O CONTROLE JURÍDICO E CIVILIZATÓRIO DA TERCEIRIZAÇÃO NO BRASIL À LUZ DA LEI N. 13.429, DE 31 DE MARÇO DE 2017

 

 

 

MÁRCIA REGINA LOBATO

Doutoranda e Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Especialista em Direito do Trabalho. Graduada em Direito e em Administração de Empresas. Professora de Direito Processual do Trabalho e Direito do Trabalho. Diretora de Secretaria de Seções Especializadas no Tribunal Regional do Trabalho – 3ª Região/MG.

 

 

 

Resumo: O cenário contemporâneo revela que a terceirização é um fenômeno global, traduzindo-se em um sistema operacional adotado por alguns setores produtivo-empresariais que delegam a outrem o desenvolvimento e a realização de algumas de suas atividades, visando especialmente à contenção dos custos na sua estrutura e à maximização de rentabilidade do objeto que resultou em sua constituição. É um sistema diferenciado do modelo clássico, porque rompe com os paradigmas tradicionais da contratação bilateral da força de trabalho, já que se mostra como um modelo jurídico trilateral, abrangendo as empresas prestadora e tomadora de serviços e o trabalhador. Esse método-logístico verticalizado, patenteado pelo seguimento empresarial, envolvendo mão de obra humana, é fruto da administração de empresas da iniciativa privada. Ao Direito do Trabalho coube, em verdade, apenas legitimá-lo, objetivando o bem social. Há, todavia, um paradoxo evidente nessa estrutura. Por um lado, ela tornou-se bastante favorável à empresa terceirizante, pois ao delegar parte de suas atividades, viabiliza focar na produção considerada essencial, propiciando-lhe melhores oportunidades de competição no cenário da concorrência mercadológica. Por outro lado, indubitavelmente, provoca diversificados prejuízos aos trabalhadores diretamente inseridos nesse universo. Esse impasse evidencia a necessidade premente de se repensar o Direito em um viés constitucionalizado, na busca de um equilíbrio consistente e soberano entre o capital e o trabalho, de maneira que se possa construir uma sociedade justa e igualitária. Nesse contexto, o presente estudo tem por objetivo analisar o controle jurídico e civilizatório da terceirização, à luz da Lei n. 13.429, de 2017, assim como os reflexos das inovações daí decorrentes, mormente a permissão desta modalidade de trabalho também nas atividades-fim das empresas, com enfoque nos direitos sociais dos trabalhadores que se encontram nesse universo, de modo que possa compatibilizar esse modelo operacional aos princípios que regem o Direito do Trabalho.

 

Palavras-chave: Controle jurídico e Civilizatório. Terceirização: atividades-meio e atividades-fim. Lei n. 13.429, de 2017.

 

 

SUMÁRIO: INTRODUÇÃO – 1. EVOLUÇÃO LEGISLATIVA DA TERCEIRIZAÇÃO NO BRASIL – 2. TRATAMENTO JURISPRUDENCIAL TRABALHISTA – 3. CONCEITO E CARTACTERÍSTICA JURÍDICA DA TERCEIRIZAÇÃO – 4. TERCEIRIZAÇÃO DE SERVIÇOS E A PROTEÇÃO AOS DIREITOS SOCIAIS DOS TRABALHADORES: A LEI N. 13.429, DE 31 DE MARÇO DE 2017 – CONCLUSÃO – REFERÊNCIAS

 

 

 

INTRODUÇÃO

 

A terceirização tornou-se um fenômeno global. À medida que a prática deste fenômeno se avolumou, a sua adoção pelo seguimento produtivo se converteu em praticamente uma imposição a fim de se manter em um mercado cada vez mais competitivo, delegando, assim, para terceiros, algumas de suas atividades. Não tardou, então, para esse método de gestão empresarial se aportar também no Brasil.

           

A dissociação da relação de emprego acarretada pela terceirização motiva o estudo desse modelo trilateral, que se forma entre a empresa prestadora de serviços, a tomadora, e o trabalhador contratado para exercer as atividades do seguimento produtivo-mercadológico.

 

Diante desse cenário, objetivando enquadrar juridicamente o método operacional do seguimento produtivo, a priori investigar-se-á a sua evolução legislativa no ordenamento jurídico pátrio.

 

Nesse compasso, apurar-se-á a construção jurisprudencial consolidada pelo Tribunal Superior do Trabalho, por meio de seus verbetes sumulares, que buscam orientar matérias que ensejam debates controvertidos e contumazes. Essas orientações norteiam os operadores do direito, assim como servem de diretrizes aos demais Órgãos da Justiça do Trabalho, ao solucionar conflitos, a exemplo dos que envolvem questões laborais relacionadas à terceirização.

 

Em seguida, objetivando a melhor compreensão desse modelo, faz-se necessário trazer à tona os conceitos emprestados pela doutrina para, ao final, concluir a elaboração de uma definição própria. Em sequência, serão delineadas as características da terceirização a fim de se investigar, embrionariamente, o caráter de sua natureza jurídica.

 

Por fim, urge traçar uma análise sobre o fenômeno da terceirização de serviços, bem como da proteção aos direitos sociais dos trabalhadores à luz da Lei n. 13.429, de 31 de março de 2017. Para isso, mostra-se imprescindível destacar alguns de seus aspectos considerados mais relevantes, em razão das mudanças por ela introduzidas na Lei n. 6.019, de 03 de janeiro de 1974, que trata do trabalho temporário e que, a partir da promulgação daquela, passou a disciplinar também as relações de trabalho na empresa de prestação de serviços a terceiros, bem como a real necessidade de compatibilizar tal fenômeno aos fins das normas e princípios que norteiam o Direito do Trabalho.

 

1. EVOLUÇÃO LEGISLATIVA DA TERCEIRIZAÇÃO NO BRASIL

             

No Brasil, a recepção da terceirização ocorreu, inicialmente, de modo incipiente, entretanto foi ganhando terreno e a sua implementação atingiu o status atual, revelando-se como um fenômeno irreversível e manifestamente intenso em todos os seguimentos do ramo empresarial.

 

Convém registrar que o Governo de Juscelino Kubitschek, no período de 1956 a 1961, com a implementação do plano de ação “Cinquenta Anos em Cinco”[1], possibilitou a entrada de diversas empresas estrangeiras no Brasil, notadamente de indústrias automobilísticas que, vislumbrando maior produtividade e maior lucratividade, passaram a delegar a produção dos acessórios para a montagem de automotores de suas marcas, utilizando-se, de forma indireta, de mão de obra de outras empresas, resultando numa típica  terceirização.

 

Essa prática tornou-se recorrente, mas não havia no ordenamento jurídico pátrio uma regulamentação específica, voltada a reger exclusivamente esse método logístico-operacional das empresas. A normatização atinente à terceirização era latente, porque existiam apenas algumas disposições esparsas que a reconheciam. Todavia, com a natural evolução desse fenômeno, foram surgindo regulamentos formais, concomitantemente ao entendimento Jurisprudencial do Tribunal Superior do Trabalho, consolidado por meio de Súmulas e de Orientação Jurisprudencial (OJ).

 

Diante disso, considera-se imperativa a citação de algumas dessas normatizações envolvendo o processo de terceirização, assim como a análise objetiva dos seus aspectos  tidos mais relevantes.

 

Em relação à disposição contemplada na norma celetista, há alusão à subempreitada como forma de subcontratação de mão de obra e, consoante ao pensamento de Rusinete Dantas de Lima (1999, p. 36-45), esta é uma espécie afim da terceirização, tratando-se, neste caso, de mais uma forma de descentralização de serviços.

 

 Cabe, porém, a indagação sobre de quem seria a responsabilidade pela quitação das verbas trabalhistas no caso de inadimplência do prestador de serviços, já que os empregados são de sua responsabilidade. O art. 455 da CLT ao disciplinar essa questão estabelece que

 

Nos contratos de subempreitada responderá o subempreiteiro pelas obrigações derivadas do contrato de trabalho que celebrar, cabendo, todavia, aos empregados, o direito de reclamação contra o empreiteiro principal pelo inadimplemento daquelas obrigações por parte do primeiro.

 

Este dispositivo, no entanto, requer uma interpretação harmoniosa com a Orientação Jurisprudencial n. 191 da SDI-I do Tribunal Superior do Trabalho[2], segundo a qual o dono da obra (tomador de serviços), em regra, não há que ser responsabilizado por quaisquer inadimplementos do prestador de serviços, salvo, se este tomador for uma empresa construtora ou incorporadora e exercer atividades com fins lucrativos. Sendo assim, nessa hipótese, a responsabilidade pelos débitos trabalhistas e demais obrigações daí decorrentes será dela.

 

Insta salientar que a redação do mencionado art. 455 da Consolidação é datada de 1943 e que, como se verifica, a matéria nele tratada não cobre todas as possibilidades para a proteção jurídica do trabalhador. 

 

O preenchimento dessa lacuna legislativa revelava-se como uma preocupação do legislador, que disto cuidou ao elaborar normas tratando da matéria e, neste compasso, foram sancionados o Decreto-Lei n. 200, de 25 de fevereiro de 1967 e a Lei n. 5.645, de 10 de dezembro de 1970, contemplando a descentralização de mão de obra na esfera da administração pública, autorizando a execução por terceiros, apenas das atividades executivas ou operacionais, tais como a operação de elevadores e os serviços de limpeza (art. 3º), por meio da contratação de empresas da iniciativa privada.

 

Esta iniciativa, porém, amparava tão somente o seguimento da administração pública, e o mercado privado ainda carecia de regulamentação apropriada autorizando a delegação de serviços secundários. Assim surge a Lei n. 6.019, de 3 de janeiro de 1974, voltada para o “Trabalho Temporário nas Empresas Urbanas”, a qual previa a inserção do trabalhador na atividade produtiva da empresa tomadora de serviços,  temporariamente.

  

Para Maurício Godinho Delgado, a citada Lei

 

não apenas  sufragava a terceirização (o que já inseria um contra-ponto à CLT), mas também fixava rol modesto de direitos para a respectiva categoria além de regras menos favoráveis do que aquelas aplicáveis a empregados clássicos  também submetidos a contratos a termo (art. 443 e seguintes da CLT) (DELGADO, 2011, p. 446).

 

O modelo introduzido pela lei em análise, uma espécie de terceirização temporária, previa apenas alguns dos direitos laborais para os trabalhadores prestadores de serviço e violava o princípio da continuidade da relação de emprego, razão da transitoriedade temporal dos efeitos produzidos por tal modalidade de contratação, advertindo que, a sua redação sofreu alterações introduzidas pela Lei n. 13.429, de 31 de janeiro de 2017, a ser objeto de análise do presente estudo[3].

 

A lei posterior, de n. 7.102, de 20 de junho de 1983, surgiu trazendo a possibilidade da terceirização permanente, porém, limitando-a ao serviço de vigilância no segmento bancário. Ulteriormente, sobreveio a modificação da redação do seu art. 10, ampliando as possibilidades, permitindo a contratação de vigilância, na forma terceirizada, aos estabelecimentos públicos e privados, assim como para  servir à segurança da pessoa física – inclusão por meio pela Lei n. 8.863, de 1994.

 

A prática da terceirização continuou a se expandir, alcançando seguimentos inimagináveis. Neste sentido, tem-se a regulamentação da formação da sociedade cooperativa por meio da Lei n. 8.949, de 9 de dezembro de 1994, que  introduziu o parágrafo único ao art. 442  da CLT, segundo o qual “qualquer que seja o ramo de atividade da sociedade cooperativa, não existe vínculo empregatício entre ela e seus associados, nem entre estes e os tomadores de serviços daquela”.

 

É bem verdade que, a formação de sociedades cooperativas pode ter pretendido ampliar o número de oportunidades de trabalho no mercado, porém, na prática forense, verifica-se o rompimento reincidente com os mecanismos de proteção aos direitos laborais do trabalhadores, por meio de fraudes e simulações viabilizadas por essa  forma terceirizada de  fornecimento de mão de obra[4].

 

Adverte Maurício Godinho Delgado que o ordenamento jurídico possibilitou a praxe das cooperativas envolvendo produtores e profissionais autônomos, mas ocorreu que, em tal favorecimento, “criou, em favor dessas entidades a presunção de ausência de vínculo empregatício. Porém, não conferiu, ao cooperativismo instrumental para obrar fraudes trabalhistas” (DELGADO, 2011, p. 432).

 

Vale salientar ainda que a contratação temporária na forma prevista pela já mencionada Lei n. 6.019, de 3 de janeiro de 1974,  foi  modificada em 31 de março de 2017,  por meio da Lei n. 13.429, concebendo novos regramentos, assim como reafirmando o que outrora fora contemplado[5].

 

Destarte, contextualizando a terceirização no processo legislativo, torna-se premente a necessidade da real observância dos princípios consagrados no texto constitucional, com destaque para o respeito à dignidade da pessoa humana e  ao valor social do trabalho, para o caminhar efetivo, em busca de uma sociedade verdadeiramente justa e igualitária, em um Estado que se possa denominar Democrático de Direito.

 

2. TRATAMENTO JURISPRUDENCIAL TRABALHISTA

 

Uma das mais nobres funções do Direito é a promoção da estabilidade das relações jurídicas, proporcionando tranquilidade para a sociedade, porquanto os indivíduos buscam acomodar a sua conduta, pautando-se nas normas preexistentes. Já que o Direito serve à sociedade, torna-se necessária a adequação desta ciência jurídica às constantes mutações decorrentes da evolução social.

 

Diante desse quadro, vislumbrando acompanhar o progresso social, o Judiciário Trabalhista esmera-se na busca de soluções que abranjam as transmudações cotidianas, considerando, em especial, a indispensável estabilidade das relações jurídicas como um dos meios de pacificação social.

           

Nesse viés, com o propósito de traçar limites às práticas envolvendo a contratação sob a forma de terceirização, e a fim de possibilitar o esclarecimento sobre a relação jurídica trilateral que surge com esta modalidade de prestação de serviço, assim como os reflexos daí decorrentes, o Tribunal Superior do Trabalho consolidou entendimento por meio da Súmula 331 diferenciando, notavelmente, as questões mais tormentosas aos olhos dos operadores jurídicos.

 

Assim, o verbete sumular trata criteriosamente, e de maneira minuciosa, da terceirização trabalhista, merecendo esta uma análise sintética, que será realizada por tópicos, nos seguintes termos:

 

CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE (nova redação do item IV e inseridos os itens V e VI à redação) - Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011
I - A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974) (BRASIL, 2011).

 
 

Vale lembrar que o trabalho temporário a que se refere o item I da Súmula em questão, previsto na já citada Lei n. 6.019 de 1974, é uma espécie de terceirização expressamente autorizada pela lei. Desse modo, constata-se que, salvo a exceção prevista, a contratação de empregado por empresa intermediária é ilegal, formando-se vínculo empregatício diretamente com o tomador de serviços.

 

                                 II - A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional” (art. 37, II, da CF/1988).

 

Cuida o item II da vedação de formação de vínculo de emprego com a Administração Pública direta, indireta ou fundacional, no caso de terceirização ilícita ou ilegal, já que o ingresso no serviço público se dá mediante concurso público, consoante a disposição do texto constitucional (art. 37, II, § 2º.). A despeito de tal previsão, na hipótese de contratação irregular, a responsabilidade do Poder Público é inevitável, no caso de a empresa interposta não cumprir com as obrigações trabalhistas (culpa in vigilando e in eligendo).

 


III - Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.

 

No item III, a jurisprudência trabalhista esclarece a possibilidade de terceirização além das hipóteses já reconhecidas (vigilância e trabalho temporário), incluindo os casos de serviço de conservação e limpeza, bem como os serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador de serviço ressalvando, porém, que a licitude de tal terceirização restará demonstrada apenas se não houver presentes fáticos jurídicos da relação de emprego (arts. 2º e 3º da CLT).

   

IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.

 

A responsabilidade subsidiária do tomador se serviços é destacada no item IV, mas, para tal, é necessário que este tenha participado da relação processual e que conste ainda do título executivo judicial. Essa caracterização requer que, ao ingressar em juízo, a ação trabalhista do reclamante (empregado) relacione na  petição também o tomador de serviços, e só assim haverá possibilidade de ele ser responsabilizado subsidiariamente, caso a empresa prestadora de serviços, (empregadora) não arque com a sua responsabilidade relacionada aos créditos trabalhistas postulados pelo  reclamante.           

 

V - Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.

 

O item V esclarece que a Administração Pública direta e indireta também não se desonera de suas responsabilidades trabalhistas, desde que comprovada a sua conduta culposa, resultante da não fiscalização do contrato com a prestadora de serviços (empregadora originária). Isto quer dizer que, quando terceiriza, ela responde de forma subsidiária.

 

                                  VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral 

           

A priori, o encargo dos débitos trabalhistas é da empresa prestadora (empregadora) de serviços, na forma já consignada anteriormente. O seu não cumprimento com as referidas obrigações, culpará, todavia a empresa tomadora de serviços subsidiariamente pelos débitos trabalhistas, incluindo-se aí todas as verbas decorrentes da condenação, isto é, as de natureza salarial e as de natureza indenizatórias, sem nenhuma restrição, na forma do item VI do verbete, objeto da presente análise.

 

Destarte, a despeito de as Súmulas trabalhistas não terem   caráter vinculante, ressalta-se a sua relevância na seara laboral, porquanto além de darem suporte à compreensão da legislação, estabelecem diretrizes a serem seguidas pelos demais Órgãos do Judiciário Trabalhista. Viabilizam assim o julgamento, de modo mais equânime e isonômico de questões jurídicas equivalentes, cabendo enfatizar, no caso específico, a importância das orientações delineadas pela Súmula n. 331 ao nortear a atividades de terceirização, corroborando para a efetivação da tutela jurisdicional e para a pacificação social.

 

3. CONCEITO E CARTACTERÍSTICA JURÍDICA DA TERCEIRIZAÇÃO

 

Adverte Gabriela Neves Delgado (2003, p. 139) que inexiste um conceito jurídicamente prefixado pela legislação definindo, tecnicamente, a terceirização de serviços, sendo assim, torna-se necessária a apresentação de algumas manifestações doutrinárias pertinentes à matéria.

 

Nessa ordem de idéias, Maurício Godinho Delgado assevera que, para o Direito do Trabalho,

 

terceirização é o fenômeno pelo que se dissocia a relação econômica de trabalho da relação justrabalhista que lhe seria correspondente. Por tal fenômeno insere o trabalhador no processo produtivo do tomador de serviços sem que estendam a este os laços justrabalhistas, que se preservam fixados por uma entidade interveniente. (DELGADO, 2011, p. 426).

 

Por seu turno, para Alice Monteiro de Barros (2016, p. 300), a terceirização é a transferência para outrem de atividades consideradas secundárias, para que sejam executadas por outrem, atendo-se à sua atividade principal, isto é, à sua atividade fim.

 

Observe-se que a atividade-fim está ligada à atividade essencial da empresa, na qual a concentração de esforços empresariais se destacam, pois associa-se diretamente ao seu núcleo produtivo. Já a atividade-meio é aquela secundária, cuja ligação com a principal se evidencia como suporte, para que ocorra o alcance de sua finalidade precípua. Frise-se, no entanto, a importância desta última, como apoio indispensável para o bom funcionamento da estrutura empresarial.

 

Trata-se, pois, a terceirização, de um fenômeno que ganhou contornos e dimensões mais acentuadas na contemporaneidade; embrionariamente foi,  todavia, em decorrência da eclosão da Segunda Guerra Mundial que tal fenômeno ganhou destaque. Como consequência deste fato, surgia nos Estados Unidos um novo modelo de produção, como uma técnica operacional adotada pelas grandes indústrias que forneciam armamentos ao governo americano.

 

Corolário disso, quando a inclinação era o desenvolvimento e a produção em grande escala do arsenal bélico a ser utilizado nos combates, impôs-se a necessidade de se transferir para terceiros, a execução de suas atividades secundárias (atividade-meio). 

     

Na sequência, essa técnica extrapolou os limites geográficos do solo americano, globalizando-se e revelando-se como uma forte e crescente tendência nos seguimentos econômico, industrial e empresarial, cuja irreversibilidade mostra-se cada vez mais contundente, ganhando progressivamente mais espaço, também como resultado da crise estrutural que afetou as principais economias do mercado mundial.

 

As empresas passaram a se especializar na produção de determinado produto, por exemplo, e quando a oferta não conseguia  mais suprir a procura, transferiam,  então, o desenvolvimento das atividades periféricas para outras.

 

Com efeito, objetivamente, o que se busca com a terceirização é a redução dos custos e, além disso, dedicando-se exclusivamente à produção/realização da atividade-fim, naturalmente, a qualidade do produto/bem final tende a aumentar. Isso também possibilita maior lucratividade, ápice da pirâmide e do verdadeiro propósito das tomadoras de serviços, quando buscam esse método operacional.

 

Nesse sentido corroboram Mário Garmendia Arigón e Gustavo Gauthier (2012, p. 37-38), destacando como características principais da terceirização a contenção de custos na estrutura e na exploração, o aumento da produtividade, da rentabilidade e da competitividade entre as empresas. Afora isso, esse modelo organizacional persegue o máximo de rendimento e qualidade.

 

A terceirização traz em seu âmago conotações do sistema toyotista de produção, levando em conta a verticalização da atividade econômica que se constata nesta técnica de desconcentrar as atividades, distribuindo as secundárias a outras empresas e, por consequência, realizando um enxugamento na sua estrutura organizacional, revelando, para muitos, este último um dos aspectos negativos deste sistema.

     

Esse é um modelo de organização do seguimento produtivo-empresarial que rompe com os paradigmas tradicionais de produção, utilizando-se de estratégias distintas da clássica contratação direta pela empresa que, ao contrário da terceirização, congrega no seu âmbito o modelo de produção in totum, tanto no que diz respeito à mão de obra, como em relação à produção do bem de consumo relacionado à sua atividade-fim, que vai até a fase final.

     

Ao tratar dessa temática Gabriela Neves Delgado elucida bem, aduzindo que enquanto  

 

no modelo clássico o empregado presta serviços de natureza econômico-material, diretamente ao empregador, pessoa física, jurídica ou ente despersonalizado, com o qual possui vínculo empregatício (art. 2º, caput, CLT), na relação trilateral terceirizante  o empregado presta serviços a um tomador, apesar de não ser seu empregado efetivo. A relação de emprego é estabelecida com outro sujeito, a empresa interveniente ou fornecedora (DELGADO, 2003, p. 139).

 

Nota-se a relação de trilaridade jurídica formada a partir da terceirização envolvendo a empresa terceirizante (prestadora de serviços),  a empresa tomadora de serviços e o empregado, em contraponto à relação jurídica bilateral da contração clássica, da qual participam apenas o empregador (tomador de serviços) e o empregado (prestador direto). 

 

No que tange à característica jurídica da terceirização trabalhista, ensina Julpiano Chaves Cortez que

 

há dois contratos de natureza distintas; um contrato de emprego entre  o trabalhador e a   empresa prestadora de serviços e outro entre a empresa prestadora e a tomadora de serviços, denominado contrato de prestação de serviços, de natureza civil, regido pelo  Direito Civil e/ou Comercial (CORTEZ, 2015, p. 20).

                       

Verifica-se, então, nesta sistemática, um contrato de emprego, formado pela relação jurídica que ocorre entre o empregado e o empregador (prestadora de serviços), exigindo-se, neste caso, a presença dos elementos caracterizadores para tal, na forma dos arts. 2º e 3º da CLT e, um segundo contrato, interempresário, estabelecido entre a empresa tomadora de serviços e a empresa prestadora de serviços, este último de natureza eminentemente civil.

             

Nesse contexto, Maurício Godinho Delgado (2011, p. 446) em sua análise sobre a Lei 6.019/74, a qual dispõe sobre o contrato temporário, preleciona que o ordenamento jurídico amparou o trabalho temporário como uma forma de terceirização; além disto a  jurisprudência trabalhista, ao longo de décadas, buscou desenvolver um controle civilizatório sobre esta figura jurídica excepcional e, diante do quadro evolutivo atual, prevalece o entendimento de que o contrato temporário, a despeito de ser “regulado por lei especial, é um contrato de emprego, do tipo pacto a termo”, apenas sujeito às regras da citada lei.

           

À vista disso, importa ressaltar que, nesta fase, muito embora a terceirização ainda não possuísse um regramento especificamente destinado a regular todas as suas hipóteses, o ordenamento jurídico pátrio acabou contemplando, pela via da legislação que cuida do trabalho temporário, a oficialização desta modalidade de contratação de mão de obra.

           

Sob esse enfoque, a terceirização é um modelo verticalizado, patenteado pelas empresas, para administrar o seu modo de gestão e produção voltado, essencialmente, para o desenvolvimento do ramo de sua atividade principal, objetivo que a constituiu, vislumbrando, especialmente, reitere-se, a minimização de custos e a maximização de resultados. Sendo assim, essa sistemática contratual de prestação de serviços, envolvendo mão de obra humana e afetando interesses de incontáveis trabalhadores, é fruto da iniciativa privada. Ao Direito do Trabalho coube, em verdade, apenas legitimá-lo, presumindo o bem social, ressaltando que tal fenômeno proliferou nesta aldeia global, o que é contemporaneamente considerado inevitável.

 

4. TERCEIRIZAÇÃO DE SERVIÇOS E A PROTEÇÃO AOS DIREITOS SOCIAIS DOS TRABALHADORES: A LEI N. 13.429, DE 31 DE MARÇO DE 2017

 

Como uma sequência natural à normatização do processo de terceirização, o advento da Lei n. 13.429, de 31 de março de 2017, alterou significativamente alguns dos dispositivos da Lei n. 6.019, de 03 de janeiro de 1974, vanguardista ao contemplar a forma de trabalho temporário em empresa urbana, com a  contratação de mão de obra transitória, diferenciada da  tradicional relação bilateral, que se dá diretamente entre o empregado e o empregador, sem intermediação de terceiros.

 

O ordenamento jurídico pátrio não possuía uma lei que regulamentasse a terceirização; todavia, a partir do Projeto de Lei n. 4.302/1998, o qual resultou na já citada Lei n. 13.429, de 31 de março de 2017, inseriram-se, no regramento legislativo que dispõe sobre o contrato de trabalho temporário, dispositivos modificando os preexistentes e disciplinando também as relações de trabalho que ocorrem na “na empresa de prestação de serviços e nas respectivas tomadoras de serviço e contratante [...]” (art. 1º). (BRASIL, 2017b).

 

Indaga-se se a terceirização irrestrita prevista na forma dessa Lei n. 13.429, de 31 de março de 2.017, limitar-se-ia apenas aos contratos de trabalho temporário. Pela ementa desta norma, a resposta seria afirmativa, posto que as alterações  introduzidas na lei deliberam apenas sobre “trabalho temporário”, não fazendo quaisquer  alusões  aos contratos com  duração indeterminada.

 

Afora isso, o Colendo TST mantém incólume a jurisprudência pacificada por meio da Súmula n. 331 que, na tentativa de adequar a terceirização aos princípios que regem o Direito do Trabalho, já havia reconhecido este método, sob a forma de contratação dos serviços de vigilância, de conservação e de limpeza, assim como de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador de serviços, na forma já analisada anteriormente. Desse modo, em princípio, permitiu-se apenas a terceirização relacionada exclusivamente às atividades-meio da empresa tomadora de serviços.

 

Vale sublinhar que, a despeito de os contratos de trabalho temporários e de terceirização se revestirem de naturezas jurídicas distintas, considerando que ambas são disciplinadas pela mesma lei, urge apontar e analisar objetivamente alguns de seus dispositivos, tidos avaliados mais relevantes, assim como as repercussões e os impactos daí decorrentes que, naturalmente, afetarão os direitos sociais dos obreiros. 

 

Diante desse quadro, importa destacar a nova definição de trabalho temporário traçada pela Lei em análise, no sentido de este ser

 

aquele prestado por pessoa física contratada por uma empresa de trabalho temporário que a coloca à disposição de uma empresa tomadora de serviços, para atender à necessidade de substituição transitória de pessoal permanente ou à demanda complementar de serviços (art. 2º.) (BRASIL, 2017b, grifo nosso).

 

O regramento anterior restringia tal possibilidade apenas às hipóteses de necessidade transitória de pessoal permanente e aquela resultante de acréscimo extraordinário da empresa tomadora. Mas, o atual dispositivo, como se verifica, viabiliza um maior alcance na utilização dessa modalidade de contratação. É preciso advertir, porém, que dessa possibilidade poderão resultar práticas abusivas, já que as empresas têm a faculdade de optar permanentemente por esse regime. 

 

Já a terceirização passou a ser disciplinada pela norma em comento, que define como “empresa prestadora de serviços a terceiros a pessoa jurídica de direito privado destinada a prestar à contratante serviços determinados e específicos” (art. 4º. A). (BRASIL, 2017b).

           

Isso, inevitavelmente, acarreta a precarização da força de trabalho quando, na atual crise econômica, que afeta todos os seguimentos da sociedade, e da qual o mercado laboral não está imune, tende-se a se  ampliar o preenchimento de postos de trabalho por esse meio, em contraponto à modalidade de contratação por tempo indeterminado, cuja redução, já se percebe nitidamente. Isso gera instabilidade na vida econômica do trabalhador, com reflexos negativos no seio de sua família e, de igual forma, em sua vida social.

 

Da sanção da Lei n. 13.429, de 31 de março de 2.017, adveio a controvertida permissão da terceirização em todos os seguimentos de uma empresa, isto é, o contrato temporário de trabalho poderá versar tanto sobre a realização da atividade-meio, como sobre a realização da atividade-fim da empresa tomadora de serviços, contrariamente à autorização normativa anterior, que limitava tal método operacional apenas à referida atividade-meio da empresa (§ 3º do art. 9º).

 

A terceirização das atividades-meio do seguimento empresarial autorizada pelo regramento jurídico na forma consignada anteriormente, já representava um retrocesso aos direitos trabalhistas conquistados a longo prazo pelos obreiros.  Agora, aliando-se a essa realidade, autorizou-se a temida terceirização da atividade-fim das empresas, intensificando os efeitos desastrosos daí provenientes. Frise-se, temida, porque os prejuízos decorrentes do permissivo legal afetarão incontáveis obreiros e, serão, indiscutivelmente, perniciosos.

 

Além disso, o lapso temporal para contratação de trabalho temporário foi elastecido para cento e oitenta dias quando a previsão anteriormente limitava  a noventa dias. Isso faz crer que a dissociação da relação empregatícia promovida pela terceirização também foi ampliada, levando, com isso, a subsistirem por maior período os reflexos advindos de tal desagregação.

 

Insta ressaltar que os contratos de emprego convencionais propiciam ao empregado melhores perspectivas, pois além do somatório dos direitos trabalhistas garantidos é, no curso da relação de contrato por tempo indeterminado, que lhes serão concedidas as oportunidades de crescimento profissional, a exemplo de ocupação de cargos de confiança e dos benefícios pecuniários habitualmente conferidos pelas empresas, sejam derivados de planos de carreira, sejam derivados de estímulos aos que crescem e se desenvolvem em sua atividade laborativa.

 

A contrario sensu, ao trabalhador contratado como terceirizado não são dadas essas prerrogativas. Assim, entre um trabalhador de carreira iniciada na empresa tomadora de serviços e um trabalhador (prestador de serviços) oriundo de uma empresa prestadora de serviços, o diferencial salta aos olhos, exatamente porque, os terceirizados são trabalhadores eventuais, transitórios e, não há, por parte da empresa tomadora, predisposição ou quaisquer interesses em investir no desenvolvimento deste tipo de trabalhador. Essa é uma realidade lamentavelmente irrefutável.

 

Ademais, nesse sistema operacional, como já foi dito, há uma dissociação da relação de emprego o que, invariavelmente, enseja a perda de vários direitos trabalhistas, além do sofrimento moral, observado no cotidiano desses trabalhadores, oriundo, sobretudo, da frequente estigmatização de “terceirizados”, como são tachados.

 

Insta, todavia, ressaltar que, apesar de o lucro ser o objetivo principal perquirido pelo seguimento empresarial, em algumas situações, percebe-se certa dose de “desleixo” e falta de compromisso por parte desses trabalhadores, tanto em relação à tomadora quanto à prestadora de serviços. Isso decorre,  invariavelmente, pela ausência de estímulo por parte de ambas as empresas envolvidas, além da inevitável discriminação pelos colegas contratados por tempo indeterminado.

 

Há um paradoxo evidente no fenômeno da terceirização. Por um lado, introduziram-se, no mundo contemporâneo, novas perspectivas para o segmento empresarial, com possibilidades de, a partir daí, as empresas/indústrias passarem a dispor de mais capital destinado ao investimento e ao desenvolvimento de suas atividades-fim, assegurando-lhes, assim, mais capacidade competitiva no cenário mercadológico propiciando-lhes resultados econômicos mais exitosos. Por outro lado, indubitavelmente, tal fenômeno deverá ser desmistificado, porquanto se neste cenário obtém-se mais lucratividade para o seguimento empresarial, há imensuráveis prejuízos, de naturezas distintas, afetando diretamente os trabalhadores inseridos nesse universo. 

 

Diante disso, é preciso repensar o Direito como meio estabilizador das desigualdades sociais, para densificar e viabilizar o equilíbrio entre o capital e o trabalho, num viés constitucionalizado vislumbrando a efetivação dos direitos fundamentais, com foco nos direitos sociais dos trabalhadores inseridos na contratação como terceirizados.

 

Analisando a terceirização no contexto autorizado pela Lei n. 13.429, de 31 de março de 2.017, isto é, a partir da liberação irrestrita para a contratação do trabalho terceirizado, conclui-se que isso fomentará ainda mais o enxugamento da estrutura organizacional visando a otimizar os custos, objetivando a incessante procura  por maior lucratividade e competitividade no mercado.

 

Em decorrência da ausência de restrições a esse fenômeno, pode-se esperar uma tendência ininterrupta à violação literal e inconsequente dos direitos sociais dos trabalhadores quando inseridos nesse método operacional. É inquestionável que o número de trabalhadores desempregados crescerá, o que é imensamente preocupante. Consoante às lições de Rúbia Zanotelli de Alvarenga, de acordo com apuração por ela realizada, estima-se um contingente de, aproximadamente, dezoito milhões de empregos terceirizados, originários da

 

demissão dos  trabalhadores  que se encontravam em atividade-fim. Ou seja, mesmo que percam os seus direitos adquiridos, pois os terceirizados também são regidos pela Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), eles sofrerão perda de salário, perda de status e perda de segurança – visto que estarão submetidos a um regime no qual a garantia de continuidade (manutenção de emprego) é tênue [...] a perda de autoestima que afetará os novos transmigrados para o regime de terceirização, que sofrerão abalos psicológicos em função da nova realidade a ser enfrentada (ALVARENGA, 2016, p. 235).

 

Os argumentos apresentados pela notável autora são poucos, dentre os incontáveis efeitos nefastos da terceirização. A partir dessa dura realidade incorporada ao ordenamento jurídico pátrio, impõe-se necessária a reafirmação de que o trabalho humano não deve ser tratado como se mercadoria fosse. Afora isso, é preciso destacar que as nocividades derivadas da terceirização da atividade-fim violam demasiadamente os direitos sociais dos trabalhadores, afiançados pelo texto constitucional.

 

É preciso enfatizar, então, que a valorização do trabalho humano, com o escopo de assegurar a todos condições dignas de existência, compreendendo-se neste contexto a primazia do pleno emprego, a qual possibilita a promoção de melhores condições de vida, foi abrigada pela Carta Magna de 1988 e constitui um dos primados da República Federativa do Brasil. Nesse cenário, o direito ao trabalho, amparado, frise-se, constitucionalmente, é amplo, pois sua dimensão alcança não apenas o acesso à oportunidade de um trabalho digno, mas também proteção do trabalhador na esfera das relações laborais.

 

Diante disso, pode-se dizer que a terceirização da atividade-fim do seguimento produtivo viabilizará, ainda mais, a prática de fraudes por meio das empresas interpostas. Isso mediante a contratação de mão de obra sem a necessária observância dos direitos sociais dos trabalhadores, afrontando, literalmente, as disposições constitucionais que contemplam tais direitos. Além do mais, a permissão da adoção desse modelo de gestão amplo e irrestrito configura um verdadeiro retrocesso social, manipulando-se a força laborativa por meio do contrato temporário.

 

CONCLUSÃO

 

O presente artigo abordou um modelo de gestão hoje adotado, frequentemente, pelo seguimento empresarial que, visando, essencialmente, ao lucro, delega o desempenho de suas atividades a terceiros, agora sem quaisquer restrições. Nesse contexto, buscou-se ocupar da terceirização, como fenômeno global contemporâneo, frente aos direitos sociais dos trabalhadores envolvidos nesta sistemática.  

 

Diante desse cenário, fez-se necessária uma investigação acerca da evolução legislativa desse método operacional no ordenamento jurídico pátrio, a qual mostrou-se incipiente. Afora isto, a aludida forma de relação de trabalho  traz  em sua essência  dois contratos de natureza diametralmente opostos: o contrato de trabalho temporário, regido pelo direito civil e a terceirização, de natureza eminentemente trabalhista.

 

Constatou-se, pois, a necessidade da elaboração de uma norma voltada para reger exclusivamente tal fenômeno, dela excluindo a norma alusiva ao trabalho temporário, porque desvela-se revestido de características sui generis. Sublinhando-se, porém, a indispensável e estrita observância aos direitos sociais dos trabalhadores envolvidos neste universo, de modo que a contratação realizada nessa modalidade lhes garantam a isonomia e a igualdade os direitos sociais, na forma assegurada pelo texto constitucional.

 

Somando-se à investigação legislativa, observou-se quão importante é a construção jurisprudencial do Tribunal Superior do Trabalho, que buscou adequar o inevitável fenômeno da terceirização aos princípios que regem o Direito do Trabalho, cujo entendimento pacificado restou consubstanciado na Súmula n. 331, a qual traça diretrizes que servem como parâmetros aos demais Órgãos da Justiça do Trabalho, para o julgamento de questões equivalentes relacionadas à terceirização, vislumbrando decisões mais equânimes e igualitárias.

 

O estudo dos conceitos doutrinários, definindo a terceirização, corroborou a plena compreensão desse fenômeno adotado por muitas empresas, atualmente, como modelo de gestão, buscando se manterem em um mercado que se mostra cada vez mais competitivo. Rompem, assim, com os paradigmas do modelo clássico de produção, utilizando-se de estratégias diversas da clássica contratação direta pela empresa que, ao contrário de quando da terceirização, congrega, no seu âmbito, o modelo de produção in totum.

 

Apurou-se que a terceirização motiva a precarização da força de trabalho afetando todos os seguimentos da sociedade. Como o mercado laboral não está imune a momentos de crise sócioeconômica, quando do seu agravamento, a terceirização tende a se ampliar em contraponto à modalidade da contratação por tempo indeterminado, cuja redução é nitidamente percebida, gerando instabilidade econômica para o trabalhador, com reflexos negativos no seio familiar e, de igual forma, em sua vida na sociedade.

 

Observou-se que a terceirização, envolvendo mão de obra humana e afetando interesses de incontáveis trabalhadores, é fruto da administração das empresas da iniciativa privada. Ao Direito do Trabalho coube, em verdade, apenas legitimá-lo vislumbrando o bem social. Ressaltando-se que tal fenômeno proliferou,  quase que incontrolavelmente, nesta aldeia global, e é, contemporaneamente, considerado inevitável, já que não há como se negar esta realidade. Sendo assim, torna-se imperiosa a sua adequação de modo a garantir juridicamente aos trabalhadores envolvidos um patamar civilizatório mínimo, em respeito à própria dignidade humana.

 

Inquestionavelmente, a proteção dos direitos dos trabalhadores que prestam serviços, a título de “terceirizados” é urgente, porque a obrigação de se efetivarem seus direitos fundamentais, que despendem diariamente sua força laborativa, dado que a permissão da adoção desse modelo de gestão, de maneira ampla e irrestrita, configura um verdadeiro retrocesso social concretizado por meio do contrato de trabalho temporário.

 

A par disso, já que tal fenômeno encontra-se arraigado como método operacional laborativo, a imposição do controle jurídico e fiscalizatório,  no contexto  autorizado  pela Lei n. Lei  n. 13.429, de 31 de março de 2.017, é uma realidade imediata, de modo que se possam coibir as possíveis fraudes de direitos dos trabalhadores, praticadas por meio de  empresas  interpostas, que lucram com a exploração do trabalho alheio. Só assim, poder-se-á afirmar que a terceirização se enquadra nos ditames de um Estado que se possa denominar de Democrático de Direito.

 

REFERÊNCIAS

 

ALVARENGA, Rúbia Zanotelli de. Terceirização e o Direito do Trabalho. In: ALVARENGA, Rúbia Zanotelli de (Coord.). Direitos Humanos dos Trabalhadores. São Paulo: LTr,  2016.

 

ARIGÓN, Mario Garmendia; GAUTHIER, Gustavo. Tercerizaciones. 2. ed. Montivideo: Fundación de Cultura Universitaria, 2012.

 

BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 10. ed. atualizada por Jessé Franco de Alencar. São Paulo: LTr, 2016.

 

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.  Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado... Diário Oficial da União, Brasília, 5 out. 1988. Disponível em: . Acesso em: 19 abr. 2017.

 

BRASIL. Decreto Lei 5.452, de 1º de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Diário Oficial da União, Brasília, 9 ago. 1943. Disponível em: . Acesso em: 20 abr. 2017.

 

BRASIL. Lei n. 13.429, de 31 de março de 2017. Altera dispositivos da Lei no 6.019, de 3 de janeiro de 1974, que dispõe sobre o trabalho temporário nas empresas urbanas e dá outras providências; e dispõe sobre as relações de trabalho na empresa de prestação de serviços a terceiros. Diário Oficial da União, Brasília, 31 mar. 2017b. Disponível em: . Acesso em: 19 abr. 2017.

 

BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho (3ª. Região).Processo n. 0000209-84.2015.5.03.0114 RO- Relator: Juiz Convocado Cleber Lúcio de Almeida – Sétima Turma. DJe, 17 mar. 2017a. Disponível em: .  Acesso: 27 abr. 2017.

 

BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Súmula n. 331. DEJT, 27, 30 e 31 maio 2011. Disponível em: <http://www3.tst.jus.br/jurisprudencia/Sumulas_com_indice/Sumulas_Ind_301_350.html#SUM-331>.  Acesso em: 27 abr. 2017.

 

CORTEZ, Julpiano Chaves.  Terceirização Trabalhista.  São Paulo: LTr, 2015.

 

DELGADO, Gabriela Neves. Terceirização: Paradoxo do Direito do Trabalho Contemporâneo. São Paulo: LTr,  2003.

 

DELGADO, Maurìcio Godinho. Curso de Direito do Trabalho.  10. ed. São Paulo: LTr,  2011.

 

LIMA, Rusinete Dantas de. Aspectos Teóricos e Práticos da Terceirização do Trabalho Rural. São Paulo: LTr, 1999.

 

 


[1]    A meta traçada pelo Governo de Juscelino Kubitschek, cuja intenção era motivar o desenvolvimento econômico e social no país em um tempo mínimo de cinco anos, meta esta segundo o aludido presidente, que outros governos só realizariam em 50 anos.

[2]    Sobre os demais temas relacionados ao tratamento jurisprudencial pertinentes à terceirização, verificar o item 2, do presente estudo.

[3]    Sobre as alterações da Lei 13.429, de 31 de março de 2017, verificar o tópico n. 4, do presente artigo.

[4]    Nesse sentido: “EMENTA: TERCEIRIZAÇÃO ILÍCITA – VÍNCULO COM O TOMADOR DE SERVIÇOS – SÚMULA 331, l, TST. "A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 02/01/1974) (BRASIL, 2017a).

[5]    Sobre as alterações da Lei 13.429, de 31 de março de 2017, verificar o tópico n. 4 , do presente artigo.

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Setembro/2017