EMPREGADOR. RESPONSABILIDADE (ART. 2º, § 2º E 3º; ART. 10-A, ART. 448-A)

 

 

 

OSCAR KROST

Juiz do Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região/SC, Mestre em Desenvolvimento Regional pela Universidade Regional de Blumenau (FURB).

 

 

 

A “reforma trabalhista” promovida pela Lei no 13.467/17 alterou a redação de dezenas de artigos da CLT, também inserindo várias disposições, mantendo intactos os conceitos de empregado e empregador estabelecidos nos arts. 2º, caput, e 3º. Contudo, foi dificultado o reconhecimento de formação de grupo econômico por duas ou mais empresas e, por consequência, a responsabilização patrimonial por créditos titulados pelo trabalhador. Para tanto, basta uma breve leitura da atual redação dos §§ 2º e 3º da CLT:

 

Art. 2º, § 2º Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, ou ainda quando, mesmo guardando cada uma sua autonomia, integrem grupo econômico, serão responsáveis solidariamente pelas obrigações decorrentes da relação de emprego. 

§ 3º Não caracteriza grupo econômico a mera identidade de sócios, sendo necessárias, para a configuração do grupo, a demonstração do interesse integrado, a efetiva comunhão de interesses e a atuação conjunta das empresas dele integrantes.

 

A lei passou a exigir a presença concomitante de elementos de caráter subjetivo (interesse integrado ou efetiva comunhão de interesses) e objetivo (atuação conjunta das empresas). Até então, pelo que dispunha o § 2º, bastava, em linhas gerais, que as empresas estivessem sob mesma direção, controle ou administração. Já o parágrafo 3º, acrescentado pela reforma, refere que a mera identidade de sócios não se mostra suficiente à extensão da responsabilidade.

 

À primeira vista, foram desconsiderados os fundamentos fático e ético da imputação da solidariedade: a comunhão patrimonial e o benefício tido por todas as pessoas jurídicas integrantes do conglomerado e/ou por seus sóciospelo labor prestado pelo trabalhador. Se o bônus do trabalho beneficia não apenas àquele que o comanda e o remunera, mostra-se uma mera consequência a reciprocidade na atribuição do ônus, entendimento pacífico tanto no Direito Civil, quanto no Direito do Consumidor, por exemplo.

 

Apresenta-se desnecessária para a declaração da responsabilidade solidária de empresas que compõem grupo econômico a prova de tantos requisitos, pela aplicação, em tais casos, do disposto nos art. 2º, § 2º, da  Lei no 5.889/73, arts. 186, 187, 927 e 942, todos do Código Civil, art. 12 da  Lei no 8.078/90, por influência do Princípio Protetivo, por sua projeção da Aplicação da Regra mais Favorável, bem como nos Princípios constitucionais da Dignidade da Pessoa Humana, do Valor Social do Trabalho e da Livre Iniciativa, da Proibição do Retrocesso Social, da Função Social da Propriedade, consagrados nos arts. 3º, inciso III e IV, 5º, inciso XXIII, 7º, caput, e 170, inciso III.

 

Esclareça-se, por pertinente, que a inclusão no pólo passivo das empresas que compõem grupo econômico, para fins de responsabilização solidária, pode ocorrer a qualquer tempo, seja na fase de conhecimento, ou mesmo na execução, não sendo essencial que integre o título executivo, por se tratar de hipótese de litisconsórcio facultativo, conforme dicção do art. 114 do NCPC, em uma interpretação a contrario sensu. Outra novidade trazida pela “reforma” foi o art. 10-A, assim redigido:

 

Art. 10-A. O sócio retirante responde subsidiariamente pelas obrigações trabalhistas da sociedade relativas ao período em que figurou como sócio, somente em ações ajuizadas até dois anos depois de averbada a modificação do contrato, observada a seguinte ordem de preferência:

I - a empresa devedora;

II - os sócios atuais; e

III - os sócios retirantes.

Parágrafo único. O sócio retirante responderá solidariamente com os demais quando ficar comprovada fraude na alteração societária decorrente da modificação do contrato.

 

A regra em destaque se trata de uma reprodução, quase literal, do  art. 1.032 do Código Civil,[1] o que torna desnecessária sua inserção na CLT, em vista do teor atual do art. 8º, § 1º, da própria CLT, pelo qual “o direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho”. Aliás, assim sempre o foi, desde que a disposição apresentasse compatibilidade com seus Princípios fundamentais, condicionante suprimida pelo Legislador, o que, no entanto, não exime os Operadores do Direito de continuar seguindo-a, por se tratar   de um critério para preservação da organicidade do sistema normativo laboralista.

 

A limitação temporal da responsabilidade do sócio retirante por créditos de ex-empregados, alcançando ações ajuizadas até dois anos depois de averbada a modificação do contrato, ao contrário da conclusão a que uma leitura superficial e tópica da lei pode conduzir, não se trata de questão simples e objetiva. Deve a hipótese ali prevista ser analisada sob as lentes do Princípio da Primazia da Realidade que inspira o Direito do Trabalho, pela consideração de que “em matéria de trabalho importa o que ocorre na prática, mais do que aquilo que as partes hajam pactuado de forma mais ou menos solene, ou expressa, ou aquilo que conste em documentos, formulários e instrumentos de controle”, segundo lição de Américo Plá Rodriguez.[2]

 

Inexiste motivo plausível a legitimar a presunção, mesmo relativa, de exaurimento dos benefícios auferidos pelo empreendedor retirante em relação à força de trabalho do empregado com vínculo após 2 anos da formalização da mudança do contrato. Pode o sócio, por exemplo, seguir recebendo dividendos do negócio por disposição contratual ou pacto de desligamento    por longos anos ou, ainda, continuar na condução do negócio como empreendedor de fato. A regra, como posta, desconsidera, ainda, situações comuns em que presentes causas interruptivas ou suspensivas da prescrição da pretensão do direito de ação do trabalhador, conforme previsto nos arts. 197 a 204 do Código Civil.Tem-se, portanto, que a regra inserida na CLT trata-se, quando muito, de mera presunção relativa, passível de ser elidida por quaisquer elementos que possam conduzir à conclusão de que a retirada se deu com intuito de apenas eximir a pessoa física das obrigações perante os empregados ou mesmo livrar o patrimônio da pessoa jurídica. Assegura, na realidade, benefício de ordem em sede executória, a qual sempre foi observada pelo Judiciário.

 

Neste sentido, aliás, prevê o parágrafo único, ao imputar ao sócio retirante responsabilidade solidária, quando verificada a ocorrência de fraude. Mas o que significa fraude? Situação objetiva, de insolvência da empresa ou também subjetiva, pela presença de dolo, em espécie de simulação ou conluio?

 

A resposta será dada pelos julgadores, caso a caso, apontando os arts. 51 do Código Civil e 28 da Lei 5º 8.078/90, subsidiariamente aplicáveis, apontam para uma das soluções possíveis: sempre que configurada insolvência do empregador ou, a grosso modo, a subversão da pessoa jurídica como ficção patrimonial, afastar-se-á os benefícios temporal e de ordem previstos no art. 10-A da CLT. Aplicar-se-á, em tais situações, o prescrito no parágrafo único, imputando responsabilidade solidária ao sócio retirante. Incidentes, ainda, os arts. 186, 187, 927 e 942, do Código Civil, bem como o art. 12 da Lei nº 8.078/90.

 

Tal qual o art. 10 da CLT, o art. 448 também foi desdobrado em uma espécie de “Avatar”, diferenciado pelo acréscimo da letra “A” ao lado. Técnica legislativa ou sinal dos tempos, não importa ao estudo ora proposto, contando com a seguinte redação:

 

Art. 448-A. Caracterizada a sucessão empresarial ou de empregadores prevista nos arts. 10 e 448 desta Consolidação, as obrigações trabalhistas, inclusive as contraídas à época em que os empregados trabalhavam para a empresa sucedida, são de responsabilidade do sucessor.

Parágrafo único. A empresa sucedida responderá solidariamente com a sucessora quando ficar comprovada fraude na transferência.

 

Os comentários feitos em relação ao art. 10-A aplicam-se, integralmente, ao art. 448-A, na medida em que também traz uma presunção de caráter relativo, pautada nos ideais de probidade e boa-fé, em uma sucessão lícita e regular, conforme dicção do art. 422 do Código Civil.

 

Mas nem tudo são flores no mundo do trabalho e a desigualdade entre empregados e empregados continua a mesma de sempre. Aplicáveis, portanto, os arts. 186, 187, 927 e 942, do Código Civil, bem como o art. 12 da Lei nº 8.078/90.

 

 


[1] Art. 1.032. A retirada, exclusão ou morte do sócio, não o exime, ou a seus herdeiros, da responsabilidade pelas obrigações sociais anteriores, até dois anos após averbada a resolução da sociedade; nem nos dois primeiros casos, pelas posteriores e em igual prazo, enquanto não se requerer a averbação.

 

[2] RODRIGUEZ, Américo Plá. Princípios de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 1978, p. 221.

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2017