TERCEIRIZAÇÃO E DIREITO DO TRABALHO

 

 

 

RÚBIA ZANOTELLI DE ALVARENGA

Doutora e Mestre em Direito do Trabalho pela PUC Minas. Professora Titular do Centro Universitário do Distrito Federal – UDF, Brasília. Advogada.

 

 

 

SUMÁRIO: Introdução; 1. Considerações sobre o Projeto de Lei 4.330/2004;  2. Terceirização e Direito do Trabalho; Conclusão; Referências bibliográficas.

 

 

 

INTRODUÇÃO

 

O ponto de apoio para a preservação da relação jurídico-laboral clássica está em se alcançarem mecanismos jurídicos que possam proteger os Direitos Humanos dos trabalhadores, tendo em vista que “a terceirização existe para reduzir custos com a mão-de-obra com precariedade das condições de trabalho e da proletariedade social, como também para provocar a dilaceração da organização político-sindical da classe trabalhadora”. (COUTINHO, 2015, p. 224).

 

Espera-se, com o estudo ora perpetrado, destacarem-se, por meio da utilização de uma interpretação fundada nos princípios constitucionais do trabalho, medidas eficazes contra o retrocesso social dos direitos humanos trabalhistas, com vistas a estabelecer limites à terceirização, pois o seu objetivo é alterar as condições sociais de trabalho com o fim de se incrementar/ aumentar o lucro do empregador.

 

Para se atingir o objetivo principal colimado, serão apresentadas, logo de início, as valiosas considerações do Prof. Dr. Ruy Gomes Braga Neto.

 

Ruy Gomes Braga Neto (Itajubá, 1972) é um sociólogo brasileiro especialista em sociologia do trabalho. É graduado em Ciências Sociais (1993), mestre em Sociologia (1996; Dissertação sobre Crise contemporânea e restauração do capital: da crítica ao economicismo dominante à análise das lutas de classes) e doutor em Ciências Sociais pela Unicamp (2002, com Tese sobre A nostalgia do fordismo: elementos para uma crítica da Teoria Francesa da Regulação), e livre-docente da Universidade de São Paulo (2012; Tese sobre A política do precariado: do populismo à hegemonia lulista). Ele realizou pesquisas na Universidade da Califórnia, Berkeley, de Pós-Doutorado. É professor do Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, onde coordena o Centro de Estudos dos Direitos da Cidadania (Cenedic). Publicações: A pulsão plebeia: trabalho, precariedade e rebeliões sociais, 2015; A política do precariado: do populismo à hegemonia lulista, 2012; Hegemonia às avessas (co-organizado com Chico de Oliveira), 2010; Infoproletários: degradação real do trabalho virtual (co-organizado com Ricardo Antunes), 2009; Por uma sociologia pública (com Michael Burawoy), 2009; Revolução invisível: desenvolvimento recente da nanotecnologia no Brasil (com Paulo Roberto Martins), 2007; A nostalgia do fordismo: modernização e crise na teoria da sociedade salarial, 2003; A restauração do capital: um estudo sobre a crise contemporânea, 1997; Novas tecnologias: crítica da atual reestruturação produtiva (com Osvaldo Coggiola e Claudio Katz), 1994.

 

É, pois, o acadêmico especialista mais qualificado para embasar este artigo.

 

 

1. CONSIDERAÇÕES SOBRE O PROJETO DE LEI 4.330/2004

 

Na contramão dos princípios constitucionais do trabalho, foi aprovado pela Câmara dos Deputados Federais, em abril de 2015, o Projeto de Lei 4.330/2004, do ex-deputado Sandro Mabel, o qual flexibiliza, radicalmente, direitos conquistados, a duras penas, ao longo de mais de quatro décadas, pela classe trabalhadora, em especial no tocante à possibilidade de se terceirizarem as atividades-fim, como bem atesta a manchete a seguir e alguns fragmentos da entrevista concedida à revista Carta Capital, pelo  Prof. Dr. Ruy Gomes Braga Neto da Universidade de São Paulo (USP), especializado em Sociologia do Trabalho.

 

Leia-se:

 

Lei da terceirização é a maior derrota popular desde o golpe de 64

Para Ruy Braga, professor da USP especializado em sociologia do trabalho, o Projeto de Lei 4.330 completa desmonte iniciado por FHC e sela “início do governo do PMDB”.

Especialista em sociologia do trabalho, Ruy Braga traça um cenário delicado para os próximos quatro anos: salários 30% mais baixos para 18 milhões de pessoas. Até 2020, a arrecadação federal despencaria, afetando o consumo e os programas de distribuição de renda. De um lado, estaria o desemprego. De outro, lucros desvinculados do aumento das vendas. Para o professor  da Universidade de São Paulo (USP), a aprovação do texto base do Projeto de Lei 4.330/2004, que facilita a terceirização de trabalhadores, completa o desmonte dos direitos trabalhistas iniciado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso na década de 90. “Será a maior derrota popular desde o golpe de 64”, avalia o professor em entrevista à Carta Capital.

(Disponível em: . Acesso em: 10 nov. 2015).

 

Não há como se eximir, nesta oportunidade, de se fazer a transcrição de alguns trechos da entrevista que elucidam, categoricamente, as detrações sofridas pelos direitos trabalhistas em vários aspectos, como: a generalização da terceirização das atividades-fim; o aumento do desemprego; a queda na arrecadação de impostos; a perda do poder aquisitivo; o aumento da rotatividade dos trabalhadores e a precarização do trabalho.

 

Na entrevista, Braga, ao definir atividade-fim, “pressente” uma possível generalização da terceirização dessa atividade.

 

Veja-se:

 

Carta Capital: Qual a diferença entre atividade-meio e atividade-fim?

Ruy Braga: Uma empresa é composta por diferentes grupos de trabalhadores. Alguns cuidam do produto ou serviço vendido pela companhia; enquanto outros gravitam em torno dessa finalidade empresarial. Em uma escola, a finalidade é educar. O professor é um trabalhador-fim. Quem mexe com segurança, limpeza e informática, por exemplo, trabalha com atividades-meio.

Carta Capital: Uma lei para regular o setor é mesmo necessária?

Ruy Braga: Não. A Súmula do TST [Tribunal Superior do Trabalho] pacificou na Justiça o consenso de que não se podem terceirizar as atividades-fim. O que acontece é que as empresas não se conformam com esse fato. Não há um problema legal. Já há regulamentação. O que existe são interesses de empresas que desejam aumentar seus lucros.

(Disponível em: . Acesso em: 10 nov. 2015).

 

Ao se tomar por exemplificação a atividade profissional de professor como atividade-fim, pode-se pensar: “O professor está garantido. Não há como mexer com ele.” Triste engano. Pense-se em uma escola federal, um Instituto Federal de Ciência e Tecnologia (Ifes), por exemplo. Em tais instituições, é grande a saída dos professores efetivos em busca de Mestrado, Doutorado e Pós-Doutorado. Ocorre uma vacância que obriga os institutos a promoverem processos de seleção que, mesmo sendo simplificados, demandam recursos onerosos para a contratação dos professores que suprirão, por um prazo mínimo de dois anos, a falta dos que, por direito adquirido, buscam qualificação e, obviamente, melhor retribuição salarial por titulação. Nesses processos, há editais, formação de bancas avaliadoras (cujos professores avaliadores são remunerados), além do gasto de tempo entre as etapas do processo. Com a aprovação da Lei de Terceirização das atividades-fim, será “muito prático” para a Instituição terceirizar tal trabalho. Como se sabe, muitas empresas ofertadoras de serviço surgirão, dentre as quais, as que manterão grupos de trabalhadores ávidos por uma vaga mercadológica. Todavia, os questionamentos que ficam são: como avaliar, suponha-se, o professor terceirizado somente por referências? e a prática de ensino em sala de aula? Sabe-se que, às vezes, excelentes currículos não representam a realidade prática daqueles que os detêm. Eis o risco que se corre. As empresas e os órgãos governamentais buscarão “os melhores” por um preço mais acessível; entretanto, eles estarão aptos a desempenharem a contento suas tarefas?

 

Além disso, deve-se levar em conta que o profissional terceirizado será inserido em um contexto no qual suas expectativas de progressão já estão fadadas ao fracasso. Ele sabe que não atingirá a atividade-fim, pois é contratado por um tempo determinado. Logo, enfrentará certa desconfiança por parte do corpo efetivo, mesmo que seja recebido com a “boa receptividade” que determina a política da “boa educação”. Porém, com o passar do tempo, ele constatará o que já pressentia: não tem voto nas decisões de colegiados; não pode progredir em termos de titulação; não recebe alguns benefícios salariais pertinentes aos efetivos; vive a desconfiança por parte dos discentes e dificilmente recebe, por parte destes, a respeitabilidade que merecem, pois os alunos os veem apenas como substitutos. Tudo isso contribuirá para que tal educador tenha sua autoestima diminuída, trazendo-lhe, não raro, abalos psicológicos, visto que, por melhor que ele seja, suas expectativas de crescimento estão engessadas. Agora, imagine-se esse quadro em outras funções laborais em que o terceirizado não tenha formação superior, como é o caso de trabalhadores dos setores de alimentação, de limpeza, de manutenção civil, entre outros. Estes colaboradores (como são denominados no setor privado) terão, ainda mais do que aqueles que detêm formação superior, pouquíssimas possibilidades de progresso nas suas funções terceirizadas.

 

Pode, como se vê, ocorrer uma grande frustração em função do fenômeno ora analisado – uma espécie de “fantasmagorização” que atingirá (é sabido que já atinge) esses novos milhões – como se estima, em termos numéricos, como se verá a seguir, de terceirizados, caso o Projeto de Lei se torne Lei.

 

No que se refere à questão do aumento do desemprego, o professor Ruy Braga é enfático em suas considerações:

 

Carta Capital: O desemprego cai ou aumenta com as terceirizações?

Ruy Braga: O desemprego aumenta. Basta dizer que um trabalhador terceirizado trabalha em média três horas a mais. Isso significa que menos funcionários são necessários: deve haver redução nas contratações e prováveis demissões.

Carta Capital: Quantas pessoas devem perder a estabilidade?

Ruy Braga: Hoje o mercado formal de trabalho tem 50 milhões de pessoas com carteira assinada. Dessas, 12 milhões são terceirizadas. Se o projeto for transformado em lei, esse número deve chegar a 30 milhões em quatro ou cinco anos. Estou descontando dessa conta a massa de trabalhadores no serviço público, cuja terceirização é menor, as categorias que de fato obtêm representação sindical forte, que podem minimizar os efeitos da terceirização, e os trabalhadores qualificados.

(Disponível em: . Acesso em: 10 nov. 2015).

 

Os números são preocupantes. Segundo o especialista, será gerado   um contingente de 18 milhões de empregos terceirizados. Segmento, muito provavelmente, oriundo da demissão de trabalhadores que se encontravam em atividades-fim. Ou seja: mesmo que não se percam os direitos adquiridos, pois os terceirizados também são regidos pela Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), eles sofrerão perda de salário, perda de status e perda de segurança – visto que estarão submetidos a um regime no qual a garantia de continuidade (manutenção do emprego) é tênue, como será visto, segundo vários próceres em jurisprudência trabalhista, no decorrer deste trabalho. Mister se faz ressaltar, ainda, a perda de autoestima que afetará os novos transmigrados para o regime de terceirização, que sofrerão abalos psicológicos em função da nova realidade a ser enfrentada.

 

Quando trata da queda da arrecadação de impostos, Ruy Braga configura um “círculo desvirtuoso”: terceirização gera desemprego, que gera perda de poder aquisitivo, que gera menos consumo, que gera menos impostos,  que gera menos investimentos em geração de empregos, que gera mais terceirização.

 

Leia-se:

 

Carta Capital: A arrecadação de impostos pode ser afetada?

Ruy Braga: No Brasil, o trabalhador terceirizado recebe 30% menos do que aquele diretamente contratado. Com o avanço das terceirizações, o Estado naturalmente arrecadará menos. O recolhimento de PIS, Cofins e do FGTS também vão (sic) reduzir, porque as terceirizadas são reconhecidas por recolher do trabalhador, mas não repassar para a União. O Estado também terá mais dificuldade em fiscalizar a quantidade de empresas que passará a subcontratar empregados. O governo sabe disso.

(Disponível em: . Acesso em: 10 nov. 2015).

 

Na formulação de um quadro cada vez mais sombrio, o especialista explica como se processará a perda do poder aquisitivo dos novos terceirizados, constatando que o fenômeno está presente em outros países que aderiram à forma de terceirização que o Projeto de Lei 4.330/2004 propõe para o Brasil:

 

Carta Capital: Por que os trabalhadores pouco qualificados correm maior risco?

Ruy Braga: O mercado de trabalho no Brasil se especializou em mão-de-obra semiqualificada, que paga até 1,5 salário mínimo. Quando as empresas terceirizam, elas começam por esses funcionários. Quando for permitido à companhia terceirizar todas as suas atividades, quem for pouco qualificado mudará de status profissional.

Carta Capital: Como se saíram os países que facilitaram as terceirizações?

Ruy Braga: Portugal é um exemplo típico. O Banco de Portugal publicou no final de 2014 um estudo informando que, de cada dez postos criados após  a flexibilização, seis eram voltados para estagiários ou trabalho precário.  O resultado é um aumento exponencial de portugueses imigrando. Ao contrário do que dizem as empresas, essa medida fecha postos, diminui a remuneração, prejudica a sindicalização de trabalhadores, bloqueia o acesso a direitos trabalhistas e aumenta o número de mortes e acidentes no trabalho, porque a rigidez da fiscalização também é menor por empresas subcontratadas.

Carta Capital: E não há ganhos?

Ruy Braga: Há: o das empresas. Não há outro beneficiário. Elas diminuem encargos e aumentam seus lucros.

(Disponível em: . Acesso em: 10 nov. 2015).

 

Também, como consequência do cenário, advém, segundo o professor, o aumento da rotatividade:

 

Carta Capital: Por que a terceirização aumenta a rotatividade de trabalhadores?

Ruy Braga: As empresas contratam jovens, aproveitam a motivação inicial e, aos poucos, aumentam as exigências. Quando a rotina derruba a produtividade, esses funcionários são demitidos e outros são contratados. Essa prática pressiona a massa salarial, porque, a cada demissão, alguém é contratado por um salário menor. A rotatividade vem aumentando ano após ano. Hoje, ela está em torno de 57%, mas alcança 76% no setor de serviços. O Projeto de Lei 4.330 prevê a chamada “flexibilização global”, um incentivo a essa rotatividade.

(Disponível em: . Acesso em: 10 nov. 2015).

 

Ainda no rol das negatividades, Ruy Braga cita a precarização do trabalho, dando ressonância ao que dizem os teóricos extremamente conceituados  que alicerçam a tese de que o Projeto de Lei 4.330/2004, caso se torne Lei, representará um retrocesso sem precedentes na história do trabalhismo brasileiro, destituindo o trabalhador de direitos que vão além dos direitos inerentes ao labor digno, mas também aos relacionados à dignidade humana:

 

Carta Capital: Qual o perfil do trabalhador que deve ser terceirizado?

Ruy Braga: Nos últimos 12 anos, o público que entrou no mercado de trabalho é composto por: mulheres (63%), não brancos (70%) e jovens. Houve um avanço de contratados com idade entre 18 e 25 anos. Serão esses os maiores afetados. Embora os últimos anos tenham sido um período de inclusão, a estrutura econômica e social brasileira não exige qualificações raras. O perfil dos empregos na agroindústria, comércio e indústria pesada, por exemplo, é menos qualificado e deve sofrer com a nova lei, porque as empresas terceirizam menos trabalhadores qualificados.

(Disponível em: . Acesso em: 10 nov. 2015).

 

Em suma, essas são algumas das consequências do nefasto projeto em análise. Ele fere, de forma agressiva, direitos instituídos, principalmente na Constituição de 1988, a mais democrática e mais voltada para a garantia da dignidade humana. Tal projeto é fruto da concepção neoliberalista – bandeira ferrenhamente defendida pelo capitalismo em seus preceitos mais aviltantes.

 

No tópico a seguir, vê-se o pessimismo de vários próceres do Direito do Trabalho em relação a ela, fato que converge para as considerações tecidas na Introdução do presente artigo.

 

 

2.  TERCEIRIZAÇÃO E DIREITO DO TRABALHO

 

A globalização neoliberal capitalista, nascedoura no final do século XX, resulta no enfraquecimento do ramo justrabalhista, na queda de salários, na desvalorização da força de trabalho e da informalização da economia, com a consequente precarização das condições de vida; gerando o robustecimento do capital comercial, do industrial e das instituições financeiras mundiais.

 

Por meio dela, o trabalhador já não é visto como cidadão pleno, detentor de direitos, e, sim, como ser humano supérfluo e descartável – um instrumento capaz apenas de gerar produção e lucratividade – a serviço do capital. Logo, o empregado homem passa a ser considerado um elemento residual; e o lucro, o elemento preponderante a reger as relações trabalhistas na sociedade contemporânea.

 

A terceirização é fruto desse mecanismo de flexibilização empresarial que acarreta a precarização das condições de trabalho, já que constitui uma “forma de flexibilização de atividades e de serviços e tem, como finalidade, não só a redução dos custos da produção, mas também proporcionar maior agilidade, bem como criar melhores condições de competividades para as empresas”. (CORTEZ, 2015, p. 17).

 

Como esclarece Julpiano Chaves Cortez, no setor privado, a terceirização, para os empregadores, significa a forma de administração da empresa, por meio da qual se busca a constante redução dos custos de produção. Para os empregados terceirizados, terceirização significa a forma de exclusão, fator de discriminação e de precarização das condições de trabalho, com lesão dos valores sociais do labor e da dignidade do trabalhador. (CORTEZ, 2015, p. 16).

 

Por conseguinte, qualquer terceirização sempre redundará em algum tipo de precariedade nas condições de trabalho em relação ao pessoal contratado diretamente pelos donos dos negócios mais lucrativos, haja  vista que “precariedade” é sinônimo de mortes, mutilações, acidentes e adoecimentos laborais. (COUTINHO, 2015, p. 200).

 

Como observa Grijaldo Fernades Coutinho, a função primordial do Direito do Trabalho “é assentar as bases materiais concretas para a efetividade dos Direitos Humanos da classe trabalhadora, enquanto a terceirização trafega exatamente na via oposta, qual seja, a por demais tortuosa dilaceração da dignidade humana obreira”. (COUTINHO, 2015, p. 258).

 

Destarte,

 

Essa pulverização dos trabalhadores conduz necessariamente ao esfacelamento e ao enfraquecimento sindicais, trazendo consigo a consequente retração dos movimentos em defesa do trabalho – Direito do Trabalho, condições dignas de trabalho, meio ambiente de trabalho saudável e ampliação de conquistas sociais. (COUTINHO, 2015, p. 146).

 

No tocante ao conceito de terceirização, assinala Maurício Godinho Delgado:

 

Trata-se de fenômeno pelo qual se dissocia a relação econômica de trabalho da relação justrabalhista que lhe seria correspondente. Por tal fenômeno, insere-se o trabalhador no processo produtivo do tomador de serviços sem que se estendam a este os laços justrabalhistas, que se preservam fixados com uma entidade interveniente. (DELGADO, 2001, p. 427).

 

Por isso,

 

Essa dissociação entre relação econômica de trabalho (firmada com a empresa tomadora) e relação jurídica empregatícia (firmada com a empresa terceirizante) traz graves desajustes em contraponto aos clássicos objetivos tutelares e redistributivos que sempre caracterizaram o Direito do Trabalho ao longo de sua história. (DELGADO, 2001, p. 428).

 

Consoante ensina Laércio Lopes da Silva, a terceirização cria um caos na possibilidade de o empregado se integrar verdadeiramente na estrutura  da empresa, pois, contratado por uma empresa para trabalhar em outra, não pode se integrar à estrutura da tomadora e fica marginalizado em relação ao processo de ascensão na prestadora, criando espantalhos de trabalhadores utilizados tão somente como meio de aumento do lucro das empresas sem qualquer ganho concreto para eles próprios ou para a sociedade. (SILVA, 2015, p. 17).

 

Como assevera o autor:

 

As desigualdades salariais que são explicadas, em termos, pela teoria do capital humano, não encontram essa possibilidade na terceirização que do capital humano se utiliza sem qualquer valorização dessa ferramenta, pois a única ideia é a valorização do capital financeiro – o lucro. A terceirização impossibilita a análise das características individuais que afetam ou que possibilitam a integração ao processo de produção de bens e de serviços desumanizando essa relação, vulnerando o disposto no inciso IV do art. 1º da CF/88. (SILVA, 2015, p. 17).

 

O trabalhador terceirizado, com frequência, situa-se à margem do contexto produtivo. São a ele direcionadas as mesmas atividades dos demais trabalhadores, mas sem que lhe sejam reconhecidos e, consequentemente, destinados os mesmos direitos, as mesmas prerrogativas e a proteção típica do empregado celetista. (SILVA, 2015, p. 111).

 

Nesse sentido,

 

Há uma forte tendência de se diminuir, propositalmente, a importância do terceirizado dentro do processo de produção, e a própria convivência com os demais empregados celetistas, como medida tendente a transmudar a natureza da relação com ele mantida e, eventualmente, afastar o vínculo de emprego, o que se reveste de evidente engano, diante da prevalência da análise da relação de natureza trabalhista sob o aspecto do contrato realidade. (SILVA, 2015, p. 112).

 

Para Julpiano Chaves Cortez, são exemplos de restrições de direitos dos trabalhadores resultantes da terceirização: “a impossibilidade de acesso dos terceirizados ao quadro de carreira da empresa tomadora de serviços, a fragilização da categoria profissional e a precarização das normas no meio ambiente de trabalho”. (CORTEZ, 2015, p. 13).

 

Insta destacar que, por meio do trabalho decente ou digno, o homem  tem acesso a todos os atributos essenciais à sobrevivência. Reduzir o desenvolvimento humano à acumulação do lucro e à riqueza, a fim de atender a um processo de competição e de lucratividade entre as empresas, é o mesmo que assassinar os valores da pessoa humana, haja vista que  “a dignidade humana não pode ser, em nenhuma hipótese, relativizada para otimizar o lucro capitalista”.

 

Por isso, pode-se afirmar que ninguém é livre, se não forem asseguradas condições dignas de vida em um sistema político que privilegie as determinações do mercado econômico. Sem dignidade não há cidadania. E “a cidadania é o direito a ter direitos”, ou seja, “o direito a ser sujeito de direitos”. (LAFER, 2012, p. 154).

 

Dessa maneira, “a emancipação do ser humano somente pode ocorrer em um ambiente materialmente igualitário”. (QUARESMA, 2001, p. 406).

 

O mundo dos trabalhadores terceirizados, para Grijaldo Fernandes Coutinho:

 

É o da discriminação salarial e sindical e, como seu desdobramento, o da inferioridade no plano do respeito aos seus direitos imateriais. A indiferença com a qual são tratados no ambiente de trabalho os torna – quando não seres extraterrenos, no sentido da invisibilidade social que lhes é dispensada – vítimas de preconceitos manifestados por inúmeros gestos. A proibição a eles imposta de acessar determinados espaços físicos da empresa e a qualidade de serem as vítimas mais frequentes de ofensas verbais dos representantes patronais, entre tantas outras atitudes, compõem o cotidiano laboral dos empregados terceirizados. (COUTINHO, 2015, p. 150).

 

Razão pela qual, em decorrência da discriminação,

 

Os trabalhadores terceirizados encontram-se quase sempre em uma linha muito tênue entre emprego e desemprego, sendo ameaçados de dispensa pela alta rotatividade de mão-de-obra vigente no segmento das empresas prestadoras de serviços. (COUTINHO, 2015, p. 150).

 

Sobre tal temática, segue-se aqui a assaz coerente visão de Laércio Lopes da Silva. Para o autor, a terceirização surgiu na contramão, visto que,

 

Para além da precarização da relação de trabalho como um todo, traz  uma indisfarçável intenção de reduzir custos, diferenciando salários dos empregados da prestadora dos salários dos empregados da tomadora, reduzindo, da mesma forma, o nível de emprego, ao contrário do que apregoam os entusiastas da terceirização. (SILVA, 2015, p. 17).

 

Ainda, consoante o autor em comento:

 

A festejada flexibilização das relações traz, em verdade, como faceta francamente negativa, a precarização do trabalho e do próprio trabalhador enquanto pessoa, atingindo-lhe a personalidade e ferindo-lhe a própria dignidade, na medida em que o afasta do centro de fruição de sua mão-de- obra, privando-o, cada vez mais, de valores essenciais ao desenvolvimento humano no campo profissional, como reconhecimento profissional e pessoal, inserção no meio corporativo, valorização da força de trabalho e aumento da autoestima, esta inequivocamente constatada ao oportunizar-se ao trabalhador ambiente propício ao desenvolvimento de seus expoentes. (SILVA, 2015, p. 112).

 

Neste ínterim, é imprescindível estabelecer o controle jurídico civilizatório do processo de terceirização, tendo em vista que, segundo o efetivo posicionamento de Grijaldo Fernandes Coutinho:

 

Dada a relação inexorável entre terceirização e trabalho precário, pela própria matriz econômica do regime de subcontratação empresarial, tem-se que esse modo de recrutamento de trabalhadores ofende os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, do valor social do trabalho, da ordem econômica pautada pela valorização do trabalho humano e da justiça social, além de outros desdobramentos daí decorrentes previstos nas normas constitucionais antes citadas. (COUTINHO, 2015, p. 224).

 

De tudo o que foi exposto, adota-se, no presente artigo, o entendimento de que o PL 4.330/2004 é inconstitucional por acarretar o retrocesso dos direitos sociais trabalhistas e por afrontar os princípios do direito constitucional do trabalho. O referido projeto de Lei permite a terceirização – sem maiores restrições – das atividades-fim e das atividades-meio da empresa.

 

Concorde Grijaldo Fernandes Coutinho, liberada a terceirização, a Constituição de 1988 será de um vazio estrondoso e monumental em termos de Direitos Humanos. No ritmo temporal e na extensão material das mudanças regressivas reivindicadas, o risco é de a Constituição não valer para os trabalhadores brasileiros, porquanto os seus direitos ali previstos terão nenhuma ou reduzidíssima efetividade. (COUTINHO, 2015, p. 254).

 

Perspectiva sob a qual assinala Laércio Lopes da Silva que a Constituição Federal de 1988 enuncia, no inciso IV do art. 1º, como fundamento do Estado Democrático de Direito, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa. Em consonância com o autor, isso suscita – sem maiores esforços hermenêuticos – três questões, quais sejam: a) não existe liberdade de contratar sem observância de parâmetros mínimos que assegurem os valores sociais do trabalho; b) a livre iniciativa está condicionada à observância dos valores sociais do trabalho de forma absolutamente inseparável, de maneira que  não existe sem aqueles; c) observar a proporcionalidade entre a liberdade  de contratar com os valores sociais do trabalho. Por isso há flagrante inconstitucionalidade, pois o legislador constituinte limitou, de forma objetiva, a relação entre a iniciativa privada e a manutenção dos valores sociais do trabalho. (SILVA, 2015, p. 79).

 

Como afirma com exatidão Grijaldo Fernandes Coutinho, a proteção à dignidade humana é o eixo da Constituição de 1988, daí derivando a leitura de que nenhuma de suas normas pode ser interpretada para relegar a condição de humano da pessoa trabalhadora, como é o que se verifica diante da presença de condições laborais degradantes inerentes à terceirização. (COUTINHO, 2015, p. 224).

 

 

CONCLUSÃO

 

Em 11 de abril de 2015, três dias após a aprovação do PL 4.330/04 pela Câmara dos Deputados, Vicente Paulo da Silva, o Vicentinho, uma das principais lideranças sindicais no Congresso, Deputado Federal pelo PT desde 2003, deu entrevista à Revista Carta Capital. A matéria reitera categoricamente os pontos de vista do Prof. Dr. Ruy Braga, especialista em Direito do Trabalho da USP, transcritos na Introdução do trabalho ora apresentados e dos teóricos que embasam a tese de que a terceirização, em qualquer ramo laboral, consiste em processo que desrespeita a dignidade do trabalhador.

 

Observem-se a manchete e alguns trechos da entrevista cedida por Vicente Paulo da Silva:

 

Terceirização é derrota da esquerda e do PT”

Para o deputado sindicalista, empresários estão querendo aumentar o lucro por meio da supressão de direitos trabalhistas

Vicente Paulo da Silva, o Vicentinho, é uma das principais lideranças sindicais no Congresso. Deputado Federal pelo PT desde 2003, filiou-se, em 1977, ao Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema. Frustrou-se, como muitos sindicalistas, com a aprovação, na última quarta-feira 08, do texto-base do Projeto de Lei 4.330/04, que libera a terceirização de trabalhadores em toda a cadeia produtiva.

Vicentinho admite, com poucas palavras, que o PT e a esquerda saíram da votação historicamente derrotados. Ele próprio padece de dupla derrota: além de assistir à flexibilização de direitos trabalhistas, viu engavetado seu projeto que regulamentava as mesmas terceirizações. “A minha proposta não permitia que as atividades-fim fossem terceirizadas [...] Agora pode terceirizar até a alma.” 

Disponível em: . Acesso em: 12 nov. 2015.

 

Como se constata, a dilapidação do patrimônio histórico-concreto-laboral é inversamente proporcional à manutenção de direitos conquistados ao longo de décadas pelos trabalhadores e pelos sindicatos de trabalhadores. Caso se torne Lei, o PL 4.330/04 consistirá no maior golpe às conquistas trabalhistas  e ao justrabalhismo neste país. Cabe, agora, ao Senado, como casa que pode legitimar, ou não, anseios dos vários segmentos sociais, rejeitá-lo, modificando-lhe o escopo explicitamente favorável ao lucro de empresários, fazendeiros, entre outros, que o buscam por meio do sofrimento de milhões de trabalhadores brasileiros.

 

Este não é um gênero panfletário; entretanto, não se pode finalizá-lo sem se deixar de expressar veementemente o que sua autora pensa, recorrendo a Vinícius de Morais, em um de seus poemas mais brilhantes:

 

 

“Operário em construção”

 

E foi assim que o operário

Do edifício em construção

Que sempre dizia sim

Começou a dizer não.

E aprendeu a notar coisas

A que não dava atenção:

 

Notou que sua marmita

Era o prato do patrão

Que sua cerveja preta

Era o uísque do patrão

Que seu macacão de zuarte

Era o terno do patrão

Que o casebre onde morava

Era a mansão do patrão

Que seus dois pés andarilhos

Eram as rodas do patrão

 

Que a dureza do seu dia

Era a noite do patrão

Que sua imensa fadiga

Era amiga do patrão.

 

E o operário disse: Não!

E o operário fez-se forte

Na sua resolução.

 

Disponível em: . Acesso em: 16 nov. 2015.

 

Décadas de lutas foram necessárias para conquistas trabalhistas históricas, mais uma vez é preciso levantar bandeiras contra o capitalismo neoliberalista selvagem e exigir do Senado e da Presidenta Dilma que não compactuem com a aprovação de um projeto que representará um retrocesso histórico para a dignidade dos trabalhadores brasileiros.

 

NÃO À TERCEIRIZAÇÃO! NÃO AO LUCRO QUE DENIGRE A DIGNIDADE HUMANA!

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CORTEZ, Julpiano Chaves. Terceirização Trabalhista. São Paulo: LTr, 2015.

COUTINHO, Grijaldo Fernandes. Terceirização. Máquina de moer gente trabalhadora. São Paulo: LTr, 2015.

DELGADO, Maurício Godinho. Introdução ao Direito do Trabalho: relações de trabalho e relação de emprego. São Paulo: LTr, 2001.

LAFER, Celso. A Reconstrução dos Direitos Humanos: um diálogo com Hannah Arendt. Editora Companhia das Letras, 2012.

QUARESMA, Regina; GUIMARAENS, Francisco. Os Princípios da Constituição de 1988. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2001.

SILVA, Laercio Lopes da. A Terceirização e a Precarização nas Relações de Trabalho. São Paulo: LTr, 2015.

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Janeiro/2016