A APOSENTADORIA PARA O TRABALHADOR INTERMITENTE

 

 

 

FERNANDA MARDERS

Mestra em Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul - Brasil. Mestre em Direitos Humanos pela Universidade do Minho - Portugal.

 

ELISÂNGELA FURIAN FRATTON

Mestre em Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC-Brasil; Mestre em Direitos Humanos pela Universidade do Minho - UMINHO - Portugal. Advogada.

 

 

Resumo: Este ensaio, aborda a temática do contrato de trabalho intermitente e a possibilidade do empregado que aderir a esse tipo de modalidade contratual trazida pela reforma trabalhista de 2017 requerer o benefício previdenciário de aposentadoria. Inicialmente, relata sobre o conceito de trabalho intermitente, e posteriormente, verifica aspectos relativos a algumas aposentadorias do sistema previdenciário. Confrontando o direito do trabalho e o direito previdenciário, se observou que a falta de um regramento previdenciário para contemplar o trabalho intermitente faz com que o trabalhador esteja em um limbo jurídico que poderá lhe ocasionar enormes prejuízos pessoais como também para a sociedade futuramente.

 

Palavras-chave: Aposentadoria. Contrato de trabalho intermitente. Direito do trabalho. Direito previdenciário. Sociedade.

 

SUMÁRIO: 1 Considerações iniciais. 2 O trabalho intermitente. 3 As contribuições previdenciárias para o alcance da aposentadoria. 4 O enquadramento do trabalhador intermitente para o requerimento de aposentadoria perante a previdência social. 5 Considerações finais. Referências.

 

 

 

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

 

Para a maioria da sociedade, a sobrevivência é tirada das atividades laborativas, perfazendo-se na conclusão de que o trabalho está intrínseco na sociedade e com ela evolui ou retrocede, a depender da visão obtida em virtude das alterações legislativas que envolvem o direito do trabalho.

 

Nesse sentido, a reforma trabalhista ocorrida no ano de 2017 tem sido alvo de críticas pelos estudiosos do assunto, perpassando o direito individual até o direito coletivo. Tudo isso, tendo o fundamento de garantir novos postos de trabalho e a colocação de boa parte dos desempregados no mercado de trabalho formal. Para tanto, o legislador instituiu a possibilidade do contrato de trabalho intermitente, ou seja, a garantia de uma relação empregatícia sem, contudo, a continuidade da prestação do trabalho, visto que com base nesse tipo de contrato o trabalhador poderá vir a ser chamado para exercer atividade somente quando seu empregador tiver necessidade de tal prestação.

 

Percebe-se que o trabalho intermitente não é um trabalho autônomo, apesar de ter características que o levam a essa condição, mas sim é uma relação de emprego sem o requisito da continuidade e da onerosidade mensal. Em vista do contrato de trabalho intermitente, o presente artigo irá se desenvolver por meio do método dedutivo, abordando o assunto de forma mais ampla até chegar a um ponto mais específico, ou seja, falando de forma geral do trabalho intermitente até a análise da condição previdenciária frente a essa nova modalidade contratual trabalhista.

 

Ademais, utilizar-se-a o tipo de pesquisa qualitativo uma vez que não serão usados procedimentos estatísticos mas apenas a análise dos elementos em sua forma natural. Para tanto, far-se-á o uso de instrumentos bibliográficos, como doutrina especializada em direito do trabalho e também em direito previdenciário, e documentais, como a Consolidação das Leis do Trabalho de 1943, Constituição Federal de 1988, entre outras.

 

De modo a contemplar o método escolhido, a primeira seção irá abordar aspectos importantes sobre o trabalho intermitente, trazendo conceito da doutrina e da própria legislação vigente na atualidade; posteriormente, abordar-se-á sobre um dos componentes da seguridade social, qual seja, a previdência com enfoque especial para os benefícios previdenciários abrangidos por ela; por fim, caberá analisar a relação do trabalhador em contrato de trabalho intermitente frente a um regramento previdenciário que não prevê uma contribuição pautada nas condições contributivas do trabalhador intermitente. Nesse contexto, passa-se a análise das condições do trabalho intermitente.

 

2.  O TRABALHO INTERMITENTE

 

O trabalho intermitente foi uma das inovações trazidas pela reforma trabalhista ocorrida no ano de 2017 por intermédio da Lei n. 13.467 que modificou substancialmente o mundo do trabalho. Assim, o art. 443 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que estabelece diretrizes para o contrato de trabalho, passou a determinar que esse poderá ser celebrado “[…] para prestação de trabalho intermitente”. O  conceito de trabalho intermitente encontra-se previsto no parágrafo terceiro do art. 443 da CLT, do qual se extrai:

 

Considera-se como intermitente o contrato de trabalho no qual a prestação de serviços, com subordinação, não é contínua, ocorrendo com alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade, determinados em horas, dias ou meses, independentemente do tipo de atividade do empregado e do empregador, exceto para os aeronautas, regidos por legislação própria.

 

Do exposto, pode-se observar a quebra de paradigmas que até a alteração embasavam a diferença entre trabalho e emprego, ou seja, pelo que se apresenta nos arts. 2º e 3º da CLT, tem-se que a relação empregatícia configura-se pela pessoalidade, subordinação, habitualidade e onerosidade; faltando um desses requisitos, teria-se uma relação de trabalho, mas não uma relação de emprego.

 

No entanto, o mencionado dispositivo legal abre margem para uma relação empregatícia sem a contínua prestação de serviço e sem uma remuneração, já que permite a existência do contrato de trabalho mesmo com a possível inatividade da prestação laboral e a consequente falta de remuneração. Como menciona Delgado e Delgado (2017, p. 155) o novo ditame celetista “[…] parece querer criar um contrato de trabalho sem salário. Ou melhor: o salário poderá existir, ocasionalmente, se e quando o trabalhador for convocado para o trabalho, uma vez que ele terá o seu pagamento devido na estrita medida desse trabalho ocasional”.

 

Além do exposto no art. 443, a Lei n. 13.467/2017 também acresceu ao texto da CLT o art. 452-A para tratar dessa nova modalidade laboral. Do caput do artigo, extraí-se a necessidade de sua celebração ser feita por contrato escrito, não sendo possível ser realizado verbalmente ou de forma tácita. Tal, deverá ainda abordar a especificação do valor da hora de trabalho, que não poderá ser inferior ao valor hora do salário mínimo ou daquele pago para os demais empregados em mesma função, estando o paradigma em contrato intermitente ou não.

 

Ao criticar o contrato de trabalho intermitente, Cassar apresenta uma nova denominação para o instituto:

 

O contrato intermitente é aquele que alterna períodos de atividade (trabalho) e inatividade (não trabalho), sendo que estes não são computados nem remunerados. A maior característica do contrato intermitente não é apenas a alternância dos períodos de atividade com de inatividade, mas a imprevisibilidade do trabalho, dos períodos de serviço efetivo e de inação. Este tipo de contrato também é chamado de “contrato-zero”. Isto significa que o trabalhador será admitido, com carteira assinada, para não trabalhar, até que, quem sabe um dia, seja chamado para o trabalho. Desta forma, seu contrato será para “zero” trabalho imediato (CASSAR, 2018, p. 511).

 

Tentando estabelecer maiores propriedades ao “contrato-zero” ou contrato de trabalho intermitente, o art. 452-A da CLT desdobra-se em parágrafos que especificam aspectos como a forma de convocação do empregado para o trabalho nos momentos em que o empregador necessitar, constando do § 1º que o trabalhador deverá ser convocado com pelo menos três dias de antecedência a prestação laboral, por algum meio que seja eficaz; tendo o prazo de um dia útil para responder o chamado (§. 2º), ou ficar em silêncio, forma essa que caracteriza a recusa do empregado mas não configura insubordinação para fins desse tipo de contrato (§ 3º).

 

Cabe lembrar, no entanto, que uma vez feita e aceita a oferta, a parte que descumprir a prestação do labor sem motivo, deverá pagar a outra uma multa de 50% (cinquenta por cento) do valor que seria devido caso o trabalho tivesse sido realizado (§ 4º). Mas, se concretizada a prestação do trabalho, ao final de cada período, o empregado receberá sua remuneração com férias proporcionais e acréscimo de um terço, décimo terceiro salário proporcional, repouso semanal remunerado e adicionais legais pertinentes (§ 6º), devendo todas as verbas estarem discriminadas no recibo de pagamento (§ 7º).

 

O trabalhador em contrato intermitente, assim como os demais, também terá direito a férias em cada doze meses, ou seja, durante o período em que estiver em gozo do seu descanso, não poderá ser convocado para prestar serviço ao mesmo empregador (§ 9º); podendo, contudo, estar em atividade para outro empregador, pois é plenamente possível que esse trabalhador tenha diversos outros contratos de trabalho, intermitentes ou não, conforme pode-se entender da redação do § 5º, do art. 452-A, do texto celetista.

 

Por fim, mas não menos importante, consta do § 8º, do art. 452-A da CLT que restará o empregador o dever de: “[…] recolhimento da contribuição previdenciária e o depósito do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, na forma da lei, com base nos valores pagos no período mensal e fornecerá ao empregado comprovante do cumprimento dessas obrigações”.

 

Com essa redação, fora os outros problemas existentes no que diz respeito ao contrato de trabalho intermitente, tem-se a instauração do caos que perdura no tempo e se mostrará de forma mais efetiva quando o trabalhador, submetido a esse tipo de contratação, quiser requerer sua aposentadoria.

 

Nota-se que em todo tempo, apesar do artigo ludibriar a guarda para que o contrato intermitente seja realizado de forma a garantir os direitos do ser humano trabalhador, ao adentrar na esfera previdenciária, a questão é alterada e apesar de o parágrafo 8º, do art. 452-A da CLT garantir o recolhimento da contribuição previdenciária por parte do empregador, o problema se instaura no momento em que a prestação laboral não é realizada mensalmente, pois o contrato intermitente possibilita a continuação do vínculo mesmo em inatividade ou ainda, quando o valor a ser recebido pelo empregado ao laborar algumas horas por mês, não é suficiente para contemplar os requisitos da lei previdenciária para assegurar, no futuro, a aposentadoria para o trabalhador. Fixa-se que o trabalhador poderá não ter contribuições previdenciárias todos os meses, ou tê-las, mas de forma insuficiente e inexpressiva.

 

De forma a detalhar um pouco melhor o que ocorre, a seção seguinte abordará aspectos relevantes relativos a lei previdenciária e as aposentadorias, perpassando no contexto de recolhimento e contribuição previdenciária de modo a ser possível o enquadramento para o recebimento do benefício.

 

3. AS CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS PARA O ALCANCE DA APOSENTADORIA

 

A seguridade social, conforme disposto na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CF), no art. 194, caput, é composta por um conjunto de ações que envolve tanto o Poder Público como a sociedade, visando garantir saúde, assistência social e previdência social, sendo assim, financiada por toda a sociedade (art. 195, CF).

 

Nesse interim, enquanto que a saúde é direito de todos (art. 196, CF) e a assistência social é prestada a todos que dela necessitarem (art. 203, CF), a previdência social, por sua vez, é garantida sob caráter contributivo, ou seja, participam dela somente aqueles que contribuirem para o sistema (art. 201, CF). Assim, Castro e Lazzari (2017, p. 55) descrevem que:

 

Previdência Social é o sistema pelo qual, mediante contribuição, as pessoas vinculadas a algum tipo de atividade laborativa e seus dependentes ficam resguardadas quanto a eventos de infortunística (morte, invalidez, idade avançada, doença, acidente de trabalho, desemprego involuntário), ou outros que a lei considera que exijam um amparo financeiro ao indivíduo (maternidade, prole, reclusão), mediante prestações pecuniárias (benefícios previdenciários) ou serviços.

 

Pautado no princípio da solidariedade, dentre outros, o sistema previdenciário é garantido por meio da contribuição de cada um para o benefício de todos, não sendo formadas reservas individuais, os ativos financiam os que estão em inatividade. No entanto, fixa-se o entendimento de que em sendo necessário, devido a determinada contingência ocorrida, àquele que contribuiu, o beneficiário, terá sua sobrevivência garantida pelo sistema previdenciário, ou ainda, “[…] as normas buscam amparar os trabalhadores (…) quando vitimados por eventos, reais ou presumidos, que venham a produzir uma perda integral ou parcial dos rendimentos familiares ou despertem outra necessidade considerada socialmente relevante” (ROCHA; BALTAZAR JUNIOR, 2017, p. 6).

 

Uma dessas necessidades pode ocorrer no momento em que o trabalhador para de exercer atividade laboral com a consequente perda dos seus rendimentos, necessitando do auxílio do Estado, por meio da Previdência Social, para garantir um mínimo mensal de forma a possibilitar o seu próprio sustento e de sua família. Para tanto, para que o benefício previdenciário lhe seja devido, faz-se necessário que esse trabalhador tenha contribuído para o sistema em períodos determinados, a depender do tipo de benefício que se irá pleitear.

 

Na atualidade, com base no Regime Geral de Previdência Social (RGPS) é possível ao beneficiário requerer, dependendo o caso, a aposentadoria por invalidez, aposentadoria por idade, aposentadoria por tempo de contribuição ou aposentadoria especial (art. 18, Lei n. 8.213/1991), tendo cada uma delas requisitos que devem ser preenchidos para que o beneficiário possa ser enquadrado, como o tempo de carência exigido, que para a aposentadoria por invalidez é de 12 (doze) meses exceto quando se tratar de aposentadoria por invalidez acidentária (espécie B 92) ou aposentadoria por invalidez previdenciária (espécie B 32) oriunda de acidentes de qualquer natureza e para doenças consideradas graves (art. 26, II, Lei n. 8.213/1991); para as demais, a carência será de 180 (cento e oitenta) contribuições mensais ou 15 (quinze)  anos (art. 25, II, Lei n. 8.213/1991).

 

A aposentadoria por invalidez será concedida aquele que ficou incapaz para o trabalho sem perspectiva de volta ou de reabilitação para o exercício de atividade que possa lhe dar condições de subsistência (art. 42, da Lei n. 8.213/1991). Já a aposentadoria especial, conforme o art. 57, da Lei n. 8.213/1991, “[…] será devida, uma vez cumprida a carência exigida nesta Lei, ao segurado que tiver trabalhado sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme dispuser a lei”.

 

No que diz respeito a aposentadoria por idade, seu requisito fundamental, dentre outros, é a idade, fazendo jus a essa aposentadoria aquele que alcançar 65 (sessenta e cinco) anos se homem e 60 (sessenta) anos se mulher (art. 48, caput, Lei n. 8.213/1991); sendo diminuída em 5 (cinco) anos se for trabalhador(a) rural (art. 48, § 1º, Lei n. 8.213/1991), com exceção para os casos de aposentadoria híbrida, possível quando os trabalhadores rurais tiverem computado o período requerido com períodos em atividade em outra categoria de segurado, em que não será possível a redução dos 5 (cinco) anos (art. 48, § 3º, Lei n. 8.213/1991).

 

Dentro da aposentadoria por idade, encontra-se ainda a possibilidade da aposentadoria compulsória, que pode ser requerida pela empresa, desde que o segurado tenha cumprido os requisitos exigidos pela Lei e tenha completado 70 (setenta) anos de idade se homem e 65 (sessenta e cinco) anos se mulher (art. 51, Lei n. 8.213/1991). Na prática essa modalidade não é muito usada, além de ser tema de discussão na doutrina a sua aplicabilidade, visto que a aposentadoria é um direito garantido ao trabalhador, facultado a ele o exercício ou não desse benefício.

 

A aposentadoria por tempo de contribuição, efetivada pela Emenda Constitucional nº 20/1998, deixou para trás o sistema de aposentadoria por tempo de serviço, “[…] passando a valer o tempo de contribuição efetiva para o regime previdenciário, não sendo mais concedida aposentadoria proporcional para quem entrou no mercado de trabalho depois da publicação da Emenda” (CASTRO; LAZZARI, 2017, p. 731). A partir disso, para a aposentadoria por tempo de contribuição requer-se 35 (trinta e cinco) anos de tempo de contribuição para o homem e 30 (trinta) anos para a mulher (art. 201, § 7, I, CF).

 

Ademais, preenchidos esses requisitos, também deverá o beneficiário ter contribuído para a previdência para conseguir requerer a aposentadoria. O valor de contribuição irá variar dependendo do enquadramento de segurado que esse se encontrar. O empregado, empregado doméstico e trabalhador avulso (art. 11, incisos I, II e VI, respectivamente, da Lei n. 8.213/1991) irão contribuir com alíquota de 8, 9 ou 11% com base no salário-de-contribuição mensal (art. 20, Lei n. 8.212/1991). O contribuinte individual e o facultativo, contribuirão, como regra, em 20% sobre o salário-de-contribuição (art. 21, caput, Lei n. 8.212/1991).

 

A lei, no entanto, abre exceções para o contribuinte individual e facultativo de forma a reduzir o percentual de contribuição. Assim, dispõe o art. 21, § 2º, da Lei n. 8.212/1991 que: "No caso de opção pela exclusão do direito ao benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, a alíquota de contribuição incidente sobre o limite mínimo mensal do salário de contribuição será de”: 5% para o Micro Empreendedor Individual - MEI (art. 18-A, LC n. 123/2006) e para o trabalhador doméstico, contribuinte facultativo, que pertence a família de baixa renda e não possua renda própria; 11% para o contribuinte individual que trabalhe por conta própria e para o facultativo que não se enquadrar no trabalhador doméstico de baixa renda. Mas, apesar da redução, o contribuinte deve ter claro que a lei determinada que nesses casos não será possível o requerimento de aposentadoria por tempo de contribuição, mas sim, somente, da aposentadoria por idade (art. 21, § 3º, Lei n. 8.212/1991).

 

Veja-se então que apesar da possibilidade de receber o benefício de aposentadoria, para que isso ocorra, é preciso mais do que o simples decurso do tempo, ou seja, faz-se necessário que tenha ocorrido contribuição por parte daquele que quer ter concretizado o benefício. Nesse sentido, a lei previdenciária estabelece condições diferenciadas de contribuição a depender do enquadramento do segurado e apesar de não garantir a equivalência entre o que se contribuiu para com o valor que se poderá receber, algumas normas são impostas para que aqueles que contribuíram menos não possam usufruir de todos os benefícios, como ocorre com o MEI que se não vier a fazer contribuições complementares para a previdência terá a sua disposição a aposentadoria por idade mas não a aposentadoria por tempo de contribuição.

 

A prestação previdenciária não deixa de ser garantida, mas impõe limites necessários para que seja possível a sua manutenção. Ocorre que, o trabalhador em contrato de trabalho intermitente não se enquadra propriamente em nenhuma categoria de contribuinte delineada pela lei na atualidade, ficando ele em um limbo jurídico que lhe causará prejuízos futuros. Com base nisso, faz-se importante delinear a questão do trabalhador com contrato de trabalho intermitente em um mundo tão complexo e com tantas regras como é o previdenciário, tema que se passa a estudar.

 

4. O ENQUADRAMENTO DO TRABALHADOR INTERMITENTE PARA O REQUERIMENTO DE APOSENTADORIA PERANTE A PREVIDÊNCIA SOCIAL

 

Dependendo do enquadramento do segurado (empregado, empregado doméstico, contribuinte individual, trabalhador avulso, segurado especial e facultativo), será analisado o valor correspondente a sua contribuição. No entanto, apesar da diferença de percentuais, semelhante a todos é o fato de contribuirem, visto que, o sistema previdenciário brasileiro é pautado na contribuição.

 

Ocorre que, a lei determina quais serão os percentuais e sobre o que eles serão calculados, ou seja, a norma posta define o que será o salário de contribuição de cada segurado e o consecutivo percentual de participação no financiamento da previdência social. Nesse sentido, para o empregado (caso em que se enquadra o trabalhador intermitente) e o trabalhador avulso, o salário de contribuição é o valor de remuneração auferido por ele no mês que tenha o intuito de retribuir pelo trabalho que foi prestado (art. 28, I, Lei n. 8.212/1991), devendo observa-se o que se enquadra como rendimento para fins previdenciários (art. 457, CLT e art. 28, § 9º, Lei n. 8.212/1991).

 

Para os empregados domésticos, o salário de contribuição equivale a remuneração registrada na CTPS (Carteira de Trabalho e Previdência Social) (art. 28, II, Lei n. 8.212/1991); no caso do contribuinte individual, "a remuneração auferida em uma ou mais empresas ou pelo exercício de sua atividade por conta própria, durante o mês”, observado o teto da previdência em cada ano (art. 28, III, Lei n. 8.212/1991); e, para o segurado facultativo, será o valor que ele declarar limitado ao teto da previdência (art. 28, IV, Lei n. 8.212/1991).

 

Mas, o que todos eles tem em comum, é o determinado pelo art. 28, § 3º, da Lei n. 8.212/1991, que dispõe: "O limite mínimo do salário-de-contribuição corresponde ao piso salarial, legal ou normativo, da categoria ou, inexistindo este, ao salário mínimo, tomado no seu valor mensal, diário ou horário, conforme o ajustado e o tempo de trabalho efetivo durante o mês”.

 

Tendo a lei previdenciária como fundo, a Medida Provisória n. 808/2017, vigente até 23 de abril de 2018, acrescentou as alterações trazidas pela Lei n. 13.467/2017 o art. 911-A, § 1º, que estabelecia:

 

Os segurados enquadrados como empregados que, no somatório de remunerações auferidas de um ou mais empregadores no período de um mês, independentemente do tipo de contrato de trabalho, receberem remuneração inferior ao salário mínimo mensal, poderão recolher ao Regime Geral de Previdência Social a diferença entre a remuneração recebida e o valor do salário mínimo mensal, em que incidirá a mesma alíquota aplicada à contribuição do trabalhador retida pelo empregador (grifou-se).

 

O verbo que o parágrafo utilizava é poderão, dando ao empregado a opção de fazer o recolhimento complementar. Contudo, o § 2º do mesmo dispositivo estabelecia que caso não fosse feito o recolhimento complementar do disposto anterior, no mês que a remuneração total do empregado, com base em todos os seus contratos empregatícios, não alcançasse um salário mínimo mensal, essa não seria computada para fins de aquisição e manutenção da qualidade de segurado do RGPS, além de não ser computado como período de carência para fins de concessão de algum benefício previdenciário. Essa redação, impunha ao empregado a obrigação de recolhimento complementar caso quisesse manter a sua condição de segurado da previdência social e por consequência, requerer futuramente um benefício de aposentadoria, por exemplo.

 

Com base no artigo celetista, a Receita Federal já tinha se manifestado criando um código próprio para o recolhimento complementar e dispondo, por meio do Ato Declaratório Interpretativo RFB n. 6/2017, a data limite de recolhimento complementar da contribuição previdenciária. Mas, essas disposições impediam que o trabalhador em contrato de trabalho intermitente que contribuísse para a previdência social com base em valor inferior ao salário mínimo pudesse se intitular como segurado da previdência social.

 

Ocorre que, a Medida Provisória não foi convertida em lei dentro do prazo limite estipulado para que isso ocorresse e perdeu a validade em abril de 2018 fazendo com que, o art. 911-A, acrescido pela MP, também não tivesse mais validade. Apesar disso, o trabalho intermitente que foi trazido pela Lei n. 13.467/2017 continua em vigência com todas as suas dúvidas, dentre elas a questão previdenciária quando de contrato de trabalho intermitente.

 

Apesar de ser impróprio de realização o que dispunha o art. 911-A da CLT, pois se o empregado não conseguiu em um mês levantar pelo menos um salário mínimo possivelmente o pagamento de uma contribuição complementar seria impossível além de determinar que mesmo tendo contribuído esse trabalhador não seria segurado, a norma ainda contemplava uma certa direção para a situação. No entanto, o que se tem no momento é que a lei não diz que esse trabalhador não será segurado mas também não lhe garante de forma concreta a possibilidade de usufruir dos benefícios previdenciários.

 

Veja-se que o disposto no art. 28, § 3º, Lei n. 8.212/1991 dispõe que será o limite mínimo do salário de contribuição o salário mínimo com base em seu valor mensal, diário ou horário, perfazendo-se no entendimento de que o trabalhador em contrato intermitente não perde a condição de segurado uma vez que a ele é garantido o pagamento do valor hora nunca inferior ao salário mínimo, contribuindo assim com base em seu valor hora e dentro do que dispõe o citado parágrafo.

 

Contribuindo e sendo segurado, esse trabalhador terá direito a usufruir dos benefícios previdenciários. No entanto, a discussão que deve ser determinada é com relação ao tipo de benefício que lhe é devido, se todos ou apenas alguns, e como será possível determinar, por exemplo, o valor que esse segurado irá receber a título de benefício.

 

O salário de benefício do segurado é estabelecido, para a aposentadoria por idade, por tempo de contribuição e aposentadoria especial, tendo como base o salário de contribuição. Assim, em uma regra geral, quanto maior o salário de contribuição maior o salário de benefício que será devido ao segurado no momento de requerimento do benefício de aposentadoria.

 

Ademais, estabelece o art. 201, § 2º, da Constituição que: “Nenhum benefício que substitua o salário de contribuição ou o rendimento do trabalho do segurado terá valor mensal inferior ao salário mínimo”. Assim, o valor a ser garantido para qualquer beneficiário da previdência social, salvo alguns auxílios (auxílio doença, salário família), não será pago em valor inferior ao salário mínimo, em decorrência disso, também se estende ao trabalhador intermitente.

 

Tem-se também que obrigatoriamente não se contribuiu no exato valor ao qual se irá receber, apesar de ter uma relação, visto que quem mais contribuir mais irá receber. Mas, levando-se em consideração que o trabalho intermitente pode ou não ocorrer, podendo ou não ser todos os meses, podendo ou não ser de várias horas em um mesmo dia, a instabilidade quanto a contribuição previdenciária se instaura visto que esse trabalhador poderá ter 12 contribuições em um ano como também poderá não ter nenhuma e continuar a ter relação empregatícia. Parece ser contraditório ter um contrato de trabalho ativo mas não estar trabalhando.

 

Assim, indo contrariamente a regra, esse trabalhador poderá estar em uma relação empregatícia mas não estar contribuindo para o sistema previdenciário e, sucessivamente, não ter o direito de no futuro requerer sua aposentadoria. Ou, ainda, estar contribuindo com um valor mensal irrisório que nem de longe poderá ajudar o sistema previdenciário a se manter, pois tem-se que ter em mente que os ativos mantem os inativos e se a constituição laboral for formada por trabalhadores intermitentes em abundância o sistema financeiro previdenciário se torna escasso e insustentável.

 

A problemática vai além da simples concessão de um benefício mas se irradia por toda a sociedade, como em um círculo em que se um dos pedaços falhar, não irá existir a continuidade. A lei previdenciária criou possibilidades de contribuições em percentuais menores sobre o valor do salário mínimo, como por exemplo para o Micro Empreendedor Individual, mas também lhe restringiu a aposentadoria por idade, exceto nos casos em que ele recolha de forma complementar.

 

Nota-se que as variáveis impostas ao trabalho intermitente são grandes e necessitam ser revistas de modo a fazer com que o trabalhador nesse tipo de contrato entenda verdadeiramente quais são as suas possibilidades futuras para não correr o risco de cair em uma armadilha. Apesar de já existir Projeto de Lei (PL) proposto perante a Câmara dos Deputados para revogar todos os dispositivos que tratam sobre o trabalho intermitente, argumentando-se que “na?o resta du?vida que o trabalho intermitente frustra a garantia do pleno emprego, uma vez que havera? contrato de trabalho sem trabalho e sem sala?rio nos peri?odos de inatividade, por interesse exclusivo do empregador” (PL n. 9.467/2018), fato é que até o presente momento os dispositivos continuam em vigor causando instabilidade e provavelmente grande confusão para aqueles que estão enquadrados nessa modalidade no futuro.

 

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

É inegável que foi grande a mudança ocorrida na legislação trabalhista brasileira no ano de 2017. Encontrando críticas positivas e negativas, as alterações impactaram a vida laboral e a forma de realização dos contratos de trabalho. Isso pois, a partir da reforma, os contratos de trabalho poderão ser realizados com cláusula de trabalho intermitente, ou seja, regra que dá ao empregador a possibilidade de chamar o empregado para laboral somente quando tiver necessidade da prestação do serviço.

 

Nota-se no entanto, que a relação empregatícia se perdura no tempo, mas, não quer dizer que o requisito da continuidade e até mesmo da onerosidade serão encontrados. O contrato de trabalho existirá, mas a prestação laboral poderá não ocorrer e em consequência, sem trabalho sem salário. Isso é o que torna possível a reforma trabalhista e o contrato de trabalho intermitente por ela delimitado.

 

Ocorre que, ao ser idealizado, infelizmente, fora feito deixando vários aspectos obscuros, como o que diz respeito ao direito previdenciário que não está preparado para esse tipo contratual. Como o empregado poderá não ter renda, ou ainda, tendo-a, ser esta abaixo do salário mínimo mensal, a contribuição para a previdência social também ficará escassa e vinculada ao valor que o empregado realmente recebeu pelas horas de trabalho prestadas.

 

Tal possibilidade deu razão aos ajustes ocorridos por meio da Medida Provisória n. 808/2017, que, no entanto, não foi revertida em lei perdendo sua validade em abril de 2018. A MP, no entanto, estabelecia que o empregado que não tivesse pelo menos um salário mínimo como salário de contribuição no mês, oriundo de todas as suas relações de trabalho, deveria complementar o valor arrecadado por seus empregadores, de modo a garantir que continuasse a ser segurado da previdência social.

 

Mas, como a MP não mais tem validade, na atualidade não é possível encontrar uma direção coerente para a situação. O trabalhador em contrato de trabalho intermitente será segurado da previdência social, mas a possibilidade de usufruir dos benefícios, como a aposentadoria, ainda não é garantida. A análise contudo, vai além do simples trabalhador visto que o sistema previdenciário é pautado na contribuição, ou seja, os ativos financiando os inativos. O trabalhador intermitente poderá contribuir com uma parcela talvez muito pequena para que o sistema venha a se sustentar e continuar a girar estando o ativo financiando o inativo.

 

Apesar de a previdência social ser garantida não somente pela contribuição do próprio empregado, mas sim de outras bases, é possível que a situação futura de trabalhadores intermitentes aposentados não se sustente. Na atualidade, as possibilidades de contribuições em percentuais menores foram decretadas pela legislação, e apesar de garantir benefícios previdenciários, impõe limites, como a possibilidade de contribuição em percentual menor para o Microempreendedor individual e a consequente possibilidade de requerer a aposentadoria por idade e não a por tempo de contribuição.

 

Apesar desse tipo de contrato ser criticado por inúmeros estudiosos sobre direito do trabalho, fato é que o contrato está na legislação vigente e carece de melhorias para ser entendido e colocado em prática, evitando os dissabores futuros que poderão vir para o empregado posto nessa condição assim como para toda uma sociedade que poderá ser surpreendida pela falta de capacidade de manutenção da sua previdência social. Alterar somente uma parte da legislação não soluciona o problema em questão (em um mundo em que se cria leis para tudo e qualquer coisa- retirar), faz-se necessário analisar os reflexos das mudanças na seara previdenciária e alterá-los também, uma vez que, somente dessa forma é que novas modalidades contratuais trabalhistas poderão fazer sentido e realmente cumprir com o intuito da sua criação, qual seja, serem devidamente utilizadas formalizando os novos postos de trabalho.

 

REFERÊNCIAS

 

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