O FIM DAS HORAS IN ITINERE APÓS A REFORMA TRABALHISTA E AS CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS

 

 

 

MAURICIO ANTONACCI KRIEGER

Coordenador dos cursos de especialização em Direito na modalidade EAD da Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC. Professor da graduação e pós-graduação da UNISC. Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS. Advogado.

 

GABRIEL LIMA MARCHIORETTO

Advogado. Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS.

 

 

 

Resumo: O presente artigo trata das horas extras de deslocamento, conhecidas como horas in itinere e que com a recente reforma trabalhista restou por extinta. Esta pesquisa tem como objetivo analisar como se caracterizam as referidas horas extraordinárias que se encontravam em dispositivo da CLT, para fazer um comparativo com a nova redação que acabou por retirar esse direito do trabalhador. Assim sendo, o trabalho buscará demonstrar as consequências práticas no contrato de trabalho, tanto para o empregador, como para o trabalhador e os impactos que tal norma acarretará na sociedade como um todo.

 

Palavras chave: Horas in itinere. Duração do trabalho. Reforma trabalhista.

 

SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO. 2 AS CONQUISTAS DA CLASSE OPERÁRIA E OS PRINCÍPIOS DO DIREITO DO TRABALHO. 3 AS CONQUISTAS DA CLASSE OPERÁRIA E OS PRINCÍPIOS DO DIREITO DO TRABALHO. 4 DAS HORAS IN ITINERE E SUA EXTINÇÃO APÓS A REFORMA TRABALHISTA. 5 CONCLUSÃO.  6 REFERÊNCIAS.

 

 

 

1 INTRODUÇÃO

 

A duração do trabalho é um tema que remete a conquistas históricas por parte dos trabalhadores, tendo em vista as jornadas excessivas que a classe operária tinha que realizar para ganhar sua contraprestação. Com base nisso foram surgindo novos direitos e princípios que norteiam o Direito do Trabalho. Com esses novos direitos, foram sendo estabelecidos limitadores de horas trabalhadas por dia até se chegar aos dias atuais.

 

Levando-se em consideração os aspectos referidos e as horas extras, assim compreendidas não somente aquelas trabalhadas como também as que o empregado está à disposição do empregador e a nova redação do art. 58, § 2º da CLT, que retirou do empregado as chamadas horas in itinere, a questão central da pesquisa é saber quais as consequências práticas que esse ponto da reforma acarretará na vida da classe operária e também os impactos aos empregadores e a toda sociedade.

 

O trabalho tratado no presente artigo se justifica e possui relevância exatamente por se tratar de um tema polêmico e atual, ou seja, um tema que está dentro da reforma trabalhista (Lei nº 13.467/2017) e faz referência a uma suposta retirada de um direito do trabalhador. Com isso, o trabalho buscará auxiliar e contribuir de alguma forma ao meio acadêmico, jurídico e com a sociedade como um todo, demonstrando os efeitos da extinção da jornada in itinere.

 

O trabalho apresentará como recurso metodológico a pesquisa baseada em doutrina recente e terá início com os direitos conquistados pelos trabalhadores e os principais princípios que regem o Direito do Trabalho. Em seguida se fará uma breve visão da duração do trabalho e das horas extraordinárias. Por fim, o foco do trabalho se dará justamente no que tange a um dos aspectos da recente reforma trabalhista, que é sobre as horas in itinere e suas consequências jurídicas e sociais.

 

2 AS CONQUISTAS DA CLASSE OPERÁRIA E OS PRINCÍPIOS DO DIREITO DO TRABALHO

 

Ao longo da história mundial a classe operária foi conquistando direitos e aos poucos foram surgindo as primeiras leis trabalhistas que garantiam um mínimo de dignidade aos trabalhadores que foram explorados por séculos desde a escravidão. O Direito do Trabalho surgiu como uma consequência da Revolução Industrial, para dar uma resposta aos abusos da exploração humana, em que as pessoas trabalhavam em condições insalubres, perigosas, e praticamente sem descanso com jornadas excessivas.[1]

 

No que tange à evolução do Direito do Trabalho no Brasil Sergio Pinto Martins ensina que

 

A Constituição de 1934 é a primeira constituição brasileira a tratar especificamente do Direito do Trabalho. É a influência do constitucionalismo social, que em nosso país só veio a ser sentida em 1934. Garantia a liberdade sindical (art. 120), isonomia salarial, salário mínimo, jornada de oito horas de trabalho, proteção do trabalho das mulheres e menores, repouso semanal, férias anuais remuneradas (§1º, do art. 121).[2]

 

Nota-se, portanto, a preocupação do legislador em elencar novos direitos para a classe operária, que sempre foi a parte mais fraca da relação de trabalho. Nesse meio tempo com o surgimento da CLT e das novas constituições até chegar na atual Constituição Federal de 1988, muitos outros direitos surgiram para tentar amenizar um pouco a desigualdade entre o empresário e o trabalhador. Na atual Carta Constitucional é possível perceber a importância do art. 7º que traz os direitos básicos e mínimos de todo trabalhador urbano e rural, como férias, FGTS, salário mínimo, décimo terceiro salário, duração do trabalho de até oito horas, adicional de horas extraordinárias, de hora noturna, repouso semanal remunerado, aviso prévio, dentre outros tantos.

 

Com a conquista de direitos trabalhistas também surgiram princípios do Direito do Trabalho, o que demonstra ser o mesmo uma ciência autônoma, um ramo do Direito distinto dos demais, embora guarde relação com vários deles. Um dos princípios está de forma expressa no referido art. 7º da Constituição Federal, inciso VI: “irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo”. Significa dizer que o empregador está proibido a reduzir o salário do seu empregado, ainda que tenha aumentado anteriormente, já que o empregado a partir deste aumento mudou o modo de viver e obteve, assim, um direito adquirido. A regra que na verdade é um princípio do Direito do Trabalho, ainda traz uma exceção, quando houver um acordo ou convenção coletiva de trabalho, mas ainda assim, desde que exista uma justificativa para tanto, como ocorre em tempos de crise, em que é melhor ao empregado aceitar uma redução salarial provisória, do que ficar desempregado. Mauricio Godinho Delgado lembra ainda que “o presente princípio laborativo especial ata-se até mesmo a um princípio jurídico geral de grande relevo, com sede na Carta Magna: o princípio da dignidade da pessoa humana”.[3]

 

Gilberto Stürmer lembra ainda que:

 

O principal dever do empregador é pagar o salário e o seu principal direito, é receber o trabalho; por outro lado, o principal dever do empregado é prestar o trabalho e o seu principal direito é receber o salário. Todos os demais direitos e obrigações de ambos são acessórios. Esses direitos e obrigações, por sí só, já são suficientes para inadmitir a redução de salário. Veja-se que, aqui, se está a referir o salário contratual estipulado de forma tácita ou expressa entre os sujeitos empregador e empregado, com a sua equivalência em tempo à disposição para a prestação do trabalho. Isso significa que, pactuado um salário de mil reais para uma unidade de tempo mês, nos moldes de oito horas diárias, quarenta e quatro horas semanais e duzentas e vinte horas mensais de trabalho, não se pode alterar nenhuma das cláusulas estipuladas, em desfavor do empregado, sob pena de nulidade.[4]

 

Além do princípio referido acima, outros tantos merecem destaque dentro das relações laborais, como o princípio da continuidade, da boa-fé, da razoabilidade, da primazia da realidade e é claro o princípio da proteção que é o grande pilar do Direito do Trabalho, o principal princípio trabalhista que vem justamente para equilibrar as relações entre empregadores e empregados. Por meio deste princípio é possível afirmar que o hipossuficiente, no caso o empregado, acaba por ganhar força na disputa por direitos. Dito princípio se divide em três subprincípios: in dubio pro operario; norma mais favorável e condição mais benéfica.

 

O primeiro deles significa que sempre que uma norma jurídica tiver mais de uma interpretação possível, deverá ser interpretada a favor da parte mais fraca da relação, ou seja, do empregado. Já o princípio da norma mais favorável terá incidência quando houver duas ou mais normas, para o mesmo caso concreto, com significados distintos, será aplicado àquela que traga mais vantagem ao trabalhador, como no exemplo das horas extraordinárias, em que a Constituição Federal diz em seu art. 7º que as horas extras serão pagas pelo menos em 50% a mais do que as horas normais, no entanto se o regulamento da empresa em que trabalha o empregado que fez horas a mais disser que sempre que um empregado realizar horas extraordinárias receberá o equivalente a 70% a mais que as horas normais, será essa norma que prevalecerá no caso em análise. Por fim, o princípio da condição mais benéfica traz a ideia de direito adquirido, pois assegura ao empregado, durante o contrato de trabalho, as condições mais vantajosas, onde a retirada de um direito ou condição que foi conquistada ao longo do contrato não poderá ser suprimida em virtude de uma modificação da empresa. Porém, se a empresa decidir dar alguma vantagem a partir de determinada data, os empregados que não detinham desses direitos passam a possuir, visto que a condição nesse caso é mais vantajosa que a anterior.[5]

 

Realizada esta breve análise no que tange aos aspectos históricos que resultaram em direitos à classe operária e princípios do Direito do Trabalho, passa-se a enfrentar a questão da duração do trabalho e prolongação da jornada de trabalho, para finalmente entrar no tema central da pesquisa que é a reforma trabalhista e a extinção das horas in itinere.

 

3 DURAÇÃO DO TRABALHO E HORAS EXTRAORDINÁRIAS

 

A duração do trabalho, do tempo em que o empregado está à disposição do empregador, realizando as tarefas ou aguardando ordens é um tema de suma importância dentro do Direito do Trabalho, visto que compreende as conquistas históricas dos trabalhadores por melhores condições de trabalho. Foi justamente por conta disso, que surgiram as primeiras leis trabalhistas, para garantir a mulheres e crianças limites no tempo de trabalho, visto que as condições anteriores acabavam por provocar acidentes de trabalho, doenças relacionadas ao grande número de horas trabalhadas e o falecimento precoce do trabalhador submetido a essas condições. Nesse mesmo sentido é o entendimento de Cinthia Oliveira e Leandro Dorneles:

 

A doutrina costuma apresentar alguns fundamentos para justificar a duração do trabalho, que reduziremos aos três mais representativos. O primeiro é de ordem biológica: o trabalho objeto do direito do trabalho é o prestado por ser humano que, como tal, precisa repor suas forças periodicamente, sob pena de pôr a perigo a sua integridade física. O segundo é de ordem social: o trabalhador, enquanto ser humano, precisa de convívio social, assim, o direito do trabalho cuida para que o trabalhador tenha tempo livre para o lazer, para o convívio com sua família e amigos. Também há fundamento econômico para a limitação do trabalho. Além de produzir mais (aumento da produtividade), o trabalhador descansado vê diminuídos os riscos nos acidentes de trabalho e de defeitos nos bens produzidos. Ainda, como imperativo da sociedade de massa, tempo livre significa possibilidade de consumo. Os setores de serviços, como se sabe, têm sua demanda incrementada em períodos de férias, finais de semana, etc.[6]

 

Como visto, toda sociedade sai ganhando com maiores direitos disponibilizados a toda classe de trabalhadores, dos mais diversos ramos. Todo ser humano precisa de momentos de descanso, para recompor as energias e voltar ao trabalho com mais motivação e menos desgaste físico, e é exatamente por esse sentido que existem as férias e que não se pode vender todos os dias de férias nem tampouco trabalhar durante as mesmas.

 

A duração do trabalho de forma ordinária é estabelecida pela Constituição Federal, também no art. 7º, no inciso XIII, do qual dispõe que são direitos de todos os trabalhadores urbanos e rurais “duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais facultada a compensação de horários e a redução de da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho”. Sendo assim, pode-se afirmar que foi estabelecido um limitador de tempo para o exercício das atividades laborais, o que não impede que as partes acordem um número inferior de horas a serem trabalhadas diariamente e semanalmente. A exceção à regra são as chamadas horas extraordinárias, ou seja, aquelas prestadas além do limite diário e/ou semanal.

 

A hora extra, portanto, é aquela que excede o número máximo estabelecido em lei, e dá ao empregado o direito de receber o valor da hora normal acrescido de um adicional de no mínimo 50%, de acordo com o mínimo constitucional. Para que ocorra a prorrogação da jornada diária de trabalho é preciso que o caso concreto esteja de acordo com uma das situações possíveis de acordo com a lei trabalhista, ou seja, que exista um acordo de prorrogação, um sistema de compensação ou uma necessidade imperiosa.[7]

 

Segundo Jorge Neto e Cavalcante “o acordo de prorrogação de horas é o ajuste fixado entre o empregado e o empregador, objetivando a realização de horas além do limite normal da duração da jornada de trabalho, mediante o pagamento das respectivas horas extras”.[8]

 

A reforma trabalhista também alterou a redação do art. 59 da CLT, mas apenas em alguns detalhes, mantendo a essência da norma legal, visto que manteve o limite de oito horas diárias e o limite de até duas horas extras por dia. Modificou, portanto, no que tange, ao acordo escrito entre empregador e empregado, quando a nova redação traz simplesmente a expressão “por acordo individual” e não mais “mediante acordo escrito entre empregador e empregado” como dizia a redação anterior. No mais, ajustou o adicional para 50% pra deixar de acordo com a Constituição Federal, enquanto a CLT antes da reforma ainda tinha a redação defasada que dizia adicional de apenas 20%.[9]

 

A segunda possibilidade de horas extras se dá em função de acordo de compensação, ou seja, o trabalhador trabalha mais horas em um dia para folgar em outro, como muitos fazem para não ter que trabalhar aos sábados. E por fim, como última hipótese se dá por necessidade imperiosa, o que significa que surgiu algum motivo muito relevante que justifique as horas complementares. Dentro desta hipótese existe a possibilidade de força maior, quando ocorre um acontecimento inevitável contra a vontade do empregador, como é o caso de uma enchente, uma catástrofe, etc., que cause algum tipo de dano ao ambiente de trabalho e que exija mais trabalho dos funcionários. Outra possibilidade seria por motivo de serviços inadiáveis como ocorre em indústria de alimentação em que precisa utilizar matéria prima perecível sob pena de perder a mercadoria.[10]

 

Passa-se, portanto, à análise das horas in itinere, que deixaram de existir com a reforma trabalhista, ou ao menos deixaram de ser uma obrigação imposta ao empregador.

 

4 DAS HORAS IN ITINERE E SUA EXTINÇÃO APÓS A REFORMA TRABALHISTA

 

As chamadas horas in itinere, ou também conhecidas como horas de deslocamento ou de trajeto, são consideradas horas extras da mesma forma, embora o empregado não esteja trabalhando de fato, nem tampouco aguardando ordens de seu superior hierárquico.

 

A previsão das referidas horas encontrava-se de forma expressa na CLT anterior à reforma, da qual rezava o § 2º do art. 58: “O tempo despendido pelo empregado até o local de trabalho e para o seu retorno, por qualquer meio de transporte, não será computado na jornada de trabalho, salvo quando, tratando-se de local de difícil acesso ou não servido por transporte público, o empregador fornecer a condução”. Destarte, para que o empregado tivesse direito a receber pelas referidas horas in itinere, ele deveria se encaixar em um dos dois requisitos legais contidos na norma, ou seja, que o empregador fornecesse transporte para o empregado quando o local de trabalho fosse de difícil acesso ou não servido por transporte público. Ora, mesmo, quando houvesse umas dessas situações descritas na norma legal se o empregador decidisse não fornecer o transporte a seu funcionário, não ficaria obrigado a pagar pelas horas de deslocamento, o que acabava desestimulando o fornecimento de transporte por parte do empregador. A intenção do legislador reformista quando retirou a obrigação do empregador de pagar pelas horas de deslocamento foi justamente a de dar um incentivo para que os empresários fornecessem transportes a seus empregados sem cobrar nada por isso, mas também sem ter que arcar com o ônus de pagar valores a mais. Parece justo pensando desta forma, afinal é um benefício que o empregado possui quando recebe transporte fornecido por seu empregador, com muito mais conforto.

 

Nesse sentido é o entendimento de Francisco Meton de Lima e Francisco Péricles de Lima: “É uma supressão de direito. No entanto, como diz Machado de Assis, o mal poderá ser o estrumo de um bem, essa solução estimula as empresas a fornecerem transporte para seus trabalhadores, sem o perigo de pagar hora extra pelo tempo gasto no trajeto”.[11]

 

A reforma trabalhista que alterou o art. 58, § 2º da CLT e, por consequência extinguiu as horas in itinere traz a seguinte redação:

 

O tempo despendido pelo empregado desde a sua residência até a efetiva ocupação do posto de trabalho e para o seu retorno, caminhando ou por qualquer meio de transporte, inclusive o fornecido pelo empregador, não será computado na jornada de trabalho, por não ser tempo à disposição do empregador”. Tal redação já se encontra em vigor e retirou dos empregados a condição de hora extra no trajeto de sua casa até o local de serviço ainda que o transporte tenha sido fornecido pelo empregador e se trate de uma das situações referidas na redação anterior. O novo dispositivo deixa claro, que o empregador não está mais obrigado a pagar os valores de deslocamento a seus empregados em nenhuma situação, a não ser que exista uma negociação coletiva em sentido contrário, mas pela norma legal, de fato, o empregador está desobrigado, “independentemente da acessibilidade, não mais será computada as horas em que o trabalhador se encontrar a caminho de seu local de trabalho, uma conquista dos empregadores em desfavor dos empregados”.[12]

 

O novo dispositivo traz uma peculiaridade bastante interessante e possivelmente equivocada, pois reza que o tempo de deslocamento entre a casa e o local de trabalho não é tido como tempo à disposição do empregador ainda quando o transporte é fornecido pelo empregador. Ora, o tempo que o empregado está se deslocando deve ser tido como tempo a serviço do empregador sim, pois o empregado não poderá estar com sua família ou amigos, não poderá estar em momentos de folga, de lazer, e sim tempo em que está inclusive com deveres perante o empregador como bem ensina Rodrigo Dias da Fonseca, ao abordar a situação mencionando que, neste tempo, o empregado já está sob a subordinação do empregador, visto que deverá estar vestido de forma correta, ou no mínimo de forma adequada, ter um comportamento apropriado perante os colegas, visto que caso contrário, poderá inclusive sofrer punições derivadas do poder disciplinar do empregador caso cometa alguma falta durante o percurso, como agredir moralmente ou fisicamente qualquer colega de trabalho ou superior hierárquico que esteja junto no transporte. Sendo assim, parece claro, que o tempo de deslocamento é sim tido como tempo à disposição do empregador.[13]

 

O tempo à disposição do empregador está descrito no art. 4º da CLT que assim dispõe: “considera-se como de serviço efetivo, o período em que o empregado estiver à disposição do empregador, aguardando ou executando ordens, salvo disposição especial expressamente consignada”. Foi justamente com base nesse dispositivo que, por analogia e com ajuda da jurisprudência que está retratada nas súmulas 90 e 320 do TST que se inspirou o antigo legislador ao criar as horas de deslocamento do antigo art. 58, § 2º da CLT. Embora pareça que nas horas de deslocamento o empregado não se encaixe no art. 4º da CLT, Vólia Bomfim Cassar compactua do mesmo entendimento referido acima, ou seja,

 

o obreiro já sente o ambiente da empresa durante o trajeto, podendo, sofrer, por exemplo, punição por justa causa se praticar alguma infração prevista no art. 482 da CLT. Não se pode esquecer também, que o patrão fornece a condução em proveito próprio, ou seja, para garantir mão de obra pontual e assídua, em que pesem as dificuldades de localização de seu empreendimento.[14]

 

Homero Batista da Silva traz pro debate algo bem significativo, quando aduz que o legislador reformista altera o art. 58, § 2º da CLT, extinguindo a obrigatoriedade do pagamento das horas itinerárias, mas esquece de revogar o art. 294 da CLTque possui uma redação semelhante ao disposto do art. 58 só que de forma específica para os trabalhos em minas subterrâneas: “o tempo despendido pelo empregado da boca de mina ao local de trabalho e vice versa será computado para o efeito de pagamento de salário”. Sendo assim, o autor questiona como conviver com duas regras opostas? E segue, mencionando que “a primeira resposta será considerar que o art. 58, §2º, corresponde a uma regra geral – trajetos não contam como horário de trabalho – e o art. 294 como regra especial – trajetos contam como horário de trabalho em casos especiais como o deslocamento dentro das instalações do empregador que explora a mineração”.[15]

 

Tais problemas cairão nas mãos do judiciário, que terá que dar uma resposta.

 

Em contrapartida, além da modificação do §2º, do art. 58 da CLT, deve-se lembrar de que o §3º do mesmo dispositivo restou revogado com a reforma. O mesmo possuía a seguinte redação: “poderão ser fixados para as microempresas e empresas de pequeno porte, por meio de acordo ou convenção coletiva, em caso de transporte fornecido pelo empregador, em local de difícil acesso ou não servido por transporte público, o tempo médio despendido pelo empregado, bem como a forma e a natureza da remuneração”. Não haveria sentido em manter o disposto no §3º, com a alteração feita no parágrafo anterior.

 

Com tudo que foi exposto resta claro que o empregado teve uma perda significativa em sua duração do trabalho e consequentemente uma redução da sua renda salarial, principalmente o trabalhador rural, em que normalmente possui essa jornada de forma mais comum e relevante.[16]

 

Por outro lado, espera-se que os empregadores passem a fornecer de forma mais efetiva e corriqueira o transporte a seus empregados para proporcionar muito mais conforto e bem estar aos funcionários, que mesmo que não venham a ganhar com isso, poderão ao menos desfrutar de uma melhor comodidade de deslocamento. Ora, com a retirada do ônus que o empregador precisaria pagar a mais aos seus empregados, existe um incentivo no fornecimento desse transporte que beneficia o próprio empregador, visto que terá os seus empregados sempre dentro do horário de início do trabalho na empresa, e ainda com mais disposição, pois vão ter chegado ao local com mais conforto e de outro lado, ganhos aos empregados que nunca tiveram o benefício de ter transporte fornecido pelo empregador, e tinham que pegar transporte público, tendo que se deslocar até as paradas de ônibus, enfrentar transportes lotados, tendo que ir em pé, algumas vezes, tendo que parar em paradas o tempo todo para pegar outros passageiros, tendo que chegar sempre na hora exata em que passa o transporte sem poder se atrasar alguns minutinhos, sob pena de perder o mesmo, e ter que aguardar o próximo e ainda sem contar no tempo que ganharão com o transporte fornecido pelo empregador, que obviamente é mais rápido que o público.[17]

 

CONCLUSÃO

 

O trabalho desenvolvido em torno da supressão das horas in itinere ocasionados pela nova redação do art. 58 da CLT que restou modificado com a reforma trabalhista traz algumas conclusões, muito embora nada em definitivo, visto que, ainda é muito recente para ter-se uma conclusão absoluta. Para tanto, ainda é necessário aguardar o que a jurisprudência decidirá nos casos concretos e o que será das súmulas do TST envolvendo a matéria.

 

Além disso, somente o futuro irá dizer se a reforma trabalhista acertou ao retirar o direito do trabalhador de receber as horas extras de deslocamento ou se isso foi um equívoco. Se por um lado, o direito do trabalhador de receber pelas horas de deslocamento nos casos previstos em lei foi suprimido, acarretando uma considerável quantia na sua remuneração final, salvo negociação coletiva em sentido contrário, o que parece óbvio que foi um retrocesso nas conquistas da classe operária, por outro lado, poderá gerar ganhos não apenas aos empresários.

 

O princípio da proteção trabalhado no primeiro capítulo, e tratado aqui, como o grande pilar do Direito do Trabalho, visa equilibrar a relação contratual, mas acima de tudo visa garantir uma proteção ao empregado, e não há maior proteção do que garantir o próprio emprego. Ora, com a garantia de que não haverá gastos com horas extras no transporte fornecido pelo empregador, o mesmo terá muito mais motivação em fornecer transporte aos seus empregados e ainda poderá gerar mais empregos, visto que não precisará arcar com valores excessivos em direitos que até então estava obrigado por lei, o que faz girar a economia e colabora com o desenvolvimento do país.

 

REFERÊNCIAS

 

CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. 12.ed. rev., atual. e amp. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2016.

 

DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 3.ed. São Paulo: Ltr, 2004.

 

DELGADO, Mauricio Godinho; DELGADO, Gabriela Neves. A reforma trabalhista no Brasil: com os comentários à Lei n. 13.467/2017. São Paulo: LTr, 2017.

 

GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Manual de Direito do Trabalho. 8.ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2015.

 

JORGE NETO, Francisco Ferreira; CAVALCANTE, Jouberto de Quadros Pessoa. Curso de Direito do Trabalho. 3.ed. São Paulo: Atlas, 2015.

 

LIMA, Francisco Meton Marques de; LIMA, Francisco Péricles Rodrigues Marques de. Reforma trabalhista: entenda ponto por ponto. São Paulo: LTr, 2017.

 

MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. 31.ed. São Paulo: Atlas, 2015.

 

MIGLIORANZI, Juliana Migot; HABERMANN, Raíra Tuckmantel. Comentários à reforma trabalhista. São Paulo: Habermann, 2017.

 

OLIVEIRA, Cínthia Machado de; DORNELES, Leandro do Amaral D. de. Direito do Trabalho. 3.ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2016.

 

FONSECA, Rodrigo Dias da. Art. 58. In: RODRIGUES, Deusmar José. Lei da reforma trabalhista: comentada artigo por artigo. Leme: JH Mizuno, 2017.

 

SILVA, Homero Batista Mateus da. Comentários à reforma trabalhista. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017.

 

STÜRMER, Gilberto. Direito Constitucional do Trabalho no Brasil. São Paulo: Atlas, 2014.

 


[1] CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. 12.ed. rev., atual. e amp. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2016, p.12.

 

[2] MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. 31.ed. São Paulo: Atlas, 2015. p.11.

 

[3] DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 3.ed. São Paulo: Ltr, 2004. p.206.

 

[4] STÜRMER, Gilberto. Direito Constitucional do Trabalho no Brasil. São Paulo: Atlas, 2014. p.41.

[

5] GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Manual de Direito do Trabalho. 8.ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2015. p.37.

 

[6] OLIVEIRA, Cínthia Machado de; DORNELES, Leandro do Amaral D. de. Direito do Trabalho. 3.ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2016. p.135.

 

[7] JORGE NETO, Francisco Ferreira; CAVALCANTE, Jouberto de Quadros Pessoa. Curso de Direito do Trabalho. 3.ed. São Paulo: Atlas, 2015. p.262.

 

[8] JORGE NETO, Francisco Ferreira; CAVALCANTE, Jouberto de Quadros Pessoa. Curso de Direito do Trabalho. 3.ed. São Paulo: Atlas, 2015. p.262.

 

[9] SILVA, Homero Batista Mateus da. Comentários à reforma trabalhista. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. p.40.

 

[10] JORGE NETO, Francisco Ferreira; CAVALCANTE, Jouberto de Quadros Pessoa. Curso de Direito do Trabalho. 3.ed. São Paulo: Atlas, 2015. p.268-9.

 

[11] LIMA, Francisco Meton Marques de; LIMA, Francisco Péricles Rodrigues Marques de. Reforma trabalhista: entenda ponto por ponto. São Paulo: LTr, 2017. p.31.

[

12] MIGLIORANZI, Juliana Migot; HABERMANN, Raíra Tuckmantel. Comentários à reforma trabalhista. São Paulo: Habermann, 2017. p.45.

 

[13] FONSECA, Rodrigo Dias da. Art. 58. In: RODRIGUES, Deusmar José. Lei da reforma trabalhista: comentada artigo por artigo. Leme: JH Mizuno, 2017, p.46.

 

[14] CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. 12.ed. rev., atual. e amp. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2016. p.622.

 

[15] SILVA, Homero Batista Mateus da. Comentários à reforma trabalhista. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017.p.36.

 

[16] DELGADO, Mauricio Godinho; DELGADO, Gabriela Neves. A reforma trabalhista no Brasil: com os comentários à Lei n. 13.467/2017. São Paulo: LTr, 2017. p.122.

 

[17] FONSECA, Rodrigo Dias da. Art. 58. In: RODRIGUES, Deusmar José. Lei da reforma trabalhista: comentada artigo por artigo. Leme: JH Mizuno, 2017. p.49.

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