A GREVE E SUA VIABILIDADE COMO INSTRUMENTO GARANTIDOR DE DIREITOS TRABALHISTAS

 

 

 

                                                                                  CLAUDIA TESSMANN

              Professora do Centro Universitário UNIVATES, Lajeado/RS, Mestre em Direito.

 

                                                                       MARISTELA WAGNER DELWING

          Acadêmica do Curso de Direito pelo Centro Universitário UNIVATES, de Lajeado/RS.

 

 

 

Resumo: A greve é vista, por muitos doutrinadores, como uma das mais importantes e complexas manifestações coletivas produzidas pela sociedade contemporânea. O direito de greve, em síntese, é a luta pela manutenção das conquistas já adquiridas ou apresentação de propostas de melhores salários, condições de trabalho. E  apesar da greve estar garantida na CF/88, ter lei própria, ainda há muitas limitações para seu real efeito. Por fim, os efeitos causados pelo movimento paredista no contrato de trabalho não asseguram as garantias fundamentais da dignidade da pessoa humana, ou seja, não asseguram e nem garantem o pagamento do salário referente aos dias parados e tampouco a permanência no emprego após a cessação da greve.

 

Palavras-chave: Direito de greve. Trabalho subordinado. Contrato de trabalho. Direitos trabalhistas.

 

 

SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO – 2. CONCEITO DE GREVE – 3. EFEITOS DA GREVE SOBRE O CONTRATO DE TRABALHO – 4. CONCLUSÃO – REFERÊNCIAS

 

 

 

1 INTRODUÇÃO

           

O presente artigo visa abordar  o tema da greve e sua viabilidade como instrumento garantidor de direito trabalhista, para tanto o trabalho será composto dos seguintes subtítulos: conceito de greve; a Lei de Greve 7.783/89 e Emenda Constitucional 45/2004; os requisitos para caracterização da greve; as greves da contempraneidade; os efeitos da greve sobre o contrato de trabalho; características do contrato de trabalho; a greve, salários e o tempo de serviço; proibições de contratação de trabalhadores durante a greve ; a greve como instrumento garantidor de direitos trabalhistas no contrato de trabalho. Iniciando-se o estudo com o conceito de greve.

 

2 CONCEITO DE GREVE

            

Na visão de Repassi (2005), o principal alicerce do direito de greve é a liberdade de trabalho. Esse sentimento somente surgiu com o aparecimento do contrato de trabalho, no qual é reconhecida a validade do contrato de trabalho subordinado, não por coerção, mas por vontade das partes.

 

 

Segundo Leite (2014), não é tarefa fácil conceituar juridicamente a greve, haja vista a diversidade de posições doutrinárias. Além do mais, os conceitos podem variar em função do tratamento conferido ao instituto pelo ordenamento jurídico de cada país.

 

Conforme ensina Martins (2009), pode-se enquadrar inicialmente a greve como liberdade, decorrente do exercício de uma determinação lícita. Há entendimentos de que a greve seria um direito potestativo, de que ninguém a ele poderia se opor.

 

Conforme Neto (2015), a greve é um direito social, de cunho constitucional, mas não de forma absoluta (art. 9º, CF). O artigo 2º da Lei 7.783/89 enuncia como sendo legítimo o exercício do direito de greve quando ocorre a suspensão coletiva (temporária e pacífica, total ou parcial) da prestação pessoal de serviços ao empregador. Dessa forma, na visão do referido doutrinador, a greve é um direito assegurado ao empregado, mediante o exercício coletivo, contra o empregador.

 

Por natureza jurídica de um instituto, entende-se, segundo Cortez (2010), a essência ou o sentido objetivo que ele apresenta no mundo do direito. Não se trata de definir, mas de responder o significado, face às noções jurídicas pertinentes.

 

Como ensina Menezes (2013), a greve consiste em arma básica do trabalhador na eterna luta pela sua dignidade como ser humano e pelo reconhecimento e efetivação de seus direitos.

 

Nascimento (2014) informa que a natureza jurídica da greve no direito brasileiro a caracteriza não como um fato social ou um ato antijurídico, mas como um direito reconhecido em nível constitucional. Todavia, não é um direito absoluto, mas relativo, passível de limitações impostas pela ordem jurídica.

 

Na visão de Cortez (2010), a greve, além de seu caráter de autodefesa do trabalhador à resistência do empregador diante da reivindicação de melhores condições de trabalho, constitui-se em direito de causar danos. Ainda no entendimento do referido autor, os prejuízos causados pelos empregados, no exercício regular do direito de greve, limitam-se aos danos sofridos pela empresa, resultantes da paralisação dos trabalhadores.

 

2.1 A Lei de Greve 7.783/89, Emenda Constitucional 45/2004

           

Em nível infraconstitucional, o direito de greve é regulado pela  Lei n° 7.783, de 28/06/1989, que traz em seu preâmbulo: “Dispõe sobre o exercício do direito de greve, define as atividades essenciais, regula o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, e da? outras providências”, define as atividades essenciais, dispõe sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, compatibilizando o direito de greve com outros direitos constitucionais, como o direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (art. 5°, caput) (CORTEZ, 2010).

 

A Lei 7.783/1989 tem somente dezoito artigos, entre os quais, resumidamente, verifica-se que o direito de greve é dos trabalhadores e cabe a eles escolher a oportunidade/conveniência de quando o exercer, bem como os interesses que pretendam defender (art. 1.º). Contudo, a legitimidade para a instauração da greve é da organização sindical, assegurada pelo inc. VI do art. 8.º da CF, repetida no art. 4.º dessa lei (Revista de Direito do Trabalho, vol. 158/2014, p. 199 – 221, texto digital).

 

O exercício do direito de greve condiciona-se à observância das regras impostas pela Lei 7.783/89. A ausência dos requisitos fixados nesta lei torna-a abusiva, cabendo ao Tribunal Superior (ou Tribunais Regionais) do trabalho, se provocado, declarar a abusividade ou não do movimento grevista.

 

Na visão de Hinz (2011), a maior inovação trazida pela EC 45/2004 foi no âmbito do direito individual do trabalho, ou seja, a ampliação da competência material da Justiça do Trabalho para, a partir de então, julgar os processos que envolvam as relações de trabalho e não apenas as relações de emprego. No âmbito coletivo, a alteração maior foi trazer para esse mesmo órgão jurisdicional a competência para processar e julgar as ações que envolvam exercício do direito de greve e as ações sobre representação sindical, entre sindicatos, entre sindicatos e trabalhadores, e entre sindicatos e empregadores.

 

Outrossim, em face da Emenda Constitucional nº 45, que alterou a expressão “relação de emprego” para “relação de trabalho”, bem como fixou novas competências materiais à Jurisdição Trabalhista, nota-se uma nova percepção da expressão “relação de trabalho”. Mais abrangente do que antes, por certo, ultrapassou os limites da relação de emprego (HINZ, 2011).

 

2.2 Os requisitos para caracterização da greve

 

Para a caracterização do movimento de greve, conforme o art. 2º da Lei de Greve, é indispensável a presença de certos pressupostos ou requisitos, sob pena de ocorrer um ilícito trabalhista, com violação das obrigações inerentes ao contrato de trabalho e o movimento ser considerado ilegal ou abusivo.

 

A aplicação conjunta do parágrafo único do art.1º e do art. 3º e seu parágrafo único, todos da LG, autoriza dizer que para o exercício do direito de greve é preciso o preenchimento de dois requisitos: frustração da negociação coletiva ou a impossibilidade de recurso à arbitragem e aviso prévio ao empregador (LEITE, 2014).

 

O artigo 3º, caput, dispõe que “frustrada a negociação ou verificada a impossibilidade de recurso via arbitral, é facultada cessação coletiva do trabalho”. Assim, a negociação coletiva e a greve são dois componentes que integram o mesmo procedimento, porque ambos se destinam a pressionar o empregador (ou a organização empresarial correspondente) a discutir com os trabalhadores as suas reivindicações coletivas (LEITE, 2016).

 

A greve, de acordo com o art. 4º da LG, deve ser decidida por assembleia convocada pela entidade sindical, na forma prevista em seus estatutos, tendo os grevistas assegurado o emprego de meios pacíficos para convencer os colegas à adesão à greve, arrecadação de fundos e livre divulgação (MANUS, 2015).

 

Na visão de Leite (2014), a legitimidade para deflagrar a greve é dos sindicatos dos trabalhadores destinatários da proteção constitucional-trabalhista, já que a greve é um ato coletivo decorrente de um direito coletivo que pressupõe o exaurimento da negociação coletiva.

 

Assim, torna-se obrigatória a participação dos sindicatos em toda e qualquer negociação coletiva. Na ausência desse, faculta a lei que a deflagração da greve seja levada a cabo pela Comissão de Negociação eleita em assembleia geral dos trabalhadores interessados (LEITE, 2014).

 

O aviso prévio de greve é outro requisito a ser obedecido. Deve ser fornecido com antecedência mínima de 48 horas ao sindicato patronal ou aos empregadores (§ único do art.3º da LG).

 

Nos serviços ou atividades essenciais, o sindicato profissional ou os trabalhadores deverão fazer a comunicação da paralisação aos empregadores e aos usuários com antecedência mínima de 72 horas (art. 13 da LG).

 

Aos trabalhadores é que cabe a decisão sobre a oportunidade do exercício do direito de greve (art. 1ª da LG). Eles que irão julgar qual o momento certo e oportuno para deflagrar a greve (MARTINS, 2009).

 

2.3 As greves na contemporaneidade

            

A greve contemporânea apresenta alguns aspectos que não podem ser esquecidos: a atitude de não trabalhar ou delimitar o labor (operação-tartaruga ou padrão) e, em casos excepcionais, criar embaraços, prejuízos ou transtornos (MENEZES, 2013).

 

Na visão de Menezes (2013), a concepção mais ampla de greve põe em discussão a ideia tradicional de que o movimento paredista consiste fundamentalmente na paralisação do trabalho. Limitar a greve apenas aos casos de paralisação parcial ou total, ou restringir seu potencial ofensivo de provocar danos aos interesses patronais importa em descaracterizar sua essência.

 

Assim, a greve há de ser entendida como expressão genérica de todas as medidas de ação direta que podem exercer os trabalhadores em defesa de seus interesses. O discurso de que a greve se refere apenas ao abandono do local do trabalho evidencia uma visão absolutamente superada do direito fundamental (LIRA, 2009).

           

Cassar (2014) apresenta vários termos de classificação para a greve na atualidade. Como exemplo, a greve de ocupação ou de habitação: invasão da empresa para impedir o trabalho de outros trabalhadores a aderir ao movimento; a tentativa de paralisação da produção; recusa de sair da empresa, mesmo após o expediente. Algumas vezes, empregados são detidos como reféns. É considerada ilícita ou abusiva.

     

Seguindo a classificação de Cassar (2014), há a greve denominada de Yellow-dog-contracts: ainda não conhecida no Brasil, é a paralisação do serviço nas empresas que contratam empregados com salários ou condições inferiores aos mínimos estabelecidos nos contratos coletivos; a greve de braços caídos ou greve tartaruga: adotada nos EUA, na Inglaterra, na Argentina e na Itália. Já está acontecendo no Brasil. Consiste na redução do trabalho ou da produção sem que haja suspensão coletiva do trabalho; greve branca: os empregados assumem os postos de trabalho, mas não trabalham.

     

Ainda há a greve de rodízio ou rotativa: é a paralisação que atinge primeiro um setor ou seção de um trabalho que é feito “em cadeia”, afetando o sincronismo no trabalho. Depois outros setores, de forma alternada. Os trabalhadores param ou reduzem o ritmo de trabalho, de forma a afetar, em cadeia, as outras etapas do processo produtivo; greve intermitente: consiste em paralisações por instantes, coordenadamente, de toda uma seção. Ela vai e volta (FILHO, 2013).

     

Na contemporaneidade, têm-se, ainda, a greve padrão ou greve de zelo ou operação padrão: é o excesso de zelo praticado nos afazeres de forma tão meticulosa que retarda a produção, causando graves prejuízos; greve de solidariedade: é a greve deflagrada para proteção de direitos de outra categoria ou de um grupo ou de alguns trabalhadores. É considerada abusiva; greve de fome: o grevista recusa-se a alimentar-se para chamar a atenção das autoridades, ou da sociedade civil, para suas reivindicações (CASSAR, 2014).

     

A greve geral: paralisação de uma ou mais classes de trabalhadores, de âmbito nacional. Geralmente é convocado um dia em especial de manifestação, a fim de chamar atenção pela grande paralisação conjunta; greve selvagem: iniciada e ou levada adiante espontaneamente pelos trabalhadores, sem a participação ou a revelia do sindicato que representa a classe; greve política: entende-se por greve política a dirigida contra os poderes públicos, para conseguir determinadas reivindicações não suscetíveis de negociação coletiva, tais como alteração ou criação de direitos previstos em lei (LIRA, 2009).

 

3 EFEITOS DA GREVE SOBRE O CONTRATO DE TRABALHO

            

Como norma protetora por excelência dos interesses do trabalhador subordinado, o direito do trabalho na medida em que tutela o exercício do direito de greve gera perdas que se mostram insuperáveis (SOUZA, 2007).

           

O primeiro efeito que toca mais imediatamente aos interesses do empregado versa sobre a remuneração. Como já abordado, quando a greve é deflagrada dá-se, ope legis, a suspensão do contrato de trabalho, conforme ensina Souza (2007). Em suma, se não há trabalho, não há salário.

 

Outro efeito que também carece de atenção é em relação à noção de tempo de serviço. Assim, na visão de Souza (2007), a importância desse tempo de serviço é referido dentro da empresa e na sua relação com o empregado. A suspensão do contrato de trabalho representa, para o trabalhador, uma perda na contagem do seu tempo de serviço, de sua antiguidade.

 

Dessa forma, no entendimento de Cortez (2010), durante o período da greve, os contratos de trabalho ficam suspensos, ou seja, os dias parados não são pagos nem computados para fins contratuais, conforme preceitua o artigo 7º da Lei 7.783/89. Conforme o seu parágrafo único, o empregador não pode dispensar o trabalhador durante o movimento paredista, tampouco contratar substitutos, salvo se não houver trabalhadores para assegurar serviços necessários para a manutenção de bens, máquinas e equipamentos durante a greve ou aqueles imprescindíveis ao retorno da atividade.

 

O Supremo Tribunal Federal (STF) já se manifestou a respeito pela súmula 316, que diz que a simples adesão à greve não constitui falta grave. É preciso ressaltar que o trabalhador que vai à greve, não considera, nem por um momento, que tenha rompido o contrato laboral; justamente participa do movimento para obter melhores salários e condições mais dignas de trabalho.

 

3.1 Características do contrato de Trabalho

            

No entendimento de Pretti (2014), a CLT, em seu art.442, caput, define contrato de trabalho: “contrato individual de trabalho é o acordo tácito ou expresso correspondente à relação de emprego”. Ainda, no art. 444 da CLT, tem-se:

 

As relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação das partes interessadas em tudo quanto não contravenha às disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos que lhes sejam aplicáveis e às decisões das autoridades competentes.

 

Segundo Martins (2012), são requisitos do contrato de trabalho: continuidade, subordinação, onerosidade, pessoalidade e a não eventualidade. O trabalho deve ser prestado com continuidade e, conforme o referido autor, a continuidade é a da relação jurídica, da prestação de serviços. O contrato de trabalho precisa ter duração e ser sucessivo.

 

Nos ensinamentos de Gomes (2011), o contrato de trabalho é um instrumento jurídico de que se dispõe o ser humano para a legalização das suas relações de produção; e em relação à alteridade, o empregado presta serviços por conta alheia. É um trabalho sem assunção de qualquer risco pelo trabalhador; o empregado pode participar dos lucros, mas não dos prejuízos da empresa.

 

3.2 Greve, salários e o tempo de serviço

                       

O art. 7º da LG dispõe que “observadas às condições previstas nesta Lei, a participação em greve suspende o contrato de trabalho, devendo as relações obrigacionais, durante o período, ser regidas pelo acordo, convenção, laudo arbitral ou decisão da Justiça do Trabalho”.

 

Todavia, a convenção coletiva, o acordo coletivo de trabalho, o laudo arbitral ou a sentença normativa poderão disciplinar os efeitos da greve sobre os contratos individuais de trabalho, de modo diverso (CORTEZ, 2010). Assim, no entendimento de Leite (2014), o acordo coletivo poderá dispor, por exemplo, que haverá pagamento total dos salários durante o período de greve. Igualmente, a sentença arbitral poderá determinar o pagamento dos dias parados ou a contagem do tempo de serviço. Nesses casos não se poderia falar em suspensão e, sim, em autêntica interrupção dos contratos individuais de trabalho.

 

A atual jurisprudência do TST vem evoluindo no sentido de se determinar o pagamento dos salários relativos aos dias de greve em algumas hipóteses, como não cumprimento de cláusulas contratuais relevantes, más condições ambientais e risco à saúde do trabalhador, quando o direito de greve é utilizado para tentar frear a dispensa massiva de trabalhadores (MALLET, 2014).

 

3.3 Proibições de contratação de trabalhador durante a greve

            

O exercício do direito de greve não deve ser neutralizado por atitude patronal que a inviabilize. A possibilidade, intolerável, de permitir ao empregador a contratação de empregados durante o período de greve, ensejaria em impedir a produção dos efeitos naturais à paralisação (SOUZA, 2007).

 

Desta forma, como bem lembra Mallet (2014), existe expressa vedação da contratação de substitutos (LG, art. 9º, parágrafo único), desde que os trabalhadores se comprometam a atuar para que não ocorra qualquer sorte de inexecução capaz de causar prejuízo irremediável à empresa, a exemplo de perda ou inutilização de bens, máquinas ou equipamentos.

 

Outro aspecto a ser considerado é em relação à regra que comanda o retorno às atividades tão logo se celebre o acordo, convenção ou assim o decida a Justiça do Trabalho. No entendimento de Souza (2007), cessado o movimento, a contratação far-se-á sem restrição, haja vista que não existe mais o estado de greve e a relutância do trabalhador em retornar os serviços. O empregador, por sua vez, se vê autorizado a admitir novos trabalhadores. Dentro desse contexto não haveria a substituição temporária e, sim, a sucessão do empregado.

           

Nas atividades essenciais, a manutenção e o controle dos serviços estão a cargo do Poder Público e, no entendimento de Cortez (2010), há a necessidade da existência de uma regra de requisição civil para legitimar a presença de muitos dos trabalhadores em greve.

           

Por fim, no entendimento de Mallet (2014), a proibição de contratação não abrange unidades ou setores que não estejam em greve, respeitada a vedação de se transferir aos novos empregados o serviço antes realizado pelos grevistas.

 

3.4 A greve como instrumento garantidor de direitos trabalhistas no contrato de trabalho

            

Como já abordado, o direito de greve desempenha uma função social e esse também é o entendimento de Neto (2015) de que só no sentido dessa função social pode legitimar-se. Não é um direito em si, que encontra satisfação no seu próprio exercício, é um direito instrumental, cujo exercício se destina à obtenção de resultados finalísticos.

           

No entendimento de Gomes (2014), o contrato de trabalho é um instrumento jurídico de que dispõe o ser humano para tornar lícitas suas relações de produção, desempenhando, assim, sua função econômica, o que o faz pertencer à categoria jurídica dos negócios de atividade. Essa, por sua vez, consiste na troca do trabalho pela remuneração. Dessa forma, no contrato de trabalho, uma das partes presta serviços contínuos à outra em troca de uma remuneração. Ainda na visão do referido autor, o objetivo do empregador é aproveitar-se do trabalho do empregado, e a desse é de lograr certa retribuição pelo trabalho prestado.

           

Na visão de Bezerra (2016), observadas as prescrições da LG, participação em greve suspende o contrato de trabalho e, durante a paralisação, as relações obrigacionais serão regidas por acordo coletivo, convenção coletiva, laudo arbitral ou decisão da Justiça do Trabalho (art. 7º). Assim, durante a greve, em princípio, não são obrigatórios o pagamento de salários e a prestação do trabalho, e o tempo de serviço não é computado.

 

As greves e manifestações dos obreiros foram os instrumentos utilizados para que hoje seja possível usufruir de algumas conquistas trabalhistas. Na visão de Souto Maior (2014), entre tais direitos conquistados, podem ser citados a garantia do salário mínimo, a limitação da jornada de trabalho, a licença maternidade, a proibição de diferença de salários em função do exercício da atividade e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil; normas de segurança e saúde para um meio ambiente trabalho sadio; direito à greve e à liberdade sindical. Outrossim, os trabalhadores fizeram parte do processo de implantação da democracia no Brasil.

 

Com efeito e sob o olhar de Lira (2009), com o esfacelamento do mundo do trabalho subordinado, faz sentido falar-se em greve enquanto elemento catalisador dos movimentos sociais dirigidos para a ruptura do modelo capitalista. Assim, quais seriam os entes coletivos não-obreiros passíveis de integrar esse novo mundo de insurgentes a partir da greve? Ainda no entendimento da referida autora, do ponto de vista jurídico-trabalhista, é preciso identificar a greve como uma fonte do Direito do Trabalho. Logo, na atualidade, transpostos os limites de concepção jurídica irradiada pela OIT e os sistemas jurídicos, a greve retoma sua memória histórica, ou seja, seu caráter ao mesmo tempo político e revolucionário.

 

Por fim, resta comprovado com o estudo que a greve deve ser o movimento de luta por melhores conquistas. Ainda é necessário melhorar o mundo do direito do trabalho, porém, não se pode impor limites a um direito garantido. Como exemplo, descontar dias parados, sendo que a remuneração é que garante a dignidade da pessoa humana, pois não há luta sem sacrifício.

 

4 CONCLUSÃO

            

É sabido que vários doutrinadores enquadram a greve como fenômeno relacionado à moderna sociedade industrial, sem ligação com acontecimentos e conflitos desencadeados nas etapas históricas anteriores. No entanto, alguns autores mencionam que a história da greve remonta ao séc. XII a.C., quando trabalhadores se recusaram a trabalhar na construção do túmulo de um faraó em protesto pela irregularidade no pagamento de salários.

 

No ordenamento jurídico brasileiro, considera-se greve a suspensão coletiva, temporária e pacífica, total ou parcial, da prestação de serviços a empregador, tendo por finalidade a reivindicação de natureza salarial, profissional, e até de manutenção dos benefícios já conquistados, dentro da conformidade da regra contida no artigo 2º da Lei 7.783/89, que disciplina o exercício do direito de greve na atividade privada.

           

Destarte, o presente artigo ocupou-se em apresentar, o conceito de greve, a greve na doutrina jurídica e seu vínculo com o trabalho subordinado, movimento garantido pela CF/88, ratificada pela Lei 7.783/89 e, através da EC 45/2004, passou a ser da Justiça do Trabalho a competência para julgar as questões que envolvem tal movimento. Em seguida apresentou os requistitos para caracterização da greve, as greves na contemporaneidade. E por fim os efeitos do movimento paredista no contrato de trabalho.

             

Como o objetivo geral do presente trabalho estava centrado em analisar a leitura normalmente feita da greve como instrumento garantidor de direitos trabalhistas, esclareceu-se que a greve passou por vários momentos históricos até ser garantida na CF/88. Em seguida, foi ratificada em lei própria, porém, não garantiu o acesso desse direito a todos da sociedade. O instituto da greve, estudado e analisado como direito fundamental, como fato social, não está acessível a todos, ou seja, exclui os serviços essenciais e inadiáveis, os servidores públicos, os militares.

 

Ainda é preciso destacar que a greve está limitada à associação de um sindicato representante, de um julgamento dos tribunais do trabalho. Através dele, se decide se haverá desconto dos dias parados ou não. Decretado o fim do movimento paredista, pode o empregador, em posterior momento, dispensar o trabalhador que estava envolvido no movimento.

 

Compreendidos os limites impostos à greve, da posição da OIT em relação ao movimento, dos artigos declarados na Lei 7.783/89 e a jurisprudência atual predominante, se fez necessário pensar sobre as discussões criadas entre empregador e empregado, das lutas enfrentadas pelo trabalhador até conseguir garantias reais - hoje ainda discutidas - não cumpridas ou até ampliadas.

 

Diante do exposto, pode-se concluir que apesar do movimento paredista estar garantido na CF/88, legislado em Lei específica e ainda ser referenciada, por analogia, no setor público, não traz real garantia ao trabalhador. Resta comprovado que o direito de greve, no momento, não tem garantido sua real eficácia, pois não há a certeza do pagamento dos dias parados e a continuidade do trabalhador no seu emprego após o término do movimento paredista. Fere o princípio constituinte da dignidade humana, pois se sabe que é essencial à manutenção da sobrevivência do trabalhador e de sua família, o recebimento de salário, bem como a garantia de seu emprego. Se esses dois elementos basilares: salário e emprego não estão garantidos após o término do movimento paredista, não há como se falar em eficácia do direito de greve.

 

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Setembro/2017