REGIME DE SOBREAVISO: CONSIDERAÇÕES SOBRE A SUA CARACTERIZAÇÃO

 

 

 

 HELENA KUGEL LAZZARIN

Advogada no Escritório de Advocacia Lazzarin Advogados Associados. Doutoranda em Direito na Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS. Mestre em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS. Bacharel em Direito e Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS. Pesquisadora do Núcleo de Pesquisas CNPQ/PUCRS "Estado, Processo e Sindicalismo". Pesquisadora do Grupo de Pesquisa "Trabalho e Capital: retrocesso social e avanços possíveis", vinculado à UFRGS/FEMARGS. Integrante do Núcleo de Direitos Humanos e do Grupo de Pesquisa "Direitos Humanos e Descolonialidade" da UNISINOS. Integrante do Grupo de Pesquisa "Direito e Fraternidade" da UFRGS. Membro do Comitê de Ética em Pesquisa no Sistema de Saúde Mãe de Deus - CEP/SSMD. Professora Convidada no Curso de Especialização em Direito e Processo do Trabalho - PUCRS.

 

GABRIELLA SANTOS PAINES

Advogada. Cursando Especialização em Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS. Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS (2016). Integrante do Grupo de Pesquisa “Direito e Fraternidade” da UFRGS. Pesquisadora do Grupo de Pesquisa “Novas Tecnologias Processo e Relações de Trabalho” da PUCRS.

 

 

 

Resumo: O presente trabalho objetiva analisar o regime de sobreaviso, bem como especificar os elementos necessários para sua caracterização. Para isso, primeiramente, o referido regime é conceituado; em um segundo momento, são analisadas questões básicas para sua caracterização: a locomoção restrita e o uso de aparelhos de telefone e de chamada. Ao final do presente estudo, são apresentadas considerações sobre a legislação aplicável ao regime – especialmente quanto ao artigo 244 da Consolidação das Leis do Trabalho e quanto à Súmula 428 do Tribunal Superior do Trabalho. A pesquisa é de cunho bibliográfico e utiliza leituras e pesquisa em livros, artigos de revistas, sites oficiais e legislação nacional.

 

Palavras-chave: Trabalho. Jornada. Regime de Sobreaviso. Caracterização.

 

 

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Estado de Sobreaviso. 2.1. Limites de Locomoção. 2.2. Uso de Telefones e Aparelhos de Chamada. 3. Considerações sobre a Interpretação do Artigo 244 da Consolidação das Leis do Trabalho e da Súmula nº 428 do Tribunal Superior do Trabalho. 4. Conclusão. 5. Referências.

 

 

 

1. INTRODUÇÃO

 

O presente trabalho tem como objetivo analisar o regime de sobreaviso, bem como especificar os elementos necessários para sua caracterização.

 

Para isso, primeiramente, o referido regime será conceituado. Após, serão analisadas questões básicas para sua caracterização: a locomoção restrita e o uso de aparelhos de telefone e de chamada.

 

Ao final do presente estudo, serão feitas considerações sobre a legislação aplicável ao regime – especialmente quanto ao artigo 244 da Consolidação das Leis do Trabalho e quanto à Súmula 428 do Tribunal Superior do Trabalho.

 

A pesquisa justifica-se pela atualidade e relevância do tema na sociedade contemporânea. É necessário levantar questões sobre o tema, a fim de possibilitar o correto enquadramento desse coletivo de trabalhadores que exercem jornada em sobreaviso.

 

2. ESTADO DE SOBREAVISO

 

O sobreaviso é regido pelo artigo 244[1] da Consolidação das Leis do Trabalho, o qual abrangia, originalmente, apenas a classe dos ferroviários – aqueles que moravam em casas fornecidas pela empresa, próximas à ferrovia, e permaneciam aguardando o chamado para o trabalho, que era realizado através do telégrafo. No entanto, devido aos avanços tecnológicos e às mudanças nas estruturas das relações laborais, houve a necessidade de estendê-lo às demais categorias.

 

Atualmente, desse modo, o referido artigo é aplicado por analogia às demais classes que se enquadrem nos critérios exigidos, conforme expressa a Súmula nº 428 do Tribunal Superior do Trabalho:[2]

 

SOBREAVISO. APLICAÇÃO ANALÓGICA DO ART. 244, § 2º DA CLT (redação alterada na sessão do Tribunal Pleno realizada em 14.09.2012)  - Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012. 

I - O uso de instrumentos telemáticos ou informatizados fornecidos pela empresa ao empregado, por si só, não caracteriza o regime de sobreaviso. 

II - Considera-se em sobreaviso o empregado que, à distância e submetido a controle patronal por instrumentos telemáticos ou informatizados, permanecer em regime de plantão ou equivalente, aguardando a qualquer momento o chamado para o serviço durante o período de descanso.

 

Observa-se que o entendimento do Tribunal Superior do Trabalho é no sentido de que a liberdade de locomoção precisa ser caracterizada como restrita para que o empregado seja enquadrado em escala de sobreaviso. Assim sendo, o mero uso de aparelhos telefônico ou móvel não configura o referido regime.

 

A jurisprudência, em sua maioria, acompanha o entendimento de que há necessidade de restrição da liberdade do empregado para caracterização do regime de sobreaviso. Conforme aduz o Ministro Maurício Godinho Delgado:[3]

 

[...] nestas situações o trabalhador é obrigado a manter-se em ‘estado de prontidão’, pois não pode deslocar-se para local distante a ponto de frustrar a expectativa do empregador, nem alterar seu estado de consciência pela ingestão de bebidas alcoólicas ou desgaste físico excessivo. Não pode, assim, usufruir plenamente sua liberdade, em situação análoga ao regime de horas de sobreaviso previsto para os ferroviários no § 2º do art. 244 da CLT. [...] No caso em concreto, porém, houve prova de que havia um sistema de prontidão no setor da Reclamante, que implicava, inclusive em uma limitação na liberdade de ir e vir da obreira - mesmo que ela não fosse obrigada a ficar em casa - e a necessária disponibilidade para atender a eventuais ocorrências, devendo resolvê-las quando escalada para o plantão. [...] Se as premissas fáticas delineadas no acórdão apontam para a limitação na liberdade de ir e vir da Recorrida, configurado está o regime de sobreaviso, não se podendo reputar contrariada a OJ 49, da SBDI-1 do TST, tampouco violado o § 2º do art. 244 da CLT.

 

No caso em tela, o empregado não pôde usufruir seu tempo de descanso, em virtude da expectativa do chamado. Assim, há configuração do regime no momento em que o trabalhador tem sua liberdade restringida pela subordinação, ou seja, pelo aguardo do chamado do empregador. Verifica-se que a jurisprudência interpreta o § 2º[4] do artigo 244 da Consolidação das Leis do Trabalho de forma ampla, pois constata que, mesmo com o uso de aparelho celular, o trabalhador pode ter a sua locomoção restringida.[5]

 

Nos tópicos seguintes, serão analisadas duas questões controvertidas quanto à caracterização do estado de sobreaviso: os limites da locomoção e o uso de telefones e outros aparelhos de chamada.

 

 

2.1. Limites de Locomoção

 

Em se tratando de regime de sobreaviso, deparamo-nos com a questão da liberdade de locomoção. A Súmula nº 428 visa adequar-se ao mundo contemporâneo, no qual os aparelhos de telecomunicação abrangem um raio maior do que aqueles usados à época da redação do artigo 244 da Consolidação das Leis do Trabalho. No entanto, ainda que os telefones móveis possuam maior cobertura, o regime de sobreaviso priva o empregado de usufruir livremente de seu tempo, não podendo este firmar compromissos duradouros, tampouco frequentar espaços distantes do local de trabalho.

 

Conforme Sonia Aguiar, Clarice Saito e Rosangela Oliveira:[6]

 

[...] ainda que o empregado tenha relativa liberdade de locomoção, se estiver portando celular, walkie-talkie ou similares, não poderá dispor do seu tempo como bem desejar (exemplo: uma viagem de lazer), pois a qualquer momento poderá ser chamado pelo empregador. Assim, o uso dos aparelhos de comunicação, por si só, não descaracteriza o regime de sobreaviso.

 

Portanto, ainda que não seja necessária a espera constante na residência, o regime inviabiliza a total liberdade de locomoção do trabalhador, na medida em que gera a constante expectativa de ser chamado a laborar e o estado de alerta torna-se constante.

 

Conforme a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho:[7]

 

O Tribunal Regional fundamentou a sua decisão da seguinte forma: (...) Horas de sobreaviso são aquelas em que o autor nem está trabalhando, nem inteiramente à disposição, mas sempre predisposto a ser chamado a qualquer momento para atender às demandas do empregador. O empregado loca sua força de trabalho por determinado período e por determinado preço. Quando não está prestando serviços, a sua liberdade deve ser total, seja do ponto de vista físico (ir para qualquer local, sem preocupação com distância), seja do ponto de vista psicológico (saber que nas horas de folga não será efetivamente chamado, podendo desligar-se e relaxar para as demais atividades da vida). Daí, porque, quando fica eternamente ligado à empresa, sob o regime de sobreaviso, deve receber as horas correspondentes, independente de ser chamado. Assim, se após o encerramento da jornada de trabalho, o empregado não pode ir para sua casa e gozar do merecido repouso entre as jornadas, mas é obrigado a ficar na dependência de um aparelho celular, não se pode acolher a tese de que o trabalhador disponha da tranquilidade ou plena liberdade que deveria caracterizar o repouso entre as jornadas.

 

Esclarece-se que para o Tribunal Regional, no caso em tela, restou claro que, não podendo usufruir livremente de seu período de descanso, existindo a conexão com o trabalho através dos meios de comunicação, deveria o trabalhador ser remunerado, mesmo que não fosse chamado a laborar durante o respectivo período. Destaca-se que o Tribunal Regional compreende que, devido ao fato de o trabalhador encontrar-se conectado ao trabalho, não usufrui integralmente e efetivamente seu período de repouso, tampouco possui liberdade para locomoção.

 

Da seguinte forma interpretou o Ministro Alexandre Agra Belmonte,[8] na referida jurisprudência:

 

Portanto, ficou claro que o reclamante poderia ser chamado após às 22h durante a semana e, como não há possibilidade de previsão de quando haverá ocorrências, conclui-se que o autor permanecia de sobreaviso durante todo o tempo em que não estava trabalhando.

 

Desse modo, a desconexão com o trabalho e a liberdade do trabalhador são os alicerces do regime de sobreaviso: inexistindo os dois elementos, o regime deve ser caracterizado.

 

No regime de sobreaviso, assim, não há separação concreta entre labor e descanso, pois o mesmo gera ao empregado a expectativa constante de ser chamado ao trabalho, não podendo, desse modo, usufruir de um descanso pleno. Ainda que o trabalhador não tenha restrição completa de sua locomoção, ele é impedido de usar seu tempo como bem desejar, por força da expectativa de ser chamado a laborar e da ausência de desconexão. Desse modo, o empregado enfrenta restrições para firmar compromissos familiares e pessoais, bem como ausentar-se para longe do local da prestação de serviço durante tempo em que permanece a disposição, continuando assim, conectado ao serviço.  Nesse sentido, Cairo Júnior[9] expõe:

 

A utilização de aparelho móvel telefônico pelo empregado não obsta a sua ausência de sua residência, mas limita o exercício do seu direito de ir e vir, já que não poderá afastar-se da localidade onde presta serviços, fato que dificultaria o seu comparecimento imediato a empresa.

 

Dessa forma, o trabalhador, quando permanece à disposição do empregador, tem sua liberdade restringida, ainda que não precise estar em sua residência durante o período do sobreaviso, pois está na expectativa de receber o chamado.

 

Com base na análise jurisprudencial realizada (acórdão utilizado como exemplo e demais acórdãos de Tribunais Regionais e do Tribunal Superior do Trabalho), verifica-se que o regime de sobreaviso abrange um âmbito superior ao de limites geográficos. A liberdade do trabalhador compreende não apenas “ir e vir”, mas também usufruir da plena desconexão do ambiente laboral, podendo o obreiro, portanto, desfrutar de liberdade geográfica e psicológica.

 

O direito à liberdade plena, desse modo, é ferido no regime de sobreaviso. Ainda que se tenha liberdade de locomoção, ela é restrita a um raio relativamente próximo do local de labor, mantendo, assim, o trabalhador conectado ao trabalho constantemente. Ademais, a liberdade restringida não se limita a locomoção do obreiro, mas também à conexão permanente com o trabalho, a qual se dá por meio do uso de aparelhos telefônicos e de chamada.

 

 

2.2. Uso de Telefones e Aparelhos de Chamada

 

Conforme o inciso I da Súmula 428 do Tribunal Superior do Trabalho, o uso de instrumentos informatizados fornecidos pela empresa ao empregado não caracteriza, por si só, regime de sobreaviso, uma vez que, além do contato por meios de telecomunicação, a subordinação deve estar presente.

 

No que diz respeito aos referidos aparelhos telefônicos e de chamadas, conforme visto anteriormente, a redação originária do artigo 244 da Consolidação das Leis do Trabalho foi elaborada a fim de atender aos trabalhadores de ferroviárias que, devido à ausência de outros meios de comunicação, deviam permanecer em suas casas, aguardando o chamado pelo telégrafo.

 

Conforme Sérgio Pinto Martins:[10]

 

O art. 244 da CLT, que trata dos ferroviários, prevê que as estradas de ferro poderão ter empregados extranumerários, de sobreaviso e de prontidão, para executarem serviços imprevistos ou para substituições de outros empregados que faltem à escala organizada.

 

Antigamente, os ferroviários residiam em instalações fornecidas pela empresa ferroviária e eram chamados pelo telégrafo (o qual abrangia um alcance relativamente curto). Assim, o empregado deveria ser notificado de que estava em regime de sobreaviso, para que permanecesse em casa aguardando o chamado para trabalhar – o que poderia ocorrer a qualquer momento.

 

Com o passar dos anos, os bips e pagers ocuparam o lugar dos telégrafos. Esses aparelhos possuíam um raio maior de alcance e, com isso, o trabalhador não seria obrigado a permanecer em sua residência para que recebesse o chamado ao trabalho. Com isso – diante da descaracterização da permanência completa do trabalhador em sua residência –, tornou-se necessário rever o entendimento acerca do regime de sobreaviso, uma vez que o trabalhador poderia deslocar-se e usufruir, ainda que de forma limitada, sua liberdade de locomoção.

 

Sendo assim, em meados dos anos 90, os magistrados começaram a adequar a aplicação do artigo 244, § 2º, quanto aos limites de locomoção (que se tornaram menores com o advento do bip e do pager).

 

Conforme decisão[11] do Tribunal Regional do Trabalho da 24ª Região, proferida na década de 90:

 

USO DO BIP. HORAS DE SOBREAVISO. INDEVIDAS. O trabalhador que faz uso do BIP pode livremente circular para onde quiser, dedicar-se aos próprios afazeres e até ao entretenimento, não sendo tolhida sua liberdade de locomoção, razão pela qual não faz jus ao pagamento de horas de sobreaviso. Recurso provido por unanimidade.

 

Nota-se que, no momento em que a liberdade de locomoção foi estendida, houve uma mudança na interpretação da lei. Nesse mesmo sentido, acrescenta Sérgio Pinto Martins:[12]

 

O uso do BIP não caracteriza ‘sobreaviso’, pois o empregado pode se locomover e, teoricamente, poderia até trabalhar para outra empresa. A liberdade de ir e vir da pessoa não fica prejudicada. Somente se o empregado permanece em sua residência, aguardando a qualquer momento o chamado para o serviço, é que há sobreaviso, pois sua liberdade está sendo controlada.

 

Para o autor, o fato de o empregado poder usufruir o seu tempo livre, podendo trabalhar, inclusive, para outras empresas, locomover-se para qualquer lugar onde o raio de alcance do bip contemple, ou realizar afazeres diversos do labor não se configura regime de sobreaviso – pois o obreiro, com o advento das novas tecnologias, possui maior liberdade de locomoção.

 

Atualmente, um leque de aparelhos telemáticos que ligam trabalhadores e trabalhadoras de forma permanente ao trabalho é utilizado: celulares, notebooks, computadores, tablets. A interação com o meio laboral passa a ser constante, e o regime de sobreaviso passa a ser corriqueiro na sociedade moderna, mesmo sem prévio aviso.

 

Diante das inovações tecnológicas, assim, faz-se necessário analisar cada caso de uma maneira específica, relacionar se há ou não subordinação e desconexão com o trabalho. Aduz a Ministra Maria de Assis Calsing,[13] sobre a temática:

 

Em relação às horas de sobreaviso, a prova oral demonstrou de maneira satisfatória a sua existência durante todo o vínculo empregatício. Saliente-se que o sobreaviso é o estado de alerta no qual se encontra o empregado, fora do seu horário normal de trabalho, aguardando eventual chamado para o serviço. Conforme o texto legal do art. 244 da CLT, o requisito para o direito ao pagamento de horas de sobreaviso seria a necessidade de permanência do empregado em sua residência. Nos dias atuais, considerado o desenvolvimento tecnológico dos meios de comunicação, não se pode mais continuar interpretando gramaticalmente tal dispositivo legal, sob pena de, diante dos avanços da sociedade contemporânea, torná-lo obsoleto. Sem dúvida, a tecnologia do BIP, pager e telefones celulares permite maior mobilidade dos empregados que se encontram em regime de plantão, tornando, até mesmo, em muitos casos, desnecessária a sua permanência na residência, o que não significa que estejam completamente livres ou que não façam jus ao pagamento das horas de sobreaviso.

 

Nesse sentido, entende-se que o regime de sobreaviso deve atentar-se às mudanças contemporâneas, as quais permitem a conexão instantânea e constante com o trabalho e as quais possibilitam ao empregado um estado de sobreaviso permanente. Ainda conforme a Ministra Maria de Assis Calsing:[14]

 

A essência do instituto continua presente nas relações entre empregado e empregador, sobretudo a restrição da liberdade e o estado de alerta. Mesmo que o empregado não se obrigue a ficar em casa, não significa que sua liberdade não esteja sendo tolhida em tais hipóteses.Por se reconhecer tais aspectos é que foi criado o parágrafo único do art. 6.º da CLT, incluído pela Lei n.º 12.551/2011, que dispõe: ‘Os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio.’ Não obstante o dispositivo faça menção à subordinação jurídica, reconhece a revolução tecnológica e as transformações do mundo do trabalho, permitindo percepção diferenciada de toda a dinâmica justrabalhista.

 

Observa-se que o Tribunal buscou amparo no artigo 6º da Consolidação das Leis do Trabalho, o qual dispõe em sua redação:

 

Artigo 6º. Não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego.

Parágrafo único. Os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio.

 

A partir da análise do dispositivo em questão, pode-se inferir que o trabalhador que permanece sobre o controle e a subordinação do empregador, através de meios telemáticos, está laborando da mesma forma como se no local de desempenho da função estivesse. Diante dessa configuração, segue-se:

 

Induvidoso que o empregado sujeito a sobreaviso tem a liberdade tolhida, uma vez que, sob risco de não atender possível chamado do empregador, entre inúmeros outros exemplos, não pode se afastar demasiadamente do local do trabalho ou permanecer em locais onde não pegue o sinal do aparelho de comunicação ou ingerir bebidas alcoólicas, sob pena de prejudicar a realização do serviço. Assim, da mesma forma que o uso dos aparelhos referidos não caracterizam, de per si, o regime de sobreaviso, não se pode descaracterizar o instituto pelos seus usos. Nesse sentido, insta mencionar a nova redação da Súmula 428 do TST e disposto no art. 244, § 2.º, da CLT, demonstrando assim avanços no intuito de adequar-se à realidade atual, observando o princípio da interpretação mais favorável ao trabalhador, evitando-se descaracterizar o regime de sobreaviso pelo simples uso de telefone celular, BIP ou pager. Dessa maneira, mesmo usando tais aparelhos, o empregado pode estar submetido a regime de sobreaviso, concorrendo elementos para essa conclusão, como no caso.

 

No caso em tela, o Tribunal configurou o regime de sobreaviso, tendo em vista a subordinação constante a que se submetia o obreiro. Observa-se também que a jurisprudência busca aplicar o princípio da interpretação mais favorável, tendo em vista que o disposto no artigo 244, § 2º, da Consolidação das Leis do Trabalho é passível de diferentes interpretações.

 

Faz-se necessário, assim, que os julgadores verifiquem se os pressupostos do regime de sobreaviso configuram-se, tais como a subordinação através dos meios telemáticos de comunicação, a ausência de desconexão com o trabalho e a limitação da locomoção. Em outras palavras, faz-se necessário interpretar os casos concretos de forma isolada, observando suas especificações.

 

 

3. CONSIDERAÇÕES SOBRE A INTERPRETAÇÃO DO ARTIGO 244 DA CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO E DA SÚMULA Nº 428 DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO

 

Diante das evoluções tecnológicas e das diversas mudanças nas atividades laborais, faz-se necessário estabelecer garantias trabalhistas a esse novo perfil de trabalhadores que se tornou comum na sociedade contemporânea.

 

Destaca-se que, em dezembro de 2011, entrou em vigor a Lei nº 12.551,[15] a qual alterou a redação do artigo 6º da Consolidação das Leis do Trabalho, buscando equiparar os efeitos jurídicos da subordinação exercida por meios telemáticos e informatizados aos efeitos exercidos por meios pessoais e diretos. Nesse mesmo sentido, acrescenta Vera Regina Loureiro Winter,[16] não é o local que caracteriza ou não a relação de emprego, mas as próprias condições deste, apuradas concretamente.

 

Tendo em vista as mudanças e a indispensabilidade em abranger a conexão com o labor além dos limites do local de trabalho, o Tribunal Superior do Trabalho viu-se impelido a alterar a interpretação do artigo 244 da Consolidação das Leis do Trabalho, a fim de proporcionar, por analogia, a aplicação do dispositivo às demais categorias que se estejam submetidas ao regime de sobreaviso.

 

Nesse sentido, a Súmula nº 428 do Tribunal Superior do Trabalho expressa o entendimento de que o empregado que permanece em sua residência aguardando o chamado para laborar, mediante subordinação por meios telemáticos ou informatizados, está abrangido pelo regime do sobreaviso.  Ainda, a Súmula trouxe um esclarecimento há muito tempo discutido entre os Tribunais: o mero uso de aparelhos telemáticos, por si só, não seria capaz de configurar o regime de sobreaviso, tendo em vista a necessidade da subordinação à distância através dos meios informatizados de comunicação.

 

Devido às mudanças advindas com a Súmula nº 428 do Tribunal Superior do Trabalho, a equiparação do trabalhador que não está laborando, mas permanece submetido ao controle patronal à distância, configura-se igualmente como se estivesse no local de trabalhado. Alice Monteiro de Barros,[17] sobre a temática, assim dispõe:

 

Como é sabido, os empregados portadores desse aparelho têm sua locomoção restrita aos limites do raio de ação do bipe que portam. Logo, a expectativa de virem a ser solicitados cerceia-lhes a liberdade, mantendo-os psicologicamente ligados à atribuição funcional e, em contrapartida, o bipe proporciona ao empregador segurança no resguardo de seus interesses.

 

Assim, com respaldo na doutrina de Alice Monteiro de Barros, nota-se que a restrição de locomoção, bem como a subordinação presentes na relação de trabalho, configuram o regime de sobreaviso elencado na referida Súmula.

 

Ademais, conforme o exposto no artigo 4º[18] da Consolidação das Leis do Trabalho, o período em que o empregado está à disposição do empregador, tanto aguardando quanto executando ordens, é considerado como se efetivamente laborando estivesse.

 

Observa-se que, ainda que o trabalhador possa usufruir de sua locomoção, não sendo necessária a presença constante em sua residência, conforme doutrina e jurisprudência, ela é cerceada e, diante da subordinação existente na relação, resta configurado o estado. Nesse sentido, acrescenta-se que, ainda que o trabalhador não seja notificado que está em sobreaviso, o mesmo fica configurado perante a realização de trabalhos à distância ou do chamado à prestação do serviço no local de labor, desde que o obreiro esteja usufruindo de seu descanso e, através dos meios telemáticos de comunicação, seja chamado. Nesse caso, há a presença de subordinação direta na relação de trabalho, a qual o empregador chama o obreiro que se encontra disponível, exercendo de seu direito ao descanso.

 

Assim, a configuração do regime de sobreaviso existe no instante em que a relação trabalhista adentra na esfera pessoal do trabalhador, invadindo seu ambiente de descanso e lazer. Por esse motivo, fez-se necessário concretizar, através da Súmula, um entendimento que proporcionasse as garantias dos trabalhadores. Tendo em vista que o direito ao lazer e ao descanso pleno são garantias constitucionais,[19] fez-se preciso estabelecer os limites das relações de trabalho modernas, as quais possibilitam que o chamado seja exercido em qualquer tempo e o labor realizado em qualquer lugar. Portanto, uma vez que a jornada de sobreaviso transpõe o ambiente pessoal, de descanso e de lazer do empregado, é fundamental que esta seja regulada e submetida às limitações legais.

 

 

4. CONCLUSÃO

 

Verifica-se, com base no presente estudo, que o regime de sobreaviso é caracterizado a partir da não desconexão com o trabalho, da restrição da liberdade de locomoção (ainda que não seja absoluta) e dos contatos realizados com o empregador, realizados através de equipamentos de telefone e de chamada. Observa-se que no regime de sobreaviso, o empregado não pode usufruir efetivamente de seu tempo de descanso, em virtude da expectativa do chamado.

 

Conforme verificado no presente estudo, doutrina e jurisprudência majoritárias compactuam deste entendimento. Ademais, a partir do consolidado na Súmula 428 do Tribunal Superior do Trabalho, ambas estendem o disposto no artigo 244 da Consolidação das Leis do Trabalho às demais categorias que exerçam jornada em regime de sobreaviso, a partir das caracterizações aqui elencadas.

 

É indispensável, assim, que se atente às especificações da relação de trabalho, para que o sobreaviso possa ser identificado – ainda que não previsto no contrato de trabalho –, como uma forma de garantir a correta remuneração e as corretas observações acerca da saúde dos trabalhadores.

 

 

5. REFERÊNCIAS

 

BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 5ª ed. São Paulo: LTr, 2009.

 

BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em: . Acesso em: 20 mai. 2017.

 

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: . Acesso em: 20 mai. 2017.

 

BRASIL. Lei nº 12.551, de 2011. Disponível em: . Acesso em: 20 mai. 2017.

 

BRASIL. Súmula nº 428 do Tribunal Superior do Trabalho. Disponível em: . Acesso em: 20 mai. 2017.

 

BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 24ª Região. Processo nº TRT24ª-RO-0001655-05.1996.5.24.0777. Órgão Julgador: Egrégia 3ª JCJ de Campo Grande (MS). Relatora: Geralda Pedroso. Publicação: 26/03/96. Disponível em: Acesso em: 20 mai. 2017.

 

BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Processo nº TST-RR-105600-30.2006.5.04.0271. Órgão Julgador: 6ª Turma. Relator: Ministro Maurício Godinho Delgado. Publicação: 17/11/10. Disponível em: Acesso em: 20 mai. 2017.

 

BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Processo nº TST-RR-328-39.2012.5.09.0678. Órgão Julgador: 4ª Turma. Relatora: Ministra Maria de Assis Calsing. Publicação: 22/11/13. Disponível em: Acesso em: 20 mai. 2017.

 

BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Processo nº TST-RR-35500-88.2008.5.17.0151. Órgão Julgador: 3ª Turma. Relator: Ministro Alexandre Agra Belmonte. Publicação: 22/11/13. Disponível em: Acesso em: 20 mai. 2017.

 

CAIRO JÚNIOR, José. Curso de Direito do Trabalho. 9ª ed. Salvador: Juspodivm, 2016.

 

MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. 31ª ed. São Paulo: Atlas, 2014.

 

OLIVEIRA, Rosangela. AGUIAR, Sonia. SAITO, Clarice. Jornada de Trabalho. Volume II. 1ª ed. São Paulo: IOB, 2011.

 

WINTER, Vera Regina Loureiro. Teletrabalho: uma forma alternativa de emprego. 1ª ed. São Paulo: LTr, 2005.

 

 


[1]Artigo 244. As estradas de ferro poderão ter empregados extranumerários, de sobre-aviso e de prontidão, para executarem serviços imprevistos ou para substituições de outros empregados que faltem à escala organizada (BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em: . Acesso em: 20 mai. 2017).

 

[2]BRASIL. Súmula nº 428 do Tribunal Superior do Trabalho. Disponível em: . Acesso em: 20 mai. 2017.

 

[3]BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Processo nº TST-RR-105600-30.2006.5.04.0271. Órgão Julgador: 6ª Turma. Relator: Ministro Maurício Godinho Delgado. Publicação: 17/11/10. Disponível em: . Acesso em: 20 mai. 2017.

 

[4]Artigo 244. As estradas de ferro poderão ter empregados extranumerários, de sobreaviso e de prontidão, para executarem serviços imprevistos ou para substituições de outros empregados que faltem à escala organizada. [...] § 2º - Considera-se de "sobreaviso" o empregado efetivo, que permanecer em sua própria casa, aguardando a qualquer momento o chamado para o serviço. Cada escala de "sobreaviso" será, no máximo, de 24 horas. As horas de "sobreaviso", para todos os efeitos, serão contadas à razão de 1/3 do salário normal (BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em: . Acesso em: 20 mai. 2017).

 

[5]Esclarece-se que esta é a interpretação que a Súmula nº 428 do Tribunal Superior do Trabalho apresenta: a configuração do estado de sobreaviso encontra-se na subordinação, na prestação de serviço e, principalmente, na ausência de desconexão com o trabalho.

[6]OLIVEIRA, Rosangela. AGUIAR, Sonia. SAITO, Clarice. Jornada de Trabalho. Volume II. 1ª ed. São Paulo: IOB, 2011. p. 143.

 

[7]BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Processo nº TST-RR-35500-88.2008.5.17.0151. Órgão Julgador: 3ª Turma. Relator: Ministro Alexandre Agra Belmonte. Publicação: 22/11/13. Disponível em: Acesso em: 20 mai. 2017.

 

[8]BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Processo nº TST-RR-35500-88.2008.5.17.0151. Órgão Julgador: 3ª Turma. Relator: Ministro Alexandre Agra Belmonte. Publicação: 22/11/13. Disponível em: Acesso em: 20 mai. 2017.

 

[9]CAIRO JÚNIOR, José. Curso de Direito do Trabalho. 9ª ed. Salvador: Juspodivm, 2016. p. 516.

 

[10]MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. 31ª ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 602.

 

[11]BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 24ª Região. Processo nº TRT24ª-RO-0001655-05.1996.5.24.0777. Órgão Julgador: Egrégia 3ª JCJ de Campo Grande (MS). Relatora: Geralda Pedroso. Publicação: 26/03/96. Disponível em: Acesso em: 20 mai. 2017.

 

[12]MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. 31ª ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 603.

 

[13]BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Processo nº TST-RR-328-39.2012.5.09.0678. Órgão Julgador: 4ª Turma. Relatora: Ministra Maria de Assis Calsing. Publicação: 22/11/13. Disponível em: Acesso em: 20 mai. 2017.

 

[14]BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Processo nº TST-RR-328-39.2012.5.09.0678. Órgão Julgador: 4ª Turma. Relatora: Ministra Maria de Assis Calsing. Publicação: 22/11/13. Disponível em: . Acesso em: 20 mai. 2017.

 

[15]BRASIL. Lei nº 12.551, de 2011. Disponível em: . Acesso em: 20 mai. 2017.

 

 

16]WINTER, Vera Regina Loureiro. Teletrabalho: uma forma alternativa de emprego. 1ª ed. São Paulo: LTr, 2005. p. 51.

[17]BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 5ª ed. São Paulo: LTr, 2009. p. 673.

 

[18]Artigo 4º. Considera-se como de serviço efetivo o período em que o empregado esteja à disposição do empregador, aguardando ou executando ordens, salvo disposição especial expressamente consignada (BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em:Acesso em: 20 mai. 2017).

 

[19]Artigo 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. Artigo 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: [...] XIII - duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho; XIV - jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva; XV - repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos (BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: . Acesso em: 20 mai. 2017).

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2017