A POSSIBILIDADE DE DEMISSÃO POR JUSTA CAUSA POR OFENSA AO EMPREGADOR NAS REDES SOCIAIS

 

 

 

CLOCEMAR LEMES DA SILVA

Juiz do Trabalho, Titular da 2ª Vara do Trabalho de Estrela/RS. Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Especialização em Direito do Trabalho, Direito Processual do Trabalho e Direito Previdenciário pela Universidade de Santa Cruz do Sul. Especialização em Direitos Humanos e Fundamentais e as Relações de Trabalho, pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Doutor em Direito pela Universidad de Burgos – UBU, Burgos Espanha. Professor da Escola Judicial do TRT-4ª Região e em Cursos de Pós Graduação.

 

POLIANA JACQUES

Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Univates, Lajeado, RS. Advogada

 

 

 

Resumo: A liberdade de expressão é direito assegurado na Constituição Federal, trata-se de direito fundamental garantido a todos, sem distinção e que tem sua importância e dimensão potencializada com o advento das redes sociais, na medida em que estes veículos facilitam a publicização e divulgação de ideias e opiniões, tornando-as instantaneamente de domínio comum e, portanto, virtualmente incontroláveis. No entanto, quando essas manifestações dizem respeito à relação de emprego podem surgir limitações decorrentes dos direitos à honra, imagem e boa fama do empregador. Assim, este artigo faz uma análise de todos os elementos dessa relação, os limites de cada um destes direitos e a possibilidade de rescisão pro justa causa por condutas desabonatórias contra o empregador nas redes sociais. Trata-se de pesquisa qualitativa, realizada por meio de método dedutivo e de procedimento técnico bibliográfico e documental. Dessa forma, as reflexões iniciam-se com a conceituação da liberdade de pensamento, seu limites, fazendo uma análise acerca das diferenças da liberdade de expressão do empregado. Após passa-se a analisar o poder diretivo do empregado e a relação de subordinação que decorre deste, com os demais poderes decorrentes da relação de emprego. Por fim, examina-se a possibilidade de demissão por justa causa por ofensa aos direitos do empregador pelo empregado nas redes sociais. O tema é de profunda relevância pois cada vez mais as redes sociais aumentam os usuários, os acessos são cada vez mais facilitados e a com isso o ato de expressar fica muito facilitado. Mas essa liberdade é limitada por outros direitos, cabe saber, apenas quais são os limites para essa liberdade e quais as possibilidades de punição, no caso da relação de emprego, do empregador acerca de ofensas a ele proferidas.

 

Palavras-Chave: Liberdade de Expressão; Redes Sociais; Poder Diretivo; Justa Causa.

 

 

SUMÁRIO: Introdução; 1. Liberdade de expressão; 1.1 A Garantia constitucional da liberdade de expressão; 1.2 Liberdade de expressão do empregado;                         2. Poder diretivo do empregador; 2.1 Significado e alcance do poder diretivo;  3. A possibilidade de demissão por justa causa por ofensa aos direitos do empregador nas redes sociais; 3.1 Rescisão por justa causa; 3.2 Possibilidade  da demissão por justa causa por conta da ofensa aos direitos do empregador nas redes sociais; Conclusão; Referências.

 

 

 

INTRODUÇÃO

 

A liberdade de expressão é direito fundamental garantido a todos no artigo 5º, inciso IV, da Constituição Federal de 1988, cuja redação assegura que “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”.

 

Como todo e qualquer direito, no entanto, mesmo os de natureza fundamental, a liberdade de expressão não constitui garantia absoluta e, no âmbito específico da relação de emprego, seu livre exercício pode ser limitado por outros direitos e garantias fundamentais do empregador, em especial o direito de imagem, honra e boa fama, que não pode ser violado sob a singela escusa da liberdade de expressão.

 

Com o advento das redes sociais e a instantaneidade com que as informações ali postadas são disseminadas e vistas por inúmeros usuários, esse aparente confronto torna-se, especialmente pelos possíveis desdobramentos no âmbito da relação de emprego.

 

Considerando que o empregado possui com o empregador uma relação de subordinação, que assegura a este último o poder diretivo, no qual se encontra ínsito o poder disciplinar, surge a problemática em relação a possibilidade de rescisão de contrato por justa causa em decorrência de ofensas proferidas pelo empregado nas redes sociais.

 

Nesse sentido, esse artigo tem como objetivo analisar a possibilidade de dispensa por justa causa do empregado em função de ofensas irrogadas por este último ao empregador nas redes sociais.

 

Como hipótese, entende-se que ambos têm direito, de um lado à liberdade de expressão e, de outro, à honra e à imagem e que apenas analisando o caso concreto é possível saber qual direito deve prevalecer.

 

A pesquisa, quanto à abordagem, é qualitativa, e tem como característica o aprofundamento no contexto estudado e a perspectiva interpretativa desses possíveis dados para a realidade, conforme esclarecem Mezzaroba e Monteiro (2008). Para obter a finalidade desejada pelo estudo, é empregado o método dedutivo, cuja operacionalização se dará por meio de procedimentos técnicos baseados na doutrina, legislação e jurisprudência, conceituando inicialmente  a liberdade de expressão, passando pela análise do poder diretivo do empregador para então verificar a possibilidade de demissão por justa causa decorrente de ofensas ao empregador nas redes sociais.

 

1. LIBERDADE DE EXPRESSÃO

 

A liberdade de expressão do indivíduo sempre foi tema de inúmeras discussões desde o início do Estado Liberal, que buscava respeito e resguardo deste direito em contraposição aos excessos do Absolutismo.

 

Atualmente está consagrada no Estado Democrático de Direito, que tem como sua principal base de sustentação os direitos e garantias individuais, que permitem às pessoas, de modo geral, agir de acordo com suas convicções e vontades.

 

No entanto, como já referido, esse direito não é ilimitado, sendo que a própria lei lhe impõe restrições, que visam, na maioria das vezes, a garantia das liberdades alheias, possibilitando o convívio harmonioso das relações sociais.

 

No Brasil, não há dúvida de que o documento legislativo de maior importância sobre o tema é a Constituição Federal de 1988, que tutela as liberdades individuais em sentido amplo e, por conta disso será avaliado como esse direito se apresenta na Carta Magna Brasileira.

 

1.1 A garantia constitucional da liberdade de expressão

 

A liberdade do indivíduo é garantida na Constituição Federal Brasileira no art. 5º, título II “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”, ou seja, trata-se de condição básica da sociedade e cláusula pétrea de nossa Constituição.  Os direitos previstos nesse artigo são basicamente liberdade de pensamento, liberdade de consciência e crença, liberdade de expressão e informação; são os direitos fundamentais, basilares da Constituição e norteadores de todos os demais diplomas legais.

 

Os direitos fundamentais referidos na Constituição, que contemplam direito à vida, à liberdade de expressão e à informação decorrem de uma reação aos abusos de regimes totalitários, cometidos, sobretudo, durante a Segunda Guerra Mundial. Para Abreu ([s.d.], texto digital):

 

Os direitos fundamentais foram proclamados e inseridos de maneira explícita nas constituições há bem pouco tempo, precisamente após a Segunda Grande Guerra Mundial, quando todos os povos intuíram que a preocupação internacional deveria estar voltada para uma proteção aos direitos da pessoa humana, após as violências cometidas pelos regimes fascista, stalinista e nazista, como também pelo perigo de ameaças à tranquilidade universal decorrente da instabilidade das relações entre os diversos países. Esses direitos fundamentais são inesgotáveis, pois à proporção que a sociedade evolui, surgem novos interesses para as comunidades.

 

Na mesma direção, Silva (2005, p. 125), defende que conceitua direitos fundamentais:

 

Direitos fundamentais do homem constitui a expressão mais adequada a este estudo, porque, além de referir-se a princípios que resumem a concepção do mundo e informam a ideologia política de cada ordenamento jurídico, é reservada para designar, no nível do direito positivo, aquelas prerrogativas e instituições que ele concretiza em garantia de uma convivência digna, livre e igual de todas as pessoas; no qualitativo fundamentais acha-se a indicação de que se trata de situações jurídicas sem as quais a pessoa humana não se realiza, não convive e, às vezes, nem mesmo sobrevive; fundamentais do homem no sentido de que a todos, por igual, devem ser, não apenas formalmente reconhecidos, mas concreta e materialmente efetivados; é a limitação imposta pela soberania popular aos poderes constituídos do Estado que dela dependem.

 

A Constituição Federal contemplou os direitos fundamentais no Título II, Dos Direitos e Garantias Fundamentais, que se divide em: capítulo I Direitos  e Deveres Individuais e Coletivos; capítulo II Direitos Sociais; capítulo III da Nacionalidade, capítulo IV Dos Direitos Políticos e capítulo V Dos Partidos Políticos. Dentre estes direitos fundamentais está a liberdade de expressão.

 

A liberdade de expressão já faz parte do ordenamento jurídico brasileiro há vários anos, estando presente nas Constituições anteriores, além de Convenções Internacionais ratificadas pelo Brasil, como a Declaração dos direitos do homem e do cidadão de 1789:

 

Art. 11º. A livre comunicação das ideias e das opiniões é um dos mais preciosos direitos do homem. Todo cidadão pode, portanto, falar, escrever, imprimir livremente, respondendo, todavia, pelos abusos desta liberdade nos termos previstos na lei.

 

Outro documento muito importante é a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, que prevê no artigo 13º:

 

1. Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse direito compreende a liberdade de buscar, receber e difundir informações e ideias de toda natureza, sem consideração de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro processo de sua escolha.

2. O exercício do direito previsto no inciso precedente não pode estar sujeito a censura prévia, mas a responsabilidades ulteriores, que devem ser expressamente fixadas pela lei e ser necessárias para assegurar:

a. o respeito aos direitos ou à reputação das demais pessoas; ou

b. a proteção da segurança nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da moral públicas.

3 Não se pode restringir o direito de expressão por vias ou meios indiretos, tais como o abuso de controles oficiais ou particulares de papel de imprensa, de frequências radioelétricas ou de equipamentos e aparelhos usados na difusão de informação, nem por quaisquer outros meios destinados a obstar a comunicação e a circulação de ideias e opiniões.

 

Esse direito é garantido a todos os brasileiros, sem qualquer distinção, e talvez nesse ponto é que se encontre parte de seu limitador, pois sendo garantido a todos, o direito de um é limitado pelo direito do outro, ou seja, minha liberdade não pode afetar os direitos do outro, o direito é limitado.

 

Foram os documentos supracitados, entre outros, que deram a forma que a liberdade de expressão possui hoje no ordenamento jurídico brasileiro, estando contemplada na Constituição Federal de 1988, no artigo 5º, inciso IV e IX:

 

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;

IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;

 

Estando contemplada no artigo 5º, pode-se compreender que é um direito fundamental do homem, requisito básico para que ele possa viver com liberdade na sociedade, tendo esse direito assegurado diariamente, não podendo ser punido por expressar suas opiniões sejam elas políticas, religiosas ou culturais. São direitos básicos do Estado em que vivemos hoje.

 

Romita, (2015, p. 10), corroborando o citado, refere que a liberdade de pensamento é a soma de uma série de liberdades e que essa também é a possibilidade assegurada pelo ordenamento jurídico de exteriorizar pensamentos, crenças, ideias, opiniões, juízos de valor, ou seja, é a forma de expressar opiniões.

 

Outro ponto importante a ser mencionando acerca da liberdade de expressão refere-se à vedação ao anonimato, ou seja, todos têm direito de externar seus pensamentos, desde que refira que o fez, assumindo que são suas opiniões.

 

Entende-se que essa exigência também limita um pouco o direito de liberdade, mas, ao mesmo tempo, prevê uma restrição a calúnias, injurias, difamação, pois não evitando, pelo menos facilita a identificação de quem cometeu tais crimes.

 

Nessa esfera é que começam a aparecer os conflitos entre direitos, liberdade de expressão e honra, liberdade de expressão e imagem, liberdade de expressão e intimidade, e estes muitas vezes acabam sendo regulados,  ou melhor, analisados sob determinadas óticas da relação, como no caso da relação de emprego, na qual se verifica até que ponto o empregado pode falar tudo que pensa em relação ao seu empregador, ou, até que ponto o empregador pode limitar o direito de expressão de seu empregado.

 

Com isso, passa-se a verificar como essa relação se apresenta no âmbito trabalhista, até que ponto vai a liberdade de cada parte, bem como os limites aos direitos de honra e imagem.

 

1.2 A liberdade de expressão do empregado

 

Como já referido, o principal diploma legal que assegura o direito à liberdade de expressão é a Constituição Federal, sendo esse o documento mais importante do nosso ordenamento, devendo servir como regulador em todos os ramos do direito, inclusive nas relações de trabalho.

 

No caso de uma relação de trabalho, algumas regras são determinadas pelas partes, outras por normas legais, ou seja, o empregado detém direitos que nem mesmo um contrato de trabalho pode alterar pois são intrínsecos à pessoa. É o caso das liberdades individuais, da proteção à saúde e à segurança, aos direitos sociais, entre outros.

 

Em contrapartida, o empregador, detentor do negócio, têm direitos, também assegurados pelo ordenamento jurídico, dentre os principais e pertinentes ao tema, a proteção à livre iniciativa e à propriedade privada, previstos no art. 170 da CF.

 

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

[…]

II - propriedade privada;

III - função social da propriedade;

IV - livre concorrência;

 

No caput do referido artigo verifica-se a existência de dois pilares, quais sejam: a valorização do trabalho humano e a livre iniciativa. Quanto ao primeiro, depreende-se que todo o trabalho desenvolvido pelo ser humano deve ser preservado, respeitado, e, sobretudo valorizado, garantindo o   direito a trabalhar para ter uma vida digna, alcançando-se aos trabalhadores condições mínimas de sobrevivência. Frisa-se que a Constituição prevê a valorização do trabalho livre, sem qualquer resquício de escravidão ou submissão do trabalhador a condições degradantes, e claro, com a preservação das suas liberdades individuais, entre estas a de expressão.

 

Em relação ao segundo pilar, a livre iniciativa, trata-se de um princípio que apregoa a liberdade na escolha das atividades laborais, bem como concede liberdade para as empresas gerirem conforme lhes convier. Refere ainda esse artigo a proteção à propriedade privada, no caso do empregador,  à sua empresa, negócio.

 

Fica claro que cada parte têm os seus direitos, no entanto, por mais que estes sejam plenamente garantidos na Constituição, conforme já referido antes, eles são limitados, surge então, a problemática de como isso deve ser administrado quando esses direitos estão em confronto, ou melhor, onde se encontram os limites desses direitos, no caso específico da liberdade de expressão, como fica esse direito face ao direito da empresa, do empregador.

 

É certo que a liberdade de expressão do empregado é garantida, como bem refere Romita (2015, p. 11):

 

É claro que as liberdades e os direitos assegurados pela Constituição e bem assim pelos tratados e convenções internacionais ratificados pelo Brasil incidem nas relações contratuais de trabalho subordinado. O empregado goza das referidas prerrogativas em face do empregador, sem sombra de dúvida. Desnecessária será, até mesmo, a edição de normal infraconstitucional que disponha a respeito do tema: a solução de qualquer dissídio ocorrente será encontrado com facilidade, mediante o manejo dos princípios pertinentes, observadas as regras da hermenêutica constitucional. Não obstante, o desfrute das liberdades e o gozo dos direitos assegurados pelo ordenamento ao empregado pode, em tese, violar o direito à honra, à imagem, à vida privada e à imagem de outrem.

 

O autor menciona que, o desfrute das liberdades não pode violar os direitos de outrem. Na relação de emprego, surge então, uma problemática, por ter o empregado direito de expressar-se e o empregador direito de ter sua propriedade, no caso empresa, com a preservada. Ademais existem os demais empregados e muitas vezes a colocação de um pode ofender diretamente as crenças de outro.

 

Todos estes direitos são importantes e devem ser respeitados, visando limites que tornem a relação equilibrada. O empregador visando a garantia de perpetuação do negócio, a garantia do seu direito de propriedade, não pode cortar os direitos do seu empregado, mas pode limitar, caso estes influenciem, ou afetem o direito de imagem da empresa.

 

Assim como as pessoas, as empresas também zelam por sua honra, imagem, e têm direito assegurado para essa preservação, não podendo, portanto, o empregado utilizar do seu direito de expressão para denegrir a imagem da empresa, encontra-se assim um dos limites à liberdade de expressão do empregado, decorrente do poder diretivo e de controle do empregador.

 

A liberdade de expressão do empregado é, portanto, limitada pelos direitos do empregador. Nesse sentido refere Romita (2015, p. 11)

 

Por seu turno, o empregado, encontra-se em uma posição jurídica de subordinação, pressupondo o controle do empregador, que sobre ele exerce poderes de direção e de fiscalização, no que tange ao exercício de suas atividades funcionais. Ao exercer tais poderes o empregador se escuda nos seguintes comandos constitucionais: primeiro, o valor social da livre iniciativa, que é um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito em que se constitui o Brasil. [...] No exercício da liberdade de expressão e informação, a atividade do empregado encontra limites no poder de direito e de fiscalização exercido pelo empregador, que deriva do princípio da liberdade de iniciativa.

 

Assim, fica claro que no caso da relação de emprego, tem o empregado limites à sua liberdade de expressão, não podendo ofender a empresa ou o empregador, de qualquer forma ou em qualquer lugar, deve a este respeito em relação da sua subordinação. Por sua vez, o empregador tem o direito de controlar os atos do empregado que importem em prejuízo à sua imagem, podendo inclusive, se for o caso, aplicar-lhe punições, estas que deverão, certamente, ser de acordo com o tamanho da ofensa.

 

O Ministro do TST Alexandre Agra Belmonte (texto digital), refere que:

 

Liberdade é o poder que uma pessoa tem de agir de acordo com sua própria determinação, expressar opiniões, fazer escolhas, expressar sentimentos. Mas, dentro do ambiente de trabalho, a subordinação presente na prestação de serviço é um fator de limitação da liberdade, não tem como dizer que não. Até que ponto o poder empregatício pode limitar a liberdade? Aí começam os problemas. Para que se tenha uma ideia desse problema dentro de uma empresa, poderíamos citar várias situações. Por exemplo, ofende a liberdade ideológica a despedida por justa causa de um empregado de uma fundação destinada a ajudar imigrantes e que, fora das suas atividades profissionais, preside um partido político hostil à presença de imigrantes no país? É uma coisa contraditória, ele não pode prestar um serviço incompatível com suas crenças. Neste caso, o empregador pode despedi-lo por absoluta incompatibilidade com o serviço. Outro exemplo: o trabalhador pode usar quipá ou turbante dentro do ambiente do trabalho?

 

Pode-se verificar desta exposição que o assunto é bastante complexo, que envolve muitos outros temas, crenças, política, ou seja, em um ambiente de trabalho com muitas pessoas diferentes, com culturas diferentes administrar os limites da liberdade de expressão do empregado não é tarefa fácil.

 

Importante referir, que não são simples comentários do empregado que podem ensejar punições, deve realmente haver ofensa ao empregador, algo que realmente denigra sua imagem, que efetivamente afete seu poder diretivo até mesmo com relação aos outros empregados.

 

Fica claro, portanto, com base no exposto, que na relação de trabalho o empregador tem limites à sua liberdade de expressão e que esses limites decorrem do seu poder diretivo, por outro lado, permanece o direito do empregado de expressar suas opiniões, surgindo assim uma divergência de interesses e direitos, e a busca pelo equilíbrio é que garantirá harmonia na relação.

 

Essa problemática ficou ainda mais complexa com o advento das redes sociais, tendo em vista a facilidade de acesso a estas e a agilidade com que as informações são compartilhadas.

 

As redes sociais surgiram há alguns anos e sua abrangência tomou proporções inigualáveis, milhões de usuários, informações multiplicando-se em minutos e atingindo inúmeras pessoas, sendo compartilhada instantaneamente. Tendo acesso à internet, o usuário, em qualquer lugar, poderá compartilhar informações, imagens, ver o que outros estão postando, divulgando, compartilhando.

 

Essas redes são um território praticamente livre, sem muito controle das conversas trocadas, das opiniões publicadas, a própria justiça tem dificuldade de limitar e controlar essas redes. No entanto, na relação de emprego alguns limites são impostos em relação a redes sociais, é o caso, por exemplo, da proibição de uso em horário de trabalho e das ofensas ao empregador, que possam, claro, abalar a honra e imagem desse.

 

A própria Justiça do Trabalho tem entendido que esses limites podem e devem ser impostos, e, caso descumpridos, são passíveis de penalidades, tendo em vista que na relação de subordinação a liberdade de expressão fica limitada. Nesse sentido:

 

JUSTA CAUSA. OFENSAS VERBAIS POSTADAS EM REDE SOCIAL. No caso dos autos, não se verifica, em princípio, qualquer exagero na aplicação da penalidade. A defesa da reclamada reportou a reiteração de postagens do autor em rede social (facebook) com comentário ofensivo aos superiores hierárquicos. O reclamante foi advertido verbalmente, antes da rescisão contratual. A advertência datada de 28.06.2013, conforme o depoimento pessoal do reclamante teve como motivo as suas postagens em rede social (facebook). Ainda que o autor alegue que as medidas disciplinares que lhe foram aplicadas (advertência e rescisão contratual) são genéricas e desprovidas de fundamentação, do seu depoimento pessoal extrai-se o contrário, tendo em vista que relaciona a postagem no documento ID 2d9b1f1 à pena de advertência e a postagem do Id 9e81292 à dispensa. Recurso desprovido. (TRT 4ª R, Recurso Ordinário nº 0020789-29.2014.5.04.0281. Recorrente: Rafael Matos da Silva. Recorrido: Pinceis Atlas AS, Relator: Marçal Henri dos Santos Figueiredo, 1ª Turma)

 

Para esclarecer melhor ainda esse ponto, passa-se a discorrer acerca do poder do empregador, partindo da conceituação de empregado e empregador para então avaliar o poder diretivo do empregador, a abrangência e limites deste.

 

2. PODER DIRETIVO DO EMPREGADOR

 

A relação de emprego, origina-se, via de regra com o contrato de trabalho que determina os direitos e deveres das partes na relação. Com ele surgem as duas figuras da relação, empregado e empregador: o primeiro cumpre as tarefas, com pessoalidade, subordinação, com habitualidade, mediante remuneração, ou seja, é aquele que entrega sua força de trabalho em troca de remuneração, o segundo determina as regras e precisa da força de trabalho, pagando por ela.

 

A relação existente entre ambos é baseada no conceito de subordinação, sendo o empregador o detentor do poder diretivo e o empregado aquele que recebe as ordens, e subordina-se. São os limites dessa relação de poder, os limites ao uso do poder diretivo, que importam ao presente artigo. Para que se possa compreender melhor esse ponto é necessário entender bem o conceito de empregado e empregador para compreender melhor de que modo decorre o poder diretivo do empregador.

 

2.1 Significado e alcance do poder diretivo

 

Nascimento, (2009, p. 660) refere que “poder de direção é a faculdade atribuída a empregador de determinar o modo como a atividade do empregado, em decorrência do contrato de trabalho, possa ser exercida”.

 

O empregador utiliza-se, portanto, do poder de direção a ele concedido para dar andamento ao contrato de trabalho, para executar esse contrato, com base nesse poder que ele organiza, controla e disciplina a relação.

 

No que se refere à organização, Martins (2009, p. 198) explicita:

 

O empregador tem todo o direito de organizar seu empreendimento, decorrente até mesmo do direito de propriedade. Estabelecerá o empregador qual a atividade que será desenvolvida: agrícola, comercial, industrial, de serviços, etc. […] dentro do poder de organização, está a possibilidade de o empregador regulamentar o trabalho, elaborando o regulamento da empresa.

 

Este poder de organização está, portanto, ligado ao atingimento da atividade-fim da empresa, de certa forma, pois é com a definição da atividade que o empregador delimita a sua empresa, organiza-a para o atingimento desse fim, regulamenta, desenvolve a missão, visão, objetivos, determina hierarquia, cargos, funções, local onde serão executadas as atividades, enfim, toda a estrutura física, social e de pessoal de uma empresa.

 

Como referido por Martins (2009), dentro desse poder está a possibilidade de a empresa formular seu regulamento, um código de conduta, de ética, com direitos, deveres, garantias. Um dos pontos que pode ser determinado nesse documento é a forma de acesso às redes sociais, possibilidade ou proibições, ou ainda, limitação de acessos em horário de trabalho à e-mails particulares, acessos à internet para fins diversos do trabalho, entre outros.

 

Estando bem determinado para os empregados essas regras, elas passam a ser possíveis de cobrança e, por conseguinte, de punições em caso de descumprimento.

 

O poder de controle é outro importante meio na condução da relação de trabalho, dele que decorrem o poder de fiscalizar as atividades do empregado, controle de horário, controle dos acessos no computador entre outras formas.

 

Martins, (2009, p. 198) refere acerca desse poder:

 

O empregador tem o direito de fiscalizar e controlar as atividades de seus empregados. Os empregados poderão ser revistados no final do expediente. A revista de empregado é uma forma de salvaguarda do patrimônio da empresa. […] A própria marcação do cartão de ponto é decorrente do poder de fiscalização do empregador sobre o empregado, de modo a verificar o correto horário de trabalho do obreiro, que inclusive tem amparo legal.

 

Como o nome já diz, o poder de controle está diretamente ligado ao controle que o empregador tem sobre o empregado durante a execução do trabalho, o direito que ele tem de fiscalizar atentamente as atividades do emprego, podendo esse controle ser feito por ele diretamente, por seus prepostos ou até mesmo equipamentos eletrônicos.

 

O terceiro poder, que decorre do diretivo, é o poder disciplinar, do qual deriva o direito do empregador de impor sanções a atitudes que importem em descumprimento das regras da relação de trabalho, sejam estas decorrentes do contrato de trabalho, da lei, ou até mesmo dos códigos de conduta, ética e regulamentos firmados pelo empregador.

 

Esse poder é envolvido em uma problemática, em teses de entendimento doutrinário diverso, alguns entendem que o empregador pode punir pois   essa punição decorre do contrato de trabalho e do direito de propriedade do empregador, outros entendem que não pode, pois essa é uma prerrogativa apenas do Estado. (Nascimento, 2009)

 

O entendimento que predomina atualmente, tanto na doutrina, como na jurisprudência, é o de que é possível ao empregador punir o empregado. Dentro desse entendimento há três correntes distintas: a contratualista, a da propriedade privada e a do institucionalismo.

 

Acerca do tema discorre Nascimento (2009, p. 662):

 

Para a primeira corrente (contratualista) o fundamento do poder punitivo do empregado é o próprio contrato, expressão da autonomia da vontade das partes e do estado de sujeição decorrente do próprio vínculo de natureza contratual. […] Para a segunda, (propriedade privada), o poder disciplinar decorre da propriedade privada, da empresa, conjunto de bens pertencentes ao patrão. Quem tem a propriedade deve ter o correlativo direito de usá-la e dela desfrutar, e assim justificar-se-ia a atitude punitiva do empregador na defesa de sua propriedade. Para a terceira corrente, o institucionalismo, existe o poder disciplinar do empregador porque dentro de uma comunidade devem existir os meios necessários aos seus membros no interesse do grupo social organizado para que possam ser constrangidos.

 

Fica claro para esse entendimento que há o direito de punir do empregador, mesmo que, por fundamentos distintos. Assim o descumprimento das regras do contrato de trabalho ou até mesmo afrontas comprovadas aos direitos do empregador são passíveis de punição.

 

A CLT não faz referência expressa à possibilidade de punição do empregado, mas relaciona, por exemplo, motivos para rescisão de contrato por justa causa no artigo 482, o que pode ser considerada uma forma de punição pelo descumprimento de regras, por mau conduta, violação de segredo da empresa, entre outros.

 

Na prática das empresas e até mesmo no entendimento do Judiciário, o poder disciplinar, o direito de punir, é possível de ser praticado, desde que, é claro, com moderação e equidade ao problema ocorrido.

 

Verifica-se com a análise desses três poderes decorrentes do poder diretivo, que a empresa tem total direito de regulamentar, controlar e disciplinar a relação, podendo por exemplo, determinar que não sejam acessadas as redes sociais em horário de trabalho, monitorar se isso efetivamente é cumprido e punir em caso de descumprimento.

 

Claro, em contrapartida o empregado não tem obrigação de fazer nada que afete a sua honra, imagem e privacidade, assim como tem o dever de respeitar o empregador, tem que ser respeitado, a sua dignidade está acima de qualquer outro preceito legal ou poder que o empregador detenha. O empregador fazendo uso dos seus poderes pode controlar horários, controlar acessos do seu computador, controlar, mas nada que importe em atitude vexatória ao empregado, nada que o exponha publicamente. Deve haver proporcionalidade desses direitos de fiscalizar, desse poder diretivo, com os direitos individuais do empregado.

 

A situação apenas se complica um pouco no que se refere aos limites desse poder, na proporcionalidade da conduta com a punição, na aplicação destes poderes quando a atitude é fora do ambiente de trabalho.

 

Um destes casos, como já referido, ocorre quando o empregado, de alguma forma, ofende o empregador por meio de publicações em redes sociais. Isso ocorre, em geral, fora do ambiente de trabalho, sem uso de equipamentos da empresa. Fica a dúvida então até que ponto pode ir esse poder diretivo do empregador, até que ponto pode ele punir o empregado por conta dessa conduta desabonatória.

 

Essa situação tem ocorrido mais corriqueiramente em função de toda essa evolução no acesso às redes sociais, assim o confronto aos limites da liberdade de expressão do empregado e dos direitos do empregador decorrentes da propriedade privada e livre iniciativa estão sendo cada vez mais postos em análise e suscitam discussões intermináveis.

 

Diante disso, passa-se a analisar até que ponto pode o empregado ser punido por conta dessas condutas desabonatórias ao empregador e também qual têm sido o entendimento da Justiça do Trabalho ao julgar lides que envolvam a liberdade de expressão e seus limites, até que ponto essa Justiça Especializada entende que a liberdade de expressão do empregado deve prevalecer.

 

3. A POSSIBILIDADE DE DEMISSÃO POR JUSTA CAUSA POR OFENSA AOS DIREITOS DO EMPREGADOR NAS REDES SOCIAIS

 

Como já abordado, a liberdade de expressão é direito do indivíduo, garantido constitucionalmente, no entanto, limitada pelos direitos individuais dos demais membros da sociedade. No caso de ser o indivíduo um empregado, o limite dessa liberdade de expressão pode estar atrelado à relação de emprego, aos direitos e deveres decorrentes dessa relação.

 

O empregador, por sua vez, também tem direitos decorrentes da garantia constitucional da livre iniciativa e da proteção à propriedade, portanto se houver ofensa à honra, à imagem ou à moral do empregador, essas atitudes serão passíveis de sanções. Se essa ofensa decorrer de um empregado, de forma vexatória, poderá este ser punido, dentro, é claro, de limites e direitos.

 

O poder diretivo, como já referido, decorrente da relação de subordinação do empregado com o empregador, é um dos principais fundamentos para aplicação das sanções aos empregados que cometem ofensas públicas aos seus empregadores, expondo-os e prejudicando sua imagem. Como visto, dentre os poderes que decorrem do poder diretivo está o disciplinar, que prevê a possibilidade de sanções nas relações de trabalho, até mesmo possibilidade de rescisão do contrato de trabalho por justa causa.

 

A problemática de todo esse tema está no equilíbrio que deve haver, no limite que tem a liberdade de expressão do empregado e o poder diretivo, disciplinar do empregador, como dosar esses direitos. Na prática, o maior problema é a possibilidade da aplicação de punições por parte do empregador, mais especificamente a possibilidade de este aplicar a rescisão por justa causa em caso de ofensa grave à sua honra e imagem.

 

Diante disso, analisa-se se efetivamente é possível a aplicação de punições a empregado, quais são os limites e se efetivamente a punição mais grave da relação de trabalho, qual seja, a rescisão de contrato por justa causa, pode ser utilizada nesses casos.

 

3.1 Rescisão por justa causa

 

Como já analisado, a liberdade de expressão do empregado possui limites decorrentes da relação de subordinação para com o empregador, assim não pode este utilizar das redes sociais para proferir ofensas à honra e imagem do empregador.

 

A legislação trabalhista não faz nenhuma menção direta a esse tipo de situação, por ser uma lei mais antiga não contempla nenhuma regra referente a redes sociais e seus desdobramentos. Diante disso, na prática é que a doutrina e o judiciário estão construindo teses a serem aplicadas em lides  que discutam os limites da liberdade de expressão do empregado nas redes sociais.

 

Claro, nenhuma destas decisões advêm de suposições, afinal a CLT prevê a possibilidade de rescisão por justa causa, e dentre as causas para que isso ocorra está a ofensa ao empregador.

 

Para melhor se compreender é imperioso analisar, brevemente, o conceito de justa causa e suas possibilidades de aplicação.

 

A rescisão de contrato por justa causa do empregador está prevista no art. 482 da CLT:

 

Art. 482 - Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador:

a) ato de improbidade;

b) incontinência de conduta ou mau procedimento;

c) negociação habitual por conta própria ou alheia sem permissão do empregador, e quando constituir ato de concorrência à empresa para a qual trabalha o empregado, ou for prejudicial ao serviço;

d) condenação criminal do empregado, passada em julgado, caso não tenha havido suspensão da execução da pena;

e) desídia no desempenho das respectivas funções;

f) embriaguez habitual ou em serviço;

g) violação de segredo da empresa;

h) ato de indisciplina ou de insubordinação;

i) abandono de emprego;

j) ato lesivo da honra ou da boa fama praticado no serviço contra qualquer pessoa, ou ofensas físicas, nas mesmas condições, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;

k) ato lesivo da honra ou da boa fama ou ofensas físicas praticadas contra o empregador e superiores hierárquicos, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;

l) prática constante de jogos de azar.

Parágrafo único - Constitui igualmente justa causa para dispensa de empregado a prática, devidamente comprovada em inquérito administrativo, de atos atentatórios à segurança nacional. (Incluído pelo Decreto-lei nº 3, de 27.01.1966)

 

Pode-se verificar com base no artigo referido, que são várias as formas possíveis de justa causa, sendo essa considerada a punição mais gravosa ao empregado e, portanto, apenas o descumprimento de um destes regramentos é que pode ensejar a rescisão dessa forma.

 

Nascimento (2009, p. 1016), refere que:

 

Justa causa é a ação ou omissão de um dos sujeitos da relação de emprego, ou de ambos, contrária aos deveres normais impostos pelas regras de conduta que disciplinam as suas obrigações resultando do vínculo jurídico [...]. A rescisão de contrato de trabalho pode ser determinada por um motivo provocado pela outra parte, revestido de certas características que impedem o prosseguimento da relação de emprego. Torna-se, em consequência, impossível ou muito difícil a continuidade do vínculo contratual, diante das circunstâncias que envolvem essa situação.

 

Já Martins (2009, p. 357) refere que a “justa causa é a forma de dispensa decorrente de ato grave praticado pelo empregado, implicando a cessação do contrato de trabalho por motivo devidamente evidenciado, de acordo com as hipóteses previstas na lei”.

 

Com base nos conceitos apresentados verifica-se que para a aplicação da justa causa deve ter havido uma conduta gravosa, que, por estar prevista em lei, é passível de aplicação desta punição.

 

Na análise de casos levados ao Judiciário, o que se verifica são decisões diversas, algumas com reversão da justa causa, outras com a manutenção, sempre levando em conta a proporcionalidade da conduta gravosa com a perda de direitos do empregado, sendo mantida, via de regra, quando efetivamente a conduta foi desabonatória e lesiva ao empregador.

 

Assim, passa-se a analisar a possibilidade da aplicação da justa causa por conta de ofensa ao empregador nas redes sociais, verificando entendimento jurisprudencial acerca do tema.

 

3.2 Possibilidade da demissão por justa causa por conta da ofensa aos direitos do empregador nas redes sociais

 

A alínea “k” do artigo 482 da CLT, refere que é passível de aplicação de rescisão por justa causa a ofensa proferida contra a boa fama ou honra do empregador, portanto, parece ser evidente a possibilidade da rescisão por justa causa.

 

Ocorre que, na prática, as coisas não são tão simples, na realidade qualquer rescisão de contrato por justa causa requer muitos cuidados e precauções. Efetivamente a falta tem que ter sido gravíssima ou muito recorrente, no caso das redes sociais, o simples fato do empregado proferir algum comentário sobre o empregador, não se configura em motivo para aplicação dessa penalidade. Há de se analisar muito bem o caso concreto, ver se efetivamente é lesivo à imagem do empregador, se realmente o ofende, ou é um simples comentário de descontentamento.

 

A maior dificuldade no caso das redes sociais é medir a real abrangência que aquele comentário teve, assim fica complicado avaliar até que ponto houve um dano. Além disso, há um confronto de direito, liberdade de expressão do empregado versus a boa fama e imagem do empregador. Mensurar, ponderar esses direitos, nem sempre é tarefa fácil.

 

Para resolver essa problemática acerca do confronto destes direitos fundamentais, o Judiciário tem usado o princípio da proporcionalidade.     Esse princípio é considerado pela doutrina como implícito, pois não está claramente expresso em qualquer diploma, mas nem por isso deixando de  ser utilizado em várias discussões nas quais há confronto de direitos fundamentais e de princípios.

 

Nesse sentido Barros, (2006, p. 36):

 

O princípio da proporcionalidade não está expresso na Constituição Federal. É um daqueles princípios chamados de implícito, tamanha sua importância na estrutura do direito. [...] A ideia de proporcionalidade mostra-se não só um importante- o mais importante, por viabilizar a dinâmica de acomodação dos diversos princípios- princípio jurídico fundamental, mas também um verdadeiro topo argumentativo, ao expressar um pensamento que, além do conceito justo e do razoável,  de um modo geral é de comprovada utilidade no equacionamento de questões práticas.

 

Esse princípio pode não existir como norma geral de direito escrito, como bem refere (Barros, 2006, p. 54), “mas existe como norma esparsa no texto constitucional, trazendo contribuições cuja importância e repercussão na ordem constitucional brasileira já não podem mais ser ignoradas”.

 

Com base na utilização desse princípio, o entendimento dos Tribunais tem sido diverso, analisando sempre as peculiaridades de cada caso concreto, avaliando se efetivamente houve afronta aos direitos do empregador. Importante analisar algumas destas decisões para que se compreenda bem  a possibilidade ou não de aplicação da justa causa:

 

JUSTA CAUSA. ATO LESIVO À HONRA E À BOA FAMA DO EMPREGADOR E DE SUPERIOR HIERÁRQUICO. Justa causa configurada pela prática de ato lesivo à honra e à boa fama do empregador e de superior hierárquico. Aplicação do artigo 482, k, da CLT. (TRT 4ª R, Recurso Ordinário nº 00008866620125040252. Recorrente: Maximiliano da Silva. Recorrido: Ferramentaria Nova Era. 10ª turma)

 

Para compreender ainda melhor a presente ementa, é necessário analisar parte do acórdão proferido:

 

Observo, ainda, que as redes sociais não são espaço privado, mas praticamente público, porquanto mesmo que uma pessoa não faça parte da sua rede de “amigos”, tem acesso a qualquer dos seus comentários, postagem de fotos, vídeos, etc. Os comentários feitos em rede social não se destinam apenas aos vinculados à rede de determinados amigos, porquanto esses têm outros tantos amigos, e aqueles outros tantos, o que permite que o conteúdo originalmente para determinado grupo insertas na conta seja reproduzido para um número indeterminado de pessoas. [...]. O fato de a postagem ter sido feita em computador pessoal, fora do horário do trabalho, em nada favorece o autor, na medida em que lançados comentários desabonadores tanto para a empresa quanto para outro empregado em rede social, cuja abrangência, em alguns casos, pode atingir milhões de pessoas.

 

A base da decisão proferida é o fato de que as postagens eram lesivas ao empregador e públicas, disponíveis ao acesso de qualquer usuário da rede. Nesse caso, fica claro que prevaleceu o direito de imagem e boa fama do empregador, em detrimento da liberdade de expressão do empregado.

 

Abaixo outras decisões acerca do mesmo tema:

 

Justa Causa. Caracterização. Publicação de ofensas contra empregador nas redes sociais caracteriza ato lesivo à honra e boa fama do empregador sendo passível de dispensa por justa causa. (TRT 2ª R, Recurso Ordinário nº 00007909120145020040. Recorrente: Murilo Alvez Chiesi. Recorrido: Marcio Douglas Teixeira ME. 6ª Turma)

 

RECURSO DO RECLAMANTE. DISPENSA POR JUSTA CAUSA. A dispensa por justa causa do empregado que publica, em seu perfil           de rede social, ofensas graves à reclamada é medida que se mostra proporcional e adequada, já que se enquadra nas hipóteses previstas nas alíneas “j” e “k” do artigo 482 CLT. Situação em que há demonstração da imediatidade da punição, bem como do nexo causal entre a falta e a despedida. (TRT 4ª R, Recurso Ordinário nº 0000151-54.2014.5.04.0384. Recorrente: Ezequiel Rosa Soares. Recorrido: Calçados Boterro Ltda. 6ª Turma)

 

JUSTA CAUSA. Correta a despedida do reclamante, por justa causa, quando resta demonstrado que, sem qualquer motivo, o autor difamou a empresa em rede social. Ato lesivo à honra ou boa fama ou ofensas físicas praticadas contra o empregador e superiores hierárquicos. Recurso provido apenas para assegurar férias e natalinas proporcionais. (TRT 4ª R, Recurso Ordinário nº 0000285-48.2013.5.04.0471. Recorrente: Bem Hur de Mello Santos Recorrido: Nutriz Indústria e Comércio de Alimentos Ltda. 4ª Turma)

 

Em todas estas decisões é possível verificar que diante de ato ofensivo  à honra e boa fama do empregador, por meio de ofensas proferidas pelo empregado nas redes sociais, há aplicação da penalidade de rescisão do contrato de trabalho por justa causa.

 

No entanto, nem todos os casos são semelhantes, cada um deve ser analisado de acordo com suas particularidades, cada tribunal ou turma têm o seu entendimento, decorrendo disso decisões nas quais o que prevalece é a liberdade de expressão do empregado.

 

JUSTA CAUSA. MAU PROCEDIMENTO. EMPREGADO QUE EMITE OPINIÃO SOBRE A EMPRESA VIA INTERNET. CONDUTA DO EMPREGADO FORA DO LOCAL DE TRABALHO ASSEGURADA PELA LIBERDADE DE OPINIÃO E EXPRESSÃO. PREJUÍZO AO EMPREGADOR NÃO DEMONSTRADO. Tratando-se a justa causa da penalidade mais severa imputável a um empregado, manchando sua reputação e dificultando sua recolocação no mercado de trabalho, é mister a prova inconteste da prática do fato ensejador. Hipótese em que o empregado transmitiu sua opinião sobre a empresa via internet, fora do local de trabalho, conduta assegurada pela liberdade de opinião e de expressão, não tendo a empresa demonstrado o prejuízo direto decorrente de tal conduta nem a incompatibilidade com o prosseguimento da relação contratual. (TRT 10ª R, ROPS 00742-2007-016-10-00-0, Relator: Desembargador André R. P. V. Damasceno, Recorrente: Ágil Serviços Especiais. Recorrido: Wellington da Silva Motta. 1ª Turma)

 

DISPENSA POR JUSTA CAUSA. INVALIDADE. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. Controvérsia pertinente à validade do afastamento por justa causa implementado pela ré, frente à conduta do reclamante em publicar em sítio de relacionamento na internet manifestação de desapreço em relação à empresa, notadamente em razão de não haver percebido a verba “PPR”. Conquanto não louvável a atitude do autor, ao postar, em sua página do “Facebook”, manifestação representada em forma de “piada” sobre o fato de não haver a demandada adimplido a parcela relativa à participação nos lucros, igualmente reprovável o proceder da empresa, ao instituir a mencionada verba, e não efetuar o pagamento a seus empregados sob a justificativa, não comprovada, de que estes não cumpriram as metas estabelecidas. Conduta do reclamante que, no entanto, não enseja a dispensa por justa causa, por desproporcional à falta praticada, sendo confirmada a decisão que reverteu a despedida por justa causa, transformando-a em afastamento sem motivo juridicamente relevante. Indevida, porém, a indenização por danos morais postulada pelo demandante, pois a reversão da justa causa, por si só, não autoriza tal reparação. Para o deferimento da pretensão, cabia ao reclamante provar situação humilhante ou vexatória pela qual passou por conta da “dispensa” operada, ônus do qual não se desincumbiu a contento. Apelos negados. (TRT 4ª R, Recurso Ordinário nº 0001169-85.2012.5.04.0512. Recorrente: Ditália Móveis Industriais. Recorrido: Juliano Ramos de Souza. 2ª Turma)

 

Pode-se verificar, nestas decisões, que houve valoração diferente das decisões anteriores aos direitos das partes, o entendimento foi de que a liberdade de expressão prevalece sobre os direitos do empregador, até porque o entendimento foi no sentido de que as condutas não eram tão ofensivas, passíveis de aplicação de uma penalidade tão gravosa.

 

Diante do atual contexto, das inovações tecnológicas, do uso cada vez maior das redes sociais, os direitos estão cada vez mais em confronto, cabendo muitas vezes ao Judiciário definir o que é certo, ou, no mínimo, mais coerente com o nosso ordenamento.

 

Nesse caso específico dos limites da liberdade de expressão, cada vez mais os empregados, empregadores e Judiciário devem estar atentos, pois o limite entre o aceito como liberdade de expressão e o tido como ofensivo é muito pequeno e a análise deverá ser caso a caso.

 

CONCLUSÃO

 

A liberdade de expressão, consagrada pelo Estado Democrático de Direito, permite às pessoas agirem de acordo com suas vontades e convicções. No Brasil está prevista na Constituição Federal de 1988, no capítulo dos Direitos e Garantias Fundamentais, tratando-se de uma condição básica da sociedade.

 

Esse direito é garantido a todos os cidadãos, é a forma de expressarem suas crenças, ideias e juízos de valor, no entanto é limitado, pois ao expressar suas convicções deve haver respeito às convicções, direitos e crenças alheias, para preservar a harmonia das relações e dos direitos à honra e à imagem.

 

Em algumas relações existentes na sociedade essa limitação adquire importância maior, como no caso das relações de trabalho, em que o empregado tem o direito de expressar suas opiniões e o empregador têm o direito de ter respeitada sua honra e imagem.

 

Existe entre estes dois atores, empregado e empregador, uma relação de subordinação, cabendo ao empregador a condução do seu negócio, determinando as diretrizes que deverão ser seguidas na execução do contrato de trabalho, em contrapartida, o empregado deve seguir essas diretivas, mas tendo sempre seus direitos individuais respeitados.

 

Algumas situações decorrentes dessa relação são extremamente complexas, necessitando de uma análise criteriosa de todos os direitos envolvidos, é o caso por exemplo do empregado que ofende o empregador nas redes sociais, prejudicando sua honra e imagem, de maneira a facultar ao empregador a aplicação de medidas punitivas ao empregado.

 

Sabendo-se que as redes sociais possuem abrangência ilimitada e agilidade na disseminação de informações, saber até que ponto essa ofensa realmente atingiu os direitos do empregador é tarefa complexa, mas mais difícil ainda, é determinar até que ponto pode ir o poder punitivo do empregador.

 

Surge, assim a problemática do presente artigo, no sentido de analisar a possibilidade de rescisão de contrato por justa causa em decorrência de ofensas proferidas pelo empregado nas redes sociais. Levantou-se a hipótese de que ambos têm seus direitos, liberdade de expressão e direito à honra e a imagem e que apenas analisando o caso concreto é possível saber qual direito deve prevalecer.

 

No primeiro capítulo analisou-se a liberdade de expressão, verificando sua garantia na Constituição Federal para após analisar, especificamente, a liberdade de expressão do empregado, essa de fundamental importância para o presente trabalho.

 

No segundo ponto, analisou-se o poder diretivo do empregador, verificando os elementos típicos dos poderes do empregador, decorrentes do poder diretivo.

 

No terceiro ponto, foi abordada a possibilidade de demissão por justa causa do empregado por ofensa ao empregador. Analisando-se primeiramente o conceito e possibilidade de rescisão por justa causa para então adentrar efetivamente na análise de decisões pertinentes ao tema.

 

Foram analisadas decisões de diferentes tribunais acerca do tema, observando-se que não há uniformidade de entendimento, variando de acordo com cada caso e com o conjunto probatório apresentado. Em todos eles, foram citados os direitos de ambas as partes dando importância maior a um ou outro, em geral, dependendo da gravidade da ofensa.

 

Ficou claro que o tema é extremamente complexo e somente com a análise de cada caso é possível chegar-se a uma conclusão. No entanto, com base nas decisões analisadas, ficou claro o entendimento de que a liberdade de expressão do empregado é limitada, sendo, sim passível de punição, inclusive de rescisão por justa causa, em caso de ofensa gravosa ao empregador.

 

Os Tribunais, têm entendido claramente que a rescisão por justa causa  é possível de ser aplicada, mesmo sendo a penalidade mais gravosa, quando houver ofensa a honra ou imagem do empregador nas redes sociais, principalmente por serem estas um espaço público e os comentários poderem ser visualizados por inúmeras pessoas, sem qualquer tipo de controle.

 

No entanto, como já mencionado, essa não é a regra, não há uniformização de entendimento, portanto não há como se afirmar que sempre que houver ofensa ao empregador, sempre que o empregado utilizar do seu direito de liberdade de expressão e proferir comentários nas redes sociais em relação ao empregador ou a relação de trabalho, ele será punido com a rescisão por justa causa.

 

Considerando o aumento de abrangência das redes sociais, os avanços tecnológicos, a demanda deve aumentar, cabendo aos magistrados a ponderação dos interesses das partes, analisando as lesões sofridas e determinar até que ponto a ofensa proferida pode ensejar punições. O judiciário, com certeza continuará a decidir muitos casos envolvendo o tema, por ser extremamente controverso, assim como todos demais que envolvem confronto de direitos fundamentais, mas dificilmente chegaremos a uma unanimidade.

 

REFERÊNCIAS

 

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Julho/2016