OS LIMITES DAS NEGOCIAÇÕES COLETIVAS CONTEMPORÂNEAS FRENTE À REFORMA TRABALHISTA

 

 

 

MÁRCIA REGINA LOBATO

     Doutoranda e Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Especialista em Direito do Trabalho. Graduada em Direito e em Administração de Empresas. Professora de Direito Processual do Trabalho e Direito do Trabalho. Diretora de Secretaria de Seções Especializadas no Tribunal Regional do Trabalho – 3ª Região/MG.

 

 

 

Resumo: O enfoque dado às negociações coletivas de trabalho sempre ocuparam no cenário juslaboral posição de destaque, porquanto é a partir daí que os necessários ajustes entre capital e trabalho se realizam, vislumbrando a harmonização social.  Nesse contexto, os sindicatos exercem a sua função negocial, cuja missão é imprescindível, com o escopo de conquistar direitos laborais, além do mínimo legal previsto, em benefícios dos agrupamentos de profissionais dos quais têm a representatividade, em busca da redução das desigualdades econômicas e sociais, entrevendo proporcionar a incontáveis trabalhadores uma vida minimamente digna. Dentre as diversas formas de solucionar os conflitos oriundos das relações de trabalho, a negociação é apontada como a melhor e mais civilizada técnica de autocomposição entre os atores sociais, atenuando as controvérsias daí decorrentes e, de comum acordo, elaborando normas que disciplinarão o contrato individual de trabalho das categorias envolvidas no procedimento transacional. Contudo, o poder de criar normas por essa via não é, de todo absoluto: requer-se a observância, por parte dos sindicatos representativos das classes profissionais, aos limites traçados à luz dos princípios da criatividade jurídica da negociação e da adequação setorial negociada, com o propósito de validar as negociações sem, contudo, incorrer em violações aos direitos já assegurados aos obreiros. A par disso,  com a reforma trabalhista, os instrumentos coletivos, resultantes da  negociação coletiva, deverão ser produzidos criteriosamente a fim de se evitar a flexibilização ostensiva de direitos laborais. Destacando-se a imprescindibilidade de se refletir e se debater sobre o Direito como mecanismo para a construção de uma sociedade mais justa e equânime, sob de  pena descaracterizar  o Estado Democrático de Direito, assim como os direitos sociais dos trabalhadores,  consagrados pela Constituição  Federal de 1988.

 

Palavras-chave: Negociações coletivas. Limites. Reforma trabalhista. Flexibilização. 

 

 

SUMÀRIO: Introdução – 1. Papel dos sindicatos nas negociações coletivas – 2. Funções das negociações coletivas – 3 Os limites à negociação coletiva trabalhista: princípios da criatividade jurídica da negociação coletiva e da adequação setorial negociada – 4 Flexibilização dos direitos laborais frente à reforma trabalhista – Conclusão – Referências

 

 

 

INTRODUÇÃO

   

        

Os conflitos resultantes das relações laborais refletem habitualmente de modo negativo no cotidiano das partes envolvidas. Mas o Direito do Trabalho albergou as negociações coletivas, que têm como um de seus propósitos solucionar os embates que envolvam interesses relativos ao capital e ao trabalho.

           

Diante desse cenário, propõe-se inicialmente analisar o papel dos sindicatos como representantes de classe nas negociações coletivas de trabalho, considerando que, para a realização de ajustes ou de acordos daí provenientes, requer-se a participação de tais entidades, porquanto esta é uma missão prevista expressamente pelo texto constitucional.

           

Com efeito, os sindicatos defendem, de forma ampla, os direitos e interesses de toda a categoria cuja representação lhes foi confiada com o próprio surgimento da entidade. Tais direitos têm caráter coletivo ou individual alcançando coletivamente os integrantes e, não de modo isolado a cada um destes.

           

Sendo assim, buscar-se-á averiguar o procedimento das negociações coletivas, como mecanismo pacificatório colocado à disposição das partes envolvidas nos embates, com o propósito de deslindar as possíveis controvérsias entre empregados e empregadores, já que seus interesses são naturalmente antagônicos.

             

Nesse contexto, um exame concernente às limitações do processo negocial, traçado à luz dos princípios da criatividade jurídica da negociação e da adequação setorial negociada, faz-se imprescindível com a intenção de validar tal ação sem que, contudo, incorra-se em violações aos direitos dos trabalhadores já assegurados pelo texto constitucional.

           

Os impactos da reforma trabalhista frente às negociações coletivas requer uma averiguação, considerando-se os efeitos daí decorrentes. Dessa maneira, é necessária uma análise com enfoque nesse método transacional nessa nova perspectiva, com o objetivo de se contribuir para o debate e a reflexão acerca da preponderância do negociado sobre o legislado.  

 

 

 

1. PAPEL DOS SINDICATOS NAS NEGOCIAÇÕES COLETIVAS    

   

     

Aos entes sindicais são conferidos poderes e atribuições vislumbrando a defesa dos direitos e dos interesses das classes profissional ou patronal   que representam, o que se traduz em relevante missão voltada à realização do progresso da ordem econômica e à garantia  da paz social.

           

Antes, porém, de adentrar no campo de atuação dos sindicatos profissionais e econômicos na esfera das negociações coletivas, considera-se valoroso uma análise objetiva do surgimento dessas entidades que, contemporaneamente já constitucionalizadas, alcançaram um patamar de partícipes indispensáveis para a concretização da democracia, viabilizando aos envolvidos oportunidades de alcançarem plenamente os objetivos colimados.

           

Primitivamente, os movimentos associacionistas dos trabalhadores eram inexpressivos, mas, mesmo assim, era a forma de se mitigar a fragilidade de sua classe em face do empregador. Entretanto, não lhes eram conferidas quaisquer prerrogativas, tampouco prestígio social, restando quase vãos os esforços empreendidos em busca de mudanças em proveito de seus interesses. A lei do mercado inexoravelmente predominava em detrimento dos direitos do operariado.

          

Ocorre que o natural crescimento dos grupos de pressão formados por trabalhadores, em sua grande maioria, desempregados ou provenientes das indústrias têxteis que, unidos por um sentimento de solidariedade, impuseram mudanças nesse cenário. Assim, a partir da Revolução Industrial, por volta do Século XVII, os movimentos coletivos se intensificaram, surgindo na Inglaterra, paulatinamente, as primeiras entidades de classe voltadas a salvaguardar os interesses da classe operária. 

           

Os ideais traçados pelos trabalhadores foram sendo construídos e se estruturando ao longo do tempo. Somando-se a isso, a necessidade de se organizarem corroborou o fortalecimento dos sindicatos, cujo papel inicial se pautava na representação do operariado na luta por melhores condições de trabalho, de salários, de jornada dentre outras necessidades, em contraponto ao abuso e ao excesso de exploração do sistema capitalista.  

           

Desse modo, a priori, a incumbência dessas entidades seria apenas a de romper com o sistema econômico, fortemente instalado, dominante, com o objetivo de se obter a satisfação das reivindicações predominantemente econômicas dos operários.

           

Concomitantemente à expansão do sistema capitalista, o sindicalismo, de uma forma dialética, resplandeceu no mundo ocidental, passando por fases emancipatórias, influências ideológicas e pela necessária adaptação à realidade das diferentes ordens jurídicas que o acolheram, compreendendo-se, neste contexto, o ordenamento jurídico pátrio.

           

Importante sublinhar que, ao lado dos sindicatos profissionais surgiram as entidades representativas da classe econômica, ganhando forma especialmente em face das transações políticas vinculadas ao governo italiano de Mussolini, no período compreendido entre séculos XIX e XX, segundo as lições de Ricardo C. Antunes (1980, p. 28).

           

No Brasil, a regulamentação dos sindicatos profissionais e patronais se deu com o advento do Decreto n. 19.770, de 19 de março de 1931, que estabeleceu distinções explícitas entre as entidades profissionais e as patronais[1]

           

Com o desenvolvimento da sociedade, principalmente, após a Segunda Grande Guerra Mundial, clamava-se por uma nova postura frente aos costumes até então cristalizados, o que concorreu também para o aperfeiçoamento do sindicalismo, o qual passou por transformações significativas, de modo que, os sindicatos passaram a se organizar visando alcançar seus objetivos, exercendo funções social, jurídica, econômica e negocial, esta última vista como  a primordial.

           

O Direito do Trabalho, vanguardista no Brasil, abrigou a tutela dos denominados interesses coletivos, acompanhando um movimento crescente no plano supranacional de proteção a tais interesses, fortalecendo assim essa ideologia, considerada embrionariamente, como decorrente da Revolução Industrial.

           

Nesse ambiente, desponta nessa ciência jurídica um seguimento especializado na proteção dos conflitos coletivos laborais, o Direito Coletivo, no qual o papel das entidades sindicais, na defesa dos interesses dos trabalhadores, passou a ser preponderante e sua presença no deslinde das controvérsias entre o capital e o trabalho tornou-se indispensável.

           

s conflitos oriundos das relações laborais e os movimentos de massa, corolários da proatividade grupal, naturalmente motivaram o instituto da negociação coletiva, como uma proposta para a busca da, sempre indispensável, pacificação social. Nessa dinâmica, a figura da representação de classes, os sindicatos, passou a exercer um papel fundamental nas intermediações, visando a assegurar os interesses de seus representados.

           

Assim, em busca da harmonia e do necessário equilíbrio entre capital e o trabalho, os sindicatos passaram a desempenhar a função de colaboração e de incremento nas negociações coletivas, apresentando propostas em nome de incontáveis trabalhadores, para serem discutidas com o adversário, exaurindo-se na tentativa de se obterem resultados exitosos em prol dos seus representados.

           

Com o advento da Constituição Federal de 1988 estabeleceu-se a obrigatoriedade da “participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho” na forma do inc. VI do art. 8º (BRASIL, 1988, grifo nosso). Todavia, consoante às lições de Alice Monteiro de Barros (2016, p. 1243), a despeito de a “norma fazer alusão aos sindicatos, no plural, vem-se entendendo que a participação obrigatória nas negociações refere-se ao sindicato profissional e é uma decorrência do princípio da tutela, que só se aplica ao empregado”. Partindo dessa alegação, a participação do sindicato patronal no método de negociação não seria obrigatória.

           

Cumpre sublinhar que, no processo negocial, é imprescindível a compatibilidade entre as atividades exercidas pelo seguimento profissional e o setor econômico.  

           

 

Para Maurício Godinho Delgado (2017, p. 130), o papel dos sindicatos, enquanto representantes dos trabalhadores no processo da negociação coletiva, é buscar o diálogo com os sindicatos patronais ou com os empregadores prevendo entabular ajustes, que materializam em normas coletivas que regerão os contratos individuais dos obreiros das respectivas bases representadas. Outrossim, consoante o pré citado autor, como fruto deste procedimento, resulta um “importante universo de fontes justrabalhistas (os diplomas coletivos negociados), o que confere especial destaque ao presente papel dos  sindicatos” (DELGADO, 2017, p. 130).   

           

Outrossim, muito se fala sobre o enfraquecimento dos sindicatos. As medidas públicas restritivas, a oscilação da economia e o nível crescente de desemprego são apontados como alguns fatores, dentre tantos, que levam ao dasagregamento das entidades sindicais, provocando uma atuação latente. Entretanto, é inegável que os reflexos oriundos dessa conjuntura atingem não apenas os sindicatos, mas todos os seguimentos da sociedade. Ocorre que a atuação dos sindicatos nas negociações coletivas não deve se pautar, como não se pauta nas crises cíclicas do capitalismo, as quais são passíveis de superação. Diante disso, reitera-se: a função negocial é, inquestionavelmente, a principal missão dos sindicatos, com respaldo na CF de 1988 art. 7º (inciso XXVI) e art. 8º (incisos III e VI) e na legislação infraconstitucional, como se pode verificar nos art. 513, alíneas "a" e "b", 611, 612 e 613 da Consolidação das Leis do Trabalho.

           

Desse modo, importa ressaltar, independentemente da conjuntura sócioeconômica contemporânea, o quão relevante é o objetivo perseguido pelos sindicatos no andamento das negociações coletivas, visando a resguardar o interesse e a proteção do grupo, o que, a rigor, irá favorecer o trabalhador no seu contrato individual de trabalho, beneficiando-o e protegendo-o, face à discrepância de forças entre o trabalho e o capital. Portanto, nesse contexto, pode-se dizer que o papel dos sindicatos, frente às negociações coletivas, permite a conquista de direitos aos agrupamentos de profissionais, o que conduz a uma sociedade mais justa e igualitária.  

 

 

 

2. FUNÇÕES DAS NEGOCIAÇÕES COLETIVAS

   

        

A negociação coletiva de trabalho pode ser compreendida como uma ação rotineira em busca do equilíbrio entre interesses antagônicos, e é definida por Maurício Godinho Delgado (2017, p. 130) como “um dos mais importantes métodos de solução de conflitos existentes na sociedade contemporânea. Sem dúvida, o mais destacado no tocante a conflitos trabalhistas de natureza coletiva”.

           

É uma modalidade de autocomposição de conflitos sobrevinda do entendimento entre os atores sociais, figurando, de um lado empregados, e, de outro empregadores. Muito embora a negociação não seja a única modalidade de autocomposição, porquanto podem ser citadas, ainda, a conciliação, a mediação e a arbitragem, ela é considerada o método mais democrático dentre todos, pois conduz e administra os interesses profissionais e econômicos das partes diretamente interessadas.

           

Trata-se de uma prática procedimental, cuja diferenciação mais significativa, em confronto com as demais formas já aludidas, relaciona-se apenas aos sujeitos envolvidos na dinâmica operacional para o deslinde do conflito instaurado entre os interlocutores sociais.

           

A Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é membro efetivo, traçou, em sua Recomendação n. 154, meios para motivar a negociação coletiva, sugerindo formas para que o procedimento seja realizado com sucesso e, em seu art. 2º, conceituando-a e relacionando de modo objetivo a sua finalidade, nos termos a seguir: 

 

Aexpressão “negociação coletiva” compreende todas as negociações que tenham lugar entre, de uma parte, um empregador, um grupo de empregadores ou uma organização ou várias organizações de empregadores, e, de outra parte, uma ou várias organizações de trabalhadores, com o fim de: a) fixar as condições de trabalho e emprego, ou b) regular as relações entre os empregadores ou organizações e uma ou várias organizações de trabalhadores, ou alcançar todos estes objetivos de uma só vez (ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO, 1981).

 
 

O envolvimento e a atuação da OIT na criação de normas é crescente, com o objetivo de, invariavelmente, garantir o bem-estar do trabalhador, como se observa no teor da Recomendação de n.163, a qual apresenta um rol exemplificativo de   sugestões para se promoverem as negociações, almejando facilitar a sua concretização.  

           

O primeiro diploma, no Brasil, que contemplou a negociação coletiva foi o Decreto n. 21.761, de 23 de agosto de 1932 o qual instituiu as convenções e os acordos coletivos do trabalho. (BRASIL, 1932).    

           

Em seguida, esse método negocial foi constitucionalizado, sendo previsto originariamente na Constituição de 1934 (art. 121, parágrafo 1º, letra "j"), permanecendo nas Cartas de 1937 (art. 127), 1946, 1967 e 1969 e, com o advento da Constituição Federal de 1988, a negociação coletiva e o direito sindical foram valorizados, ao se reconhecerem os instrumentos normativos delas oriundos (art. 7º  inc. XXVI)  e a obrigatoriedade da participação dos sindicatos nesse  procedimento  (art. 8o., inc. VI).

             

No plano infraconstitucional, a negociação coletiva também foi acolhida textualmente pela Consolidação das Leis do Trabalho com a alteração promovida pelo Decreto Lei n. 229, de 1967 que modificou a redação dos arts. 616 e 617, os quais traçam as regras procedimentais para a sua necessária validação e eficácia.

              

Hugo Gueiros Bernardes (1989, p. 357) lista princípios atinentes à negociação coletiva, cuja observância faz-se estritamente necessária pelas partes envolvidas nesta sistemática, a exemplo do princípio da boa-fé, o qual se traduz na obrigação de averiguarem as propostas recíprocas e as contrapostas apresentadas, com a indispensável fundamentação, tanto em relação às reivindicações, quanto as atinentes à rejeição, quando for o caso.

           

Existem situações consideradas volúveis e que, sobremaneira, influenciam  o conteúdo final da negociação coletiva, a exemplo da mão de obra. Sendo maior a sua oferta a tendência é a sua desvalorização, ocorrendo também o contrário: quanto menos oferta de mão de obra, mais valorizada é a força de trabalho. Na primeira hipótese, mais dificultosas as conquistas dos trabalhadores, ao passo em que na segunda, as chances de êxito se elevam.

           

É bem, verdade que, para o necessário equilíbrio da negociação são inevitáveis as concessões recíprocas. Desse jeito, importa reconhecer que, nessa conjuntura, não há vencidos, tampouco vencedores, assim como não há espaço para o inexorável, o intransigente e o implacável. É de capital importância a atenção ao princípio da adaptabilidade das vantagens laborais concedidas frente à real situação econômica da empresa, de maneira que, possa haver condescendência  em tempos de maior rentabilidade, e redução destas  em tempos de crise, a fim de não se exacerbar  ainda mais o desemprego, podendo-se, desta forma, inferir características de função econômica e social inerentes às negociações. 

           

 Interessante os apontamentos de Ives Gandra da Silva Martins Filho, para quem

 

numa sociedade democrática e plural é natural a convivência sadia com as divergências, numa dialética que apresentando a todos os agentes transformadores da realidade os diferentes ângulos dos problemas existentes, aportem contributos significativos para a sua melhor solução. (MARTINS FILHO, 2015, p. 791).

           

Nesse contexto, a parcimônia torna-se base elementar para condução das conversações almejando o ajuste das reivindicações, propostas e contrapropostas, no ato da negociação. No mesmo contexto, o princípio do conglobamento deverá ser observado, já que o trabalhador renuncia a alguns direitos e conquista outros para, ao final, as concessões favoráveis suplantarem das desfavoráveis. Esta seria a ideia e uma das finalidades  desse método negocial.

           

Alguns fatores contribuem para que as negociações obtenham mais sucesso. Pode-se destacar, entre eles, a garantia constitucional relacionada à autonomia sindical, bem como o do número de trabalhadores associados ao sindicato concernente à determinada categoria profissional. Neste último caso, porque, quanto mais elevado for este percentual, mais forte será a entidade incumbida da representação da classe. Do ponto de vista de pressão em massa, esses aspectos refletem de forma evidente no resultado final do procedimento negocial.

 

À vista disso, a negociação coletiva prima por amenizar os conflitos oriundos das relações de trabalho visando a agregar vantagens bilaterais, porquanto à medida que as controvérsias se acentuam, os debates entre as partes envolvidas tendem a se intensificar, em busca de um maior entendimento, com o objetivo de se obter um ajuste pacífico.

 

 

 

3. OS LIMITES À NEGOCIAÇÃO COLETIVA TRABALHISTA: PRINCÍPIOS DA CRIATIVIDADE JURÍDICA DA NEGOCIAÇÃO COLETIVA E DA ADEQUAÇÃO SETORIAL NEGOCIADA 

 

           

O limite à autonomia da vontade, via negociação, é previsto no direito positivo, ressaltando-se que esta questão não é de exclusividade do Direito do Trabalho. Outros ramos da ciência jurídica, a exemplo do Direito do Consumidor, também estabelecem normas restritivas a essa liberdade, vedando, por exemplo, o ajuste de cláusulas consideradas abusivas ao consumidor. Frise-se, ainda, que este tenha anuído expressamente ao contrato.

           

Sendo exitosa a negociação coletiva, dela resultarão os instrumentos coletivos trabalhistas firmados pelos convenentes. Trata-se da convenção coletiva de trabalho (CCT) e do acordo coletivo de trabalho (ACT), os quais trazem em seu bojo normas de natureza econômica e social, cujo objetivo é reger o contrato individual de trabalho das categorias envolvidas na transação, destacando-se que tais normas deverão contemplar direitos superiores aos mínimos previstos em lei.   

           

O alcance das soluções conflituosas, materializado nos aludidos expedientes, ocorre sem a interferência estatal, evidenciando-se a autonomia da vontade das partes, além de propiciar que os direitos e vantagens conferidos aos trabalhadores representados no processo negocial sejam cumpridos voluntariamente pelo empregador, partindo-se da premissa de que o ajuste ocorreu com a sua aprovação.   

           

Nesse contexto, vale destacar o enunciado constante do princípio da criatividade jurídica da negociação coletiva apontado por Maurício Godinho Delgado, segundo o qual traduz-se na

 

noção de que os processos negociais coletivos e seus instrumentos (contrato coletivo, acordo coletivo e convenção coletiva do trabalho) têm real poder de criar norma jurídica (com qualidades, prerrogativas e efeitos próprio a esta), em harmonia com a normatividade heterônoma estatal (DELGADO, 2016, p. 1420).

            

À vista disso, por intermédio do sistema negocial, criam-se normas, e não cláusulas contratuais, as quais são consubstanciadas nos já mencionados recursos com repercussão no mundo jurídico, tal qual as normas elaboradas pelo Estado, acentuando-se a necessária harmonia entre as normas oriundas da autonomia da vontade das partes em relação às estatais.  

           

Cumpre distinguir as cláusulas denominadas normativas, das contratuais. As primeiras estabelecem condições de trabalho aplicáveis às categorias no âmbito de suas representações, e não aderem de forma definitiva aos contratos de trabalho laborais, uma vez que estas poderão ser revogadas, produzindo efeitos erga ommes. Já as cláusulas contratuais sujeitam-se a um efeito adesivo perene e não podem ser suprimidas pela parte que as instituiu, segundo as lições clássicas de Maurício Godinho Delgado (2016, p. 1420). 

           

Consoante, ainda, ao mesmo autor, tal poder de criar normas por intermédio da negociação coletiva não é absoluto, ressaltando-se que há limites a este poder, sob pena desse método transformar-se em mecanismo de invalidação, esvaziamento ou mesmo de descaracterização do Estado Democrático de Direito, assim como dos princípios humanístico e social consagrados pela Constituição Federal de 1988.

           

Para a validação dessas normas, consubstanciadas nos instrumentos coletivos (CCT e ACT) e resultantes da transação negocial, é preciso que esta operação seja realizada observando-se os critérios defendidos pelo princípio da adequação setorial negociada, levando-se em conta que tal princípio “funciona como limite à negociação coletiva, impondo condições tais que, caso sejam ultrapassadas, invalidada restará a cláusula que o infringir”, preleciona Maria Cecília Máximo Teodoro (2007, p. 79-97).

           

Consoante às orientações delineadas por esse princípio, para que tal expediente transacional seja tido como válido, além da exigência de se observarem os meios de feitura traçados pela Consolidação das Leis do Trabalho (arts. 611 ao 625), é preciso que as normas pactuadas e consubstanciadas nos instrumentos coletivos estabeleçam direitos superiores comparados ao padrão geral decorrente  da legislação heterônoma estatal.

           

Outrossim, só é possível o ajuste de regramento autônomo, em decorrência de método negocial, desde que se relacione a direitos de indisponibilidade relativa, pois os de indisponibilidade absoluta não são passíveis de se acordar e se, ainda assim, houver alguma cláusula no bojo do expediente coletivo convencionado, desrespeitando direitos de tal natureza, esta será invalidada de pleno direito.

           

A par disso, tome-se como exemplo os preceitos relacionados à saúde do trabalhador, bem como os atinentes à segurança do trabalho, à integridade moral, compreendidos aí o direito à intimidade, à privacidade, à honra e à boa fama, que não são passíveis de se transacionar.

           

Nessa lógica, a tendência da jurisprudência trabalhista, de modo bem objetivo, alinha-se à adequação setorial negociada, como se infere do teor do verbete oriundo do Colendo Tribunal Superior do Trabalho,

 

Súmula n. 85 - COMPENSAÇÃO DE JORNADA (inserido o item VI) - Res. 209/2015, DEJET divulgado em 01, 02 e 03.06.2016

[...]

VI - Não é válido acordo de compensação de jornada em atividade insalubre, ainda que estipulado em norma coletiva, sem a necessária inspeção prévia e permissão; (BRASIL, 2016).

           

Observa-se que a lógica da jurisprudência laboral é, pois, no sentido de manter os limites da negociação coletiva afinados aos princípios preconizados pela Carta de 1988 e não a utilização deste método para precarizar as relações juslaborais e afrontar as legislações heterônomas.

           

A Consolidação dispõe que nos contratos individuais de trabalho, as alterações são consideradas lícitas apenas por consentimento mútuo, desde que estas não resultem, direta ou indiretamente, em prejuízos ao empregado sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia (art. 468).  

           

Diante desse quadro, importa sublinhar a necessária observância às normas voltadas para a proteção ao labor. Além disso, tão importante quanto tal proteção, é o alerta para a impossibilidade, via do método negocial, de se estabelecer cláusula  violando, ainda que minimamente, a dignidade do trabalhador ou opondo-se ao primado do valor social do trabalho. Nessa eventualidade, é patente a nulidade da pactuação à luz da já citada regra do art. 468 da CLT.

             

Não obstante as necessárias restrições impostas ao transacional na forma já reportada, de modo que não se violem direitos trabalhistas já conquistados, a Constituição Federal de 1988 permite, por intermédio da negociação coletiva, a redução dos direitos dos trabalhadores, em princípio, inabdicáveis, a exemplo da irredutibilidade salarial, (Art. 7º, VI). Entretanto, tal permissividade constitucional deverá ser avaliada cautelosamente, de maneira a não ensejar uma ampliação desmedida de flexibilização que possa ensejar o desajuste de direitos sociais já garantidos pela Lei Maior.

           

Em vista disso, o procedimento negocial necessariamente deverá se pautar nas garantias mínimas asseguradas pelo texto constitucional, salientando-se que, a natureza tuitiva inerente ao Direito do Trabalho inquestionavelmente necessita preponderar. Além do mais, para real alcance do objetivo colimado por esta sistemática, o seu método deverá se apresentar com a áurea de moralidade translúcida, inibindo que os direitos conquistados duramente pelos trabalhadores sejam solapados.

           

Destarte, para tanto, importa observar as concepções ostentadas pelos princípios da criatividade jurídica da negociação coletiva e da adequação setorial negociada. Só assim restará espaço para que tais direitos permaneçam intocáveis, de modo a resguardar a fonte de subsistência dos trabalhadores e garantir-lhes um patamar mínimo civilizatório.  

 

 

 

4. FLEXIBILIZAÇÃO DOS DIREITOS LABORAIS FRENTE À REFORMA TRABALHISTA

     

   

Flexibilizar é adaptar uma situação existente tornando-a mais serena, adaptando-a em face das circunstâncias e das pretensões de outrem. Transplantando essa concepção para o Direito do Trabalho, pode-se dizer que se trata de tornar mais maleável o rigor natural das normas concebidas pelo ordenamento jurídico, concernentes aos direitos dos trabalhadores.

           

Nesse contexto, conclama-se para a reflexão da prevalência dos acordos decorrentes das negociações coletivas sobre as normas imperativas heterônomas  estatais, considerando-se que esta é a temática principal da reforma trabalhista e que daí resultará a possibilidade  da flexibilização geral dos direitos individuais e sociais dos trabalhadores, os quais, a rigor, já se encontram sob o manto da tutela absoluta. Isso tem provocado celeumas, dúvidas e incertezas na comunidade jurídica e na sociedade como um todo.

           

É bem verdade que o capitalismo está sujeito a crises cíclicas e que as adaptações a estas fases são necessárias. Entretanto, o que se repudia naturalmente é a perversidade associada ao modo como se procede para suplantar as vicissitudes decorrentes em tempos de recessão econômica e adversa das negociações coletivas, como se pretende com a reforma trabalhista.

           

Nesse cenário, a Consolidação das Leis do Trabalho reconheceu o império do negociado sobre o legislado com a inclusão do artigo 611-A, apresentando um rol exemplificativo das hipóteses possíveis dessa ocorrência. Isso se confirma pela leitura do caput de tal dispositivo ao mencionar a expressão “entre outros”, caracterizando, assim, uma generalidade que, por consequência, poderá viabilizar a desregulamentação ostensiva de outros direitos, além dos arrolados pela Consolidação. 

           

É preciso, pois, que se atente às novas possibilidades flexibilizatórias, já que, a tendência é de se elevar significativamente a sua adoção, reduzindo ou até mesmo suprimindo direitos sociais outrora assegurados pela Carta de 1988.

           

O inciso I do supracitado dispositivo autoriza a transação relacionada à jornada de trabalho, “observando os limites constitucionais” sem, contudo, especificar que o limite diário que, além das oito horas previstas, é de, no máximo, mais duas horas. Infere-se daí que o trabalhador poderá trabalhar em um dia catorze horas, no outro dia quatro horas, e assim sucessivamente, até completar as quarenta e quatro horas semanais permitidas pela CF/88. Mas, é preciso ressaltar que o excesso de horas em um dia afeta a segurança e a saúde do obreiro tratando-se de direito indisponível e irrenunciável. Esse é apenas um exemplo de afronta ao direito social do trabalhador assegurado constitucionalmente (art. 6º).

           

Cumpre ressaltar, ainda, que nessa hipótese, havendo jornada de cartorze horas, como exemplificado, as horas trabalhadas para além do permitido legalmente (oito horas) não serão remuneradas a título de horas extras; haverá uma compensação, configurando mais uma supressão de direitos laborais.  

           

Vale lembrar que a Carta de 1988 não apenas rompeu com o sistema autoritário de outrora, como também resplandeceu no mundo jurídico como instrumento emancipatório, institucionalizando os diretos humanos fundamentais, notavelmente a dignidade da pessoa que, nas palavras de Enoque Ribeiro (2004, p. 78) é vista como o “arcabouço para a fruição dos demais direitos individuais e coletivos,” o seu fundamento “pode ser considerado como o princípio nuclear para a hermenêutica de todos os direitos e garantias conferidos às pessoas”.

           

A despeito de a relação entre o trabalho e o capital, em geral, ser complexa e conflituosa, já que é assinalada, teoricamente, pela subordinação jurídica dos obreiros em face dos empregadores, os trabalhadores receberam tratamento especial com o avento da Constituição Federal de 1988 que dedicou o Capítulo II aos Direitos Sociais dos trabalhadores urbanos e rurais. Como a reforma trabalhista autoriza, por meio das negociações coletivas, que esses direitos sejam flexibilizados em desfavor dos trabalhadores, acarreta afronta e direta aos direitos fundamentais dos trabalhadores.

           

Nesse contexto, o princípio da proteção ao empregado tem se mostrado cada vez mais depauperado, dado que o cenário atual comprova que a ideia de aplicação da norma mais favorável está em declínio, pois a norma resultante das negociações coletivas está autorizada a flexibilizar um maior número de direitos sociais dos trabalhadores. Essa é a nova realidade que se apresenta.

           

As mudanças introduzidas pela aludida reforma influenciarão, sobremaneira, as relações trabalhistas, com desdobramentos daí decorrentes que afetarão um número imensurável de trabalhadores. Assim, no processo negocial, as atenções para essas questões deverão ser redobradas, a fim de se evitar a vitimização da categoria profissional, e sim, ser instrumento para fortalecer os trabalhadores.

           

mporta sublinhar que propostas governamentais outrora aprovadas, flexibilizando a legislação trabalhista a exemplo da criação de banco de horas, no caso de contrato temporário, ao argumento de que criariam novos postos de trabalho, restaram frustradas, pois o contingente de desempregados se eleva cada vez mais. A propósito, a criação de emprego é motivada pelo crescimento da economia e não devido à alteração legislativa.

           

Adverte Márcio Túlio Viana que

 

se pensarmos bem, não se trata realmente de trocar o legislado pelo negociado. Trata-se, ao contrário, de trocar o que antes era negociado pelo que será agora legislado pelas grandes corporações, que certamente saberão impor ainda mais a sua vontade. (VIANA, 2001, p. 158).

            

Nesse contexto, o novo papel do sindicato passa a ser extremamente decisivo e intrigante, pois estar-se-á permitindo, cada vez mais, a flexibilização dos direitos de classe, como se isto solucionasse as questões do desemprego:  “Isso nos mostra que um papel novo e importante pode ser, ao mesmo tempo, um triste e pobre papel”, afirma o anteriormente referido autor. (VIANA, 2001, p. 158).

             

O quadro sócioeconômico brasileiro contemporâneo não favorece grandes conquistas aos trabalhadores e, pelo menos a curto prazo, os prognósticos não podem ser considerados os melhores já que, no atual cenário, o número de desempregados está cada vez mais elevado. Somada a essa situação lastimável, a flexibilização dos direitos trabalhistas, permitida pela transação via negociação coletiva, só tende a piorar a presente realidade.

           

Outrossim, diante dessa circunstância de fragilidade vivenciada pelos trabalhadores, o seguimento produtivo  prefere a negociação,  com a  produção de normas autônomas, em detrimento de normas  imperativa, heterônoma  estatal,  porquanto, neste contexto  o terreno é fértil favorecendo-lhes a imposição unilateral de sua vontade, ao argumento da preservação de postos de trabalho e, os sindicatos  profissionais  acabam por renunciar, a título de transação,  direitos da categoria que representam. 

           

Consoante as lições de Vólia Bomfim Cassar ao afirmar que a

 

flexibilização pode ser de duas espécies: 1a. - de adaptação; 2a. - por necessidade. A primeira visa tão somente a adaptar o direito previsto em lei ou nas normas autônomas à realidade econômico-social das empresas empregadora. A segunda visa à manutenção da empresa, que, em virtude da crise econômica, está agonizando e morrendo. Logo, a segunda visa à sobrevivência da empresa  (CASSAR, 2017, p. 16).

            

Diante disso, uma apuração prévia sobre a capacidade financeira da empresa é imprescindível, a fim de inviabilizar a flexibilização de direitos ao argumento de salvaguardar o emprego, obstando sagacidade utilizada por parte de algumas delas que, valendo-se desse meio, pretendem permanecer no mercado de trabalho ostentando o poder de concorrência

           

Nesse cenário, importante é a lição de Enoque Ribeiro, para quem a solução

 

problemas oriundos das relações de trabalho, que podem ser mediados por meio de um inteligente esforço de negociação coletiva, somente poder ser encontrada de forma definitiva, se enfrentarmos a questão de um ponto de vista moral e espiritual. Se essa relação for considerada por um ângulo mais elevado do que os salários e acumulação de riqueza, teremos uma relação revitalizada por preceitos de amizade, colaboração e solidariedade, sob o fundamento máximo, do respeito à dignidade da pessoa humana. (RIBEIRO, 2004, p. 80).

           

Nessa linha de pensamento, partindo da premissa de que a negociação coletiva prima pela busca da solução dos conflitos laborais de maneira democrática, podem-se obter resultados melhores em prol de todos, mediante a cooperação mútua sem a necessária redução ou supressão de direitos laborais.

           

A partir daí, para que se conceba uma sociedade mais justa e igualitária torna-se imperioso o alerta sobre transação e os ajustes entabulados por meio de convenções ou acordos coletivos de trabalho, de modo que os direitos sociais dos trabalhadores sejam resguardados, ressaltando-se que  os entes sindicais devem adotá-los em prol dos obreiros, evitando-se, a precarização desses direitos e garantindo-se a verdadeira dignidade da pessoa humana.

 

 

 

 CONCLUSÃO

   

        

Uma das tarefas da sociedade é criar mecanismos que sejam aptos para acolher as necessárias tendências do cotidiano, ressalvando-se que essa missão se encontra perenemente em construção. Nesse quadro, os movimentos sociais de outrora, motivados pelo sentimento de solidariedade do operariado, no contexto da Revolução Industrial ocorrida na Inglaterra, suscitaram o desejo de união dos trabalhadores em busca de melhores condições de trabalho e de salários, em contraponto à exploração capitalista, que despontava como sistema predominante.

           

Diante disso, apurou-se, no presente estudo, que o sindicalismo emergiu do necessário apoio mútuo ao operariado, ante as fragilidades impostas pelas circunstâncias daquele período. Em seguida, os movimentos de massa ganharam espaço nesta aldeia global. Assim, os entes sindicais perpassaram paulatinamente por variadas fases ideológicas, foram sendo acolhidos por diferentes ordenamentos jurídicos, nestes compreendida a ordem pátria.

           

A partir do seu reconhecimento no Brasil as entidades de classe foram naturalmente   revestindo-se de características próprias e, albergadas pelo Direito do Trabalho, com a autonomia que lhes foi conferida, passaram a atuar traçando planos de ação na defesa dos direitos e interesses dos membros da categoria que representavam. Isso porque, os conflitos de natureza coletiva oriundos das relações de trabalho simplesmente não se estancaram.

           

om o propósito de encontrar soluções para os embates entre empregados e patrões, averiguou-se o quão importante é o exercício da função negocial conferida aos sindicatos para viabilizar a busca de soluções das controvérsias entre o capital e o trabalho. Nesse cenário, a negociação coletiva despontou como um dos instrumentos mais eficazes destinados ao deslinde das divergências havidas entre o capital e o trabalho, cujos interesses são naturalmente antagônicos; busca-se, todavia, um entendimento que possa atender a interesses recíprocos e bilaterais.

           

Diante disso, certificou-se de que o papel dos sindicatos em negociações coletivas é de capital relevância, porquanto o resultado derivado das conversações alcançam um número incontável de trabalhadores da classe a qual estes representam, possibilitando a eles a solução de impasses de natureza grupal, produzindo normas jurídicas materializadas nas convenções coletivas de trabalho (CCT) e acordos coletivos de trabalho (CCT).

           

A despeito de o procedimento negocial se mostrar como o meio pacificatório mais relevante ocupando-se da busca de harmonização das controvérsias laborais, ele requer limites. A partir daí, constatou-se que a validação de tais mecanismos se prende à observância aos princípios da criatividade jurídica da negociação coletiva e da adequação setorial negociada, segundo os quais as normas autônomas resultantes das negociações deverão encontrar-se em harmonia com aquelas oriundas da legislação estatal. Ademais, tais normas, consubstanciadas nos instrumentos coletivos, deverão estabelecer direitos superiores, se comparados ao padrão geral decorrente da legislação heterônoma e relacionados apenas aos direitos de indisponibilidade relativa.

           

A partir da averiguação realizada sobre a flexibilização de direitos sociais dos trabalhadores frente à reforma trabalhista, conclui-se que na produção de convenção coletiva de trabalho (CCT) e do acordo coletivo de trabalho (ACT) oriundos da  negociação coletiva é preciso cautela, de  maneira que sejam sopesadas as concessões recíprocas, naturais deste método, sob pena de não apenas reduzir,  mas também de abolir direitos sociais dos obreiros. Afinal, a transação deverá ser realizada para garantir a ampliação e a instituição de melhorias de direitos, consubstanciados nestes mecanismos que passarão a reger os contratos individuais dos trabalhadores, representados na negociação e não para abolir as condições mais benéficas.  

           

Assim, no campo juslaboral, é sempre necessária uma atenção especial relativamente à proteção do trabalhador, a parte mais frágil da relação contratual, de maneira a tentar impedir a imposição da vontade do mais forte, o empregador. Conviver com as diversidades, realmente, não é fácil. Com efeito, é uma arte que se reveste do espírito democrático e que conclama cada partícipe a incorporar em si esta característica, de maneira que se possam harmonizar os conflitos, em prol da dignidade dos trabalhadores e da tão desejável pacificação social.

 

 

Referências

 

ANTUNES, Ricardo. C. O que é o sindicalismo. São Paulo: Brasiliense, 1980.

 

BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 10. ed. atual. por Jessé Cláudio Franco de Alencar. São Paulo: LTr, 2016. 

 

BRASIL. (Constituição 1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988.  

 

BRASIL. Decreto nº 19.770, de 19 de março de 1931. Regula a sindicalização das classes patronais e operárias e dá outras providências. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, 19 mar. 1931. Disponível em: . Acesso em: 14 maio 2017.

 

BRASIL. Decreto nº 21.761, de 23 de agosto de 1932. Institue a convenção coletiva de trabalho. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, 27 ago. 1932. Disponível em: . Acesso em: 14 maio 2017

 

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CASSAR, Vólia Bomfim. Breves Comentários às Principais Alterações Propostas pela Reforma Trabalhista. Migalhas, 2017. Disponível em: . Acesso em:14 maio 2017.

 

DELGADO, Maurício Godinho. Constituição da República, Estado Democrático de Direito e Negociação Coletiva. LTr, Legislação do Trabalho, São Paulo, ano 80, n. 12, dez. 2016.

 

DELGADO, Maurício Godinho. Direito Coletivo do Trabalho. 7. ed. São Paulo: LTr, 2017.

 

GUEIROS, Hugo Bernardes. Princípios da Negociação Coletiva. Relações Coletivas de Trabalho. Estudos em homenagem ao Ministro Arnaldo Sussekind. São Paulo: LTr. 1989.

 

MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva. Métodos alternativos de solução de conflitos laborais: viabilizar a jurisdição pelo prestígio à negociação coletiva. LTr, Legislação do Trabalho, São Paulo, ano 70, n. 7. Jul. 2015.

 

RIBEIRO, Enoque. Direitos humanos na negociação. São Paulo: LTr, 2004.

 

TEODORO, Maria Cecília Máximo. O princípio da adequação setorial negociada no Direito do Trabalho. São Paulo: LTr,  2007.

 

VIANA, Márcio Túlio. Quando a livre negociação pode ser um mau negócio (crítica ao projeto que altera o art. 618 da CLT). Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, n. 64, jul.-dez. 2001.

 

ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Recomendação n. 154. Fomento à negociação coletiva. Genebra, 1981. Disponível em: . Acesso em: 14 maio 2017.

 

 


[1]    Decreto n. 19770, de 1931 - Regula a sindicalização das classes patronais e operárias e dá outras providências. "Art. 1o Terão os seus direitos e deveres regulados pelo presente decreto, podendo defender, perante o Governo da República e por intermédio do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, os seus interesses de ordem econômica, jurídica, higiênica e cultural, todas as classes patronais e operárias, que, no território nacional, exercerem profissões idênticas, similares ou conexas, e que se organizarem em sindicatos, independentes entre si, mas subordinada a sua constituição [...]" (BRASIL, 1931).

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2017