UNIFORME (ART. 456-A)

 

 

 

REGIS MELLO

Juiz do Trabalho – TRT 12ª Região

 

 

 

 “Art. 456-A. Cabe ao empregador definir o padrão de vestimenta no meio ambiente laboral, sendo lícita a inclusão no uniforme de logomarcas da própria empresa ou de empresas parceiras e de outros itens de identificação relacionados à atividade desempenhada.

Parágrafo único.  A higienização do uniforme é de responsabilidade do trabalhador, salvo nas hipóteses em que forem necessários procedimentos ou produtos diferentes dos utilizados para a higienização das vestimentas de uso comum.”

 

A inserção do artigo 456-A na Consolidação das Leis do Trabalho deve ser compreendida no contexto em que aprovada a denominada “reforma trabalhista”.

 

As modificações (supressões, inserções e alterações de redação), ao contrário da visão modernizadora apregoada, atendem claramente a antigas reivindicações da classe patronal, implicando em contrapartida na retirada ou restrição de direitos alcançados arduamente pelos trabalhadores por meio da legislação (como no caso das horas de deslocamento), pela via da negociação coletiva (com a tentativa de ampliar as possibilidades de negociação abaixo os parâmetros legais) ou até mesmo pela jurisprudência (especialmente a restrita jurisprudência evolutiva do TST).

 

Em relação ao artigo em análise, a nova previsão legislativa almeja afastar a possibilidade de decisões judiciais que impeçam o empregador de usar o uniforme do empregado como meio de divulgação de sua marca, da marca de empresas fornecedoras ou parceiras, ou até mesmo de bens ou produtos comercializados no estabelecimento. Por certo o novo texto pretende ainda evitar condenações antes impostas pela referida prática.

 

Como também existem decisões judiciais condenando empregadores a ressarcir o tempo gasto pelo empregado na higienização de seus uniformes e no ressarcimento dos produtos gastos na limpeza, o parágrafo único da nova regra pretende claramente impedir a propagação da tese, impedindo-a de tornar-se jurisprudência.

 

Uma primeira leitura do novo texto já demonstra certa impropriedade. O empregador está autorizado – em razão de seus poderes de organização e de direção – a definir certo padrão de vestimenta dos empregados no ambiente de trabalho. Esta prerrogativa, no entanto, não pode ser interpretada como absoluta, pois eventuais “padrões” que ofendam a intimidade do trabalhador ou o coloquem em situação vexatória serão inadmissíveis.  A proteção contra abusos encontra respaldo constitucional, em face da garantia dada pela Carta à dignidade e à intimidade e, também, na própria legislação civil, em face das restrições à disponibilidade dos direitos da personalidade e, ainda, na teoria do abuso de direito.

 

Uma outra abordagem nesse tópico também é necessária. Se ao empregador é autorizada a imposição de certo padrão de roupas para a prestação de serviços, a ele também compete custear integralmente as despesas derivadas desta exigência. É comum - especialmente em lojas que comercializam determinadas marcas de roupas - a exigência, expressa ou dissimulada, que os empregados utilizem no trabalho as roupas ali ofertadas. A exigência afigura-se lícita – se não expor o empregado à situação vexatória – se o empregador fornecer as peças gratuitamente. Nem mesmo a venda   do produto a preços inferiores aos praticados pode ser admitida, pois como a prática interfere na liberdade do empregado, a roupa exigida deve ser fornecida pelo empregador, sem custos.

 

Em relação ao fornecimento de uniformes com propagandas (do empregador, de terceiros ou de produtos) a questão também deve ser analisada sob a ótica constitucional. As decisões judiciais que agora se pretende coibir indicavam a violação do direito à imagem – de índole constitucional – com menção da utilização do empregado como outdoor ambulante.

 

Como não houve alteração constitucional, os fundamentos de antes podem perfeitamente ser utilizados para resolução das questões envolvendo o uso do uniforme após a entrada em vigor da Lei 13.467/2017. Aliás, nem mesmo uma alteração constitucional teria o condão de impedir o reconhecimento da inaplicabilidade de uma regra que ofende a própria dignidade da pessoa: uma ofensa a sua imagem.

 

A Declaração Universal dos Direitos do Homem, em seu preâmbulo, ressalta a necessidade de valorização da dignidade e do valor da pessoa humana. Isso implica em criar limites a abusos que possam ser praticados pelo Estado e por particulares e, também, em não admitir, como regra, que a própria pessoa disponha sobre sua dignidade (ofendida, em algumas situações, em virtude da situação de subordinação ou em decorrência da vulnerabilidade econômica). Logo, a proteção da imagem – como extensão da proteção do próprio homem – é um direito que independe de positivação.

 

Interessante notar que o Código Civil, em muitos pontos, oferece doravante uma proteção mais efetiva a pessoa humana do que a própria legislação do trabalho (como no caso da reparação por dano moral). Em relação aos danos à personalidade – como à imagem – a lei civil impõe proteção especial, atribuindo-lhe o caráter de irrenunciáveis e indicando, dentre outros pontos, que o nome não pode ser usado em propaganda comercial e que a exploração comercial da imagem pode ser proibida, especialmente se utilizada para fins comerciais (Código Civil, artigos 11 a 20).

 

A norma civil deve ser examinada sob a perspectiva do vínculo de emprego, uma relação basicamente de poder. Viciada será a autorização do empregado – submetido ao poder patronal – para uso de seu uniforme como meio de propaganda comercial, até porque ele não será remunerado pela concessão.

 

Inegável, assim, que mesmo após a vigência da Lei 13.467/2017, permanecerá o direito de o empregado exigir o uso de vestes sem logomarcas e o de postular judicialmente a reparação pelo dano derivado de sua utilização como instrumento gratuito de propaganda, com amparo em normas internacionais de direitos humanos e na Constituição de 1988.

 

No que diz respeito aos gastos com a higienização do uniforme, o novo texto não impacta na realidade do mundo do trabalho, uma vez que as decisões judiciais, ao menos em sua maioria, já adotavam o entendimento agora inserido na CLT.

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Novembro/2017