EXIGÊNCIA DE CERTIDÃO DE ANTECEDENTES PARA ADMISSÃO DE EMPREGADO

 

 

 

SERGIO PINTO MARTINS

Desembargador do TRT da 2ª Região. Professor Titular de Direito do Trabalho da USP.

 

 

 

Há empregadores que exigem do empregado certidão de antecedentes para que possa admitir trabalhadores na empresa.

 

Vou examinar neste artigo se estas exigências podem ser feitas.

 

A alínea b do inciso XXXIV do artigo 5º da Constituição assegura a todos, independentemente do pagamento de taxas, a obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal.

 

Todos devem ter acesso à informação (art. 5º, XIV, da Constituição).

 

De outro lado, o inciso X do artigo 5º da Lei Maior afirma que são invioláveis a intimidade e a vida privada das pessoas.

 

São objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 3º, inciso IV, da Constituição).

 

A lei deve punir qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais (art. 5º, XLI, da Constituição).

 

No âmbito trabalhista, a Constituição prevê: XXX - proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil; XXXI - proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência; XXXII - proibição de distinção entre trabalho manual, técnico e intelectual ou entre os profissionais respectivos; XXXIV- igualdade de direitos entre o trabalhador com vínculo empregatício permanente e o trabalhador avulso (art. 7º). Logo, também não pode haver discriminação de direitos entre o trabalhador com vínculo empregatício e o trabalhador avulso.

 

O Brasil ratificou a Convenção 111 da OIT, de 1959. Ela foi promulgada pelo Decreto nº 62.150/68. Versa sobre discriminação em matéria de emprego e profissão.

 

É proibida a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de trabalho, ou de sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar, deficiência, reabilitação profissional, idade, entre outros, ressalvadas, nesse caso, as hipóteses de proteção à criança e ao adolescente previstas no inciso XXXIII do art. 7º da Constituição (art. 1º da Lei nº 9.029/95).

 

Dispunha o inciso II do artigo 2º da Lei nº 5.859/72 que, para a admissão do empregado doméstico, este deveria apresentar “atestado de boa conduta”. Esse dispositivo foi revogado pela Lei Complementar nº 150/15. Esta última norma não tratou do tema.

 

Para o exercício da profissão de vigilante, ele não deve ter antecedentes criminais registrados (art. 16, VI, da Lei nº 7.102/83), em razão de que porta arma de fogo.

 

Em concursos públicos são exigidas certidões de antecedentes criminais e de processos, tanto da Justiça Comum, como da Justiça Federal.

 

Discriminar vem do latim discriminare. Tem o sentido de diferenciar, discernir, distinguir, estabelecer diferença, separar. Discriminação significa tratar diferentemente os iguais.

 

Rui Barbosa afirma na Oração aos moços que “a regra da igualdade consiste senão em aquinhoar desigualmente os desiguais, na medida em que sejam desiguais. Nessa desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade. Tratar como desiguais a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real”.[1]

 

Leciona Celso Antônio Bandeira de Mello que “é agredida a igualdade quando fator diferencial adotado para qualificar os atingidos pela regra não guarda relação de pertinência lógica com a inclusão ou exclusão do benefício diferido ou com a inserção ou arredamento do gravame imposto”.[2]

 

“De revés, ocorre imediata e intuitiva rejeição da validade à regra que,  ao apartar situações para fins de regulá-la diversamente, calça-se em fatores que não guardam pertinência com a desigualdade de tratamento jurídico dispensado”.[3]

 

Só se pode falar em discriminação quando exista distinção que não seja razoável, proporcional, justificável.

 

O TST já decidiu que:

 

“Agravo de instrumento. Recurso de revista. Responsabilidade civil. Dano moral. Exigência de antecedentes criminais. 1. A exigência de certidão negativa de antecedentes criminais de candidato ao emprego, por si só, não implica violação à dignidade, à intimidade ou à vida privada, máxime se justificada pela necessidade da empresa em aproveitá-lo em atividades que envolvam uma maior parcela de fidúcia pelo acesso a informações confidenciais dos clientes. 2. Ausência de afronta ao art. 5º, incisos V e X, da Constituição Federal e ao art. 186 do Código Civil. 3. Agravo de instrumento de que se conhece e a que se nega provimento” (TST, 4ª T, AIRR 140300-83.2012.5.13.0008, Rel. Min. João Oreste Dalazen, DEJT 24.06.2014).

 

Pode-se falar em discriminação se foi exigida da pessoa restrição excessiva e desproporcional em relação a direitos fundamentais. É a aplicação do princípio da proporcionalidade.

 

Se a exigência é necessária para o exercício da função, como no caso do vigilante, não se pode falar em discriminação. Se o meio utilizado pelo empregador é adequado, não se pode falar em discriminação.

 

Em outros casos, o TST já assim decidiu:

 

Recurso de revista. Exigência de antecedentes criminais em entrevista de admissão em emprego para exercício de cargo de atendente com acesso a dados pessoais de clientes. Limites do poder diretivo empresarial. Contraponto de princípios constitucionais: princípio do amplo acesso a informações, especialmente oficiais, em contrapartida ao princípio da proteção à privacidade e ao princípio da não discriminação. Ponderação. A Constituição da República consagra o princípio do amplo acesso a informações (art. 5º, XIV: – é assegurado a todos o acesso à informação… –, CF), especialmente em se tratando de informações oficiais, prolatadas pelo Poder Público (art. 5º, XXXIII, e art. 5º, XXXIV, b, CF). Em contraponto, também consagra a Constituição o princípio da proteção à privacidade (art. 5º, X, da CF) e o princípio da não discriminação (art. 3º, I e IV; art. 5º, caput; art. 7º, XXX, CF). Nessa contraposição de princípios constitucionais, a jurisprudência tem conferido efetividade ao princípio do amplo acesso a informações públicas oficiais nos casos em que sejam essenciais, imprescindíveis semelhantes informações para o regular e seguro exercício da atividade profissional, tal como ocorre com o trabalho de vigilância armada – regulado pela Lei 7.102 de 1982, art. 16, VI – e o trabalho doméstico, regulado pela Lei 5.859/72 (art. 2º, II). Em tais casos delimitados, explicitamente permitidos pela lei, a ponderação de valores e princípios acentua o amplo acesso a informações (mormente por não se tratar de informações íntimas, porém públicas e oficiais), ao invés de seu contraponto principiológico também constitucional. Contudo, não se mostrando imprescindíveis e essenciais semelhantes informações, prevalecem os princípios constitucionais da proteção à privacidade e da não discriminação. Na situação em tela, envolvendo trabalhador que    se candidata à função de operador de telemarketing ou de call center,  a jurisprudência do TST tem se encaminhado no sentido de considerar preponderantes os princípios do respeito à privacidade e do combate  à discriminação, ensejando a conduta empresarial, por consequência, a lesão moral passível de indenização (art. 5º, V e X, da CF). Recurso de revista conhecido e provido (TST, 3ª T, RR 102400-35.2013.5.13.0007, Rel. Min. Mauricio Godinho Delgado, DEJT 30.05.2014).

 

Recurso de revista. Dano moral. Exigência de exibição de certidão de antecedentes criminais. Atendente de telermarketing. Conduta discriminatória. A exigência de certidão de antecedentes criminais para admissão em emprego, além de ser uma medida extrema, porque expõe a intimidade e a integridade do trabalhador, deve sempre ficar restrita  às hipóteses em que a lei expressamente permite. Recurso de revista conhecido e provido (TST, 6ª T, RR 140100-73.2012.5.13.0009, Rel. Min. Aloysio Corrêa da Veiga, DEJT 06.12.2013).

 

Em situação não exatamente igual, a Indústria de embalagens ITAP Bemis (antiga Dixie Toga), de Londrina, terá que indenizar um auxiliar de produção  que passou por todo o processo seletivo, fez exame médico e foi informado sobre a forma de remuneração. Não foi contratado, ao revelar que tinha antecedentes criminais. O autor foi indicado pela mãe – funcionária da empresa – para trabalhar como auxiliar de produção, com proposta salarial de R$ 734,00. Após a realização dos exames admissionais, uma funcionária da ITAP Bemis confirmou que a contratação seria efetivada e que o trabalho começaria o trabalho no dia seguinte ao da entrega da documentação.  O trabalhador não entregou cópia do título de eleitor, mas uma certidão na qual constava que não estava em dia com a Justiça Eleitoral por motivo de condenação criminal. Foi informado por uma funcionária do setor de Recursos Humanos que a contratação seria cancelada, o que de fato ocorreu. A relatora do processo do TRT da 9ª Região afirmou que “Em tese e sem abuso, é legítimo o poder de direção empresarial de optar pela contratação de empregado que melhor atenda aos seus objetivos empresariais, o que se traduz em efetiva garantia ao direito de propriedade e da livre iniciativa. Todavia, não se pode cogitar de irrestrita liberdade negativa em colisão com o princípio da dignidade humana”. Trata-se de um caso de conflito de direitos fundamentais. De um lado, a livre iniciativa do empregador em gerir o negócio da forma mais conveniente, do outro, a dignidade da pessoa humana. Segundo a relatora, “não se pode cogitar de irrestrita liberdade negativa em colisão com o princípio da dignidade humana”. A 4ª Turma considerou que a empresa admitia certidão da Justiça Eleitoral em substituição ao título de eleitor, mas não no caso do autor da ação. “Ao desistir da contratação após efetivado todo o trâmite do processo seletivo e prometida a admissão, frustrou-se a expectativa do autor quanto ao novo emprego, restando configurados os prejuízos alegados e, por conseguinte, exsurgindo o direito à indenização”. Foi determinado o pagamento de indenização de R$ 5 mil a título de danos morais (TRT 9ª R, 4ª T, Rel. Des. Rosemarie Diedrichs Pimpão).

 


[1] BARBOSA, Rui. Oração aos Moços. Rio de Janeiro: Casa de Rui Barbosa, 1956. p. 32.

[2] MELLO, Celso Antonio Bandeira de. O Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. 6. ed.,  São Paulo: Malheiros, 1999, p. 38.

[3] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. O Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. 2. ed.,  São Paulo: Revista dos Tribunais, 1984, p. 47. 

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Março/2016