CAPACIDADE ECONÔMICA DA CONTRATADA: REQUISITO À TERCEIRIZAÇÃO

 

 

 

RAFAEL DA SILVA MARQUES

Juiz do Trabalho/RS, Membro da Associação Juízes para a Democracia - AJD.

 

 

 

Muito já se discutiu e ainda se discute sobre a subcontratação de trabalhadores no Brasil[1]. Inclusive foi ela tema de uma ADPF (de constitucionalidade duvidosa) e que tramitou no STF e que decidiu pela possibilidade de terceirização ampla. O objetivo deste texto, ao contrário de outros que já escrevi, não é questionar a inconstitucionalidade ou não da terceirização e nem tratar de do binômio atividade-fim atividade-meio ou da responsabilidade.

 

O tema é outro, mais precisamente o que está estampado no artigo 4º-A, “caput”, da lei 6.019/74, redação da lei 13.467/17.

 

Consta do artigo 4º-A da lei 6.019/74 que “Considera-se prestação de serviços a terceiros a transferência feita pela contratante da execução de quaisquer de suas atividades, inclusive sua atividade principal, à pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviços que possua capacidade econômica compatível com a sua execução”. Como se pode ver, além de permitir a terceirização geral e irrestrita, inclusive da atividade principal da empresa, hoje, a fim de que seja legal a terceirização, a empresa prestadora dos serviços DEVE possuir capacidade econômica compatível com a execução dos serviços terceirizados. Este requisito, que antes da edição da lei 13.467/17, não existia, hoje, limita a subcontratação de trabalhadores.

 

Isso não quer dizer que a empresa não possa funcionar. O funcionamento da empresa prestadora deve observar o que está dito no artigo 4-B, mais precisamente como está no inciso III do mesmo artigo da lei 6.019/74[2], possuir capital social compatível com o número de empregados.

 

Não significa, contudo, possa deixar de observar o que consta do artigo 4-A, “caput”, da lei 6.019/74. Pode a empresa prestadora funcionar normalmente mas para contratar, para que haja contrato válido, deve demonstrar capacidade econômica compatível com a execução do contrato. A não-demonstração desta capacidade econômica leva, necessariamente, à ilegalidade da terceirização (pois que é uma não terceirização) e ao reconhecimento do vínculo de emprego diretamente para com a tomadora de serviços. Isso porque não se operou terceirização, como dito, e sim intermediação ilegal de mão de obra, à revelia da lei, o que culmina, também na multa prevista no artigo 19-A, “caput”, da lei 6.019/74[3].

 

Registro não há falar em responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, aquela do artigo 5º-A, parágrafo quinto, da lei 6.019/74[4], pois que esta aplica-se apenas e tão-somente para casos de terceirização lícita, o que não é o caso, pois que desrespeitado o artigo 4º-A, “caput”, da dita lei, a saber a demonstração da capacidade econômica compatível com a execução do contrato.

 

Ainda, lembro ao leitor que, ao contrário do que ocorria antes, quando a terceirização constava da súmula de jurisprudência 331 do TST[5] e da ADC 16 do STF [6], atualmente o poder público pode deixar de contratar empresa que não demonstre a capacidade econômica compatível com a execução do contrato, deixando se ser, agora, apenas e tão-somente o melhor preço como requisito à contratação. Mesmo a lei 8666/93 e decreto-lei 200/67, passam a sujeitar-se às novas regras atinentes à terceirização. É que embora as regras de contratação terceirizada pela administração observem o que preceitua o artigo 10 do decreto-lei 200/67[7] e a lei 8.666/93, a contratada, prestadora de serviços, deverá comprovar que possui capacidade econômica compatível com a execução do contrato, o que, pelo princípio da legalidade, aplica-se, igualmente ao ente público.

 

Se a terceirização, no Brasil, hoje, toca a toda e qualquer atividade de forma indistinta e coloca em risco a estabilidade econômica nacional, fragilizando a classe operária e o movimento sindical, aumentando ainda mais os lucros da produção em proveito do grande capital, o certo é que, pela própria lei, há de se observar a capacidade econômica da prestadora na hora de contratar. Não havendo demonstração inequívoca disso, não haverá terceirização, sendo caso de intermediação ilegal de mão de obra, aplicação de multa pela fiscalização do trabalho, e reconhecimento do vínculo de emprego diretamente para com o tomador dos serviços, com todas as consequências que daí decorrem, conforme artigos 2º e 3º da CLT[8].

 

A lei, na verdade, “apequenou” ainda mais a classe trabalhadora, mas trouxe este alento protetivo que deve seguir como norte quando da contratação e também na interpretação por parte dos tribunais. Aqui, chamo a atenção ao que preceitua o artigo 7º, “caput”, da CF/88: melhora da condição social dos trabalhadores[9], regra-princípio esta que se aplica a todos, poder privado e serviço público, incluindo, aí, a interpretação por parte dos magistrados.

 


[1] Recomendo, VARGAS, Luiz Alberto de, STF-DELOREAN? DE VOLTA PARA O PASSADO?, no prelo.

 

[2] Art. 4o-B.  São requisitos para o funcionamento da empresa de prestação de serviços a terceiros: (...); III - capital social compatível com o número de empregados, observando-se os seguintes parâmetros: (...).

 

[3] Art. 19-A.  O descumprimento do disposto nesta Lei sujeita a empresa infratora ao pagamento de multa.  

 

[4] Art. 5o-A.  Contratante é a pessoa física ou jurídica que celebra contrato com empresa de prestação de serviços relacionados a quaisquer de suas atividades, inclusive sua atividade principal. (...). §5o A empresa contratante é subsidiariamente responsável pelas obrigações trabalhistas referentes ao período em que ocorrer a prestação de serviços, e o recolhimento das contribuições previdenciárias observará o disposto no art. 31 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991.

 

[5] Súmula nº 331 do TST - CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE (nova redação do item IV e inseridos os itens V e VI à redação) - Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011

 I - A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974). 

 II - A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988).   
III - Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.   
IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.   
V - Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada. 

 VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral.

 

[6] http://redir.stf.jus.br/ paginadorpub/paginador .jsp?docTP=AC&docID=627165 – (acesso 28 de agosto de 2018, às 8h32min).

 

[7] Art. 10. A execução das atividades da Administração Federal deverá ser amplamente descentralizada.

 

[8] Art. 2º - Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.

Art. 3º - Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.

 

[9] Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (...).

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2018