PANDEMIA DE COVID-19: ASSISTEMATICIDADE  DA NEGOCIAÇÃO INDIVIDUAL COMO POLÍTICA   DE GERENCIAMENTO DA CRISE

 

 

 

LEANDRO DO AMARAL D. DE DORNELES

Mestre e Doutor em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Especialista em Direito do Trabalho pela Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI). Professor de Direito do Trabalho da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Professor permanente do Programa de Pós-Graduação em Direto da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PPGD-UFRGS). Titular da cadeira 28 da Academia Sul-Riograndense de Direito do Trabalho (ASRDT).

 

VITOR KAISER JAHN

Mestrando em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), com ênfase em Direito do Trabalho. Especialista em Direito do Trabalho, Processo do Trabalho e Seguridade Social pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do Rio Grande do Sul (FMP/RS)  em parceria com a Fundação Escola da Magistratura do Trabalho do Estado do Rio Grande do Sul (FEMARGS). Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Advogado sócio fundador do escritório Simon, Nadal & Jahn Advocacia.

 

 

RESUMO: O artigo analisa as medidas trabalhistas adotadas para o gerenciamento da crise de COVID-19, enfatizando a opção política de protagonismo do acordo individual e a sua respectiva incompatibilidade com as soluções tradicionais dadas pelo sistema juslaboral. Para tanto, apresenta o problema do exercício da autonomia da vontade nas relações de trabalho e examina a negociação coletiva enquanto instrumento primário para gestão de crises. Conclui reconhecendo um direito constitucional de representação do trabalhador pelo seu interlocutor sindical em tempos de crise, mas destaca ser imperiosa a consagração e observância do princípio da boa-fé no processo negocial coletivo, para ambas as partes.

PALAVRAS-CHAVE: Coronavírus. Gerenciamento de crises laborais. Autonomia da vontade.

 

ABSTRACT: The article analyzes the labor measures adopted to manage the COVID-19 crisis, emphasizing the individual agreement as the main policy adopted and its respective incompatibility with the traditional solutions provided by the labor law system. Therefore, presents the problem of exercising the autonomy of the will in labor relations and examines collective bargaining as a primary instrument for crisis management. Concludes recognizing a constitutional right of representation of the worker by his union interlocutor in times of crisis, emphasizing that the consecration and observance of the principle of good faith in the collective bargaining process is imperative for both parties.

KEYWORDS: Coronavirus. Laboral crisis management. Autonomy of will.

 

SUMÁRIO: Introdução; 2. O direito do trabalho e a autonomia da vontade; 3. Negociação coletiva como instrumento “clássico” de gerenciamento de crises; 4. Análise das medidas adotadas através das MPs 927/2020 e 936/2020 e da Lei 14.020/2020; Considerações finais; Referências.

 

INTRODUÇÃO

Enfrenta-se, globalmente, uma situação de pandemia em níveis não experimentados, ao menos, na história recente. Conforme divulgado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) com base em dados apurados até 31/07/2020, 216 países, áreas ou territórios já registraram casos de COVID-19, tendo-se superado 17,3 milhões de pessoas infectadas e contabilizado mais de 675 mil mortes decorrentes do novo coronavírus[1].

No Brasil, no inicio de agosto, chegou-se ao triste registro de 100 mil mortes – e, até o momento de conclusão deste artigo, seguem ascendentes. Esse contexto temerário determinou a declaração nacional de estado de calamidade pública (Decreto Legislativo 06/2020) e também de emergência de saúde pública de importância internacional (Lei 13.979/ 2020), entre outros tantos atos normativos locais, regionais e nacionais. Para evitar a contaminação e propagação do novo coronavírus, inúmeras políticas estão sendo tomadas em todos os níveis da federação, destacando-se o fechamento temporário de estabelecimentos comerciais, o que impacta diretamente as relações de trabalho e a economia como um todo.

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) vem divulgando estudos atualizados sobre as repercussões da pandemia nas relações de trabalho. No mais recente deles, datado de 30 de junho de 2020, aponta que as medidas públicas de fechamento de estabelecimentos comerciais já afetam cerca de 93% de todos os trabalhadores ao redor do mundo. A OIT estima que, entre despedidas e reduções de carga horária, tenham desaparecido 14% das horas de trabalho em nível global no segundo trimestre de 2020[2]. A Organização é categórica: afirma ser esta a pior crise global desde a Segunda Guerra Mundial[3].

Em face de tão severas consequências, é inquestionável que os Estados necessitam adotar políticas efetivas e urgentes. No Brasil, medidas trabalhistas específicas de enfrentamento desta crise foram previstas principalmente nas Medidas Provisórias 927/2020 e 936/2020 (a primeira perdendo validade em 19 de julho de 2020 e a segunda convertida na Lei 14.020 de 6 de julho de 2020), que se somaram a outros instrumentos já permanentemente consagrados para gestão de crises na seara laboral. Este artigo aborda a manifesta opção política de privilegiar a negociação individual para o gerenciamento da crise decorrente do COVID-19 no âmbito das relações laborais, via esta diversa daquela tradicionalmente enfatizada pelo direito do trabalho “clássico”, o que instiga análise acadêmica e justifica o presente artigo.

 

2. O DIREITO DO TRABALHO E A AUTONOMIA DA VONTADE

Historicamente, o direito do trabalho fora edificado sobre o fundamento da proteção daqueles economicamente débeis que “dependem, para viver e fazer viver sua família, do produto de seu trabalho”[4], e, para tanto, subordinam-se às ordens de um empregador. Com traços por alguns considerados publicistas, o direito do trabalho apresentou-se imperativo e, sobretudo, indisponível, desenvolvendo uma gama de princípios e regras destinados à atenuação da fragilidade negocial obreira em meio a uma relação desigual, pujantemente marcada pela dependência de uma parte à outra.

A consolidação do direito do trabalho, enquanto disciplina dotada de autonomia dogmática, pode ser justificada a partir das particularidades ou mesmo excentricidades do seu objeto, que o distanciam das relações comuns, eis que “o direito civil só conhece ‘pessoas’, sujeitos jurídicos, que contratam entre si mediante livres decisões de ambas as partes, e nada sabe do trabalhador, situado numa posição de inferioridade perante o empresário”[5]. Cesarino Júnior destaca que, por outro lado:

 

A essência do direito operário consiste, cabalmente, em sua maior proximidade à vida. Não vê só pessoas, como o Direito Civil, senão empresários, operários, empregados; não só pessoas individuais, senão associações e empresas; não só contratos livres, senão também as grandes lutas econômicas que constituem o fundo destes supostos contratos livres[6].

 

Krotoschin aponta que é o trabalhador dependente que imprime a essência e a razão de ser do direito do trabalho[7]. Isso porque a “dependência jurídica”, que deriva do poder patronal de dirigir o labor e dar ordens ao trabalhador (com o correspondente dever laboral de obediência), acaba por resultar em um certo poder sobre a própria pessoa do trabalhador e sua conduta, traduzindo-se em “dependência pessoal”, na medida em que a execução do trabalho é inseparável da pessoa do trabalhador. Assim, para Krotoschin, a dependência decorrente do vínculo de emprego acaba por significar uma renúncia do trabalhador ao menos à parte de sua autonomia, tendo o direito do trabalho elaborado princípios e regras justamente voltadas a atenuar os inconvenientes desta perda[8].

Supiot analisa de maneira bastante aprofundada a “tensão latente” que se estabelece entre a autonomia da vontade individual e o vínculo de subordinação que percorre o direito do trabalho. Para o autor, a sujeição contratual da vontade de um indivíduo à de outro é uma fonte inevitável de antinomias ao direito contratual, eis que este é dominado pelos princípios de liberdade individual e de igualdade[9]. Supiot observa a contradição estabelecida entre autonomia da vontade e subordinação na medida em que “no contrato civil, a vontade compromete-se; no contrato de trabalho, submete-se. O compromisso manifesta a liberdade, a submissão nega-a”[10]. Com isso, tem-se que o trabalhador não seria apenas o sujeito, mas também, em alguma medida, o próprio objeto do contrato de trabalho, impedindo que os princípios jurídicos da autonomia da vontade sejam mantidos intactos, pois restam desfigurados pelo vínculo de subordinação e pela alteração da qualidade do sujeito de direito que ela envolve[11].

A “questão social”, que eclode acentuadamente ao longo do século XIX a partir da Primeira Revolução Industrial, é apontada como o fato social que impulsionou o surgimento do direito do trabalho. Trata-se do nome dado ao conjunto de perturbações e conflitos sociais advindos em razão da configuração sócio-político-econômica desse período. Nesse novo trato social capitaneado pelo Estado liberal, a bradada conquista da igualdade entre os indivíduos revelou-se, na prática, falaciosa e meramente formal. Nas relações jurídicas havidas no espaço produtivo, entre trabalhadores hipossuficientes e empreendedores autossuficientes, quiçá hipersuficientes, os poderes negociais revelaram-se, de fato, amplamente desiguais. De um lado, tínhamos autossuficientes e suas demandas de maximização de lucros; de outro, hipossuficientes e suas demandas por inclusão socioeconômica. Como se tratava de uma relação social ditada por interesses ou demandas, em boa parte, antagônicos e contrapostos – afinal, a máxima satisfação do ganho econômico implica na não satisfação plena da demanda por melhores salários, e vice-versa – o resultado foi a extrema pauperização da classe proletária.

As condições de vida reservadas aos trabalhadores ao longo desse período estavam muito aquém de qualquer noção elementar de dignidade humana. Péssimas condições sanitárias de trabalho, ambientes laborais extremamente inseguros e pródigos em infortúnios, baixos salários, utilização abusiva de mão de obra infantil, jornadas de trabalho extenuantes, entre outras, eram as características que se apresentavam no espaço produtivo. Em suma, uma ordem social, acima de tudo, injusta – seja qual for o referencial teórico que se utilize para definir o que se deva entender por justiça. A igualdade entre os indivíduos, de fato, não havia; e onde falta a igualdade, onde o interesse de um sobrepõe-se ao de outro, a liberdade, por consequência, também resta comprometida[12]. Como bem aponta Zavascki, “a igualdade entre as pessoas era simplesmente formal, desprovida de qualquer representatividade no plano dos fatos, um mero catálogo de ilusões”[13]. Ou seja, dois dos principais valores tão festejados pelas revoluções liberais burguesas, enfim, restavam corrompidos em sua instrumentalização.

Nesse contexto, Plá Rodriguez defende que o direito do trabalho surge como consequência de que a liberdade de contrato entre pessoas com poder e capacidade desiguais conduzia a um resultado exploratório, com as práticas mais abusivas e iníquas, de modo que o legislador não pôde mais manter a ficção de igualdade, inclinando-se para uma compensação dessa desigualdade econômica desfavorável ao trabalhador com uma proteção jurídica a ele favorável[14].

Assim, o princípio da proteção oferece um critério fundamental que orienta todo o direito do trabalho[15], pelo que a ele é outorgado o título de “princípio cardeal”[16] ou mesmo “princípio fundamental”[17]. Ao invés de se inspirar em um propósito de igualdade meramente formal, o princípio da proteção responde ao peculiar objetivo juslaboral de promover uma igualdade material, estabelecendo um amparo claramente preferencial[18] a uma das partes (o trabalhador), sendo essa a razão de ser do direito do trabalho[19].

Umbilicalmente ligado ao princípio da proteção, o princípio da irrenunciabilidade envolve a impossibilidade jurídica de o trabalhador privar-se voluntariamente de uma ou mais vantagens jurídicas que lhe são concedidas, o que se traduz nas formulações de indisponibilidade dos direitos, de imperatividade e caráter de ordem pública das normas trabalhistas e, especialmente ao que nos interessa, de limitação à autonomia da vontade[20]. Esse último desdobramento, segundo Rodriguez, não significa que a autonomia da vontade em si esteja em jogo no campo juslaboral, mas sim, com o intuito de evitar abusos, transposta fundamentalmente do plano individual para o coletivo. Em outros termos, os entes coletivos são os que, em primeiro lugar, gozam em maior plenitude dessa autonomia, enquanto os indivíduos só desfrutam dela na medida em que o gozo parece compatível com o interesse social[21].

A saída tradicionalmente encontrada pelo direito do trabalho para equacionar o exercício da autonomia da vontade com a subordinação foi, portanto, delegá-lo ao campo coletivo, uma vez que, não sendo o ente sindical subordinado ao empregador, não estaria ele sujeito a sofrer pressões ou retaliações[22]. A esse respeito, a clássica doutrina de Plá Rodriguez:

 

Uma vez restabelecida a igualdade por meio da força sindical que deriva da união, desaparece a razão de ser do tratamento desigual por parte do Estado. Deve-se buscar a desigualdade compensatória por um caminho ou por outro, pois estabelecê-la simultaneamente por ambas as vias pode significar uma superposição de proteções que engendre outro desequilíbrio de sentido oposto, que teria um efeito perturbador[23].

 

Conforme Russomano, ao mesmo tempo em que se processa o fenômeno de crescente restrição da autonomia da vontade nos contratos individuais, abre-se, através da negociação coletiva, larga janela ao direito   do trabalho, aumentando a importância e a intensidade dos instrumentos normativos coletivos[24]. Nesse mesmo sentido, expõe Supiot:

 

Foi a invenção do coletivo, e dos seus correlatos – os direitos coletivos, as liberdades coletivas, a negociação e as convenções coletivas –, que permitiu sair dos impasses da submissão voluntária e definir um direito em que a subordinação e a liberdade pudessem coabitar. A dimensão coletiva das relações de trabalho só tem sentido, em direito francês, na perspectiva da superação das aporias da subordinação da vontade. O reconhecimento das liberdades coletivas dos trabalhadores radica, como vamos ver, na privação de liberdade inerente ao contrato individual de trabalho[25].

 

Tal outorga do exercício da autonomia ao ente coletivo intenta trazer maior harmonia ao sistema, buscando equacionar a tensão entre a autonomia e a subordinação. Protege o empregado, evitando que dele o empregador exija alguma renúncia desarrazoada, uma vez que não terá poderes para fazê-la. Ao mesmo tempo, desengessa a dinâmica do vínculo laboral, habilitando-o para assimilar as vicissitudes inerentes às relações humanas, em especial as econômicas. Se o polo patronal necessitar de um ajuste, terá que entrar em acerto com o representante sindical, persuadindo-o, o qual,   por sua vez, terá forças para exercer a autonomia da vontade em sua integralidade, avaliando os prós e contras do negócio para o trabalhador e podendo exigir as devidas contrapartidas eventualmente cabíveis.

É bem verdade que o processo de reformas iniciado pela Lei 13.467/ 2017 vem reequacionando o exercício da autonomia da vontade nas relações de trabalho, ampliando as hipóteses de admissão da negociação individual[26]. São mudanças disruptivas relativamente à dogmática juslaboral “clássica”, pois a legislação atual parece não mais conceder a mesma relevância de outrora à assimetria negocial (entre outras) que se estabelece nas relações laborais individuais[27]. Não obstante esse movimento, ainda se pode afirmar que, como princípio geral, mantém o sistema normativo juslaboral sua predileção por direcionar o exercício da autonomia da vontade ao plano coletivo, o que fora inclusive bastante enfatizado na citada reforma de 2017, por exemplo, ao estabelecer a prevalência do negociado coletivamente sobre as normas heterônomas estatais (art. 611-A, CLT) e o “princípio da intervenção mínima na autonomia da vontade coletiva” (art. 8º, § 3º, CLT). 

 

3. NEGOCIAÇÃO COLETIVA COMO INSTRUMENTO “CLÁSSICO” DE GERENCIAMENTO DE CRISES

O direito do trabalho sempre foi rotulado por uma suposta “rigidez” no que se refere à regulação das relações laborais. De fato, o princípio protetivo (e seus derivados) tradicionalmente conferia-lhe um propósito tuitivo bem definido, além de ferramentas jurídicas voltadas à segurança, à manutenção e até mesmo à ampliação dos direitos trabalhistas.

Mas esta característica não pode ser tida como uma verdade absoluta. Há muito o direito do trabalho prevê mecanismos que atenuam sua essência protetiva em prol de uma razão ou necessidade empresarial relevante. Tais mecanismos, inclusive, são utilizados como subsídios para conformar o que Ramalho denomina “princípio da salvaguarda dos interesses de gestão”, objetivando “assegurar ao empregador as condições necessárias ao cumprimento dos deveres amplos que lhe incumbem e, indiretamente, viabilizar este mesmo vínculo”[28].

A normalidade do direito do trabalho “clássico” sustenta-se na tentativa de minimizar a vulnerabilidade inerente aos trabalhadores. Embora os mecanismos que atenuam a essência protetiva devam ser considerados excepcionais, a verdade é que eles existem, com uma intensa potencialidade de repercussão no desenvolvimento regular do contrato de trabalho. E, ao contrário do que se possa conceber em um primeiro momento, são também mecanismos relacionados à essência protetiva, embora de uma forma não tão direta. Isso porque, em última análise, visam à preservação de postos de trabalho e à manutenção da atividade empresarial, que em determinados momentos, em razão de certas circunstâncias, somente podem ser obtidas mediante algum sacrifício ou conformação da essência protetiva rotineira.

Não se trata propriamente de dar guarida completa à corrente teórica que, especialmente ao longo da década de 1990, ficou conhecida como “flexibilização do direito do trabalho”. A flexibilização parte da premissa de insustentabilidade da essência protetiva diante dos novos paradigmas sócio-político-econômicos atuais e, em versões mais radicais, especulava inclusive sobre a possibilidade de uma completa desregulamentação das relações de trabalho, seguindo uma orientação ideológica bem definida[29].

Os mecanismos de conformação da essência protetiva a que nos referimos aqui são excepcionais, sendo sua utilização própria em situações de crise. Os mesmos desde sempre existiram na legislação trabalhista, embora, diga-se, têm se intensificado ao longo dos últimos anos. Supostamente, e talvez aqui se consiga perceber um legado direto das correntes flexibilicistas, esta intensificação decorre das novas condições que cercam o sistema produtivo contemporâneo “pós-fordista”, mais suscetível a crises, aberto a mudanças, instável e baseado em premissas de flexibilidade[30]. De fato, se tais características estão presentes no mundo do trabalho e da produção contemporâneo, o seu principal sistema regulatório – o direito do trabalho – não pode simplesmente negar-se a percebê-las, fazer de conta que não existem – sob pena de proporcionar as condições para aquilo que Deveali chamava de “reatividade da vida econômico-social”[31].

A crise objeto de tais mecanismos pode ser singelamente definida como:

 

Toda situação ou circunstância alheia à imprevidência patronal ou aos riscos inerentes à atividade econômica, de caráter não permanente, cujos efeitos expõem a empresa a um sacrifício econômico exacerbado, insanável pelos mecanismos de gestão corriqueiros ao direito laboral (poderes patronais, por exemplo), comprometendo, assim, a sua própria viabilidade, incompatibilizando o cumprimento integral e regular das condições de trabalho estabelecidas e, em última análise, dificultando ou impedindo que a empresa cumpra adequadamente a sua função social[32].

 

A pandemia gerada pelo COVID-19 deve ser enquadrada como uma situação de crise laboral, tendo em vista que (a) está fora da noção de riscos da atividade econômica; (b) trata-se de circunstância temporária; (c) expõe a empresa a sacrifícios significativos; (d) seus perniciosos efeitos não são administráveis pelos instrumentos jurídicos usualmente disponíveis ao empregador; e (e) podem ter suas consequências efetivamente atenuadas com a adoção da ordem de sacrifícios laborais.

O primeiro e mais relevante mecanismo permanente de gestão de crise consagrado pelo direito do trabalho é a negociação coletiva. Isso se deve precipuamente à suposta igualdade que se apresenta aos atores negociais, tema que também já foi abordado no título precedente. Não por outro motivo, importantes instrumentos de gestão de crise tradicionalmente têm seu exercício delegado à negociação coletiva, destacando-se hipótese de redução salarial (art. 7º, VI, Constituição).

Algumas premissas justificam a negociação coletiva, possivelmente, como mecanismo primário para gestão de crises. Em primeiro lugar, a pressuposta igualdade dos atores coletivos subsidia o argumento de que uma eventual cartilha temporária de sacrifícios (flexibilização pontual de condições de trabalho) somente será obtida mediante um amplo poder de persuasão do polo negocial patronal, e não por imposições de interesses em razão de sua situação jurídica. Em segundo lugar, tal ordem de sacrifícios eventualmente estabelecida seria objeto de intensas conversações entre as partes, resultando em concessões recíprocas que, muitas vezes, balizam ou limitam os sacrifícios obtidos (por exemplo, redução de salários com a contrapartida da estabilidade)[33]. Em terceiro lugar, deve ser referido o caráter autocompositivo da negociação coletiva, em que os atores diretamente alcançados pela ordem de prejuízos participam ativamente, por meio das suas representações e sem imposições de agentes externos e alheios aos possíveis impactos da crise, do processo para a sua equalização. Por fim,   em quarto lugar, deve-se recordar que a eventual ordem de sacrifícios impulsionada pela crise, quando estabelecida pela via negocial coletiva, assume um caráter necessariamente temporário (art. 614, § 3º, CLT), como deve ser uma pauta emergencial de gestão de crise.

 

4. ANÁLISE DAS MEDIDAS ADOTADAS ATRAVÉS DAS MPS 927/2020 E 936/2020 E DA LEI 14.020/2020

Os efeitos da pandemia do novo coronavírus estão determinando uma grave crise laboral. Nesse ponto, a OIT pronunciou-se destacando que situações de crise estendem-se a pandemias como COVID-19, pois em muitas partes do mundo o novo coronavírus prejudicou a saúde e a segurança das pessoas, colocando imensa pressão em negócios, empregos e meios de subsistência. Essa situação gera consideráveis incertezas ??à medida que os países entram em confinamento, fecham suas fronteiras e tomam decisões para permitir apenas a operação de negócios essenciais[34]. A OIT, ainda, aponta exemplos específicos em que, através da negociação coletiva, sindicatos patronais e obreiros atuaram conjuntamente e tomaram medidas proativas para responder a crises de conflitos e desastres, ressaltando que    o diálogo social[35] é fundamental para a superação da pandemia do novo coronavírus[36].

Nesse mesmo sentido, a Organização Internacional dos Empregadores e a Confederação Internacional dos Sindicatos emitiram declaração conjunta manifestando ser necessário encontrar soluções inovadoras para as empresas e para os trabalhadores que serão impactados pela crise, bem como apoio e adaptação do mercado para limitar as consequências do desemprego e a perda de renda devido ao surto de COVID-19, ao que enfatizaram com veemência o importante papel do diálogo social responsável.[37]

Porém, para o enfrentamento da crise decorrente do COVID-19 nas relações de emprego, surpreendentemente, não foi este o caminho trilhado pelo Brasil. Inicialmente, o Governo Federal adotou as estratégias estampadas na Medida Provisória 927/2020, merecendo especial enfoque a previsão de que, durante o estado de calamidade pública, o empregado e o empregador poderiam celebrar acordo individual escrito, a fim de garantir a permanência do vínculo empregatício, com preponderância sobre os demais instrumentos normativos, legais e negociais, respeitados os limites estabelecidos na Constituição (art. 2º, MP 927/2020). Ademais, durante a pandemia, foi eleita a via individual para possibilitar a antecipação de períodos de férias[38] (art. 6º, caput e § 2º, MP 927/2020); de feriados religiosos[39] (art. 13, § 2º, MP 927/2020); bem como, para estipular regimes de banco de horas com duração de até 18 meses[40] contados a partir o término do estado de calamidade pública (art. 14, caput e § 2º, MP 927/2020[41]). Especificamente para os profissionais da saúde, a MP 927/2020 previa a possibilidade de acordo individual para prorrogação de jornada e adoção de escalas suplementares entre a décima terceira e a vigésima quarta hora do intervalo interjornada, mesmo para as atividades insalubres (art. 26, MP 927/2020[42]).

A polêmica suspensão do contrato de trabalho durante a pandemia do novo coronavírus foi prevista no art. 18 da MP 927/2020, mas foi revogada no dia seguinte à sua publicação pelo art. 2º da MP 928/2020, supostamente, em razão das severas críticas recebidas ante a ausência de conjugação de qualquer benefício público para sustento dos trabalhadores. Na sequência, a MP 936/2020 reestabeleceu a possibilidade de suspensão contratual (art. 8º) e viabilizou a redução da jornada de trabalho e do salário, desde que preservado o valor do salário-hora (art. 7º, I), passando, então a contemplar mecanismos mitigadores dos impactos de tais medidas na renda do trabalhador.

A suspensão contratual e a redução proporcional de jornada e salário passaram a ser conjugadas a um “Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda”, custeado com recursos da União em valores correspondentes a faixas do seguro-desemprego que seria pago ao empregado (art. 6º, MP 936/2020). Ainda, assegurou-se garantia provisória  no emprego durante todo o período e por mais o equivalente à sua duração (art. 10, MP 936/2020).

Embora seja um tanto confusa a esse respeito, a MP 936/2020 seguiu o caminho da MP 927/2020 e definiu que a suspensão contratual temporária e a redução salarial, conjugadas ao Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda, poderiam ser efetivadas por meio de acordos individuais nos casos (a) de empregados economicamente hipervulneráveis, que recebessem até R$ 3.135,00 (três salários mínimos); (b) de empregados hipovulneráveis[43]; e (c) de redução de jornada e salário não superior a 25%, por qualquer empregado. Apenas para as demais situações a negociação coletiva era necessária (art. 12, MP 936/2020).

Com a conversão da MP 936/2020 na Lei 14.020/2020, tais requisitos sofreram alguns ajustes pelo Poder Legislativo. Criou-se a distinção de que, para os empregadores com receita bruta superior a R$ 4,8 milhões no ano-calendário de 2019, o acordo individual somente pode ser celebrado com o empregado que receba salário igual ou inferior a R$ 2.090,00 (dois salários mínimos), restando mantido o valor salarial de R$ 3.135,00 (três salários mínimos) como limite para o acordo individual perante empregadores que     se encontrem abaixo daquela faixa de faturamento (art. 12, I e II, Lei 14.020/2020). Além disso, autorizou-se o acordo individual na hipótese de a suspensão contratual ou a redução proporcional de jornada e salário não resultar diminuição do valor total recebido mensalmente pelo empregado, incluídos neste a quantia paga pelo empregador e o Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda pago pela União (art. 12, § 1º, II, Lei 14.020/2020). Os empregados já aposentados, mas com vínculo empregatício ativo, não fazem jus ao percebimento do Benefício Emergencial (art. 6º, § 2º, II, alínea “a”, Lei 14.020/2020); por conta disso, o acordo individual somente é aceito quando, além do preenchimento dos demais requisitos já referidos, o empregador efetuar, no mínimo, o pagamento do valor correspondente ao Benefício Emergencial que seria devido ao empregado caso não houvesse o impedimento legal (art. 12, § 2º, Lei 14.020/2020)[44]. Vislumbra-se, portanto, um considerável universo de empregados[45] que pode negociar direta e individualmente a suspensão do seu contrato de trabalho, ou a redução de seu salário e jornada, em que pese a natural pressão patronal por tais acertos e os significativos impactos que os mesmos geram em sua renda[46].

Para estabelecer uma conexão entre a autonomia privada individual e a autonomia privada coletiva, assim como previa a MP 936/2020 (§ 4º do  art. 11), a Lei 14.020/2020 estabelece que os acordos individuais de redução de jornada de trabalho e de salário ou de suspensão temporária do contrato de trabalho deverão ser comunicados (a posteriori, portanto) pelos empregadores ao respectivo sindicato profissional, no prazo de até dez dias corridos, contados da data de sua celebração (art. 12, § 4º, Lei 14.020/2020).

É um tanto controversa a constitucionalidade de algumas medidas inicialmente previstas na MP 936/2020 e confirmadas na Lei 14.020/2020, especialmente a hipótese de redução salarial por negociação individual[47]. Não por outra razão foi ajuizada junto ao STF a ADI 6.363/DF. Em cognição sumária, o Ministro Relator Ricardo Lewandowski deferiu em parte medida liminar para definir interpretação conforme a Constituição ao § 4º do art. 11 da MP 936/2020, no sentido de que a comunicação ao sindicato patronal serviria “para que este, querendo, deflagre a negociação coletiva, importando sua inércia em anuência com o acordado pelas partes”[48]. Contudo, submetida ao julgamento pelo plenário no dia 17/04/2020[49], a liminar não foi referendada[50], restando validada pelo STF, portanto, ao menos em sede de cognição sumária, a negociação individual para redução de salário e jornada e para suspensão contratual – decisão que perdura até a elaboração deste artigo[51].

De fato, a escolha pela via da negociação individual pode encontrar justificativas ante a urgência na tomada de medidas eficazes para o combate dos reflexos da pandemia do novo coronavírus nas relações de emprego, sendo que depender de um ajuste coletivo poderia demandar maior espera, afora as dificuldades inerentes às negociações em tempos de isolamento social que impedem ou, ao menos, dificultam reuniões presenciais[52]. Porém, de outro lado, não se pode ignorar a dificuldade de um exercício pleno da autonomia privada em uma relação individual pautada pela assimetria negocial, como visto na primeira parte deste artigo, devendo-se atentar à forma como será exercida a autonomia viabilizada, ante o seu potencial        de lesão a direitos trabalhistas que, via de regra, são irrenunciáveis e indisponíveis no plano individual.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao contrário do que muitas vezes é sustentado, o direito do trabalho “clássico” sempre foi sensível à percepção de que o fato jurídico “trabalho por conta alheia” é também um fato econômico, como tal, dotado de extrema dinamicidade e tendo na vicissitude uma de suas características essenciais. Por isso, em respeito a um de seus alicerces teóricos fundamentais – assimetria das partes na relação laboral – esse ramo jurídico historicamente privilegiou o plano negocial coletivo como mecanismo primário para gestão  de crises.

Causa, portanto, grande estranheza a insistente opção política de protagonizar a negociação individual e desprestigiar a negociação coletiva como mecanismo prioritário ao enfrentamento, no plano juslaboral, da       crise provocada pela pandemia de COVID-19. Tal opção, além de constitucionalmente duvidosa, dota o conjunto normativo de assistematicidade; torna-o, em alguma medida, incoerente; enfim, abre a margem para uma série de possíveis transtornos jurídicos futuros talvez tão graves quanto a própria crise.

Atento a essa situação, ao apreciar o pedido liminar da ADI 6.363, o Ministro Relator Ricardo Lewandowski havia concedido interpretação conforme à Constituição de que os sindicatos poderiam realizar o controle de eventuais abusos havidos no campo da autonomia individual deflagrando posterior negociação coletiva.

A liminar inicialmente deferida pelo Ministro Relator, na sequência cassada, inegavelmente propiciava avanços à interpretação da MP 936/2020, embora ainda se mantivesse aquém dos desígnios constitucionais literais. Ora, a mera notificação do ente sindical prevista na MP 936/2020 (art. 11, § 4º) para que este, querendo, deflagrasse negociação coletiva, tão somente proporcionaria um controle a posteriori, retirando as entidades sindicais do seu necessário papel de protagonismo, enquanto atores fundamentais em qualquer movimento de gestão de crise no que diz respeito às relações de trabalho. Afinal, o ato da negociação em si acaba delegado ao empregado que, subordinado e temendo a despedida, dificilmente irá obstar excessos patronais. E mais, uma vez aceitas as condições pelo empregado no plano individual, uma posterior ação sindical em sentido diverso pode, com razoável probabilidade, vir a causar conflitos com o próprio representado[53].

As bases dogmáticas do direito do trabalho demonstram os problemas inerentes à manifestação da vontade no plano individual, equacionando-os mediante o seu transplante ao plano coletivo. Essa solução, embora de gênese dogmática, fora incorporada pela Constituição de 1988 e isto é visto em diversos de seus dispositivos, mas especialmente nos artigos 7º, incisos VI e XXVI, e 8º, inciso III, dos quais é extraído o direito constitucional de representação do trabalhador pelo seu interlocutor sindical em tempos de crise.

Uma questão final, no entanto, deve ser destacada. Para que a negociação coletiva efetivamente consiga desempenhar plenamente este papel de conformação das condições de trabalho às situações de crise, é imperiosa a consagração e observância do princípio da boa-fé no processo negocial coletivo, para ambas as partes. O polo patronal, entre outros aspectos, deve abster-se da propositura de sacrifícios maiores do que os estritamente necessários para poder perpassar o período crítico, inclusive, prestando todos os esclarecimentos e informações necessários para que essa avaliação possa ser realizada pela contraparte. O polo laboral, por sua vez, deve imprimir um esforço negocial sincero, estar sensível ao momento econômico ímpar e extremamente delicado que atinge a todos, evitando posturas de locupletamento indevido ou exigências de contrapartidas ou de vantagens descabidas. Caso contrário, na prática, a negociação coletiva como mecanismo prioritário de gestão de crises restará fadada ao absoluto fracasso, e, com isso, todos perdem.

 

REFERÊNCIAS

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[1] WORLD HEALTH ORGANIZATION. Coronavirus disease (COVID-19) pandemic. Disponível em: https://www.who.int/emergencies/diseases/novel-coronavirus-2019. Acesso em: 01 ago. 2020.

[2] INTERNATIONAL LABOUR OFFICE. ILO Monitor: COVID-19 and the world of work. Fifth edition. updated estimates and analysis. Geneva: International Labour Office, 2020, p. 1-2.

[3] INTERNATIONAL LABOUR OFFICE. ILO Monitor: COVID-19 and the world of work. 2nd edition. updated estimates and analysis. Geneva: International Labour Office, 2020, p. 1.

[4] CESARINO JÚNIOR, Antônio F. Direito Social. São Paulo: LTr, 1980, p. 44-45.

[5] CESARINO JÚNIOR, Antônio F. Direito Social. São Paulo: LTr, 1980, p. 11.

[6] CESARINO JÚNIOR, Antônio F. Direito Social. São Paulo: LTr, 1980, p. 11.

[7] KROTOSCHIN, Ernesto. Instituiciones de derecho del trabajo. 2. ed. Buenos Aires: Depalma, 1968, p. 19.

[8] KROTOSCHIN, Ernesto. Instituiciones de derecho del trabajo. 2. ed. Buenos Aires: Depalma, 1968, p. 36-37.

[9] SUPIOT, Alain. Crítica do direito do trabalho. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2016, p. 147.

[10] SUPIOT, Alain. Crítica do direito do trabalho. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2016, p. 163.

[11] SUPIOT, Alain. Crítica do direito do trabalho. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2016, p. 163.

[12] LA CUEVA, Mario. Derecho mexicano del trabajo. 4. ed. Mexico: Porrúa, 1954, p. 18-20.

[13] ZAVASCKI, Teori Albino. Direitos Fundamentais de Terceira Geração. Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, Porto Alegre, v. 15, 1998, p. 229.

[14] PLÁ RODRIGUEZ, Américo. Princípios de direito do trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr, 2015,   p. 85.

[15] Nessa linha, Plá Rodriguez registra que “o princípio da proteção resulta da orientação de todo o conjunto de normas, do propósito que as inspira, da ideia central que opera com razão de ser essencial”. Ibidem, p. 103.

[16] DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 10. ed. São Paulo: LTr, 2011,    p. 192-193.

[17] OLIVEIRA, Cíntia M.; DORNELES, Leandro do Amaral D. de. Direito do Trabalho. 3. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2016, p. 26-28.

[18] Guilherme Guimarães Feliciano explica-nos que o “amparo preferencial” deve-se a um imperativo de igualdade material que surgiu na cultura dos povos somente após a primeira revolução industrial, com a “segunda geração” de direitos humanos, sob o pálio da “solidariedade social”, contrapondo a igualdade meramente liberal-formal para que o lucro capitalista fosse mais bem repartido entre os produtores de riquezas. FELICIANO, Guilherme Guimarães. Curso crítico de direito do trabalho. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 244-245.

[19] PLÁ RODRIGUEZ, Américo. Princípios de direito do trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr, 2015,  p. 83-85.

[20] PLÁ RODRIGUEZ, Américo. Princípios de direito do trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr, 2015,  p. 143-157.

[21] PLÁ RODRIGUEZ, Américo. Princípios de direito do trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr, 2015,  p. 158.

[22] “Tendo em vista que agem em nome do grupo (os sindicatos), atuam com liberdade, sem a pressão ou possibilidade de retaliação por parte do empregador, poupando o trabalhador, que certamente sofreria perseguições, se enfrentasse sozinho a negociação”. CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do trabalho: de acordo com a reforma trabalhista. 16. ed. rev. e atual. São Paulo: Método, 2018, p. 1254.

[23] PLÁ RODRIGUEZ, Américo. Princípios de direito do trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr, 2015,  p. 67.

[24] RUSSOMANO, Mozart Victor. Princípios gerais de direito sindical. 2. ed. ampl. atual. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 51.

[25] SUPIOT, Alain. Crítica do direito do trabalho. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2016, p. 165.

[26] No parágrafo único do artigo 444 da CLT está inserido o grau mais intenso de modulação do princípio da indisponibilidade, pois os trabalhadores ali enquadrados (detentores de diploma de curso superior e que auferem remuneração igual ou superior ao dobro do limite máximo dos benefícios da previdência social) restaram dotados de amplo poder negocial, inclusive,  com “prevalência sobre a autonomia privada coletiva” (prevalência esta, diga-se, de constitucionalidade questionável). A reforma também ampliou a autonomia negocial privada para autorizar que o empregado que receba remuneração superior a duas vezes o limite máximo estabelecido para os benefícios da Previdência Social possa estabelecer cláusula compromissória arbitral (art. 507-A, CLT). Além das duas modificações apreciadas, cuja aplicação exige atributos especiais do empregado no prisma das hipovulnerabilidades técnico/econômicas, a reforma trabalhista de 2017 também ampliou consideravelmente o exercício da autonomia da vontade individual para todos os empregados, sem exigir quaisquer elementos diferenciais que, ao menos em tese, poderiam sugerir a atenuação da sua vulnerabilidade negocial. Assim percebe-se, por exemplo, nas hipóteses de ajustes individuais de pactuação de banco de horas de compensação semestral (art. 59, § 5º, CLT); para o estabelecimento de jornada em regime de doze horas ininterruptas de trabalho por trinta e seis horas de descanso (art. 59-A, CLT); na responsabilização pela aquisição, manutenção ou fornecimento dos equipamentos tecnológicos  e da infraestrutura necessária e adequada em se tratando de teletrabalho (art. 75-D, CLT); e do ajuste de trabalho intermitente (art. 452-A, CLT).

[27] De Oliveira e Freire enfatizam críticas a esse novo sistema: “percebe-se que a reforma trabalhista, que tanto evidenciara a autonomia da vontade do empregado como se a esse fosse possível exercer livremente suas aspirações, esvazia a matriz principiológica da qual erigiu o Direito do Trabalho, justamente a proteção e a regulação estatal. Ocorre que a proteção não se justifica apenas em razão da vulnerabilidade econômica do empregado, mas é necessária diante da situação de poder que tanto diferencia a relação de emprego das demais relações jurídicas” (DE OLIVEIRA, Lourival José; DE FIGUEIREDO, Mayra Freire. A reforma trabalhista e liberdade contratual: o direito ao trabalho construído sob a perspectiva puramente econômica. Revista de Direito Econômico e Socioambiental, Curitiba, v. 8, n. 3, p. 93-121, dez. 2017, p. 110).

[28] RAMALHO, Maria do Rosário Palma. Tratado de direito do trabalho. 3. ed. Coimbra: Almedina, 2012, v. I, p. 522.

[29] Vide, a esse respeito, DORNELES, Leandro do Amaral D. de. A transformação do direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2002, p. 95-183.

[30] Vide DORNELES, Leandro do Amaral D. de. Teoria geral da relação de emprego e sociedade pós-industrial. In OLIVEIRA, Cínthia M. de; DORNELES, Leandro do Amaral D. de (orgs.). Temas de direito e processo do trabalho. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2012, v. 1, p. 25-41.

[31] “Ocorre usualmente que o legislador laboral contempla um determinado aspecto da realidade social (...) sem levar em consideração que a realidade econômico-social não é estática senão essencialmente dinâmica (...). Por efeito [da reatividade da vida econômico-social], é de se notar no campo das relações laborais um fenômeno que se poderia denominar de remoção (...) a tendência natural do organismo econômico-social a eliminar ou reduzir as limitações impostas pelas leis laborais. Como consequência destes fenômenos concorrentes, reduzem-se – e as vezes se anulam – os efeitos das leis trabalhistas (...)”. DEVEALI, Mario L. Lineamentos de derecho del trabajo. 2. ed. Buenos Aires: Tipográfica Editora Argentina, 1953, p. 129-130.

[32] OLIVEIRA, Cíntia M.; DORNELES, Leandro do Amaral D. de. Direito do Trabalho. 3. ed.  Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2016, p. 495.

[33] Como apontam Barroso e Mello, a autonomia coletiva não é “via de uma mão só”, funcionando tanto para promover melhores condições aos trabalhadores, mas, também, em especial na economia moderna, para administrar crises da empresa e da economia, o que justifica a eventual redução dos salários dos empregados de uma empresa, pela negociação coletiva. BARROSO, Luís Roberto; MELLO, Patrícia Perrone Campos. O direito coletivo do trabalho no Supremo Tribunal Federal: planos de demissão incentivada e autonomia da vontade, um estudo de caso. Revista de Direito do Trabalho, São Paulo, v. 44, n. 190, p. 21-46, jun. 2018. Essa situação remete-nos à denominada “função econômica” da negociação coletiva, que ora se apresenta para atendimento de um objetivo econômico em uma economia em prosperidade, ora para cumprir uma função ordenadora em uma economia em crise. Vide NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Teoria geral do direito do trabalho. São Paulo: LTr, 1998, p. 138.

[34] INTERNATIONAL LABOUR OFFICE. Managing conflicts and disasters: exploring collaboration between employers’ and workers’ organizations. Geneva: International Labour Office, 2020, p. 25.

[35] O diálogo social propõe a inclusão dos trabalhadores e empregadores nas discussões de seus direitos e deveres com o Estado, para que estes não mais sejam meros sujeitos passivos das normas, mas possam atuar em prol de seus interesses, com arrimo em ideais de democracia. Segundo a OIT, a definição de diálogo social abrange a negociação, a consulta e a troca de informações entre representantes de governos, empregadores e empregados, a respeito de temas de interesse comum relacionados com a política econômica e social. (INTERNATIONAL LABOUR OFFICE. Diálogo social. Disponível em: http://www.ilo.org/public/spanish/dialogue/

themes/sd.htm. Acesso em: 13 abr. 2020.

[36] INTERNATIONAL LABOUR OFFICE. Managing conflicts and disasters: exploring collaboration between employers’ and workers’ organizations. Geneva: International Labour Office, 2020, p. 25.

[37] INTERNATIONAL ORGANISATION OF EMPLOYERS AND INTERNATIONAL TRADE    UNION CONFEDERATION. Joint Statement on COVID-19. Geneva: 2020. Disponível em: https://www.ituc-csi.org/IMG/pdf/20200323_joint_ioe-ituc_statement_on_covid-19.pdf. Acesso em: 13 abr. 2020.

[38] No caso de o período aquisito estar completo ou em curso, as férias poderiam ser concedidas “por ato do empregador”; no caso de períodos aquisitos futuros, a antecipação poderia ocorrer mediante ajuste individual entre as partes: Art. 6º  Durante o estado de calamidade pública (...), o empregador informará ao empregado sobre a antecipação de suas férias com antecedência de, no mínimo, quarenta e oito horas, por escrito ou por meio eletrônico, com a indicação do período a ser gozado pelo empregado. § 1º  As férias: I - não poderão ser gozadas em períodos inferiores a cinco dias corridos; e II - poderão ser concedidas por ato do empregador, ainda que o período aquisitivo a elas relativo não tenha transcorrido. § 2º Adicionalmente, empregado e empregador poderão negociar a antecipação de períodos futuros de férias, mediante acordo individual escrito.

[39] A antecipação de feriados não religiosos independia da concordância do empregado, como indica o artigo 13 da MP 927/2020: Art. 13.  Durante o estado de calamidade pública, os empregadores poderão antecipar o gozo de feriados não religiosos federais, estaduais, distritais e municipais e deverão notificar, por escrito ou por meio eletrônico, o conjunto de empregados beneficiados com antecedência de, no mínimo, quarenta e oito horas, mediante indicação expressa dos feriados aproveitados. § 1º Os feriados a que se refere o caput poderão ser utilizados para compensação do saldo em banco de horas. § 2º O aproveitamento de feriados religiosos dependerá de concordância do empregado, mediante manifestação em acordo individual escrito.

[40] A CLT reformada limita a validade do ajuste individual para bancos de horas com compensação semestral (art. 59, § 5º, CLT) e limita ao período máximo de um ano a compensação definida em norma coletiva (art. 59, § 2º, CLT).

[41] Art. 14. Durante o estado de calamidade pública (...), ficam autorizadas a interrupção das atividades pelo empregador e a constituição de regime especial de compensação de jornada, por meio de banco de horas, em favor do empregador ou do empregado, estabelecido por meio de acordo coletivo ou individual formal, para a compensação no prazo de até dezoito meses, contado da data de encerramento do estado de calamidade pública. § 1º  A compensação de tempo para recuperação do período interrompido poderá ser feita mediante prorrogação de jornada em até duas horas, que não poderá exceder dez horas diárias. § 2º  A compensação do saldo de horas poderá ser determinada pelo empregador independentemente de convenção coletiva ou acordo individual ou coletivo.

[42] Art. 26. Durante o de estado de calamidade pública (...), é permitido aos estabelecimentos de saúde, mediante acordo individual escrito, mesmo para as atividades insalubres e para a jornada de doze horas de trabalho por trinta e seis horas de descanso: I - prorrogar a jornada de trabalho, nos termos do disposto no art. 61 da Consolidação das Leis do Trabalho (...); e  II - adotar escalas de horas suplementares entre a décima terceira e a vigésima quarta hora do intervalo interjornada, sem que haja penalidade administrativa, garantido o repouso semanal remunerado (...).

[43] Assim entendido o empregado detentor de diploma de curso superior e que aufere remuneração igual ou superior ao dobro do limite máximo dos benefícios da previdência social (valor este que, no presente ano de 2020, corresponde a R$ 12.202,12, haja vista o teto previdenciário de R$ 6.101,06 estabelecido na Portaria do Ministério da Economia 914/2020).

[44] Quanto aos empregadores com receita bruta superior a R$ 4,8 milhões no ano-calendário de 2019, o art. 12, § 2º, inc. II, da Lei 14.020/2020 estabelece que o pagamento mínimo destinado ao aposentado deve abranger tanto o percentual de 30% do salário estabelecido no art. 8º, § 5º, da Lei 14.020/2020, quanto o correspondente ao Benefício Emergencial que lhe seria devido.

[45] De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD) do IBGE,      a renda média mensal do brasileiro é de R$ 2.340,00 (Disponível em: https://www.ibge.gov.br/ indicadores.html. Acesso em 14 abr. 2020).

[46] Veja-se que o Benefício Emergencial é equivalente a faixas do seguro-desemprego que seria devido ao empregado, o qual, por sua vez, tem como piso o valor do salário mínimo (art. 5º, § 2º, da Lei 7.998/1990) e como teto o valor de R$ 1.813,03 (observado o reajuste de 4,48% estabelecido na Portaria do Ministério da Economia nº 914/2020). Portanto, um empregado que recebe R$ 3.135,00 poderá ajustar individualmente a suspensão de seu contrato de trabalho e o percebimento de um benefício correspondente a aproximadamente 57,84% de seu salário.

[47] Em afronta ao art. 7º, VI, da Constituição; há outros citados na ADI 6.363/DF.

[48] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Decisão monocrática na ação direta de inconstitucionalidade nº 6.363/DF. Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DF, 06 abr. de 2020. Diário da Justiça Eletrônico, Brasília-DF, 07 abr. 2020.

[49] Até o fechamento deste artigo, o acórdão não havia sido publicado.

[50] Por maioria, vencidos o Ministro Relator Lewandowski (que concedia parcialmente a liminar pleiteada) e os Ministros Rosa Weber e Edson Facchin (que concediam integralmente a medida, no sentido da absoluta inconstitucionalidade do pacto individual), foi negado o referendo do plenário à liminar, que restou cassada.

[51] O mérito da ADI será apreciado em definitivo pelo STF em futura decisão exauriente.

[52] A esse respeito, a Lei 14.020/2020 facilita a negociação coletiva em tempos de pandemia, autorizando a utilização de meios eletrônicos para atendimento de requisitos formais como convocação, deliberação, decisão, formalização e publicidade de convenção ou de acordo coletivo de trabalho; e reduzindo os prazos previstos no Título VI da CLT pela metade (art. 17, incs. II e III, da Lei 14.020/2020).

[53] Nesse sentido, inclusive, manifestou-se a Ministra Rosa Weber ao expor seu voto oralmente na sessão de julgamento da liminar da ADI 6.363.

 

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2021