de que geraria um desequilibro ao mercado, alicerçam-se os julgadores na afirmativa que acabaria gerando um ônus para o mercado em relação às mulheres, colocando, para o Min. Marco Aurélio, a mão de obra feminina em segundo plano. O Min. Gilmar Mendes chega a afirmar[12] que os empregadores iriam optar ou não por fazer hora extra e, quando a fizer, optariam pelos homens as mulheres.

 

Cabe aqui transcrever trecho dos comentários do Min. Marco Aurélio à sessão plenária:

 

Essa norma sugere, num mercado impiedoso, num livre mercado, a colocação da mão de obra feminina em segundo plano, sugere a preterição, e valho-me, para não citar outros doutrinadores, da voz feminina sobre a matéria; valho-me das lições de Alice Monteiro de Barros, no que discorreu, na 9ª Edição do “Curso de Direito do Trabalho”, sobre o tema. Nossa Alice enfocou três aspectos interessantíssimos: o primeiro, ao ressaltar que, há muito, sugerira a revogação expressa do artigo 376 da Consolidação da Leis do Trabalho, no que dava tratamento preferencial às mulheres quanto ao serviço extraordinário (...)

Em passo seguinte, visitou Alice o que ocorreu nos Estados Unidos, em quase todos os Estados americanos, no tocante às leis de cunho tutelar, sobretudo – destacou – as que dispunham a respeito de número máximo de horas de trabalho relativamente à mulher.

 

Entretanto, o argumento de que haveria discriminação quando da contratação, fazendo com que o próprio mercado selecionasse os homens, preferencialmente, não parece razoável. Ponderemos que fosse verdade, logo, as outras disposições protetivas, como a própria licença maternidade seria por si só discriminatória e exclusiva do sexo feminino junto ao mercado laboral. Mas, contrariamente, cada vez mais encontramos trabalhadoras mulheres exercendo as mais variadas funções e inclusive ofícios que eram restritos aos homens, como a própria construção civil que a protege do peso excessivo.

 

Assim sendo, os votos dos Ministros vão ao encontro do entendimento constitucional, haja vista que Constituição de 1988 admite a possibilidade de tratamento diferenciado, levando em conta a "histórica exclusão da mulher do mercado de trabalho"; a existência de "um componente orgânico, biológico, inclusive pela menor resistência física da mulher"; e um componente social, pelo fato de ser comum a chamada dupla jornada – o acúmulo de atividades pela mulher no lar e no trabalho.

 

Não é demais ressaltar que, contrariando os argumentos contrários dos Ministros divergentes, o Pleno do TST já decidiu pela aplicabilidade do intervalo previsto no artigo 384, da CLT:

 

“MULHER INTERVALO DE 15 MINUTOS ANTES DE LABOR EM SOBREJORNADA CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 384 DA CLT EM FACE DO ART. 5º, I, DA CF.

1. O art. 384 da CLT impõe intervalo de 15 minutos antes de se começar a prestação de horas extras pela trabalhadora mulher. Pretende-se sua não-recepção pela Constituição Federal, dada a plena igualdade de direitos e obrigações entre homens e mulheres decantada pela Carta Política de 1988 (art. 5º, I), como conquista feminina no campo jurídico.

2. A igualdade jurídica e intelectual entre homens e mulheres não afasta a natural diferenciação fisiológica e psicológica dos sexos, não escapando ao senso comum a patente diferença de compleição física entre homens e mulheres. Analisando o art. 384 da CLT em seu contexto, verifica-se que se trata de norma legal inserida no capítulo que cuida da proteção do trabalho da mulher e que, versando sobre intervalo intrajornada, possui natureza de norma afeta à medicina e segurança do trabalho, infensa à negociação coletiva, dada a sua indisponibilidade (cfr. Orientação Jurisprudencial 342 da SBDI-1 do TST).

3. O maior desgaste natural da mulher trabalhadora não foi desconsiderado pelo Constituinte de 1988, que garantiu diferentes condições para a obtenção da aposentadoria, com menos idade e tempo de contribuição previdenciária para as mulheres (CF, art. 201, § 7º, I e II). A própria diferenciação temporal da licença-maternidade e paternidade (CF, art. 7º, XVIII e XIX; ADCT, art. 10, § 1º) deixa claro que o desgaste físico efetivo é da maternidade. A praxe generalizada, ademais, é a de se postergar o gozo da licença-maternidade para depois do parto, o que leva a mulher, nos meses finais da gestação, a um desgaste físico   cada vez maior, o que justifica o tratamento diferenciado em termos de jornada de trabalho e período de descanso.

4. Não é demais lembrar que as mulheres que trabalham fora do lar estão sujeitas a dupla jornada de trabalho, pois ainda realizam as atividades domésticas quando retornam à casa. Por mais que se dividam as tarefas domésticas entre o casal, o peso maior da administração da casa e da educação dos filhos acaba recaindo sobre a mulher.

5. Nesse diapasão, levando-se em consideração a máxima albergada pelo princípio da isonomia, de tratar desigualmente os desiguais na medida das suas desigualdades, ao ônus da dupla missão, familiar e profissional, que desempenha a mulher trabalhadora corresponde o bônus da jubilação antecipada e da concessão de vantagens específicas, em função de suas circunstâncias próprias, como é o caso do intervalo de 15 minutos antes de iniciar uma jornada extraordinária, sendo de se rejeitar a pretensa inconstitucionalidade do art. 384 da CLT.

Incidente de inconstitucionalidade em recurso de revista rejeitado.”

 

Assim, os argumentos utilizados pelo Ministro em seu voto encontram-se totalmente superados pelo próprio entendimento constitucional, bem como pelo entendimento jurisprudencial do TST.

 

 

3. SÚMULAS DOS TRIBUNAIS REGIONAIS DO TRABALHO

 

Corroborando com o entendimento majoritário do STF, bem como o entendimento unanime do pleno do TST, os Tribunais Regionais do Trabalho editaram súmulas defendendo a aplicação do intervalo do artigo 384, da CLT, conforme abaixo se transcreve:

 

TRT1:

Súmula 53: Proteção ao trabalho da mulher. Artigo 384 da CLT. A inobservância do intervalo previsto no art. 384 da CLT enseja os mesmos efeitos do descumprimento do intervalo intrajornada.

 

TRT2:

Súmula 28: Intervalo previsto no artigo 384 da CLT. Recepção pela Constituição Federal. Aplicação somente às mulheres. Inobservância. Horas extras.

O artigo 384 da CLT foi recepcionado pela Constituição Federal consoante decisão do E. Supremo Tribunal Federal e beneficia somente mulheres, sendo que a inobservância do intervalo mínimo de 15 (quinze) minutos nele previsto resulta no pagamento de horas extras pelo período total do intervalo.

 

TRT3:

Súmula 39: TRABALHO DA MULHER. INTERVALO DE 15 MINUTOS. ART. 384 DA CLT. RECEPÇÃO PELA CR/88 COMO DIREITO FUNDAMENTAL À HIGIENE, SAÚDE E SEGURANÇA. DESCUMPRIMENTO. HORA EXTRA.

O art. 384 da CLT, cuja destinatária é exclusivamente a mulher, foi recepcionado pela CR/88 como autêntico direito fundamental à higiene, saúde e segurança, consoante decisão do Supremo Tribunal Federal, pelo que, descartada a hipótese de cometimento de mera penalidade administrativa, seu descumprimento total ou parcial pelo empregador gera o direito ao pagamento de 15 minutos extras diários. (RA 166/2015, disponibilização: DEJT/TRT3/Cad. Jud. 16/07/205, 17/07/2015 e 20/07/2015).

 

TRT4:

Súmula 65: INTERVALO DO ART. 384 DA CLT. A regra do art. 384 da CLT foi recepcionada pela Constituição, sendo aplicável à mulher, observado, em caso de descumprimento, o previsto no art. 71, § 4º, da CLT.

 

TRT9:

Súmula 22: INTERVALO. TRABALHO DA MULHER. ART. 384 DA CLT. RECEPÇÃO PELO ART. 5º, I, DA CF. O art. 384 da CLT foi recepcionado pela Constituição Federal, o que torna devido, à trabalhadora, o intervalo de 15 minutos antes do início do labor extraordinário. Entretanto, pela razoabilidade, somente deve ser considerado exigível o referido intervalo se o trabalho extraordinário exceder a 30 minutos.

 

TRT11:

Súmula 24: TRABALHO DA MULHER. ART. 384 DA CLT. INTERVALO DE 15 MINUTOS. DIREITO FUNDAMENTAL. RECEPÇÃO PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL/88. HORA EXTRA. O art. 384 da CLT foi recepcionado pela Constituição Federal, nos termos da decisão do Supremo Tribunal Federal e seu descumprimento, total ou parcial, enseja o pagamento de 15 minutos extras diários, por ser direito fundamental à higiene, saúde e segurança da mulher.

 

TRT12:

Súmula 19: INTERVALO DO ART. 384 DA CLT. CONSTITUCIONALIDADE. CONCESSÃO DEVIDA. Não sendo concedido o intervalo de que trata o art. 384 da CLT devido à empregada o respectivo pagamento. Inexistente inconstitucionalidade de tal dispositivo conforme decisão do Pleno do TST.

 

TRT15:

Súmula 80 - INTERVALO DO ARTIGO 384 DA CLT. RECEPÇÃO PELA CF/1988. A não concessão à trabalhadora do intervalo previsto no art. 384 da CLT implica pagamento de horas extras correspondentes àquele período, nos moldes do art. 71, § 4º da CLT, uma vez que se trata de medida de higiene, saúde e segurança do trabalho (art. 7º, XXII, da Constituição Federal)." (RESOLUÇÃO ADMINISTRATIVA Nº 18/2016, de 25 de outubro de 2016 - Divulgada no D.E.J.T. de 27/10/2016, pág. 02; D.E.J.T. de 28/10/2016, págs. 01-02; no D.E.J.T. de 03/11/2016, pág. 02)

 

Desta feita, conforme podemos constatar, as Súmulas acima citadas, possuem como base para aplicar o intervalo do artigo 384, da CLT, a decisão do Pleno do TST, a qual chancelou a aplicação do referido intervalo.

 

 

CONCLUSÃO

 

Conforme podemos observar neste estudo, o intervalo de 15 minutos antes de iniciar a jornada extraordinária, para trabalhadoras mulheres, previsto no artigo 384, da CLT, em que pese não ser unânime em nossos doutrinadores a maioria dos Tribunais Regionais sumulou entendimento pela sua aplicabilidade, bem como o Pleno do TST antes mesmo do início dos julgamentos pelo STF.

 

Ademais, em que pese a divergência, é nítido o caráter protetivo ao poder econômico e ao liberalismo aqueles que rechaçam a sua incidência. Negar a histórica exclusão da mulher do mercado de trabalho, sua menor resistência física e o acúmulo de atividades do lar e no ambiente laboral para sustentar a isonomia e que as mesmas seriam preteridas junto ao mercado,   é favorecer as grandes empresas.

 

Não podemos esquecer que as horas extraordinárias, como o próprio nome já diz, não são habituais, devem ser prestadas de forma extraordinária. Ou seja, o empregador quando da contratação não computa, ou ao menos não deveria, a incidência da extraordinariedade, pois por si só infringentes a sua habitualidade às normas legais.

 

Outro ponto que há de ser considerado é que as empregadas do sexo feminino possuem outras garantias como a estabilidade para a gestante, auxílio maternidade, proteção ao trabalho demasiadamente pesado, todos estes incentivados pela própria Constituição Federal que prevê em seu artigo 7º, inciso XX, a garantia de "proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei". Aliás, todas estas medidas vigentes convivem harmoniosamente com o próprio mercado, sem qualquer preterição às mulheres em relação aos homens e tampouco discriminatórias.

 

Portanto, sem excluí-las do mercado de trabalho ou atacar a isonomia, a nossa Constituição, para compensar o componente histórico de exclusão continua a ensejar a criação de (novas) medidas para compensar este déficit.

 

Com efeito, não há que se falar em contradição entre as previsões constantes nos artigos 5º, I e 7º, XX da CF. Ao revés, a proteção específica do trabalho da mulher representa a concretização da máxima do Princípio da Igualdade, segundo o qual os desiguais devem ser tratados na medida de sua desigualdade e não qualquer ofensa a própria isonomia.

 

Por fim, concordamos com voto do Min. Dias Toffoli ao negar provimento ao recurso da reclamada, que está amparada por entidade sindical bancária, categoria de empregador conhecida por desrespeitar as horas previstas no contrato, vai ao encontro à proteção de direitos já consagrados.

 

Por isso, chama-se a atenção que a retirada de pauta quando da reinclusão em julgamento pelo Min. Gilmar Mendes, conhecedor de    antemão dos votos já proferidos, vem a trazer um certo obscurantismo ao tema e prejudica (e muito) as trabalhadoras. Lembremos que o Recurso Extraordinário possui repercussão geral, o que faz com que os processos nos quais as trabalhadoras tiveram seu direito violado e buscam no judiciário a sua aplicação para o devido reconhecimento das horas extras, na medida em que o intervalo não foi gozado, haverão de ser suspensos até o julgamento definitivo, protelando ainda mais a reparação ao caso concreto.

 

O que sugerimos aqui é que, ao invés que seja discutida a inaplicabilidade do intervalo às mulheres é que seja difundida a sua prática que, no dia a dia, o mesmo não é gozado pela maioria das trabalhadoras. Inclusive, muitas  nem ao mesmo conhecem mais esta garantia que possuem quiçá exigi-la. Então, que ao invés de suprimi-lo, para reparar o dano histórico e compensar os aspectos biológicos, que seja o mesmo incentivado e tornado público  por políticas do próprio Poder Público, como elaboração de cartilhas e comunicados às trabalhadoras para que tenhamos uma crescente inserção à vida das trabalhadoras.

 


[1] Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição.

 

[2] Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: XXX - proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil.

 

[3] “Todos são iguais perante a lei. Não haverá privilégios, nem distinções, por motivo de nascimento, sexo, raça, profissões próprias ou dos pais, classe social, riqueza, crenças religiosas ou ideias políticas” (art. 113, ‘1’).

 

[4] Inteiro Teor do Acórdão - Página 10 de 87.

 

[5] Inteiro Teor do Acórdão - Página 9 de 87.

 

[6] http://g1.globo.com/jornal-hoje/noticia/2015/03/salario-das-mulheres-ainda-e-30-menor-que-o-dos-homens.html, acesso em 30.11.2016.

 

[7] http://g1.globo.com/fantastico/noticia/2015/08/mulheres-vao-levar-80-anos-para-ter-salario-igual-aos-homens-diz-pesquisa.html.

 

[8] Inteiro Teor do Acórdão - Página 12 de 87.

 

[9] Inteiro Teor do Acórdão - Página 12 de 87.

 

[10] Inteiro Teor do Acórdão - Página 18 de 87.

 

[11] Art. 390 - Ao empregador é vedado empregar a mulher em serviço que demande o emprego de força muscular superior a 20 (vinte) quilos para o trabalho continuo, ou 25 (vinte e cinco) quilos para o trabalho ocasional.

 

[12] Inteiro Teor do Acórdão - Página 63 de 87.

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Janeiro/2017