O PRESTÍGIO DA NEGOCIAÇÃO COLETIVA E O PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO SETORIAL NEGOCIADA

 

 

 

               EVELLYN THICIANE MACÊDO COÊLHO

Prof. Especialista do Curso de Direito da UniEVANGÉLICA; Orientadora de TCC da UniEVANGÉLICA; Advogada. Mestranda em Direito das Relações Sociais e do Trabalho pela UDF – Brasília.

 

 

 

 

SUMÁRIO: INTRODUÇÃO; 1. Os instrumentos da negociação coletiva trabalhista; 2. Limites e função da negociação coletiva trabalhista; CONCLUSÃO.

 

 

Resumo: Este artigo tem o objetivo de aclarar a problemática aplicação do princípio da adequação setorial negociada, sem, contudo, ferir o prestígio da negociação coletiva. A doutrina em muito se diverge com discussões amplamente fundamentadas por juristas de renome internacional, em que pese a jurisprudência se mantenha majoritária no sentido de sobrepor o princípio aqui estudado à liberdade sindical. Desta forma, serão apresentadas as razões da necessidade de observância e proteção dos preceitos constitucionais que regulam direitos sociais mínimos quando da produção de normas coletivas.  Para alcançar os objetivos almejados, optou-se pelo método de trabalho bibliográfico, utilizando-se como apoio e base contribuições de diversos autores sobre o assunto em questão, por meio de consulta a livros, periódicos, artigos científicos, além de Acórdãos dos Tribunais Trabalhistas Brasileiros.

 

Palavra-chave: Sindicatos, Negociação Coletiva, Proteção


 

 

 

INTRODUÇÃO

 

A negociação coletiva do trabalho, instrumento legítimo, democrático, eficaz na solução de conflitos decorrentes da relação de trabalho e, ainda, no equilíbrio entre o capital e o trabalho, só cumprirá a função legalmente imposta, conforme as diretrizes constitucionais, se realizada em harmonia aos princípios constitucionais, humanísticos e sociais. Por essa razão, se faz necessária criteriosa análise da possibilidade da realização de negociação irrestrita entre as partes convenentes.

 

As normas autônomas juscoletivas devem observar previamente a orientação trazida pelo princípio da adequação setorial negociada, por estabelecer o alcance e os limites daquilo que pode ser realmente objeto de negociação, ante a relativização de sua autonomia, com restrição na diminuição ou supressão dos direitos trabalhistas mínimos assegurados pela Constituição Federal de 1988 e Leis infraconstitucionais.

 

O Ministro do TST Maurício Godinho Delgado argumentando seu posicionamento em Audiência Pública proferida na Câmara dos Deputados – CTASP, para discutir a proposta contida no Projeto de Lei nº 427/2015, assim como os seus apensados, Projeto de Lei nº 944/2015 e o Projeto de Lei nº 4.962/2016 que tratam da Consolidação das Leis do Trabalho, com muita sapiência assegurou que a Corte Superior em um total de vinte Ministros, o que equivale a 77% (setenta e sete por cento) da composição do TST, defendem a necessidade da manutenção dos parâmetros constitucionais e legais do direito do trabalho brasileiro. Nesse aparato, sustentou a impossibilidade de se valer de crises econômicas, aparentemente conjunturais, para reduzir o patamar de gestão trabalhista, de direitos, sobretudo aqueles fixados na Constituição Federal de 1988 e demais Leis do País, haja vista os pisos civilizatórios impostos legalmente[1].

           

A importância que o atual constitucionalismo representa para a valorização do trabalho como direito fundamental social, ao garantir a preservação dos direitos fundamentais no Estado Democrático de Direito devem ser balizados na análise prática e jurídica das discussões legais, políticas e sociais de alterações do Direito do Trabalho brasileiro.  A posição alcançada pelo trabalho na Constituição Federal de 1988 é precedida de um longo e penoso trajeto percorrido pelo direito ao trabalho nas Constituição anteriores, conquistando vantagens de maneira vagarosa se comparadas à necessidade do trabalhador, demonstrando o merecido valor nos âmbitos social, econômico e jurídico atuais.

 

A Constituição Federal de 1988, em seu art. 170, projetou uma ordem econômica fundada na valorização do trabalho humano e na livre-iniciativa, com a finalidade de assegurar uma existência digna a todos, conforme os preceitos da justiça social. Assim, as normas autônomas juscoletivas, construídas para incidirem sobre certa comunidade econômico-profissional, podem prevalecer sobre o padrão geral heterônomo justrabalhista, desde que respeitados certos critérios objetivamente fixados. Nessa vertente, a negociação coletiva de trabalho, conquanto seja mecanismo desejável de solução dos conflitos entre o Capital e o Trabalho, no ordenamento jurídico, não pode flexibilizar, de modo amplo, direitos básicos.

 

Portanto, a aplicabilidade do Princípio da Adequação Setorial Negociada no exercício prático da negociação coletiva de trabalho é sobremodo importante, a fim de evitar retrocesso de toda a base solidificada na história constitucional e infraconstitucional do Direito do Trabalho brasileiro.

 

 

 

1.    Os instrumentos da negociação coletiva trabalhista

 

É necessária uma convivência harmônica entre a atividade empresarial e o trabalho, para a possibilidade da prevalência da valorização humana e da livre-iniciativa.

 

Segundo Paulo Henrique da Mota, a busca pelo reconhecimento “do trabalho como um direito essencial para uma nova cidadania emerge com as Revoluções Burguesas, Revolução Gloriosa (1688), Revolução Industrial (1750) e a Revolução Francesa (1789).” [2]

 

 Nesta perspectiva, a estabilização de melhores condições de trabalho só ocorreria com a positivação dos direitos alcançados. A doutrina assegura que a tratativa do direito do trabalho com olhar mais econômico do que social, “não adquiria força o suficiente para robustecer-se perante os demais ramos do direito que eram tratados com maior relevância pelo Estado.[3].

 

Sob tal prisma, foi por meio do constitucionalismo social, meio para instituição do Direito do Trabalho no âmbito Constitucional é que houve o destaque desse ramo do direito entre as garantias dos direitos fundamentais, com a inserção entre os direitos sociais.

 

A Carta Cidadã de 1988, como marco do Estado Democrático de Direito, trouxe a valorização social do trabalho como um dos fundamentos[4] enunciados pela República Federativa do Brasil. Assim, o papel do trabalho como sustentáculo do Estado Democrático de Direito, encontra destaque na sua atuação como instrumento necessário para o alcance dos objetivos fundamentais prescritos no art. 3º da Constituição Federal.

 

 De acordo com a renomada professora Rúbia Zanotelli de Alvarenga:

 

[...] somente após a Carta Magna de 1988 os direitos sociais trabalhistas ganharam a dimensão de direitos humanos fundamentais. Logo, a Constituição Federal de 1988 constitui-se um marco na história jurídico-social e político dos direitos fundamentais trabalhistas por ter erigido a dignidade da pessoa humana com o eixo central do Estado Democrático de Direito e dos direitos humanos fundamentais. [5]

 

 

A autora completa expondo que a Constituição Federal de 1988 representa a matriz do Direito Constitucional do Trabalho não só pela proteção que ela confere aos direitos sociais trabalhistas, mas por ter inaugurado, no Brasil, uma fase de maturação para o Direito do Trabalho, cuja análise somente pode ser apreendida, desde que conjugada com os direitos fundamentais trabalhistas, que têm como fundamento a dignidade da pessoa humana.[6]

 

Sob ótica tão assertiva, os direitos sociais, direitos de segunda dimensão, encontram-se interligados ao direito da igualdade, ante a busca pela promoção da igualdade social, por meio da criação de condições materiais que possibilitam a efetivação de uma igualdade real entre os indivíduos. Logo, a partir do art. 7º, inciso XXVI[7], da Constituição Federal de 1988, a negociação coletiva é um importante meio para se gerar direitos e obrigações para a empresa e seus empregados, permitindo a solução de interesses divergentes e garantindo a necessária segurança jurídica para a condução de suas ações coletivas.

 

É preciso destacar que a função do Direito em regular condutas, interesses, relações e instituições, com a harmonização da convivência social e na busca pela pacificação de conflitos, preserva-se no período histórico caracterizado pelo advento da Democracia. O Direito Coletivo, expressão do direito material do trabalho, traz a possibilidade e edição de normas autônomas, sendo uma concessão do Estado, que reconhece a normatividade das regras construídas coletivamente.

 

Sendo assim, a Negociação Coletiva, instituto do Direito Coletivo do Trabalho, ganhou força constitucional na Carta Cidadã de 1988, sendo forma de autocomposição democrática, com papel primordial em gerir interesses profissionais e econômicos de grande relevância social. A concessão estatal ainda impõe alguns limites constitucionais, denominado pela doutrina de “contrato mínimo”.

 

Insta destacar que os métodos de solução de conflitos interindividuais e sociais classificam-se em: autotutela, heterocomposição e autocomposição. Sendo a Negociação Coletiva dinâmica social complexa, relaciona-se com a mediação e a greve, considerados instrumentos-meios da negociação coletiva trabalhista, e, como instrumento-fim, aqueles que consumam sucesso da dinâmica negocial. No Brasil, trata-se da Convenção Coletiva de Trabalho e do Acordo Coletivo de Trabalho.

 

As convenções coletivas criam regras jurídicas (normas autônomas), preceitos gerais, abstratos e impessoais, dirigidos a normatizar as relações individuais de trabalho abrangidas pelos sindicatos representantes das respectivas categorias, firmadas, em regra, pelos sindicatos das categorias profissional e econômico.

 

O acordo coletivo de trabalho, firmado em regra pelo sindicato da categoria profissional com uma ou mais empresas, reconhecido pelo artigo 7º, inciso XXVI, da Constituição Federal, foi recepcionado pelo Texto Maior, não podendo ocorrer interpretação isolada, tampouco literal do art. 8º, inciso VI, da CF/88, que exige a presença do sindicato na negociação coletiva, mas em conformidade com aquele outro dispositivo. Assim, a obrigatoriedade da presença do ente sindical na negociação coletiva de trabalho para o fim de se firmar acordo coletivo, restringe-se à categoria profissional.[8] 

 

Verifica-se, assim, consoante ensina Mauricio Godinho Delgado, que o princípio da criatividade jurídica da negociação coletiva “traduz a noção de que os processos negociais coletivos e seus instrumentos (contrato coletivo, acordo coletivo e convenção coletiva do trabalho) têm real poder de criar normas jurídica, (com qualidades, prerrogativas e efeitos próprios a estas), em harmonia com a normatividade heterônoma estatal.”[9]

 

Em consonância ainda com a visão de Mauricio Godinho Delgado:

 

Tal princípio, na verdade, consubstancia a própria justificativa de existência do Direito Coletivo do Trabalho. A criação de normas jurídicas pelos atores coletivos componentes de uma dada comunidade econômico-profissional realiza o princípio democrático de descentralização política e de avanço da autogestão social pelas comunidades localizadas. A antítese ao Direito Coletivo é a inibição absoluta ao processo negocial coletivo e à autonormatização social, conforme foi tão característico ao modelo de normatização subordinada estatal que prevaleceu nas experiências corporativistas e fascistas europeias da primeira metade do século XX. No Brasil, a tradição justrabalhista sempre tendeu a mitigar o papel do Direito Coletivo do Trabalho, denegando, inclusive, as prerrogativas mínimas de liberdade associativa e sindical e de autonomia sindical aos trabalhadores e suas organizações. Com a Constituição de 1988 é que esse processo começou a se inverter, conforme de observam de distintos dispositivos da Constituição (ilustrativamente, art. 7º, VI e XIII; art. 8º, I, III, VI; art. 9º).[10]

 

Pode-se afirmar, então, que “a negociação coletiva trabalhista, processada com a participação do sindicato de trabalhadores, tem esse singular poder de produzir normas jurídicas, e não simples cláusulas contratuais (ao contrário do que, em geral, o Direito autoriza a agentes particulares)”.[11]

 

 

2.   Limites e função da negociação coletiva trabalhista

 

A Constituição Federal de 1988 considerou o Direito Individual do Trabalho com maior aptidão para atingir o conjunto da economia e da sociedade brasileira, servindo ao Direito Coletivo o aprofundamento e a melhoria das regras legais nos seguimentos profissionais. Assim, é contrário aos ditames jurídicos a realização de instrumentos coletivos negociados que rebaixem o padrão civilizatório estabelecido por Lei, salvo aquelas exceções fixadas pela Constituição e regras legais específicas.

 

Mesmo diante do incentivo constitucional, bem como das garantias trazidas à negociação coletiva trabalhista, o texto previu a incidência do princípio da norma mais favorável em situações de contraponto às regras coletivas negociadas e as regras estatais. Nesse contexto, Maurício Godinho Delgado e Gabriela Neves Delgado explanam com exatidão:

 

A concretização mais rápida e universal de um efetivo Estado Democrático de Direito no País, garantindo, com segurança, a prevalência de suas diretrizes essenciais da proteção à dignidade da pessoa humana, da valorização do trabalho e especialmente do emprego, da subordinação da propriedade à sua função social, da democratização da sociedade civil – e não só da sociedade política –, da concretização da justiça social. [12]

 

 

Desse modo, após a Constituição Federal de 1988, é salutar a universalização das regras e princípios jurídicos trabalhistas, elevando-se o patamar civilizatório mínimo de inclusão social e econômica na realidade do País, dando efetividade a mais importante política pública de inclusão social e econômica já construída nos marcos do capitalismo.

 

No campo do Direito do Trabalho não há hierarquia de diplomas normativos, mas hierarquia de regras jurídicas, sendo dinâmica e flexível, com interpretação à luz dos princípios da norma mais favorável, bem como da adequação setorial negociada, que inter-relaciona o Direito Coletivo e o Direito Individual, preocupando com a harmonização entre as normas autônomas e heterônomas (provenientes da legislação estatal).

 

Maurício Godinho Delgado, Ministro do TST e precursor do princípio da adequação setorial negociada ensina:

 

Pelo princípio da adequação setorial negociada, as normas autônomas juscoletivas, construídas para incidirem sobre certa comunidade econômica-profissional, podem prevalecer sobre o padrão geral heterônomo justrabalhista, desde que respeitados certos critérios objetivamente fixados. São dois esses critérios autorizativos: a) quando as normas autônomas juscoletivas implementam um padrão setorial de direitos superior ao padrão geral oriundo da legislação heterônoma aplicável; b) quando as normas autônomas juscoletivas transacionam setorialmente parcelas justrabalhistas de indisponibilidade apenas relativa (e não de indisponibilidade absoluta).[13]

 

 

Em razão dos inúmeros aspectos que envolvem a negociação coletiva, sua função foi reconhecida pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), motivando a edição da Convenção n. 154[14], que instituiu as medidas a serem adotadas por seus países signatários no sentido de estimular cada vez mais a sua prática.

 

Para Amauri Mascaro Nascimento, as funções jurídicas da negociação coletiva são: normativa, de caráter obrigacional, compositiva; ainda, menciona a função política, econômica e social. [15] 

 

A função normativa é precípua, entendida como a criação de normas que serão aplicadas às relações individuais de trabalho desenvolvidas no atrelada àquela, pois a negociação serve para criar obrigações e direitos entre os próprios sujeitos. No que se refere à função compositiva, especificadamente como forma de superação dos conflitos entre as partes, está em igualdade às demais formas compositivas.

 

Importante destacar que atrelada à função normativa, verifica-se também a função central do Direito do Trabalho. A esse respeito, pontifica Mauricio Godinho Delgado:

 

O ramo justrabalhista incorpora, no conjunto de suas regras, princípios e institutos, um valor finalístico essencial, que marca a direção de todo o sistema jurídico que compõe. Este valor -  e a consequente direção teleotógica imprimida a este ramo jurídico especializado – consiste na melhoria das condições de pactuação da força de trabalho na ordem socioeconômica. Sem tal valor e direção finalística, o Direito do Trabalho sequer se compreenderia, historicamente, e sequer de justificaria, socialmente, deixando, pois, de cumprir sua função principal na sociedade contemporânea.[16]

 

Dessa maneira, não cabe à negociação coletiva trabalhista, face o princípio da criatividade jurídica da negociação coletiva, acarretar o rompimento com o núcleo basilar de princípios do Direito do Trabalho e com o patamar civilizatório mínimo fixado pela ordem jurídica heterônoma estatal. 

 

No tocante às funções não jurídicas ou, propriamente, função política, pode-se considerá-la como um importante instrumento de democratização de poder, por assegurar o equilíbrio do sistema político, uma vez que as perturbações na ordem social e até mesmo a luta entre classes sociais, resultantes, em alguns casos, dos conflitos trabalhistas, é motivo de instabilidade política. Assim sendo, a negociação coletiva trabalhista, como instrumento de estabilidade nas relações entre os trabalhadores e as empresas, interessa à sociedade política, pois ultrapassa a esfera restrita das partes interessadas.

 

Outra função relevante da negociação coletiva trabalhista é a econômica. Nesta função, convém mencionar que a função da norma coletiva não é superar o insuperável conflito entre o capital e trabalho, mas estabelecer a possibilidade de convivência, por isso, a negociação coletiva encontra limites na norma trabalhista imperativa, porque não se trata de acordo de vontades, mas da necessidade de transigir para evitar situações piores do que aquelas já conquistadas.

 

Ainda, a melhoria da condição social do trabalho não pode prescindir de uma técnica que, sendo adequada em relação às possibilidades de cada empresa ou de cada setor da economia, permita que, sem maiores traumas, sejam atendidas as reinvindicações operárias perante ao capital. 

 

Cumpre ressaltar que a negociação coletiva trabalhista também possui uma função social, que é a de garantir a participação dos trabalhadores no processo de decisão empresarial, “[...] em proveito da normalidade das relações coletivas e de harmonia no ambiente de trabalho, dela se valendo inclusive a lei, que transfere para a negociação a solução de inúmeras questões de interesse social[17]”.

 

Coadunando o raciocínio especificado, assegura com exatidão Maurício Godinho Delgado:

[...] a geração de regras jurídicas, que se distanciam em qualidades e poderes das meras cláusulas obrigacionais, dirigindo-se a normatizar os contratos de trabalho das respectivas bases representadas na negociação coletiva, é um marco de afirmação do segmento juscoletivo, que confere a ele (e à negociação coletiva) papel econômico, social e político muito relevante na sociedade democrática. [18]

 

Urge destacar também a função civilizatória e democrática, haja vista ser um dos principais mecanismos de controle e atenuação das distorções socioeconômicas inevitáveis da economia e do capitalismo. Nesta toada, segue a exponencial síntese de Mauricio Godinho Delgado:

 

Cabe acrescer-se, por fim, a função civilizatória e democrática, que é própria ao Direito do Trabalho. Esse ramo jurídico especializado tornou-se, na História do Capitalismo Ocidental, um dos instrumentos mais relevantes de inserção na sociedade econômica de parte significativa dos segmentos sociais despossuídos de riqueza material acumulada, e que, por isso mesmo, vivem, essencialmente, de seu próprio trabalho. Nesta linha, ele adquiriu o caráter, ao longo dos últimos 150/200 anos, de um dos principais mecanismos de controle e atenuação das distorções socioeconômicas inevitáveis do mercado e sistema capitalistas. Ao lado disso, também dentro de sua função democrática e civilizatória, o Direito do Trabalho consumou-se como um dos mais eficazes instrumentos de gestão e moderação de uma das mais importantes relações de poder existentes na sociedade contemporânea, a relação de emprego.[19]

           

Sendo a negociação coletiva o modo como o capital e o trabalho estabelecem regras de convivência pacífica, seu papel não será cumprido no ordenamento jurídico, caso o discurso do neoliberalismo, representado pelas privatizações, pela terceirização, pela organização de cooperativas fraudulentas ou mesmo pela permissividade de criação de regras de contratos precários, tomem espaço no cenário jurídico, social e político da sociedade.

 

Para o cumprimento dos preceitos constitucionais, com observância da valorização do trabalho como direito fundamental são necessários sindicatos fortes, a fim de que o Direito do Trabalho continue sendo construído sob a premissa, ou o princípio da proteção ao trabalho humano.

 

Como observam Valdete souto Severo e Almiro Eduardo de Almeida:

 

Valorizar os sindicatos em sua atuação, porém, implica dar-lhes poder de pressão. Ou seja, força real de negociação. Permitir que os trabalhadores, coletivamente, abram mão dos denominados direitos mínimos, por compreender que a proteção pode ser afastada em âmbito coletivo é um grave equívoco. Um Sindicato realmente forte conquista mais direitos, não retrocede. É isso porque sua razão de ser é a conquista de melhoria das condições sociais dos trabalhadores; é a viabilização da negociação (positiva) junto ao capital. [20]

           

Os direitos sociais possuem a característica da progressividade, estando entre estes os direitos laborais, considerados direitos fundamentais, conforme texto constitucional de 1988, jungidos à garantia constitucional do não retrocesso, principalmente em face da expressa natureza progressiva estampada no caput do artigo 7º da Constituição Federal, sendo o mencionado princípio delineado pela soma do princípio da norma mais favorável com o princípio da progressividade dos direitos econômicos, sociais e culturais.

 

Por fim, cumpre ressaltar que estando o Estado Democrático de Direito solidificado sobre três eixos centrais: a dignidade da pessoa humana; a sociedade política, democrática e inclusiva; na sociedade civil, ocorrendo a permissividade de negociações sindicais sem a observância do arcabouço constitucional, dos princípios humanísticos e sociais fundamentais, será latente a incompatibilidade ao bom desenvolvimento da economia produtiva e capitalista, bem como o consequente enfraquecimento das bases constitucionais e o retrocesso de toda a construção jurídico-laboral no Direito Brasileiro.

 

 

 

CONCLUSÃO

 

O princípio da adequação setorial negociada é de observância imprescindível na elaboração das normas autônomas juscoletivas, ao passo que estabelece o alcance e os limites daquilo que pode ser realmente objeto de negociação.

 

Como verificado, as conquistas do trabalho na Constituição Federal de 1988 são resultado de trajeto longo e de incontáveis injustiças saboreadas por trabalhadores ao longo da história, de modo que o seu reconhecimento como direito fundamental social, e o seu valor nos âmbitos social, econômico e jurídico atuais, não pode sofrer retrocesso.

 

Certo que é necessária uma convivência harmônica entre a atividade empresarial e o trabalho, contudo, a relativização dos direitos básicos dos trabalhadores certamente não possuem o condão de resolver crises econômicas conjunturais, originadas do âmago do país, sendo sentidas e superadas pela economia em velocidade superior à conquista de direitos pelos trabalhadores.

 

 

Referências Bibliográficas

 

ALVARENGA, Rúbia Zanotelli. Direito constitucional do trabalho. In: ALVARENGA, Rúbia Zanotelli (Coord.). Direito constitucional do trabalho. São Paulo: LTr: 2015.

 

DELGADO, Godinho Delgado; DELGADO, Gabriela Neves. Constituição da república e direitos fundamentais: dignidade da pessoa humana, justiça social e direito do trabalho. 3.ed. São Paulo: LTr: 2015.

 

DELGADO, Maurício Godinho. Direito coletivo do trabalho. 15 ed. São Paulo: LTr: 2016.

 

________________. Audiência Pública para discutir a proposta contida no PL 427/15, assim como os seus apensados, PL 944/15 e o PL n. 4.962/16 que tratam da Consolidação das Leis do Trabalho. Audiência Pública proferida na Câmara dos Deputados - CTASP. Brasília - DF, em 05 de julho de 2016.

 

GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de direito do trabalho. Rio de Janeiro: Forense, 2016.

 

GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. CLT Comentada. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2015, p. 611.

 

MOTA, Paulo Henrique da. Negociação coletiva de trabalho: função social da empresa e valorização do trabalho humano. São Paulo: LTr: 2016.

 

NASCIMENTO, Amauri Mascaro; NASCIMENTO, Sônia Mascaro Nascimento. Iniciação ao direito do trabalho. 40.ed. São Paulo: LTr: 2015.

 

Organização Internacional do Trabalho – OIT. Convenção n. 154. Disponível em: . Acesso em: 29 jul. 2016.

 

SEVERO, Valdete Souto; ALMEIDA, Almiro Eduardo de. Direito do trabalho avesso da precarização. Volume I. São Paulo: LTr: 2014.  

 


[1] Audiência Pública para discutir a proposta contida no PL 427/15, assim como os seus apensados, PL 944/15 e o PL n. 4.962/16 que tratam da Consolidação das Leis do Trabalho. Audiência Pública proferida na Câmara dos Deputados - CTASP. Brasília - DF, em 05 de julho de 2016.

 

[2] MOTA, Paulo Henrique da. Negociação coletiva de trabalho: função social da empresa e valorização do trabalho humano. São Paulo: LTr, 2016, p. 50.

 

[3] MOTA, Paulo Henrique da. Negociação coletiva de trabalho: função social da empresa valorização do trabalho humano. São Paulo, LTr, 2016, p. 51.

 

[4] CF/88. Artigo 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e dos Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

(...)

III – a dignidade da pessoa humana;

IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa

 

[5] ALVARENGA, Rúbia Zanotelli. Direito constitucional do trabalho. In: ALVARENGA, Rúbia Zanotelli (Coord.). Direito constitucional do trabalho. São Paulo: LTr, 2015, p. 48.

 

[6] ALVARENGA, Rúbia Zanotelli. Direito constitucional do trabalho. In: ALVARENGA, Rúbia Zanotelli (Coord.). Direito constitucional do trabalho. São Paulo: LTr, 2015, p. 52.

 

[7]CF/88. Art. 7º, XXVI – reconhecimento dos acordos e convenções coletivas de trabalho.

 

[8] GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. CLT Comentada. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2015, p. 611.

 

[9] DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 15 ed. São Paulo: LTr, 2016, p. 1462.

 

[10] DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 15 ed. São Paulo: LTr, 2016, p. 1463.

 

[11] DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 15 ed. São Paulo: LTr, 2016, p. 1463.

 

[12] DELGADO, Maurício Godinho; DELGADO, Gabriela Neves. Constituição da República e Direitos Fundamentais: dignidade da pessoa humana, justiça social e direito do trabalho. São Paulo. LTr, 2015, p. 51.

 

[13] DELGADO, Maurício Godinho. Direito coletivo do trabalho. 15 ed. São Paulo: LTr, 2016, p. 1466.

 

[14] A Convenção n. 154 da OIT foi aprovada na 67ª reunião da Conferência Internacional do Trabalho em 1981 (Genebra). Entrou em vigor no plano internacional em 11/8/1983. Sua adesão pelo Brasil foi aprovada em 12/5/1992, através do Decreto legislativo n. 22, ratificado em 10/7/1992, com vigência interna a partir de 10/7/1993, sendo promulgada essa adesão apenas em 29/9/1994, pelo Decreto presidencial n. 1.256. Disponível em: .Acesso em: 29 jul. 2016.

 

[15] NASCIMENTO, Amauri Mascaro de; NASCIMENTO, Sonia Mascaro de. Iniciação ao direito do trabalho. 40.ed. São Paulo: LTr, 2015, p. 511.

 

[16] DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 15 ed. São Paulo: LTr, 2016, p. 1430.

 

[17] NASCIMENTO, Amauri Mascaro de; NASCIMENTO, Sonia Mascaro de. Iniciação ao Direito do Trabalho. 40.ed. São Paulo: LTr, 2015, p. 512.

 

[18]DELGADO, Mauricio Godinho. Direito coletivo do trabalho.6.ed. São Paulo: LTr, 2015. p. 152.

 

[19] DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 15 ed. São Paulo: LTr, 2016, p. 58.

 

[20] SEVERO, Valdete Souto; ALMEIDA, Almiro Eduardo de. Direito do trabalho avesso da precarização. Volume I. São Paulo: LTr, 2014, p. 111.  

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