CONTRATO DE FACÇÃO

 

 

 

SERGIO PINTO MARTINS

Desembargador do TRT da 2ª Região. Professor Titular de Direito do Trabalho da Faculdade de Direito da USP

 

 

 

O contrato de facção é o negócio jurídico entre uma pessoa e outra para fornecimento de produtos prontos e acabados, em que não há interferência da primeira na produção.

 

A natureza do contrato de facção é híbrida, pois existe prestação de serviços e fornecimento de bens. Muitas vezes é utilizado para serviços de acabamento de roupas e aviamentos por parte da empresa contratada para produzir peças. Uma empresa fornece as peças cortadas e a outra faz o acabamento e costura.

 

O contrato de facção geralmente tem natureza civil, de prestação de serviços com fornecimento de mercadoria. Pode, dependendo do caso, ter natureza comercial.

 

O objetivo do contrato de facção não é o fornecimento de mão de obra para se falar em terceirização de mão de obra.

 

Tem sido muito utilizado o contrato de facção para confeccionar roupas. Uma empresa grande de roupas, muitas vezes sediada nos Shoppings Centers, contrata outra para produzir roupas que serão vendidas na primeira, sob a marca desta.

 

Geralmente, o contrato de facção não é desenvolvido nas dependências da empresa que pede para fazer a produção do bem ou que tem a marca.

Há casos em que a empresa apenas adquiria os produtos de uma outra e os revendia, pois se trata de uma empresa do comércio varejista. Não faz parte de suas atribuições fazer ajustes e serviços de acabamento. A empresa faz apenas a revenda dos produtos adquiridos da contratante.

 

Se não existe exclusividade na confecção por parte da contratada, pois esta presta serviços para outras empresas, não se pode falar em responsabilidade.

 

A solidariedade é prevista em lei ou decorre da vontade das partes (art. 265 do Código Civil). Não há lei ou vontade das partes atribuindo solidariedade para o contrato de facção.A responsabilidade subsidiária não tem exatamente previsão em lei, tanto a Orientação Jurisprudencial 191 da SBDI-1 do TST afirma que ela é prevista em lei.Não há que se falar em fiscalização por parte da contratante em relação aos empregados da contratada, pois não se trata de prestação de serviços em sentido estrito. Logo, não se pode falar em responsabilidade subsidiária e na aplicação do inciso IV da Súmula 331 do TST.A jurisprudência do TST tem entendido que não há responsabilidade em casos de contratos de facção:

 

“Agravo de instrumento em recurso de revista. Responsabilidade subsidiária. Contrato de facção. O contrato de facção consiste no negócio jurídico interempresarial, de natureza fundamentalmente mercantil, em que uma das partes, após o recebimento da matéria-prima, se obriga a confeccionar e fornecer os produtos acabados para ulterior comercialização pela contratante. O entendimento desta Corte Superior é no sentido de que no contrato típico de facção – desde que atenda os requisitos acima referidos, sem desvio de finalidade – não se há de falar em responsabilidade subsidiária da empresa contratante pelos créditos trabalhistas dos empregados da empresa faccionária. Todavia, é possível a condenação quando se evidenciar a descaracterização dessa modalidade contratual. A exclusividade na prestação dos serviços para a empresa contratante pode ser um indício de fraude, assim como a interferência na forma de trabalho dos empregados da contratada. No caso, o Tribunal Regional, soberano na apreciação do conjunto fático-probatório dos autos, registrou que as empresas reclamadas firmaram entre si um contrato de facção limitado à compra e venda de peças de roupas, sem ingerência da empresa contratante nas atividades da empresa contratada, inexistindo exclusividade na prestação dos serviços que revele a descaracterização do contrato de facção. Assim, conclusão em sentido contrário, como pretende a reclamante, demandaria o reexame de fatos e provas, procedimento vedado nesta instância extraordinária, nos termos da Súmula nº 126 do TST. Agravo de instrumento a que se nega provimento” (TST, 7ª T, AIRR-1463-68.2011.5.09.0663, Rel. Min. Cláudio Mascarenhas Brandão, DEJT 13.06.2014).

 

“Agravo de instrumento. Rito sumaríssimo. Responsabilidade subsidiária. Contrato de facção. Tratando-se de contrato de facção, e estando evidenciada a ausência de exclusividade ou ingerência na administração da prestação de serviços, não há falar em responsabilização subsidiária, ainda que haja uma fiscalização da qualidade dos produtos. Precedentes do TST” (TST, 8ª T, AIRR- 2093-59.2011.5.12.0011, Rel. Desemb. Conv. João Pedro Silvestrin, 13.06.2014).

 

“Responsabilidade subsidiária. Contrato de facção. Inaplicabilidade da Súmula nº 331, item IV, do TST. A responsabilidade subsidiária prevista na Súmula nº 331, item IV, desta Corte somente tem lugar quando se trata de terceirização lícita de mão de obra, hipótese em que deve o tomador de serviços responder em decorrência das culpas in vigilando e/ou in eligendo na contratação da empresa interposta, que se torna inadimplente quanto ao pagamento dos créditos trabalhistas devidos ao empregado. Nos contratos de facção, no entanto, não existe contratação de mão de obra, uma vez  que a contratada se compromete a entregar à contratante um produto final, acabado, produzido por seus empregados, sob sua responsabilidade  e controle. Assim, a ‘empresa tomadora dos serviços’, por não ter nenhum controle sobre a produção da contratada, isenta-se de qualquer responsabilidade pelos contratos trabalhistas firmados com os empregados da empresa de facção, os quais não estão subordinados juridicamente à contratante. No caso, o Regional consignou que não se configurou a alegada ingerência nos serviços da empresa prestadora por parte da segunda reclamada, concluindo que ‘ainda que a primeira ré produzisse produtos exclusivamente em prol da segunda, essa opção ficou a cargo da própria empresa, que, a despeito da relação de dependência que criou para si, continuou a existir autonomamente, como se vê dos respectivos contratos sociais, sem sofrer qualquer tipo de ingerência por parte da segunda ré (o que, mais uma vez, não foi provado pela reclamante)’. Assim, para chegar a conclusão diversa, seria necessário o reexame do conteúdo fático dos autos, procedimento inviável nesta fase do processo, nos termos da Súmula nº 126 do TST. Inaplicável o disposto na Súmula nº 331, item IV, do TST. Agravo de instrumento desprovido” (TST, 2ª T, AIRR-37600-18.2009.5. 01.0283, Rel. Min. José Roberto Freire Pimenta, DEJT 13.06.2014).

 

“Recurso de revista. Contrato de facção. Inaplicabilidade da Súmula 331, IV, do TST. A jurisprudência atual desta Corte é no sentido de que não se aplica aos contratos de facção o entendimento contido na Súmula 331, IV, do TST, nas hipóteses em que haja o fornecimento de produtos por um empresário ao outro, a fim de que este deles se utilize em sua atividade produtiva e, portanto, se ausente a presença das figuras do prestador e do tomador dos serviços. As provas dos autos demonstram claramente a existência de simples relação comercial entre ambas as reclamadas, haja vista que não há nos autos nenhuma prova de fiscalização e orientação da segunda reclamada sobre as atividades desempenhadas pelo reclamante, bem como ante a inexistência de prestação exclusiva por exigência da contratante. Dessa forma, evidencia-se típico contrato de facção a afastar a responsabilidade subsidiária. Recurso de revista conhecido e provido. (TST, 7ª T, RR-3432-80.2011.5.12.0002, Rel. Min. Delaíde Miranda Arantes, DEJT 30.05.2014).

 

“Contrato de facção. Responsabilidade subsidiária. Inexistência. O contrato de facção destina-se ao fornecimento de produtos por um empresário a outro, a fim de que deles se utilize em sua atividade econômica. O referido ajuste, ao contrário da terceirização a que alude a Súmula nº 331, IV, do TST, não visa à obtenção da mão de obra imprescindível à realização  de atividades-meio de uma das partes da avença, mas tão somente da matéria-prima necessária à exploração do seu objeto social, motivo pelo qual, aquele que adquire os bens em comento não pode ser responsabilizado subsidiariamente pelos créditos trabalhistas devidos aos empregados de seu parceiro comercial. No caso dos autos, as reclamadas firmaram contrato de prestação de serviços de confecção de calçados, por meio de contrato de facção, no qual a segunda-reclamada repassava modelagem e amostras para serem confeccionadas pela primeira-reclamada, sem exclusividade, e a fiscalização operada pela segunda-reclamada se dava com vistas à observância da qualidade da produção, não se dirigindo diretamente aos empregados da linha de produção. Portanto, tal atitude não configura, por  si só, ingerência, sendo perfeitamente aceitável que a empresa contratante tenha interesse no controle da qualidade dos produtos que seriam adquiridos. Assim, constata-se que a reclamante se encontrava subordinada, exclusivamente, à primeira-reclamada. Inaplicável ao caso dos autos o disposto na Súmula nº 331, IV, do TST, por inexistir terceirização de serviços na hipótese. Recurso de revista conhecido e provido.” (TST, 7ª T, RR-240-22.2010.5.04.0383, Rel. Min. Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, DEJT 23.05.2014).

 

RECURSO DE REVISTA. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. CONTRATO DE FACÇÃO. Trata-se, na hipótese, de contrato de facção, de natureza civil, no qual a indústria contrata empresa para o fornecimento de produtos prontos e acabados, não para o fornecimento de mão de obra, com intermediação de empresa prestadora de serviços, conforme o quadro fático delineado no acórdão regional. Nesse contexto, a hipótese vertente não tem semelhança com a preconizada na Súmula nº 331, IV, do TST. Recurso de revista de que não se conhece (1ª Turma, RR-1531-16.2012.5.12.0011, j. 29.04.2015, Relator Ministro: Walmir Oliveira da Costa, DEJT 04.05.2015).

 

No caso abaixo, a Hering contratou uma empresa para fazer os serviços de acabamentos em roupas. Não havia ingerência da Hering sobre a Stinghen, muito menos esta prestava serviços com exclusividade:

 

AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. CONTRATO DE FACÇÃO. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. INOCORRÊNCIA.

1. Inadmissível recurso de revista interposto contra acórdão de Tribunal Regional do Trabalho proferido em conformidade com a iterativa, notória e atual jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho (Súmula nº 333 do TST).

2. O “contrato de facção” consiste em ajuste de natureza híbrida em que  há, a um só tempo, prestação de serviços e fornecimento de bens. Trata-se de avença que tem por objeto a execução de serviços de acabamento, incluídos aí os eventuais aviamentos, pela parte contratada, em peças entregues pela parte contratante.

3. Não há, nesse contexto, espaço para virtual caracterização quer de  culpa in vigilando quer de culpa in eligendo – pressupostos de imputação  de responsabilidade subsidiária –, desde que as atividades da empresa contratada desenvolvam-se de forma absolutamente independente, sem qualquer ingerência da empresa contratante.

4. O TRT de origem, após analisar o conjunto fático probatório, concluiu que a empresa de facção atuava com autonomia econômica e administrativa, sem ingerência por parte dos contratantes, o que afasta a responsabilidade subsidiária da tomadora de serviços. Entendimento em conformidade com a jurisprudência assente do Tribunal Superior do Trabalho.

5. Agravo de instrumento a que se nega provimento. (TST, 4ª Turma, AIRR-1945-34.2011.5.12.0048).

 

Em caso em que a Adidas contratou a empresa Sigma para acabamento de roupas não havia ingerência da primeira na segunda. O TRT da 3ª Região entendeu que as eventuais determinações dadas pela Adidas aos empregados da Sigma são próprias do contrato de facção, pois visavam a garantir a qualidade do produto final fornecido e o bom nome da marca. O TST entendeu que a matéria era de fatos e provas e não conheceu do recurso de revista:

 

RECURSO DE REVISTA. CONTRATO DE FACÇÃO OU AJUSTE EMPRESARIAL SIMILAR. POSSIBILIDADE DE ENQUADRAMENTO NAS FIGURAS JUSTRABALHISTAS DE “GRUPO ECONÔMICO POR SUBORDINAÇÃO E/OU COORDENAÇÃO” OU “TERCEIRIZAÇÃO TRABALHISTA”.

NECESSIDADE DE EXAME CONSISTENTE DA MATÉRIA FÁTICA DOS AUTOS - SOBERANIA DA “INSTÂNCIA ORDINÁRIA” (1º E 2º GRAUS) NESTE EXAME. INVIABILIDADE DE REVOLVIMENTO DE FATOS E PROVAS VIA RECURSO DE REVISTA (SÚMULA 126/TST). Não obstante os ajustes empresariais privados, como contrato de facção ou pactuação congênere, possam ser enquadrados nas figuras justrabalhistas existentes (grupo econômico por coordenação ou subordinação e terceirização trabalhista, por exemplo), com os efeitos responsabilizatórios correlatos, podendo também, ao revés, ser enquadrados fora desses parâmetros responsabilizatórios (dependendo da efetiva situação fática), é imprescindível a tal enquadramento o circunstanciado exame dos fatos e provas da causa – conduta inerente à primeira e segunda instâncias judiciais e não permitida ao TST pelo caminho do Recurso de Revista (Súmula 126/TST). Recurso de revista não conhecido. (TST, RR-2297-28.2012.5.03.0041).

 

Na situação abaixo, o TST reconheceu a responsabilidade solidária:

 

“Agravo de instrumento em recurso de revista. Responsabilidade solidária. Contrato de facção. Descaracterização. Intermediação ilícita de mão de obra. O contrato de facção consiste no negócio jurídico interempresarial, de natureza fundamentalmente mercantil, em que uma das partes, após o recebimento da matéria-prima, se obriga a confeccionar e fornecer os produtos acabados para ulterior comercialização pela contratante. O entendimento desta Corte Superior é no sentido de que no contrato típico de facção – desde que atenda os requisitos acima referidos, sem desvio de finalidade – não se há de falar em responsabilidade da empresa contratante pelos créditos trabalhistas dos empregados da empresa faccionária. Todavia, é possível a condenação quando se evidenciar a descaracterização dessa modalidade contratual. A exclusividade na prestação dos serviços para a empresa contratante pode ser indício de fraude, assim como a interferência na forma de trabalho dos empregados da contratada. No caso em apreço, o Tribunal Regional, soberano na apreciação do conjunto fático-probatório dos autos, registrou que a atividade da recorrente não se limitava à mera fiscalização da fabricação dos produtos encomendados e que havia ingerência sobre as demais reclamadas, nas diretrizes para implantação de plano de ação para correção de irregularidades com os padrões de saúde   e segurança, observância de normas de emprego do grupo Adidas, bem como para adequações internas. Vale dizer, o quadro fático delineado no acórdão regional reflete a existência de terceirização ilícita da atividade-fim da reclamada (diante do desvirtuamento do contrato de facção), o que caracteriza burla à legislação trabalhista, nos termos do artigo 9º da CLT. Tal constatação permite, com fulcro no artigo 942 do Código Civil, a responsabilização solidária dos coautores. Precedentes. Agravo de instrumento a que se nega provimento.” (TST, 7ª T, AIRR-269-53.2013.5.03.0041, Rel. Min. Cláudio Mascarenhas Brandão, DEJT 23.05.2014).

_________________________

 

Julho/2016