CONTRIBUIÇÃO SINDICAL: UMA MUDANÇA DESNECESSÁRIA, INOPORTUNA E INCONSTITUCIONAL

 

 

 

LUIZ ALBERTO DE VARGAS

Desembargador do Trabalho do TRT-4

 

 

 

Entre os principais temas debatidos na recente Reforma Trabalhista (Lei n. 13.647/17) está o da contribuição sindical, sempre pensada como contribuição universal devida por todos os integrantes das categorias profissionais e econômicas, mas que, agora, passa a ser facultativa, dependente da autorização prévia de empregados e empregadores. A medida legislativa, adotada de forma ineditamente célere e sem maiores discussões com a sociedade, de forma pouco responsável suprime, do dia para a noite, algo como a metade da arrecadação anual dos sindicatos, inviabilizando na prática a atuação sindical e, talvez, sua própria sobrevivência no futuro.

 

A alteração mereceu a condenação geral de juristas e dos próprios sindicatos de trabalhadores, silenciando a respeito as organizações empresariais - já que a nova lei deixa intacto o chamado Sistema “S”[1], também financiado por contribuições incidentes sobre a folha de pagamento dos empregados. As críticas corretamente têm por foco o brutal e súbito enfraquecimento financeiro dos sindicatos que logo se abaterá sobre as entidades sindicais[2], mas há de se atentar que a alteração legislativa se insere em um projeto de substancial alteração do modelo sindical proposto pela Constituição de 1988, em que o sindicato tem assegurado um papel destacado na defesa da categoria, sustentado pelo reconhecimento da autonomia privada coletiva e pela liberdade sindical, mas também por verdadeiras garantias para um desempenho eficaz, como a previsão de unicidade sindical, a participação obrigatória na negociação coletiva e o próprio financiamento sindical. A alteração (ou desnaturação) do art. 548 da CLT se faz de tal maneira que há de se questionar seriamente sobre sua constitucionalidade.

 

Registre-se, a tal respeito, que tal medida ocorre em um contexto geral de derrotas sucessivas do movimento sindical no plano judicial, em especial a decisão recente do STF (Recurso Extraordinário com Agravo 1.018.459) quanto à proibição de contribuições assistenciais a não-filiados aos sindicatos. Tudo isso mostra a existência de um processo em curso de crescente enfraquecimento do poder dos sindicatos exatamente em um momento especialmente regressivo que se vive no país no que diz respeito aos direitos sociais e ao reconhecimento da autonomia coletiva dos trabalhadores.

 

A regressividade da modificação da legislação que gravemente reduz a arrecadação financeira dos sindicatos é de tal monta e gerou tal polêmica que se cogita que, nos próximos dias[3], o próprio Executivo, que se empenhou excepcionalmente para a aprovação desta reforma trabalhista, encaminhe ao Congresso Nacional nova proposta legislativa para que se introduza um período de transição para implantação de tal medida, de forma que os sindicatos tenham um tempo para reconstituir sua sustentabilidade financeira.

 

Por ora, mais oportuno pode ser refletir sobre como se chegou a situação tão paradoxal e se a melhor saída seja a atenuação dos efeitos deletérios da norma ou sua simples revogação no contexto de uma alteração mais profunda no sistema de financiamento sindical.

 

Como chegamos até aqui?

 

Cada país constrói seu modelo sindical de acordo com suas circunstâncias e possibilidades históricas, de modo que as análises comparativas devem, prudentemente, ter em conta a impossibilidade de transpor mecanicamente instituições e modelos que justificam-se pela realidade de um país, mas que são incabíveis em outros, sem que se possa apontar um suposto modelo “correto” em face de outro, “errado”. Apesar disso, é comum encontrar-se na doutrina nacional uma certa tendência de buscar um suposto “modelo sindical universal”, isento de defeitos e pelo qual chegar-se-ia a um sistema “adequado à democracia moderna” que efetivasse uma liberdade sindical idealizada, mais concretizada em países mais desenvolvidos e enunciada   em convenções internacionais do trabalho.

 

Na realidade, tal modelo não existe, não somente porque não se pode adotar um tipo-universal de modelo sindical independente de realidades sociais, econômicas e culturais tão díspares (mesmo entre os países mais desenvolvidos), mas também porque a própria função social dos sindicatos é variável de acordo com um projeto de nação, em geral plasmado constitucionalmente.

 

A própria Organização Internacional do Trabalho, embora condene a ingerência pelo Estado na autonomia administrativa e financeira dos sindicatos, não tem objeção quanto à deduções obrigatórias de não-filiados quando previstas em normas coletivas. Logo, as restrições à contribuição sindical do tipo brasileiro decorrem, não da cobrança de não-filiados ao sindicato, mas da unicidade sindical prevista na Constituição brasileira. Uma vez tendo sido o sindicato único por categoria profissional ou econômica sido adotado pelo legislador constituinte, a contribuição compulsória não é apenas uma consequência lógica e, mesmo, necessária para a sustentabilidade dos sindicatos.

 

Assim, carece de sentido falar-se em um modelo ideal consagrador da “liberdade sindical” em contraposição a “modelos incorretos” desrespeitosos com uma liberdade descontextualizada da realidade nacional em cada país.

 

Infelizmente, no Brasil, a crítica ao sindicalismo corporativo criado desde o Estado Novo centrou-se, não na necessária oposição às contingências legais, econômicas e culturais que determinavam sindicatos fracos e pouco independentes do poder econômico, mas uma (também existente) interferência excessiva do Estado de forma que, uma vez superada tal interferência cerceadora e estabelecido um “clima de liberdade”, sem qualquer outra preocupação com a criação de um ambiente propício para a negociação coletiva, os sindicatos floresceriam por si só e espontaneamente encontrariam sua histórica missão emancipatória.

 

Na prática, tal visão esperançosa de um futuro promissor para os sindicatos com independência do Estado desconhece o dever estatal de fomentar e apoiar as negociações coletivas, como prevê a Convenção n. 98 da OIT e aproxima-se muito, no diagnóstico e em propostas imediatas, da tradicional crítica liberal pela qual os sindicatos devem recusar qualquer apoio ou favorecimento do Estado, mantendo-se em uma quase-ilegalidade[4].

 

Assim, no que tange ao financiamento sindical, sempre houve uma improvável convergência quanto à existência de uma contribuição sindical compulsória que reduziria a autonomia sindical em face ao Estado, atrelaria os sindicatos a funções assistenciais e desestimularia a filiação sindical. Assim, a ideia de extinção da contribuição sindical passou a ser um quase-consenso na doutrina nacional e bastante presente no próprio meio sindical, tendo sido defendido por parte do movimento sindical no chamado Fórum Barelli[5].

 

O único cuidado quanto ao mais do que provável descalabro financeiro que se sucederia à aprovação da proposta foi o de que tal medida deveria ser adotada no bojo de uma (algo obscura) “fase de transição” em que os sindicatos, recuperados da “pesada tutela estatal”, recuperariam sua força natural, seriam empurrados para o trabalho de filiação sindical e poderia se sustentar apenas com as contribuições associativas e com “taxas negociais” (ainda que estas sob o rótulo das já existentes contribuições assistenciais previstas no artigo 611 da CLT).

 

Passou ao largo dessas boas intenções o fato de que, não apenas no Brasil, mas em todo mundo, os níveis de sindicalização estão em queda e que, em um país com salários e consciência coletiva tão baixos como no Brasil, a sustentação financeira apenas com as mensalidades sindicais é apenas uma quimera.

 

Por outro lado, também escapou à análise que, mesmo em momentos de (quase) pleno emprego como em 2014, o nível de cobertura por convênios coletivos no Brasil é baixo[6], o que cria o paradoxo de que boa parte dos sindicatos brasileiros, por não terem força para assinar convênios coletivos, ficaria sem qualquer condição financeira de realizar suas funções, entre as quais justamente a de pactuar acordos coletivos. Isso, somado ao incentivo ao abandono do Poder Normativo (e com a possibilidade de reconhecimento da validade de cobrança de contribuições assistenciais previstas em decisões normativas), decretaria o estrangulamento financeiro de milhares de sindicatos brasileiros.

 

Objetivamente, a proposta de extinção da contribuição sindical (mesmo gradativa), ainda que flertada por significativa parte do sindicalismo obreiro, sempre interessou a quem sempre viu com restrições a atuação protagonista do sindicalismo no cenário nacional, deixando-a em um espaço restrito (preferencialmente o da empresa), confinado a reivindicações estritamente econômicas e já estruturalmente limitado pelo reconhecimento de um pluralismo sindical sem peias. Tudo em prol de um modelo idealizado de “liberdade sindical”, ainda que o preço de tal “liberdade” seja o da liquidação da grande maioria dos sindicatos realmente existentes.

 

Por outra parte, a simples rejeição das inconsistentes propostas de extinção da contribuição sindical mostra-se absolutamente insuficiente para dar conta das (bastante procedentes) críticas à atual desfuncionalidade dos sindicatos na caótica situação criada pela atrapalhada intervenções judiciais que maltrataram o por si só confuso modelo sindical previsto na Constituição de 1988. Assim, em meio às críticas da unicidade sindical inequivocamente abraçada pelo legislador constituinte em um modelo constitucional de nítida inspiração socialdemocrata, no qual as entidades sindicais compareceriam fortalecidas, em uma participação obrigatória e exclusiva em todas as negociações coletivas, a doutrina e (especialmente) a jurisprudência complacentemente admitiram que se estabelecesse no Brasil uma “pluralidade sindical de fato” (mais de 11 mil sindicatos de trabalhadores) inviabilizando na prática reais negociações coletivas amplas e unitárias.

 

Da mesma forma, há de se mencionar a omissão e passividade também do movimento sindical, que se mostrou conformado com a comodidade de um financiamento compulsório que não incentiva a filiação sindical; com um poder normativo que, a princípio, dispensa a prática da greve e com a inexistência de representação sindical na empresa que não cria concorrência política para as direções sindicais. Do mesmo modo, a criação de múltiplas centrais  sindicais consolidaram o fracionamento político e organizacional da representação dos trabalhadores, algo que logo se expressou em uma pressão incontrolável para a dissociação e o desmembramento sindicais. Assim, ante uma verdadeira corrida para a desestruturação sindical, as direções dos sindicatos deixaram de apresentar qualquer proposta de reformulação do modelo sindical, deixando que ele se inviabilizasse por si mesmo.

 

Não surpreende, portanto, que o movimento sindical tenha tido tantas dificuldades de se opor ao projeto político de “desmonte sindical” do governo Temer. Projeto que certamente prossegue, tanto no campo legislativo como no campo político, uma vez que abertamente já se fala na necessidade de revogação dos artigos 7º (direitos trabalhistas) e 8º (direitos sindicais) da Constituição.[7]

 

Como poderia ser?

 

Se havia dúvidas quanto à contribuição assistencial, a constitucionalidade da contribuição sindical prevista no art. 578 da CLT tem sido recentemente reafirmada por decisões do STF, inclusive reconhecendo seu caráter tributário[8] e obrigatório, podendo ser descontada de toda categoria independente de filiação.[9]

 

Assim, o financiamento dos sindicatos através da contribuição sindical, com natureza tributária e obrigatória, tem guarida constitucional, sendo bastante questionável mudança legislativa que inviabilizando a atuação dos sindicatos em prol da missão constitucional que os incumbe da defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais das categorias profissionais e econômicas (art. 8, III) e de participar obrigatoriamente nas negociações coletivas (art. 8, VI).

 

A modificação da norma celetista, em tese, esvazia de conteúdo o   artigo 8º IV da Constituição que prevê, pela assembleia contribuição para custeio do sistema confederativo de representação sindical, independente de outra “prevista em lei”. Ou seja, da dicção de tal dispositivo constitucional chega-se necessariamente à conclusão que a lei deve prever uma contribuição para sustento das entidades sindicais e de sua estrutura confederativa independentemente da decisão da assembleia sindical. Tal contribuição, por se destinar ao custeio de entidades sindicais unitárias deve ser suportada, com caráter tributário e obrigatório, por todos os integrantes da categoria profissional, não tendo cabida uma permissão legal de “isenção” para não-associados, seja por representar evidente inequidade em relação aos associados, seja por configurar medida antissindical que contraria não apenas um princípio que se deduzir do artigo 8º da Constituição (o de fortalecimento das entidades sindicais e da negociação coletiva), mas também a própria Convenção n. 98 da OIT (art. 4º), ratificada pelo Brasil.

 

De fato, ainda que haja divergências doutrinárias se a unicidade e a contribuição obrigatória sejam o melhor modelo sindical para o Brasil, não    há dúvidas sérias de que este foi o acolhido pelo legislador constituinte. A extinção da obrigatoriedade aos não-associados, reduzindo enormemente  a arrecadação dos sindicatos, contraria e subverte frontalmente esse modelo, criando uma inédita desproteção sindical que faz o país retroceder aos tempos da República Velha.

 

Ademais, a medida mostra-se incongruente mesmo no plano infraconstitucional, pois reconhece-se um estranho direito do trabalhador de se beneficiar com a ação sindical mas com ela recusar-se a contribuir, criando uma situação de desigualdade em desfavor do sindicalizado em particular e do conjunto dos trabalhadores em geral, já que em detrimento do fortalecimento dos sindicatos. 

 

Mais uma vez aqui, reaparece a questão mal resolvida na doutrina e jurisprudência nacionais quanto à liberdade sindical, vista em geral a partir de um posto de vista estritamente individual e negativo, algo que faz inteiro sentido em sistemas de pluralidade sindical, mas que se torna problemático e inconsistente em nosso sistema sindical, inequivocamente unitarista.

 

Certamente o princípio da liberdade sindical negativa é valioso nas normas internacionais, em especial nas Convenções da OIT. Entretanto, na melhor interpretação das decisões do Comitê de Liberdade Sindical da OIT, toda ênfase das restrições à contribuição obrigatória situa-se no plano de condenação de sistemas de unicidade sindical, ou, nos termos da própria Convenção 87 da OIT (não ratificada pelo Brasil) de sistemas que não assegurem o direito dos trabalhadores constituírem, se julgarem conveniente, as organizações que desejem, algo que comporta a real possibilidade de criarem – se assim o desejarem – mais de uma organização sindical, assegurando uma pluralidade sindical (verbete 280 do Comitê de Liberdade Sindical da OIT). Assim, a unidade do movimento sindical, ainda que desejável, não deve ser imposta por lei (verbetes 288 e 289).

 

O grande temor do OIT pode ser identificado precisamente na possibilidade de que o governo de um país possa “escolher” um sindicato, tornando-o único reconhecido por lei, canalizando para esse sindicato “oficial” as contribuições sindicais obrigatórias. Assim, a tão conhecida restrição da OIT às contribuições obrigatórias diz mais em relação a uma estreita vinculação desse tipo de contribuição com a unicidade sindical e bem pouco com o direito do indivíduo negar-se a contribuir com o sindicato que o representa (verbete 292).

 

Ademais, as normas da OIT não desconhecem o pressuposto ético de que todos os beneficiados pelas conquistas obtidas pela norma coletiva devem contribuir para o custeio da negociação. Assim, “a questão de desconto de contribuições sindicais e seu repasse para os sindicatos, desde que resolvida por norma coletiva – e não imposta por lei (pelas razões já referidas), é perfeitamente possível e não deveria ser obstaculizada por via legislativa (verbete 326). 

 

Internacionalmente, de há muito a existência de uma “taxa negocial” (ou contribuição de apoio, cláusula de segurança sindical, etc) a ser suportada por todo beneficiado pela norma coletiva é previsto como essencial em um sistema que privilegia e incentiva a negociação coletiva, tal como recomenda a Convenção 98 da OIT. Portanto, a legitimidade da universalidade da contribuição prevista na norma coletiva não se baseia em uma inexistente “natureza tributária” (como equivocadamente se baseia a referida decisão do STF para negar a universalidade da contribuição assistencial), mas da obrigação do Estado em fomentar a negociação coletiva, um dos pilares do modelo sindical recomendado pela OIT e adotado pela Constituição brasileira.

 

Além do mais, talvez também em decorrência de uma superada concepção abstencionista[10], passou ao largo do debate em nosso país a responsabilidade pública pela sustentação financeira dos sindicatos, como se fosse indiferente ao Estado se os sindicatos tenham ou não condições econômicas de eficientemente desempenhar seu papel na negociação coletiva. Não há “autonomia privada coletiva” sem dinheiro: se não se reconhece a possibilidade (tampouco a conveniência) dos sindicatos buscarem sua sustentação financeira no mercado econômico como se empresas fossem, há de se pensar algum arranjo institucional que proveja aos sindicatos os recursos necessários para sua atuação eficaz no cotejo com o poder econômico empresarial.

 

Há de se convir que, no Brasil, não se pode sequer falar propriamente em destinação de recursos públicos aos sindicatos, já que a própria contribuição sindical “stritu sensu” prevista na CLT, em realidade, não passa de uma transferência aos sindicatos de recursos arrecadas entre os próprios trabalhadores e empregadores objetivamente interessados na negociação coletiva.

 

Ademais, àqueles que vislumbram riscos de ingerência estatal no recolhimento de tais contribuições, há de se recordar que tais riscos de atrelamento dos sindicatos ao Estado podem ser muito maiores quando se analisam as diversas formas de convênios que podem ser feitos com utilização dos recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) ou a participação subvencionada de representantes sindicais em conselhos em órgãos governamentais, sem que ninguém, até o presente, tenha sido  apresentado qualquer objeção por parte dos sindicatos.

 

Finalmente, nessa tão difamada contribuição que até aqui era universal  e compulsória, há de se reconhecer o inegável mérito de assegurar suporte econômico a todos os sindicatos, independentemente de seu porte ou da capacidade destes para negociar coletivamente. Assim, pode-se dizer que a contribuição sindical assegura um mínimo essencial a todo e qualquer sindicato, deixando para que outras contribuições desempenham outros papéis como o apoio à negociação (taxa negocial ou “contribuição assistencial), incentivo à sindicalização (mensalidade associativa) ou manutenção de uma estrutura ou uma articulação intercategorial e/ou nacional (contribuição confederativa).

 

E agora?

 

Como se mencionou, tendo em conta que já se especula na revogação, por medida provisória, da norma em questão antes mesmo que sua entrada em vigor, há de se pôr entre parênteses sua própria sobrevivência legislativa pelo menos nos termos como ora se apresenta.

 

De qualquer sorte, há graves dúvidas quanto à constitucionalidade de uma norma tão extravagante ao modelo sindical unitarista albergado pela Constituição.

 

Em todo caso, liminarmente, há de se rejeitar a tese simplista de aceitação da facultatividade da contribuição assistencial em troca de uma “ressureição” da contribuição assistencial, reescrevendo-se o artigo 611 da CLT (agora talvez com tintas mais fortes de forma que convençam o STF da literalidade da autorização aos sindicatos da possibilidade de imposição de tal contribuição aos associados). 

 

Tal providência pouco resolverá, pois, em primeiro lugar, substituirá uma contribuição ampla e abrangente (para todos os sindicatos) para uma restrita (apenas aos sindicatos que tenham condições de negociar). Em segundo lugar, trocarão os sindicatos uma contribuição certa por uma incerta (já que dependerá de boa vontade dos empresários em um sistema que não comina a recusa injustificada de negociar e que apresenta forte restrição ao acesso à negociação via poder normativo). Finalmente, tomando-se dados atuais, o valor usualmente estimado para a arrecadação via taxa negocial (1% do salário de cada trabalhador) representa não mais do que 20% a 25% das necessidades de financiamento sindical[11].

 

Tampouco é plausível que a perda considerável de recursos dos sindicatos possa ser compensada por campanhas de sindicalização, pela cobrança de taxas de serviços dos associados ou desenvolvimento de atividades lucrativas pelos sindicatos. Por maiores que sejam os esforços dos sindicatos nesse sentido, todas tais medidas esbarram na notória pouca capacidade econômica e no baixo nível de consciência sindical dos trabalhadores nacionais. Além do mais, tais propostas desviam a atenção para a responsabilidade do poder público no financiamento sindical, do mesmo modo como faz, sem grandes oposições, em outros aspectos da esfera pública, como por exemplo, no financiamento dos partidos políticos.

 

Por fim, ao se discutir a mudança promovida pela Lei 13.467/17, não se aponta o considerável prejuízo econômico que será imposto, não apenas aos sindicatos, mas também às finanças públicas, pela extinção da contribuição de Conta Especial Emprego e Salário. Deixa-se de recolher valiosos recursos que suportam importantes políticas públicas, algo que, em tese, viabilizaria até mesmo uma ação popular.

 

Por todo o exposto, em conclusão, afirma-se que a manutenção da contribuição sindical compulsória e universal, a ser paga por associados e não-associados, é uma necessidade que decorre do respeito ao modelo sindical contido na Constituição brasileira, algo que não deve passar desapercebido pelos legisladores e pelos aplicadores do Direito.

 

 


[1] Denomina-se “Sistema S” o conjunto de nove instituições ligadas às entidades sindicais patronais que arrecadam contribuições incidentes sobre a folha de pagamento destinadas ao financiamento de atividades que visem ao aperfeiçoamento profissional e à melhoria do bem estar social dos trabalhadores.

 

[2] Sem dúvida, a comoção surgida quanto ao impacto sobre as finanças dos sindicatos é mais do que justificada, já que, em um contexto brasileiro de baixa sindicalização, projeta-se que caiam pela metade as receitas sindicais.

 

[3] Esse artigo é de 17 de setembro de 2017 e, até aqui, tal medida provisória ainda não foi editada.

 

[4] A oposição liberal à qualquer regulação estatal nos conflitos do trabalho remonta de Waldemar Ferreira, em seu célebre debate com Oliveira Viana.

 

[5]  O Fórum Nacional sobre Contrato Coletivo e Relações de Trabalho, em 1993, foi proposto pelo então Ministro do Trabalho Wagner Barelli, composto por representantes de entidades empresariais, de trabalhadores, do poder público e da sociedade civil. Neste Fórum participaram também os juízes do trabalho representados pela Anamatra. Além da extinção gradual da contribuição sindical, outras propostas foram aprovadas entre as quais o “comum acordo” para acesso ao poder normativo da Justiça do Trabalho, medida incorporado ao art. 114 da Constituição pela Emenda Constitucional n. 45/2004.

 

[6] Os acordos e convenções coletivas no Brasil em 2017 atingiram 65% das entidades sindicais de trabalhadores, concentrando-se nas grandes categorias de empregados urbanos (90%).

 

[7] Declaração do ex-Ministro Almir Pazzianotto no 16º Congresso Brasileiro do Agronegócio, site Justificando, http://justificando.cartacapital.com.br/, Acesso: 7 ago.2017.

 

[8] Em realidade, contribuição especial de interesse das categorias profissionais e econômicas nos termos do art. 149, caput da Constituição.

 

[9]  ARE 101459 (Rel Gilmar Mendes, julg. 2.03.2017), assim como RE 883542, Rel. Gilmar Mendes, julg. 2.06.2017, que reafirmou a constitucionalidade da contribuição sindical rural.

 

[10] O modelo abstencionista ou de autonomia coletiva pura admite que o Estado possa tão-somente reconhecer ou declarar a existência do sindicato, abstendo-se de adotar qualquer outra medida, mesmo que necessária ao desenvolvimento da negociação coletiva ou da livre sindicalização.

 

[11] Estimativa feita por Vagner Freitas, presidente da CUT, em entrevista ao site Valor Econômico, 13.03.2017, disponível em http://www.valor.com.br/brasil/4896680/. Acesso em 31 março 2017.

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