A CONSTITUCIONALIDADE DOS ARTS. 8º, §2º E 702, INCISO I, ALÍNEA “F” DA CLT, INCLUÍDOS PELA LEI 13.467/17

 

 

 

GILBERTO STÜRMER

Advogado e Parecerista. Conselheiro Seccional da OAB/RS (2013/2015). Membro do Instituto dos Advogados do Rio Grande do Sul (IARGS). Membro da Associação dos Advogados Trabalhistas de Empresas no Rio Grande do Sul (SATERGS). Titular da Cadeira nº 100 da Academia Brasileira de Direito do Trabalho. Titular da Cadeira nº 4 e Fundador da Academia Sul-Rio-Grandense de Direito do Trabalho. Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (1989), Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2000), Doutor em Direito do Trabalho pela Universidade Federal de Santa Catarina (2005) e Pós-Doutor em Direito pela Universidade de Sevilla (Espanha) (2014). Coordenador do Curso de Pós-Graduação - Especialização em Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Professor Titular de Direito do Trabalho nos Cursos de Graduação e Pós-Graduação (Especialização, Mestrado e Doutorado) na mesma Faculdade. Tem como principais áreas de atuação, o Direito Individual do Trabalho, o Direito Coletivo do Trabalho e o Direito Processual do Trabalho, e como principais linhas de pesquisa, a Eficácia e Efetividade da Constituição e dos Direitos Fundamentais no Direito do Trabalho e a Jurisdição, Efetividade e Instrumentalidade do Processo do Trabalho.

 

LUIZ FILIPE DUARTE

Mestrando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul

 

 

 

Resumo: O artigo trata da constitucionalidade dos artigos da Lei 13.467/17, que buscam estabelecer parâmetros de atuação aos Tribunais do Trabalho, impondo a contenção ao ativismo judicial, por meio de edição de suas súmulas.

 

Palavras chave: Reforma trabalhista – Súmulas trabalhistas – contenção ao ativismo judicial.

 

 

SUMÁRIO: I. Introdução – II. A teoria dos precedentes judiciais no direito brasileiro – III. O direito fundamental à segurança jurídica no processo – IV. A constitucionalidade dos artigos da reforma – V. Conclusão.

 

 

 

I – INTRODUÇÃO

 

A Lei 13.467, de 13 de julho de 2017, alterou a Consolidação das Leis do Trabalho a fim de adequar a legislação às novas relações de trabalho.

 

Dentre os dispositivos incluídos pela referida lei, o artigo 8º, § 2º, passa a prever que as súmulas e outros enunciados de jurisprudência editados pelo Tribunal Superior do Trabalho e pelos Tribunais Regionais do Trabalho não poderão restringir direitos legalmente previstos nem criar obrigações que não estejam previstas em lei.

 

O artigo 702, inciso I, alínea f, da CLT, também acrescentado pela Lei 13.467/2017, por sua vez, estabelece requisitos e limitações para a alteração e a edição de novas súmulas pelo Tribunal Superior do Trabalho.

 

Passa a haver, portanto, maior rigor quanto aos requisitos exigidos para a aprovação e modificação de súmulas e outros enunciados da jurisprudência trabalhista. Nesse sentido, parece clara a intenção do legislador, por meio dos citados artigos, de contenção ao ativismo judicial dos Tribunais do Trabalho, por meio de edição de suas súmulas.

 

Sobre o tema, reforma trabalhista, a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), entidade que reúne nacionalmente mais de 4 mil juízes do Trabalho, promoveu, nos dias 9 e 10 de outubro, a 2ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho. O formato do evento foi voltado ao debate de teses e à elaboração de enunciados que sirvam como parâmetro hermenêutico para a nova legislação.

 

Dentre as teses levantadas, a relacionada aos artigos em referência, restou assim ementada[1]

 

"RESTRIÇÃO À EDIÇÃO E À ALTERAÇÃO DE SÚMULAS E ORIENTAÇÕES JURISPRUDÊNCIAIS E À APRECIAÇÃO DE NORMAS COLETIVAS NEGOCIADAS. INCONSTITUCIONALIDADE. São inconstitucionais os parágrafos 2º e 3º do art. 8º da CLT, com redação dada pela Lei nº 13.467/2017, bem como os requisitos formais da alínea "f" do inciso I do art. 702 da CLT e dos seus parágrafos 3º e 4º, que impõem restrições à edição e à alteração de Súmulas e Orientações Jurisprudencial e ao exame das normas coletivas negociadas. Trata-se de violação à autonomia dos juízes e dos Tribunais, à independência judicial, à inafastabilidade da jurisdição e ao acesso à Justiça. Os tribunais gozam de ampla liberdade para editar e alterar Súmulas, estabelecendo os critérios formais que entenderem cabíveis, e para fixar ou divulgar entendimentos jurisprudenciais majoritários ou uniformes. A Justiça do Trabalho não pode se furtar de atuar na lacuna da lei, de examinar pretensões das partes em face de acordo ou convenção coletiva de trabalho e de dar transparência a sua jurisprudência".

 

Um contraponto à conclusão lançada, especificamente quanto à restrição à edição e à alteração de súmulas e orientações jurisprudênciais, entretanto, se impõe.

 

Ao contrário do que quer se fazer crer, não restou violado com a reforma a missão constitucional do Tribunal Superior do Trabalho de pacificar a jurisprudência, dando interpretação uniforme à legislação trabalhista.

 

Isso não implica, entretanto, em uma liberdade plena dos tribunais na edição e alteração de Súmulas, na tarefa de fixar entendimentos jurisprudenciais, estabelecendo os critérios formais que entenderem cabíveis.

 

Nesse contexto, ainda que a jurisprudência tenha passado a ter conotação obrigatória e força nitidamente vinculante em diversas situações, como se observa nos arts. 489, § 1º, inciso VI, e 927 do CPC de 2015 - o que confirma a sua relevância cada vez maior na atualidade, como fonte do Direito não apenas supletiva - não está a atuação de juízes isenta de controle. Pelo contrário, razão maior há, pela importância dada pelo sistema aos precedentes, de uma fixação de parâmetros pelo legislador à atuação dos Tribunais.

 

Assim, objetiva-se no presente texto contextualizar o tema: o quanto exposto na nova lei em relação às súmulas, levando-se em consideração o disposto no Código de Processo Civil de 2015, e a teoria dos precedentes, e o princípio fundamental da segurança jurídica, para, ao final, demonstrar a constitucionalidade dos mencionados dispositivos legais.

 

II - A TEORIA DOS PRECEDENTES JUDICIAIS NO DIREITO BRASILEIRO

 

O tratamento conferido à jurisprudência pelo direito ocidental, na teoria, varia de acordo com dois grandes sistemas de direito: o sistema romano-germânico e o common law. Nesse, as decisões judiciais, com efeitos vinculantes e gerais, são a principal fonte do direito (ao contrário daquele que tem como principal fonte a lei).

 

Nesse sentido, no direito brasileiro, a força do constitucionalismo e a ascensão institucional do Poder Judiciário fizeram surgir um modelo de jurisdição distinto do preconizado, na origem, pela tradição romano-germânica. O papel do atual juiz brasileiro, na interpretação e aplicação da lei, muito se aproxima do de um juiz do sistema da common law.

 

No contexto histórico em que a codificação foi incapaz de dar conta ao que se propôs - tendo surgido uma hiperinflação de leis especiais e de normas de conteúdo aberto, destinadas a dar aos juízes oportunidade de considerar situações imprevisíveis ao legislador – e que a ideia de que os juízes deveriam somente aplicar as leis foi rapidamente derrotada, ganha importância as decisões judiciais, como momento em que a dimensão normativa dos textos encontra expressão.

 

Sendo a tônica a ascensão institucional do Poder Judiciário, a densificação da segurança jurídica passa a ter como referencial a interpretação que é dada pela jurisdição à Constituição e à legislação. Nessa perspectiva, o espaço para aparecimento de diferentes soluções para os mesmos casos é mais amplo, sendo conveniente estimular a uniformização do direito.

 

É o que se pretende, nesse sentido, com a adoção do stare decisis[2], entendido como precedente de respeito obrigatório. O respeito aos precedentes, assim, como técnica processual idônea a tutelar o direito à segurança, garante a previsibilidade em relação às decisões judiciais.

 

Nesse sentido, o precedente vinculante permite ao jurisdicionado prever as consequências jurídicas dos seus atos e condutas tendo o efeito de permitir confiança nas decisões já tomadas - então vistas como critérios para definir o seu comportamento - e nas decisões que podem vir a ser proferidas - compreendidas como decisões que podem atingir as suas esferas jurídicas.[3]

 

Segundo Barroso, três valores principais justificam a adoção de um sistema de precedentes normativos ou vinculantes: a segurança jurídica, a isonomia e a eficiência. No caso brasileiro, segundo o autor, buscou-se com o novo sistema de precedentes vinculantes superar a incerteza e a desigualdade decorrentes de decisões conflitantes em situações idênticas, um quadro de sobrecarga e de morosidade da justiça e de insatisfação da sociedade com a prestação da tutela jurisdicional.[4]

 

Destaca-se ser possível sistematizar a experiência jurídica brasileira a respeito do tema em três grandes momentos: i) o da busca pela uniformidade do direito mediante técnicas repressivas; ii) o da busca pela uniformidade do direito mediante técnicas repressivas e preventivas; e iii) o da busca pela uniformidade do direito mediante técnicas preventivas e repressivas. Cada um desses momentos teve a sua base em diferente concepção a respeito da interpretação do direito: i) a uma, uma teoria cognitivista que visava à declaração da norma preexistente correta para a solução do caso concreto; ii) a duas, uma teoria cognitivista que visava à extração da norma preexistente justa para a solução do caso concreto; e iii) a três, uma teoria adscritivista que visa à outorga de sentido a textos e a elementos não textuais da ordem jurídica para prolação de uma decisão justa e para a promoção da unidade do direito.[5]

 

Nesse sentido, conforme Mitidiero, no período de vigência do Código de Processo de 1939 a uniformidade do direito era buscada basicamente por técnicas repressivas, "notadamente pelos recursos destinados ao controle dos erros e acertos cometidos pelos órgãos jurisdicionais no julgamento das causas”. Em 1963, mediante emenda ao Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal criaram-se as súmulas de jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Em comum com os recursos o traço repressivo, na composição de divergências ou controle da equivocada aplicação do direito.

 

Em evolução, o Código de 1973 não só manteve técnicas repressivas para a uniformidade do direito, mas também instituiu técnicas preventivas para tanto. Como exemplo o incidente de uniformização de jurisprudência (art. 476), cuja "função estava em viabilizar um ‘pronunciamento prévio’ a respeito da interpretação de uma determinada questão".[6]

 

No período de sua vigência, a busca pela adesão à jurisprudência manifestou-se também pelo aumento dos poderes aos relatores dos recursos, a instituição das súmulas vinculantes (Emenda Constitucional 45, de 2004), a instituição de um procedimento especial para o julgamento de recursos extraordinários repetitivos, posteriormente também aplicado aos recursos especiais.

 

Uma lógica do procedimento, para julgamento de recursos repetitivos, justamente voltada a  produzir um sistema pelo qual os precedentes firmados pelos tribunais superiores fossem replicados pelas demais instâncias judiciais. Todos os avanços a indicar uma persistente inclinação a atribuir às decisões judiciais efeitos para além do caso específico.

 

Mas foi, sem dúvida, o Código de 2015 o que promoveu um grande avanço no reconhecimento do papel das decisões judiciais como fonte do direito e criou um sistema de precedentes vinculantes com amplitude e alcance inexistentes até então. Nele se instituiu um sistema amplo de precedentes vinculantes, prevendo-se a possibilidade de produção de julgados com tal eficácia não apenas pelos tribunais superiores, mas igualmente pelos tribunais de segundo grau.

 

Nessa linha, o art. 927 do novo Código definiu, como entendimentos a serem obrigatoriamente observados pelas demais instâncias: (i) as súmulas vinculantes, (ii) as decisões proferidas pelo STF em sede de controle concentrado da constitucionalidade, (iii) os acórdãos proferidos em julgamento com repercussão geral ou em recurso extraordinário ou especial repetitivo, (iv) os julgados dos tribunais proferidos em incidente de resolução de demanda repetitiva e (v) em incidente de assunção de competência, (vi) os enunciados da súmula simples da jurisprudência do STF e do STJ e (vii) as orientações firmadas pelo plenário ou pelos órgãos especiais das cortes de segundo grau.[7]

 

Sobressai-se da leitura do Código o dever de as Cortes Supremas outorgarem unidade ao direito a fim de que a ordem jurídica possa ser segura e capaz de prover liberdade e igualdade de todos perante o direito (art. 926), sendo instrumento para tanto o precedente (art. 927). Ressalta-se, ainda, o dever de as Cortes de Justiça uniformizarem a interpretação de questões relevantes (art. 947) e repetidas (art. 976 a 987), sendo instrumento para tanto a jurisprudência.[8]

 

Classificam-se os precedentes judiciais, nesse contexto, sob o ponto de vista da eficácia, em três diferentes espécies: os de eficácia persuasiva; os de eficácia normativa forte; e, por fim, os de eficácia normativa moderada[9].

 

Há, primeiramente, os precedentes com eficácia meramente persuasiva. Esta é a eficácia que tradicionalmente se atribuía às decisões judiciais em nosso ordenamento, em razão de sua própria raiz romano-germânica. Os julgados com esta eficácia produzem efeitos restritos às partes e aos feitos em que são afirmados, são relevantes para a interpretação do direito, para a argumentação e para o convencimento dos magistrados; podem inspirar o legislador; e sua reiteração dá ensejo à produção da jurisprudência consolidada dos tribunais. São, contudo, fonte mediata ou secundária do direito.[10]

 

De acordo com o Código de Processo Civil de 2015, enquadram-se nessa espécie as decisões proferidas pelos juízos de primeiro grau. O mesmo ocorre com os acórdãos dos tribunais em geral, desde que proferidos em casos não sujeitos a incidente de resolução de demanda repetitiva ou ao incidente de assunção de competência.

 

Há, no outro polo, os precedentes normativos em sentido forte, correspondentes aos julgados e entendimentos que devem ser obrigatoriamente observados pelas demais instâncias e cujo desrespeito enseja reclamação.[11]

 

Bem como, ainda, um conjunto de julgados que produzem uma eficácia intermediária. Não são dotados de eficácia meramente persuasiva porque o próprio ordenamento lhes atribui efeitos para além dos casos em que foram produzidos, em favor ou desfavor de quem não era parte nestes, ou, ainda, porque o próprio direito determina expressamente que a observância dos entendimentos proferidos em tais julgados é obrigatória.

 

Não é possível, entretanto, afirmar que tais precedentes produzem eficácia normativa em sentido forte porque a lei não permite o uso de reclamação, em caso de desrespeito à orientação neles traçada. Esta terceira categoria é residual. Abriga, por isso, decisões judiciais com efeitos heterogêneos que produzem efeitos impositivos em diferentes graus.[12]

 

Nesse contexto, sob o aspecto da distinção entre precedentes e jurisprudência, entende-se que apenas o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça formam precedentes. Os Tribunais Regionais Federais e os Tribunais de Justiça dão lugar à jurisprudência. Já as súmulas podem colaborar tanto na interpretação como na aplicação do direito para as Cortes Supremas e para as Cortes de Justiça - e, portanto, podem emanar de quaisquer dessas Cortes.[13]

 

Precedentes, nesse sentido, não seriam equivalentes às decisões judiciais. Eles são razões generalizáveis que podem ser identificadas a partir das decisões judiciais. Os precedentes emanam exclusivamente das Cortes Supremas e são sempre obrigatórios (vinculantes). Vale dizer: a autoridade do precedente é a própria autoridade do direito interpretado e a autoridade de quem a interpreta.[14]

 

Assim é que a regra do stare decisis não decorreria propriamente dos arts. 926 e 927 do CPC, e sim da compreensão do papel adscritivo da interpretação e da necessidade daí oriunda em densificar a segurança jurídica a partir não só da atuação de um juge inanimé ou de um juiz oracle of the law, mas levando-se em consideração a conjunção do trabalho do legislador, da doutrina e do juiz. A regra do stare decisis constitui a referência da segurança jurídica em um direito caracterizado pela sua dupla indeterminação. Essa é a razão pela qual as Cortes Supremas devem outorgar unidade à ordem jurídica e mantê-la estável, estando os seus juízes obrigados a seguirem os próprios precedentes (stare decisis horizontal), estando todas as Cortes de Justiça e todos os juízes de primeiro grau obrigados a observar - isto é, aplicar - os precedentes das Cortes Supremas e a jurisprudência vinculante das próprias cortes a que vinculados (stare decisis vertical).[15]

 

No mesmo sentido, Marioni[16]:

 

“Seria possível pensar que toda decisão judicial é um precedente. Contudo, ambos não se confundem, só havendo sentido falar de precedente quando se tem uma decisão dotada de determinadas características, basicamente a potencialidade de se firmar como paradigma para a orientação dos jurisdicionados e dos magistrados. De modo que, se todo o precedente ressai de uma decisão, nem toda decisão constitui precedente.”

 

Seja com um conceito amplo, ou mais restrito, da forma como mencionado, sendo parte integrante do ordenamento jurídico, o precedente deve ser levado em consideração como parâmetro necessário para aferição da igualdade de todos perante a ordem jurídica, para conformação do espaço de liberdade de cada um e para a densificação da segurança jurídica.

 

Isso implica que casos iguais sejam tratados de forma igual por todos os órgãos jurisdicionais a partir do conteúdo dos precedentes e que a exigência de cognoscibilidade inerente à segurança jurídica leve em consideração o processo de interpretação judicial do Direito e o seu resultado.

 

Em suma, não se pode cogitar de um Estado Democrático de Direito sem um ordenamento coerente. Nesse contexto, a importância dos precedentes relacionados à função e à razão de ser dos nossos tribunais, que é o de proferir decisões que se amoldem ao ordenamento jurídico e que sirvam de norte para os demais órgãos integrantes do Poder Judiciário.

 

III - O DIREITO FUNDAMENTAL À SEGURANÇA JURÍDICA NO PROCESSO

 

Nossa Constituição não prevê o direito à segurança jurídica no processo. Contudo, um dos fundamentos do Estado Constitucional é a segurança jurídica. Além disso, nosso ordenamento constitucional arrola expressamente, entre os direitos fundamentais, o direito à segurança jurídica[17].

 

Nesse contexto, a segurança jurídica no processo é elemento central na conformação do direito ao processo justo. É o modelo mínimo de atuação processual do Estado e mesmo dos particulares em determinadas situações substanciais. A sua observância é condição necessária e indispensável para a obtenção de decisões justas (art. 6º do CPC de 2015) e para a viabilização da unidade do direito (art. 926 do CPC de 2015)[18].

 

Destaca Alvaro, nesse sentido, que o direito processual civil não pode e não deve ser considerado de forma isolada, mas sim englobado nas ideias e concepções predominantes em determinada sociedade, dispostas, em grande parte, na ordem constitucional.[19]

 

Dentro dessa linha de pensamento, reconhece-se hodiernamente aos direitos fundamentais, sem maiores objeções, a natureza de 'máximas processuais’ direta ou indiretamente determinadoras da conformação do processo, contendo ao mesmo tempo imediata força imperativa. Eficácia e aplicabilidade essas, ademais, consagradas no art. 5º, parágrafo 1º, da Constituição Federal.

 

Destaque-se que o direito constitucional brasileiro, como ressaltado pela doutrina, caracteriza-se pela busca da efetividade das normas constitucionais, fundada não só na  premissa da força normativa da Constituição, mas também no desenvolvimento de princípios específicos de interpretação constitucional, que ultrapassam o legalismo estrito. Sua marca, segundo Barroso, é a ascensão dos valores, o reconhecimento da normatividade dos princípios e a essencialidade dos direitos fundamentais.[20]

 

Como mencionado por Ingo Sarlet, a opção por uma eficácia direta traduz uma decisão política em prol de um constitucionalismo da igualdade, objetivando a efetividade do sistema de direitos e garantias fundamentais no âmbito do Estado social de Direito.[21]

 

Assim, a vinculação do Estado dá-se tanto no dever de editar normas como ao de prestar a jurisdição, estando obrigado não apenas a abster-se de violar os direitos fundamentais, como também a protegê-los diante das lesões e ameaças provenientes dos particulares.[22]

 

Diga-se que, atualmente, a teoria dos deveres de proteção do Estado parte da compreensão dos direitos fundamentais como princípios objetivos, que obrigam o Estado a agir, na medida do possível, para a realização dos direitos fundamentais, sendo que, para alguns, encontra fundamento, inclusive, na cláusula do Estado social.[23]

 

Justamente por ter o dever de tutelar a segurança jurídica, o Estado brasileiro deve realizar as suas funções de modo a prestigiá-la. Nesse sentido, destaca Marinoni, o cidadão precisa ter segurança de que o Estado e os terceiros se comportarão de acordo com o direito e de que os órgãos incumbidos de o aplicar o farão valer quando desrespeitado. É necessário, assim, que o direito seja tratado de forma unívoca, a fim de garantir previsibilidade nas relações.[24]

 

IV - A CONSTITUCIONALIDADE DOS ARTIGOS DA REFORMA

 

Conforme visto acima, o Código de Processo Civil de 2015 atribuiu maiores poderes aos Tribunais. Os incisos II e IV do art. 927 impõem a observância dos enunciados de súmula vinculante e dos enunciados das súmulas do Supremo Tribunal, do Superior Tribunal de Justiça e, também, do Tribunal Superior do Trabalho, incluído neste rol pela Instrução Normativa 39, do próprio Tribunal Superior do Trabalho.[25]

 

Já o caput e o parágrafo 1º do art. 926 dispõem que “os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente” e que “os tribunais editarão enunciados de súmulas correspondentes a sua jurisprudência dominante.

 

Conforme já referido, o conceito de súmula não se confunde com o de precedente. Objetivamente analisado, precedente é uma decisão judicial, da qual se retira a ratio decidendi. Quando o precedente é reiteradamente aplicado, tem-se a jurisprudência que, sendo predominante em um tribunal, poderá gerar a formação da súmula, que consiste no resumo da jurisprudência dominante do tribunal a respeito de determinada matéria.[26]

 

Não obstante, a forma como foi contextualizada a ideia de precedentes no Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente no âmbito trabalhista[27], permite concluir que as súmulas são um mecanismo objetivo para gerar a obrigatoriedade dos precedentes.

 

Nesse sentido, a súmula cria uma norma a ser observada para o futuro. Ademais, na súmula, a Corte realiza o resumo da jurisprudência dominante (precedentes reiterados), nada mais fazendo do que definir a ratio decidendi a ser aplicada.

 

Ressurge, assim, a questão da aptidão da súmula em promover inovações no campo normativo e a preocupação do legislador quanto ao controle da atuação de Juízes e Tribunais.

 

a) O artigo 8º, § 2º, da CLT

 

O artigo 8º, § 2º, da CLT, nesse contexto, expressamente dispõe que: “súmulas e outros enunciados de jurisprudência editados pelo Tribunal Superior do Trabalho e pelos Tribunais Regionais do Trabalho não poderão restringir direitos legalmente previstos nem criar obrigações que não estejam previstas em lei”. 

 

A principal crítica feita ao artigo é a de limitação do poder de interpretação normativa. Estariam os juízes restritos a dizer o alcance da lei, não podendo completá-la, criando regras, ou contrariá-la, negando sua aplicação[28].

 

O objetivo da lei, entretanto, não é o de negar o poder de interpretação normativa, mas sim de traçar parâmetros à atuação do intérprete, dentro dos quais o aplicador da lei exercitará sua criatividade, seu senso do razoável e sua capacidade de fazer a justiça. Nesse sentido, a impossibilidade de chegar-se à objetividade plena não minimiza a necessidade de se buscar a objetividade possível.[29]

 

A operação com precedentes, é fato, não comporta uma atuação mecânica e automática do juiz, tampouco prescinde de uma sofisticada atuação interpretativa. Cada precedente precisa ser cuidadosamente examinado, tanto para que se possa compreender adequadamente a sua ratio decidendi quanto para que se possa fazer seu confronto com eventual novo caso, que poderá (ou não) ser decidido com base nesta ratio.

 

Por outro lado, não se nega, o juiz, na sua atividade de interpretação, atualiza o sentido da lei, que possui dinâmica aplicação a fatos sociais não cogitados pelo legislador, ajustando-a às circunstâncias do caso posto a julgamento.

 

Para a formulação dessa norma jurídica individualizada não basta ao juiz promover, pura e simplesmente, a aplicação da norma geral e abstrata ao caso concreto. Em virtude do chamado pós-positivismo que caracteriza o atual Estado constitucional, exige-se do juiz uma postura mais ativa, cumprindo-lhe compreender, na norma geral e abstrata, uma solução que esteja em conformidade com as disposições e princípios constitucionais, bem assim com os direitos fundamentais.

 

Em outras palavras, o princípio da supremacia da lei, amplamente influenciado pelos valores do Estado liberal, que enxergava na atividade legislativa algo perfeito e acabado, atualmente deve ceder espaço à crítica judicial, no sentido de que o magistrado, necessariamente, deve dar à norma geral e abstrata aplicável ao caso concreto uma interpretação conforme a Constituição, sobre ela exercendo o controle de constitucionalidade se for necessário, bem como viabilizando a melhor forma de tutelar os direitos fundamentais.[30]

 

O Direito, nesse sentido, não é sinônimo de lei. Há muito que se assentou que a lei não contém todo o direito e que o direito não se resume à lei.[31]

 

Os costumes, os princi?pios, os valores e os postulados, principalmente os Constitucionais, tambe?m sa?o fontes formais de direito e algumas vezes superam textos legais. Ademais, muitas vezes as leis se tornam obsoletas e desatualizadas, necessitando de uma interpretac?a?o histo?rico evolutiva ou constitucional.

 

Logo, na?o e? cri?vel que haja impedimento da jurisprude?ncia na interpretac?a?o e integrac?a?o da lei. Como fato social e histórico, o Direito se apresenta sob múltiplas formas, em função de múltiplos campos de interesse, o que reflete em distintas e renovadas estruturas normativas.[32]

 

O certo é que toda norma enuncia algo que deve ser, em virtude de ter sido reconhecido um valor como razão determinante de um comportamento declarado obrigatório. Há, pois, em toda regra um juízo de valor, cuja estrutura é mister esclarecer, mesmo porque ele está no cerne da atividade do juiz.[33]

 

Isso não autoriza, entretanto, que os Tribunais legislem, por meio da jurisdição exercida, em desrespeito ao princípio da separação de poderes. Indiscutível é a vinculação do papel do juiz à lei, forte no princípio da legalidade, segundo o qual ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei (artigo 5º, inciso II, da Constituição da República).

 

Nesse contexto, se não se pode, atualmente, conceber um Estado exclusivamente legalista, com um ordenamento dissociado de qualquer interpretação jurisdicional. Igualmente não se pode negar a segurança jurídica proporcionada pelo ordenamento previamente estabelecido.

 

Não raro decisões, sob o pretexto de interpretar a lei, negam manifestamente o seu conteúdo, contrariam o seu texto, ou modificam o seu significado, sem nenhum respaldo ou amparo.

 

A utilização dos precedentes judiciais, entretanto, pelo menos no “civil law brasileiro”, não tem o condão de revogar as leis existentes. A rigor, a atividade dos juízes e tribunais é interpretativa e não legislativa. Assim, por mais que haja omissão ou que a lei preexistente não atenda às peculiaridades do caso concreto, o Judiciário não poderá se substituir ao Legislativo.[34]

 

Nesse sentido é que, se por um lado, em nosso sistema jurídico, o Judiciário apresenta-se como um superpoder, pois tem competência para julgar e tornar sem efeito atos da Administração e até para julgar e declarar inconstitucionais as próprias leis que é chamado a aplicar, por outro, apresenta-se como um subpoder, que é organizado pelo Legislativo e deve obediência à lei, que fixa os fins que os juízes precisam descobrir e buscar.[35]

 

b) O artigo 702, inciso I, alínea “f”, da CLT

 

Não menos importante, no particular, o quanto disposto no artigo 702, inciso I, alínea “f” da CLT, também inserido pela Lei 13.467/17, que estabelece requisitos e limitações para a alteração e a edição de novas súmulas pelo Tribunal Superior do Trabalho.

 

Dispõe, nesse sentido, que ao Pleno do Tribunal Superior do Trabalho compete estabelecer ou alterar súmulas e outros enunciados de jurisprudência uniforme, pelo voto de pelo menos 2/3 de seus membros, caso a mesma matéria já tenha sido decidida de forma idêntica por unanimidade em, no mínimo, 2/3 das turmas em pelo menos 10 sessões diferentes em cada uma delas, podendo, ainda, por maioria de 2/3 de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de sua publicação no Diário Oficial.

 

As sessões de julgamento sobre estabelecimento ou alteração de súmulas e outros enunciados de jurisprudência, ainda, devem ser públicas, divulgadas com, no mínimo, 30 dias de antecedência, e devem possibilitar a sustentação oral pelo Procurador-Geral do Trabalho, pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, pelo Advogado-Geral da União e por confederações sindicais ou entidades de classe de âmbito nacional (artigo 702, § 3º, da CLT, incluído pela Lei 13.467/2017).

 

Da mesma forma, o estabelecimento ou a alteração de súmulas e outros enunciados de jurisprudência pelos Tribunais Regionais do Trabalho devem observar o disposto na alínea f do inciso I e no § 3º do artigo 702 da CLT, com rol equivalente de legitimados para sustentação oral, observada a abrangência de sua circunscrição judiciária (artigo 702, § 4º, da CLT, acrescentado pela Lei 13.467/2017).

 

Com o objetivo de uniformização da jurisprudência a matéria jurídica relevante ou repetida deverá ser discutida em profundidade e publicada, na forma de súmulas, com efeito de precedente.[36] 

 

Busca-se com isso evitar súmulas, utilizadas como precedente, sem decisões reiteradas prévias e/ou firmadas sem base legal ou constitucional que a suporte. Ou, ainda, súmulas distantes do contexto fático que a originou. Situação que o art. 926, p. 2º, que, ao estabelecer que “ao editar enunciados de súmula, os tribunais devem ater-se às circunstâncias fáticas dos precedentes que motivaram sua criação”, pretende evitar.

 

Um exemplo do quanto exposto é a alteração da Súmula 277 do TST que dispõe sobre a ultratividade da norma coletiva. Consequência de uma reunião institucional do Tribunal Superior do Trabalho, realizada em setembro de 2012, denominada “Semana do TST”, com o objetivo de modernizar e rever a Jurisprudência.

 

Sobre o tema, o posicionamento histórico da Justiça do Trabalho, seja através da jurisprudência, seja através da doutrina, sempre foi no sentido de que as estipulações previstas em normas coletivas não se incorporariam ao contrato de trabalho, na medida em que possuíam sua vigência atrelada à duração do instrumento coletivo.

 

Com a alteração passou-se a considerar a incorporação do benefício até que outra norma coletiva o substitua. De acordo com a atual redação: “As cláusulas normativas dos acordos coletivos ou convenções coletivas integram os contratos individuais de trabalho e somente poderão ser modificadas ou suprimidas mediante negociação coletiva de trabalho”.[37] 

 

A alteração jurisprudencial, nesse sentido, foi de um extremo ao outro sem que houvesse precedente jurisprudencial para embasar a repentina mudança. Inobservado, nesse contexto, a condição primeira para criação – ou alteração – de uma súmula, que é a existência não apenas de um debate prévio, mas também e fundamentalmente de decisões reiteradas naquele sentido. No caso em discussão, a alteração levada a efeito pelo Tribunal, ao contrário, sequer se pautou em um precedente concreto.

 

Tal fato motivou o ajuizamento de uma Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 323), em que se sustentou como preceitos fundamentais violados pela alteração jurisprudencial, em síntese, os princípios da separação dos Poderes (art. 2o, 60, § 4o, III, CF) e o da legalidade (art. 5o, caput, CF).

 

O Ministro Gilmar Mendes, relator do caso, concedeu liminar determinando a suspensão do andamento de “todos os processos em curso e dos efeitos de decisões judiciais proferidas no âmbito da Justiça do Trabalho que versem sobre a aplicação da ultratividade de normas de acordos e convenções coletivas

 

Com relação à ausência de fundamento legal, em sua decisão, destacou que "se admitido, como expressamente estabelecido na Constituição, que os direitos fundamentais vinculam todos os Poderes e que a decisão judicial deve observar a Constituição e a lei, não é difícil compreender que a decisão judicial que se revele desprovida de base legal afronta algum direito individual específico, pelo menos o princípio da legalidade”.[38]

 

Há, ainda, na decisão referência à posição adotada pelo Ministro Ives Gandra, que em obra doutrinária afirmou:

 

"Esse caso é típico de ativismo judiciário e voluntarismo jurídico que transmuda a função do magistrado, de julgador para a de legislador, pois sequer houve caso julgado a dar supedâneo à nova súmula. E nem se diga que algum precedente da SDC anterior à nova redação da súmula poderia ser invocado como justificador da nova orientação, na medida em que o art. 165 do RITST só admite precedentes da SDI para edição de súmulas, uma vez que a SDC exerce poder normativo, gerando precedentes normativos e não súmulas, sendo que estas últimas é que são aplicadas aos dissídios individuais, onde se exerce jurisdição e não o poder normativo da Seção de Dissídios Coletivos.” (MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva. Os pilares do direito do trabalho: os princípios jurídicos e as teorias gerais (uma reflexão sobre sua aplicação). In: Os pilares do direito do trabalho. São Paulo: Lex, 2013)."[39]

 

No particular, importantes advertências foram feitas por Ronald Dworkin, ao aduzir que o ativismo é uma forma virulenta de pragmatismo jurídico, a partir de uma conduta que ignora a tudo para para impor a outros poderes do Estado seu próprio ponto de vista sobre o que a justiça existe.[40]

 

Ainda, Daniel Sarmento, criticando o ativismo, refere que “acontece que muitos juízes, deslumbrados diante dos princípios e da possibilidade de, através deles, buscarem a justiça - ou o que entendem por justiça - passaram a negligenciar o seu dever de fundamentar racionalmente os seus julgados, abrindo espaço, segundo o autor, a um “decisionismo judicial”.[41]

 

Certo é que a lei assegura a previsibilidade e, consequentemente, proteção às expectativas legitimamente constituídas e que, por isso mesmo, não podem ser frustadas pelo exercício da atividade estatal.  Segundo Humberto Ávila, na perspectiva da espécie normativa que a exterioriza, a segurança jurídica tem dimensão normativa preponderante ou sentido normativo de princípio, na medida em que estabelece o dever de buscar um ideal de estabilidade, confiabilidade, previsibilidade e mensurabilidade na atuação do Poder Público. [42]

 

Para Barroso, é certo que que já não se alimenta a crença de que a lei seja a expressão da vontade geral institucionalizada e se reconhece que, frequentemente, estará a serviços de interesses, e não da razão. Mas ainda assim ela significa um avanço histórico: fruto do debate político, ela representa a despersonalização do poder e a institucionalização da vontade política.

 

E continua o autor, o tempo das negações absolutas passou. Não existe compromisso com o outro sem a lei. Assim, a liberdade de que o pensamento intelectual desfruta hoje impõe compromissos com a legalidade democrática. Não há, no particular, nem incompatibilidade nem exclusão.[43]

 

IV - CONCLUSÃO

 

A vinculac?a?o vertical e horizontal decorrente do stare decisis relaciona-se umbilicalmente a? seguranc?a juri?dica, que “impo?e imediatamente a imprescindibilidade de o direito ser cognosci?vel, esta?vel, confia?vel e efetivo, mediante a formac?a?o e o respeito aos precedentes como meio geral para obtenc?a?o da tutela dos direitos”.[44]

 

Não se desconhece os argumentos contrários à força obrigatória dos precedentes. Em especial o da violação da independência dos juízes. Ocorre que não se pode confundir independência com ausência de unidade.

 

O que se pretende com a adoção de um sistema de precedentes é oferecer soluções idênticas para casos idênticos e decisões semelhantes para demandas que possuam o mesmo fundamento jurídico.

 

A obrigatoriedade de observar as orientações já firmadas pelas cortes aumenta a previsibilidade do direito, torna mais determinadas as normas jurídicas e antecipa a solução que os tribunais darão a determinados conflitos. Além disso, a aplicação das mesmas soluções a casos idênticos reduz a produção de decisões conflitantes pelo Judiciário e assegura àqueles que se encontram em situação semelhante o mesmo tratamento, promovendo a isonomia. O respeito aos precedentes, enfim, constitui um critério objetivo e pré-determinado de decisão que incrementa a segurança jurídica.

 

Por outro lado, a formação de jurisprudência com autoridade normativa e vinculação de juízes e tribunais demanda o controle de legalidade das decisões. A liberdade dos Tribunais para editar e alterar Súmulas não é plena.

 

A superioridade das normas constitucionais gera o princípio da conformidade de todos os atos dos poderes públicos com a Constituição. Essa concepção permanece válida em relação ao sistema brasileiro de precedentes vinculantes. [45]

 

Importante mecionar sobre a questão, decisão da Corte Constitucional alemã, utilizada como fundamento pelo Ministro Gilmar Mendes, na já referida ADPF 323. Conforme parte da ementa transcrita: “Na interpretação do direito ordinário, especialmente dos conceitos gerais indeterminados, devem os Tribunais levar em conta os parâmetros fixados na Lei Fundamental. Se o Tribunal não observa esses parâmetros, então, ele acaba por ferir a norma fundamental que deixou de observar”.[46]

 

Essa conclusão revela-se tanto mais plausível se se considera que, tal como a Administração, o Poder Judiciário está vinculado à Constituição e às leis (CF, art. 5o, § 1o).

 

Como norte, destaque-se o ensinamento de Alain Supiot que, ao abordar os limites da racionalidade jurídica, inicialmente indaga: “Cómo dar por zanjado el proceso a la ley, si no es atribuyendo a cada una - la norma y la ley - la parte que le corresponde?”; para após afirmar: “Así pues, el problema no es eliminar uno en beneficio del otro, sino trazar el límite de uno con respecto al otro”.[47]

 

Nesse sentido, a jurisprudência, como reconhecida fonte do direito, deve obediência ao Direito Objetivo. O juiz deve fidelidade ao sistema jurídico em face do princípio da unidade.

 

A interpretação conforme a Constituição, nesse contexto, induz à interpretação de uma norma legal em harmonia com a Lei Maior, em meio a outras possibilidades interpretativas que o preceito admita. Segundo Barroso, tal interpretação busca encontrar um sentido possível para a norma, que não é o que mais evidentemente resulta da leitura do texto.[48]

 

A Constitucionalidade dos artigos da reforma, que impõe parâmetros de atuação ao Judiciário, portanto, decorre justamente do dever de obediência da jurisprudência ao Direito objetivo; ao sistema jurídico que constitui o Judiciário como um Poder, que exerce atividade de governo. Contribui, da mesma forma, para a segurança jurídica e a previsibilidade das decisões judiciais, que são as principais justificativas para a adoção do sistema do stare decisis.

 

A decisão de acordo com a lei é a mais adequada ao sistema. A busca de unidade não pode prescindir desta regra hermenêutica. A alteração legal levada a efeito pela reforma adapta o processo do trabalho a tal propósito.

 

 

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[1] Disponível em www.jornadanacional.com.br

 

[2] TUCCI, José Rogério Cruz. Precedente judicial como fonte do Direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. Segundo o autor Stare decisis et quieta movere – termo complete – significa ‘mantenha-se a decisão e não se moleste o que foi decidido’.

 

[3] MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes Obrigatórios. São Paulo.: Ed. RT, 2016, p. 110

 

[4] BARROSO, Luís Roberto. Trabalhando com uma nova lógica: a ascensão dos precedentes no direito brasileiro/ Luís Roberto Barroso, Patrícia Perrone Campos Mello. Disponível em: , p.17

 

[5] MITIDIERO, Daniel. Precedentes – da persuasão à vinculação. São Paulo: RT, 2017, p. 71

 

[6] MITIDIERO, Daniel. Precedentes – da persuasão à vinculação. São Paulo: RT, 2017, p. 72

 

[7] BARROSO, Luís Roberto. Trabalhando com uma nova lógica: a ascensão dos precedentes no direito brasileiro/ Luís Roberto Barroso, Patrícia Perrone Campos Mello. Disponível em: , p.11

 

[8] MITIDIERO, Daniel. Precedentes – da persuasão à vinculação. São Paulo: RT, 2017, p.74

 

[9] Nesse sentido, dentre outros, Luís Roberto Barroso

 

[10]BARROSO, Luís Roberto. Trabalhando com uma nova lógica: a ascensão dos precedentes no direito brasileiro/ Luís Roberto Barroso, Patrícia Perrone Campos Mello. Disponível em: ,p.13

 

[11] BARROSO, Luís Roberto. Trabalhando com uma nova lógica: a ascensão dos precedentes no direito brasileiro/ Luís Roberto Barroso, Patrícia Perrone Campos Mello. Disponível em: ,p. 16. Destaca ainda o autor,  as súmulas vinculantes, os julgados produzidos em controle concentrado da constitucionalidade, os acórdãos proferidos em julgamento com repercussão geral ou em recurso extraordinário ou especial repetitivo, as orientações oriundas do julgamento de incidente de resolução de demanda repetitiva e de incidente de assunção de competência. O desrespeito a estes precedentes enseja a sua cassação, por meio de reclamação, junto à corte que o proferiu, nos termos do art. 988 do CPC

 

[12] BARROSO, Luís Roberto. Trabalhando com uma nova lógica: a ascensão dos precedentes no direito brasileiro/ Luís Roberto Barroso, Patrícia Perrone Campos Mello. Disponível em: , p. 14.

 

[13] MITIDIERO, Daniel. Precedentes – da persuasão à vinculação. São Paulo: RT, 2017, p. 83. Segundo o autor, o art. 927 disse ao mesmo tempo mais e menos do que deveria dizer.

 

[14] MITIDIERO, Daniel. Precedentes – da persuasão à vinculação. São Paulo: RT, 2017, p. 85

 

[15] MITIDIERO, Daniel. Precedentes – da persuasão à vinculação. São Paulo: RT, 2017 p. 81 - segundo o autor: a fundamentação da regra do stare decisis na necessidade de segurança jurídica e de igualdade é pacífica na doutrina do Common Law - que desde a percepção do decisivo papel do juiz na definição do direito (judge-made-law) teve que se preocupar com o resultado da interpretação judicial.

 

[16] MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes Obrigatórios. São Paulo.: Ed. RT, 2016, p.157

 

[17] SARLET, Ingo. Curso de direito constitucional/Ingo Sarlet, Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero – 5º ed – São Paulo: Saraiva, 2016, p. 791

 

[18] Ibidem, p. 737

 

[19] ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto. Do Formalismo no Processo Civil – Proposta de um Formalismo-Valorativo – São Paulo: Saraiva, 1997, p. 83

 

[20] BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. São Paulo: Saraiva, 2003, pág. 343

 

[21] SARLET, Ingo Wolfgang. “Direitos Fundamentais e direito privado: algumas considerações em torno da vinculação dos particulares aos direitos fundamentais”. In: A constituição concretizada: construindo pontes com o público e o privado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000, p. 147.

 

[22] GOMES, Fábio Rodrigues; SARMENTO, Daniel. A eficácia dos direitos fundamentais nas relações entre particulares: o caso das relações de trabalho. Rev. TST, Brasília, vol. 77, no 4, out/dez 2011., p. 73

 

[23] DUQUE, Marcelo Schenk. Direito privado e constituição: driiwirkung dos direitos fundamenais, construção de um modelo de convergência à luz dos contratos de consumo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2103, p. 316. Conforme, ainda, o mesmo autor, no momento em que a constituição prevê a dignidade humana como fundamento do Estado ou prega um mandamento de intangibilidade do seu conteúdo, fica claro que cabe ao Estado respeitá-la e protegê-la.

 

[24] MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes Obrigatórios. São Paulo.: Ed. RT, 2016, p. 97

 

[25] Conforme ressaltado por CHAPPER, Alexei Ameida. Precedentes Judiciais com Eficácia Vinculante no Sistema Recursal Trabalhista de acordo com o Novo CPC, CLT e as Instruções  Normativas do TST, in O Direito Processual do Trabalho e o Novo Código de Processo Civil. Porto Alegre:Magister, 2017, p. 30: Percebe-se que o TST optou por conceiturar precedente de acordo com previsões do CPC de 2015, especialmente com base nos arts. 489, §1º, e 927 do Código.   

 

[26] MIESSA, Élisson. Impactos do novo CPC nas súmulas e orientações jurisprudenciais do TST. Editora JusPodivum, 2016, p. 28

 

[27] As instruções normativas do TST fazem referência explícita ao tema dos precedentes e ao novo CPC.

 

[28] Dentre outros Vólia, in CLT Comparada e atualizada com a reforma trabalhista, p.13/14.

 

[29] BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. São Paulo: Saraiva, 2003, pág. 288

 

[30] MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de processo civil: teoria geral do processo. São Paulo: RT, 2006, v. 1, p. 90-97

 

[31] TESHEINER, José Maria Rosa; THAMAY, Rennan Faria Krüger. Teoria geral do processo: em conformidade com o novo CPC. 2º ed – Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 24

 

[32] REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito - 27 ed, São Paulo: Saraiva, 2002, p. 41

 

[33] REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito - 27 ed, São Paulo: Saraiva, 2002, p. 41

 

[34] DONIZETTI, Elpídio. A força dos precedentes no novo Código de Processo Civil, in O novo CPC e o Processo do Trabalho/ Sérgio Pinto Martins (Coord). São Paulo: Atlas, 2016, p. 46

 

[35] TESHEINER, José Maria Rosa; THAMAY, Rennan Faria Krüger. Teoria geral do processo: em conformidade com o novo CPC. 2º ed – Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 24

 

[36] Nesse sentido, o art. 15 da Instrução Normativa 39 do TST.

 

[37] S. 277 do TST.

 

[38] Conferir STF- ADPF323

 

[39] Conferir STF- ADPF323

 

[40] TESHEINER, José Maria Rosa; THAMAY, Rennan Faria Krüger. Teoria geral do processo: em conformidade com o novo CPC. 2º ed – Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 291

 

[41] TESHEINER, José Maria Rosa; THAMAY, Rennan Faria Krüger. Teoria geral do processo: em conformidade com o novo CPC. 2º ed – Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 296

 

[42] ÁVILA, Humberto. Sistema constitucional tributário. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 247.

 

[43] BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. São Paulo: Saraiva, 2003, pág. 317

 

[44] MITIDIERO, Daniel. Cortes superiores e cortes supremas: do controle a? interpretac?a?o,da jurisprude?ncia ao precedente. Sa?o Paulo: Revista do Tribunais, 2013

 

[45] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e teoria da Constituição. Coimbra:Almedina, 1997. P. 1074.

 

[46] Conferir STF- ADPF323

 

[47] SUPIOT, Alain. Crítica Del Derecho del Trabajo. Madrid: Ministerio de Trabajo y Assuntos Sociales, 1996, p. 248

 

[48] BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. São Paulo: Saraiva, 2003, pág. 299

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