REFORMA TRABALHISTA

 

 

                                      SERGIO PINTO MARTINS

Desembargador do TRT da 2ª Região. Professor titular de Direito do Trabalho da Faculdade de Direito da USP.

 

 

 

SUMÁRIO: 1. Reforma; 2. Conceitos; 3. Alterações da legislação; 4. Revogação de artigos da CLT; 5. Prevalência do negociado sobre o legislado; 6. Conclusões

 

 

 

1. Reforma

 

                               Reformar é formar de novo, reconstruir, dar melhor forma, aprimorar, mudar, modificar, alterar.

 

                               Reforma é o ato ou efeito de reformar. Implica mudança, modificação, dar nova forma.

 

                             Em tese, as mudanças deveriam vir para melhor e não para piorar as situações anteriores. Quando pretendemos fazer uma reforma na nossa casa, esperamos que ela fique melhor do que antes.

 

                         Não se sabe, no momento, qual é a reforma trabalhista que o governo pretende fazer, salvo talvez de se falar que o negociado prevalecerá sobre o legislado. Assim, faço algumas sugestões.

 

 

2. Conceitos

                                Poderiam ser modificados determinados conceitos na lei. O artigo 3.º da CLT dispõe que empregado é quem presta serviços não eventuais e com dependência ao empregador. Melhor seria se falar que seriam serviços contínuos e com subordinação ao empregador, como já se verifica no parágrafo único do artigo 6.º da CLT.

 

                                  O artigo 2.º da CLT dispõe que empregador é a empresa. Empregador pode não ser a empresa. Empregador é a pessoa física ou jurídica.

 

 

3. Alterações da legislação

 

                                    O trabalho temporário é regido pela Lei n.º 6.019/74. Não é possível contratar trabalhador temporário na área rural, pois a lei faz referência apenas a empresa de trabalho urbano (art. 3.º). Deveria ser possível a contratação temporária por mais de três meses (art. 10). Para isso, há necessidade de alterar a Lei n.º 6.019/74.

 

                                    O Programa de Proteção ao Emprego deveria valer por prazo indeterminado e não apenas até 31 de dezembro de 2017 (art. 11 da Lei n.º 13.189/15). Para tanto, é preciso alterar o referido dispositivo legal.

 

 

4. Revogação de artigos da CLT

 

                                    Poderiam ser revogados determinados artigos da CLT, que só causam dúvida de interpretação e de se saber se estão em vigor ou não, como os seguintes: 77, 84 a 86, 112 a 116, 122, 123, 125, 352 a 371, 399, 454, 503, 517 a 520, 528, 531, 532, 537, 542, 552, 554 a 557, 559, 565, 566, 576, 660 a 667, 684 a 689, 691 a 692, 694, 695, 703 a 706, 752, 755 a 762, as alíneas a e c e parágrafo único do art. 515, a alínea a do parágrafo único do artigo 525, o §5.º do art. 549, o §6.º do art. 551, o §2.º do art. 553, a alínea c do art. 653.

 

                                    Eu enviei essa proposta a um deputado do Maranhão, mas ele não foi reeleito em determinado legislatura. Depois enviei ao Deputado João Dado (SP), mas não vi resultado. Havia uma proposta parecida no Congresso, mas ela foi arquivada na última legislatura.

 

                                    A CLT ainda faz menção a cocheiras (art. 352,§1.º, c) quando trata da lei dos 2/3, em que nas empresas com três empregados em diante, dois devem ser brasileiros e um pode ser estrangeiro. Acredito que são muito poucos lugares que ainda têm cocheiras.

 


5. Prevalência do negociado sobre o legislado

 

                                    Há uma corrente que defende que o negociado prevaleça sobre o legislado, desde que a negociação seja feita com a participação do sindicato dos trabalhadores. Objetiva-se com isso, segundo seus adeptos, trazer para a formalidade as pessoas que estão na informalidade. Entretanto, não se pode dizer que, se o negociado prevalecer sobre o legislado, haveria a contratação de pessoas que estão na informalidade, principalmente pelo fato de que o trabalhador está sendo substituído pela máquina.

 

                                       O negociado já tem prevalecido sobre o legislado quando é para estabelecer condições mais benéficas ao trabalhador.

 

                                    Já prevalece o negociado sobre o legislado nos casos previstos nos incisos VI (redução de salários por convenção ou acordo coletivo), XIII (redução e compensação da jornada por acordo ou convenção coletiva), XIV (aumento da jornada em turnos ininterruptos de revezamento para mais de 6 horas), XXVI (reconhecimento das convenções e acordos coletivos pelo Estado brasileiro) do artigo 7º da Constituição. Não existe sistema mais flexível de dispensa do que o nosso desde a implantação do FGTS em 1.º.1.67, pois basta pagar as verbas rescisórias, liberar o FGTS e pagar a indenização do FGTS ao trabalhador.

 

                                    Normas previstas na Constituição não poderão ser alteradas por negociação coletiva. É o que o ocorre na maioria dos casos com as disposições dos artigos 7º a 11 da Lei Maior.[1]

 

                                    Será vedado o pagamento de salário inferior ao mínimo, mesmo para quem receba remuneração variável, pois já é o mínimo que vai se pagar a qualquer pessoa.

 

                                  O 13.º salário não poderá ser extinto, mas a forma de seu pagamento poderá até ser mensal, o que até seria mais favorável ao trabalhador, que receberia pagamentos todos os meses, em vez de uma prestação geralmente em novembro e outra em dezembro.

 

                                    Não poderá ser revogada a legislação ordinária que estabelece que a remuneração do trabalho noturno é superior à do diurno.

 

                                    A duração do trabalho não poderá ser superior a oito horas diárias e 44 semanais, salvo nos casos de compensação de horários (art. 7º, XIII, da Constituição).

                                    O repouso semanal não poderá, por exemplo, deixar de ser remunerado, pois tem previsão no inciso XV do art. 7º da Constituição.

 

                                    A remuneração das horas extras não poderá ser inferior a 50% (art. 7º, XVI, da Lei Maior).

 

                                 O terço constitucional das férias não poderá ser suprimido por negociação coletiva, porém, os dias de férias e a forma de sua concessão poderão ser alterados pela negociação coletiva.

 

                                    A licença-paternidade não poderá ser em período inferior a cinco dias, pois há previsão nesse sentido no parágrafo 1º do artigo 10 do ADCT.

 

                                    Será vedado diminuir o aviso prévio para menos de 30 dias (art. 7º, XXI, da Lei Magna).

 

                                    O negociado não poderá estabelecer o trabalho noturno, perigoso ou insalubre para quem tem menos de 18 anos e de qualquer trabalho para menores de 16 anos.

 

                                    As garantias de emprego previstas na Constituição não poderão ser suprimidas pela negociação coletiva, como: (a) do dirigente sindical, desde o registro da candidatura até um ano após o término do mandato (art. 8º, VIII); (b) do empregado eleito para cargo de direção da Cipa, desde o registro da candidatura até um ano após o término do mandato (art. 10, II, a, do ADCT); (c) da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto (art. 10, II, b, do ADCT).

 

                                    Não podem ser modificadas as regras relativas a exame médico, EPI, primeiros socorros, que são mínimas.

 

                                  A legislação tributária não pode ser modificada por determinações de negociação coletiva, pois depende do princípio da estrita legalidade (art. 150, I, da Constituição, e art. 97 do CTN). É proibida a alteração por negociação coletiva do fato gerador, base de cálculo, contribuintes e alíquotas. Será vedada a modificação do imposto de renda incidente sobre verbas trabalhistas por meio da negociação coletiva.

 

                                   O negociado não pode alterar regras de custeio da Seguridade Social, pois essas normas decorrem do princípio da legalidade tributária, que não pode ser modificado por norma coletiva. Também não poderão ser alterados os benefícios da Previdência Social, como seguro-desemprego (art. 7º, II da Constituição), salário-família (art. 7º, XII).

 

                                    O FGTS é um direito previsto no inciso III do art. 7º da Constituição. Suas regras só podem ser alteradas por lei, por se tratar de contribuição social. Não podem ser modificadas por negociação coletiva.

 

                                A proposta de que o negociado prevalece sobre o legislado não é adequado, pois não temos sindicatos fortes no Brasil, salvo poucas exceções, e o empregador poderá impor condições de trabalho menos favoráveis aos trabalhadores, ainda que com a assistência do sindicato. No Norte, Nordeste e Centro-Oeste do país, há trabalho escravo. Se o negociado prevalecer sobre o legislado, quem garante que os direitos mínimos dos trabalhadores serão respeitados?

 

                                    Em determinadas regiões, o negociado não pode prevalecer sobre o legislado, que representa uma garantia mínima ao trabalhador. Em certos locais, o patrão, o coronel, impõe a regra ao empregado ou ao sindicato. Nas localidades em que o sindicato não tem poder de pressão, poderão ser feitos acordos muito piores do que a previsão da lei; em detrimento do polo mais fraco da relação, que é o empregado.

 

                                 Imagine-se se o negociado for efetivamente prevalecer sobre o legislado em situações como as indicadas. O trabalhador perderá muitos direitos, que seriam os previstos na lei ordinária. Não se pode flexibilizar o salário mínimo, que já é o mínimo.

 

                                     Há incompetência absoluta do legislador, de não ver a realidade dos fatos, num país continental como o nosso.

 

                                     Difícil não é que as pessoas não vejam a solução. Difícil é não enxergar o problema.

 

                                    Não há como prevalecer negociado sobre legislador se o trabalhador perde o emprego e passa para a informalidade. Do contrário seria como utilizar da ironia de Anatole France: ao rico, a riqueza; ao pobre, a pobreza, com todas as suas mazelas, inclusive o desemprego e a informalidade.

 

                                    Não há estudos científicos que mostrem que a redução de direitos trabalhistas e a prevalência de negociado sobre o legislado irão resolver a informalidade e o desemprego, pois o empregador poderá fazer a automação de seu estabelecimento, aumentando a produtividade, sem contratar trabalhadores. Foi o que ocorreu com os bancos, que tinham muitos funcionários por agência e hoje têm cinco ou seis funcionários em certos postos de atendimento. Tudo é feito por computador, para pagar contas, com a utilização da Internet, para sacar dinheiro, etc.

 

                                    Sem a aprovação do projeto, é impossível a prevalência de acordo sobre a legislação vigente, quando ele é menos benéfico do que a própria lei, porque o caráter imperativo desta última restringe o campo de atuação da vontade das partes (Orientação Jurisprudencial nº 31 da SDC).

 

                                    O TST já entendeu que não é possível reduzir ou suprimir o intervalo por norma coletiva, diante da regra de ordem pública do parágrafo 3.º artigo 71 da CLT, que exige a autorização por parte do Ministério do Trabalho (S. 437, II).

 

                                    Há necessidade de reforma de consciência para fazer reforma do que efetivamente precisa ser feito, como da reforma sindical.

 

                                  É preciso fazer a reforma do artigo 8.º da Constituição e implantar a liberdade sindical, ratificando a Convenção 87 da OIT. Não é possível falar em sindicato único e de área não inferior a um Município, que impede o sindicato por bairros ou por empresas; de sindicato por categoria; de contribuição sindical obrigatória, prevista em lei (art. 8.º IV), que é a contribuição sindical (arts. 578 a 610 da CLT). Temos que ter sindicatos fortes para negociar e continue a existir aquele que tiver melhores condições de prestar serviços aos seus associados.

 

 

6. Conclusões

 

                                    Os salários dos trabalhadores brasileiros não são altos. Altos são os encargos sociais, que deveriam ser repensados, principalmente em relação a contribuições que incidem sobre a folha de pagamentos. O empregador paga 35,8% a título de contribuições sobre os salários pagos ao empregado.

 

                                    O que se paga de impostos sobre produtos no Brasil é muito alto. Um automóvel pode ter de 29,84 a 34,16% de impostos (O Estado de Minas, 17.9.2014). Se os veículos fossem mais baratos, mais pessoas poderiam comprá-los ou ter acesso a eles.

 

                                     Neste momento, o mais importante é recuperar a atividade econômica, fazendo a Economia funcionar. Outra hipótese é diminuir a taxa de juros para facilitar o crédito e permitir que as pessoas possam comprar o que desejarem. A questão não me parece ser trabalhista, mas econômica.

 

                                    A reforma trabalhista não é oportuna para este momento.

 


[1] MARTINS, Sergio Pinto. Flexibilização das condições de trabalho. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 2015.

 

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2016