A DISPENSA COLETIVA NO CÓDIGO DE TRABALHO DE PORTUGAL: BREVE ANÁLISE DO ARTIGO 361

 

 

 

GILBERTO STÜRMER

Advogado e Parecerista. Mestre em Direito pela PUCRS. Doutor em Direito do Trabalho pela UFSC. Pós-Doutor em Direito pela Universidade de Sevilla (Espanha). Coordenador do Curso de Pós-Graduação - Especialização em Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho da Faculdade de Direito da PUCRS. Professor Titular de Direito do Trabalho nos Cursos de Graduação e Pós-Graduação (Especialização, Mestrado e Doutorado) na mesma Faculdade. Membro do Instituto dos Advogados do Rio Grande do Sul (IARGS). Membro da Associação dos Advogados Trabalhistas de Empresas no Rio Grande do Sul (SATERGS).

 

FELIPE MENDONÇA

Advogado. Especialista em Direito Empresarial pela FGV. Mestrando em Direito pela PUCRS (Área de concentração: Teoria Geral da Jurisdição e do Processo).

 

 

 

Resumo: O presente trabalho tem como objetivo analisar como o Código do Trabalho de Portugal trata a questão do despedimento coletivo, especificamente em seu artigo 361. Para tanto, traça um comparativo entre Brasil e Portugal sobre o tema, além de analisar brevemente os projetos de lei em trâmite em nosso país a respeito da matéria.

 

Palavras-chave: Dispensa Coletiva; Código do Trabalho de Portugal; Realidade Brasileira; Projeto de Lei.

 

 

SUMÁRIO: Introdução; I. A dispensa coletiva e dispensa individual e os direitos dos trabalhadores em nossa Constituição Federal; II. A dispensa coletiva no Código do Trabalho de Portugal; III. Breve análise do artigo 361; IV. Dos projetos de lei em trâmite no Brasil sobre o tema; Conclusão; Referências bibliográficas.

 

 

 

INTRODUÇÃO

 

 

 

No presente artigo, o objeto central de análise será a dispensa coletiva, mormente em relação às disposições do Código de Trabalho português e sua comparação à realidade brasileira, a qual não possui uma legislação específica sobre o tema.

 

Como se sabe, o Brasil já não é mais considerada um signatário da Convenção 158 da OIT – nosso país denunciou referida norma internacional – e, portanto, não se utiliza das regulamentações nela previstas a respeito do enfrentamento de crises, que acabam gerando as dispensas coletivas.

 

Em nosso país, as dispensas coletivas acabam sendo praticadas à semelhança das individuais, ou seja, decorrem da manifestação unilateral e protestativa de vontade, consubstanciada, na maioria das vezes, em momento de crise econômica.

 

A liberdade da dispensa sem justa causa prevista em nosso ordenamento é uma garantia conferida ao empregador que deve ser respeitada sempre, porém, não se pode estender a prática da dispensa individual à coletiva,    uma vez que as consequências deste ato vão muito além da realidade de um trabalhador específico, atingindo toda uma coletividade de pessoas, com reais consequências sociais.

 

Com base nessa omissão legislativa existente, tramitam em nossas casas legislativas alguns projetos que visam regulamentar a dispensa coletiva dos contratos de trabalho, porém, como adiante será visto, pecam pela importação de modelos de outros países, sem a correta adequação à realidade nacional e pelo excesso e rigorismo na imposição de multas às empresas, as quais deveriam ser vistas como vítimas da crise e não causadoras desta.

 

Além disso, o próprio judiciário acaba intervindo, sem amparo em legislação própria, na realização de dispensas coletivas por parte de certas empresas. Destacam-se os casos da Embraer e Iesa, nos quais as demissões foram mantidas, o da empresa área Gol, cujo pronunciamento foi pela anulação total das dispensas e o caso Marfig, onde se operou uma anulação parcial das dispensas.

 

Em que pese inexistir legislação específica, a jurisprudência parece já ter definido os critérios de validade das dispensas coletivas: motivo técnico ou econômico, prévia tentativa de negociação sindical, última medida a ser utilizada e pagamentos de verbas rescisórias equivalente a despedida sem justa causa.

 

O Código de Trabalho de Portugal, de uma maneira geral, mostra-se extremamente focado em regular cada momento da dispensa coletiva, desde a notificação prévia do sindicato até uma seção especial dedicada as contra-ordenações (infrações) e às coimas (multas por estes descumprimentos).

 

Por outro lado, esta legislação mostra-se também extremamente detalhista, até mesmo com a repetição de conteúdos em diferentes artigos, o que demonstra a influência portuguesa em nossa legislação, caracterizada por uma positivação excessiva.

 

Entretanto, antes de se analisar o artigo 361, do Código do Trabalho de Portugal, que trata das informações e negociação em caso de despedimento coletivo, imperioso que se retomem alguns conceitos básicos sobre a cessação do contrato de trabalho, especialmente no que tange a diferença entre dispensa coletiva e individual.

 

 

I. A DISPENSA COLETIVA E DISPENSA INDIVIDUAL E OS DIREITOS DOS TRABALHADORES EM NOSSA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

 

Entre os direitos dos trabalhadores previstos em no artigo 7º[1], da nossa Constituição Federal, podemos destacar o inciso I, que trata da relação de emprego protegida contra a despedida arbitrária ou sem justa causa.

 

Primeiramente, cumpre referir que nosso legislador constituinte optou, claramente, pela distinção da despedida arbitrária e da despedida sem justa causa. O vocábulo “ou” neste caso, não nos permite perquirir de maneira diversa.

 

Assim, considerando que não há lei complementar regulando a dispensa do empregado contra os tipos de dispensa acima trazidos, é possível afirmar que o ato de iniciativa do empregador é livre, salvo nas vedações legais expressas.

 

Partindo-se dessa ideia, é possível identificar a despedida arbitrária, a despedida motivada, a despedida com justa causa e despedida discriminatória. Não há dúvidas, todavia, da necessidade de se concretizar a proteção das despedidas arbitrárias ou sem justa causa, especialmente por intermédio da recepção da Convenção 158 da OIT, porém, como já referido, a mora legislativa não pode servir para esvaziar a Constituição.

 

A dispensa, nada mais é do que o ato unilateral de por fim ao contrato de trabalho e pode ser classificado por diversos aspectos (motivação, como antes visto) e aqueles relativos a quantidade de trabalhadores atingidos. Nessa linha, temos que a dispensa pode ser individual (apenas um empregado é demitido), plúrima (quando vários trabalhadores são atingidos) e coletiva (quando atinge grande massa de trabalhadores, acarretando, inclusive, consequências de cunho social).

 

Para Carlos Alberto Reis de Paula[2], a dispensa coletiva importa o desligamento simultâneo de número significativo de empregados, movida a empresa por motivos econômicos, tecnológicos, estruturais ou análogos.

 

Ou ainda, como esclarece Orlando Gomes[3] trata-se da rescisão simultânea, por motivo único, de uma pluralidade de contratos de trabalho numa empresa, sem substituição dos empregados dispensados.

 

Dispensa coletiva não é uma forma de dispensa individual plúrima. Como explica Sérgio Pinto Martins[4]: na despedida plúrima, vários empregados são dispensados ao mesmo tempo, sem que haja motivo específico em relação à eles.

 

 

II. A DISPENSA COLETIVA NO CÓDIGO DO TRABALHO DE PORTUGAL

 

A dispensa coletiva, como não poderia ser diferente, especialmente se levarmos em consideração as disposições da Convenção 158 da OIT, norma do qual Portugal é signatário, está atrelada a observação de um rigoroso e extremamente detalhado procedimento, o qual, se descumprido, importa na imposição de fortes sanções – as chamadas coimas[5].

 

De uma formal geral, a dispensa coletiva no referido diploma português está dividida em quatro núcleos fundamentais, previstos nos artigos 359 a 363, quais sejam: a) noção de despedimento coletivo (artigo 359), b) fase de comunicação (artigo 360), c) fase de informações e negociações (artigos 361 e 362) e d) fase decisória (artigo 363).

 

Importante ressaltar o conceito de dispensa coletiva trazido no artigo 359, in verbis:

 

Artigo 359º

NOÇÃO DE DESPEDIMENTO COLECTIVO

1 – Considera-se despedimento colectivo a cessação de contratos de trabalho promovida pelo empregador e operada simultânea ou sucessivamente no período de três meses, abrangendo, pelo menos, dois ou cinco trabalhadores, conforme se trate, respectivamente, de microempresa ou de pequena empresa, por um lado, ou de média             ou grande empresa, por outro, sempre que aquela ocorrência se fundamente em encerramento de uma ou várias secções ou estrutura equivalente ou redução do número de trabalhadores determinada por motivos de mercado, estruturais ou tecnológicos.

2 – Para efeitos do disposto no número anterior consideram-se, nomeadamente:?a) Motivos de mercado – redução da actividade da empresa provocada pela diminuição previsível da procura de bens ou serviços ou impossibilidade superveniente, prática ou legal, de colocar esses bens ou serviços no mercado; b) Motivos estruturais – desequilíbrio económico-financeiro, mudança de actividade, reestruturação da organização produtiva ou substituição de produtos dominantes;            c) Motivos tecnológicos – alterações nas técnicas ou processos de fabrico, automatização de instrumentos de produção, de controlo ou           de movimentação de cargas, bem como informatização de serviços ou automatização de meios de comunicação.

 

Observa-se que, em que pese constar uma louvável distinção de tratamento entre micro e pequenas empresas entre empresas de médio e grande porte,  o número de trabalhadores que serão dispensados é extremamente baixo para ser considerada uma dispensa coletiva. A partir de 5 demissões, evidentemente fundamentadas em motivos de mercado, estruturais e tecnológicos, uma empresa de grande porte precisa realizar todos os procedimentos previstos nos artigos 360 e 363 para efetivar o despedimento tipo por coletivo.

 

Evidentemente, é extremamente importante que se leve em consideração a realidade daquele país, antes de se fazer um comparativo com o panorama brasileiro – hodiernamente, Portugal possui uma população total de cerca de 10 milhões de habitantes, sendo 20% destes na zona rural – enquanto que no Brasil possuímos uma população de mais de 200 milhões[6] de pessoas. Para se ter uma ideia, o Estado do Paraná e o do Rio Grande Sul são os que mais se aproximam da realidade total lusitana – cerca de 11 milhões de habitantes.

 

Entretanto, mesmo em um país de proporções pequenas como Portugal, considerar despedimento coletivo a dispensa de mais de 5 trabalhadores, parece um tanto quanto exagerado, ainda mais se levarmos em conta a existência de corporações com milhares de trabalhadores. Em 2014, por exemplo, a TAP (Transportes Aéreos Portugueses), considerada atualmente  a 7ª maior empresa do país[7], contava com 4.872 só em Portugal[8], ou seja, para dispensar 0,1% de seu pessoal, a empresa precisaria passar por todos aqueles procedimentos burocráticos estabelecido no códex português.

 

 

III. BREVE ANÁLISE DO ARTIGO 361

 

Assim expressa o artigo 361, do Código do Trabalho de Portugal:

 

ARTIGO 361º

INFORMAÇÕES E NEGOCIAÇÃO EM CASO DE DESPEDIMENTO COLECTIVO?

1 – Nos cinco dias posteriores à data do acto previsto nos nos 1 ou 4 do artigo anterior, o empregador promove uma fase de informações e negociação com a estrutura representativa dos trabalhadores, com vista a um acordo sobre a dimensão e efeitos das medidas a aplicar e, bem assim, de outras medidas que reduzam o número de trabalhadores a despedir, designadamente:?a) Suspensão de contratos de trabalho;          b) Redução de períodos normais de trabalho; c) Reconversão ou reclassificação profissional; d) Reforma antecipada ou pré-reforma.

2 – A aplicação de medida prevista na alínea a) ou b) do número anterior a trabalhadores abrangidos por procedimento de despedimento colectivo não está sujeita ao disposto nos artigos 299º e 300º.

3 – A aplicação de medida prevista na alínea c) ou d) do no 1 depende de acordo do trabalhador.

4 – O empregador e a estrutura representativa dos trabalhadores podem fazer-se assistir cada qual por um perito nas reuniões de negociação.

5 – Deve ser elaborada acta das reuniões de negociação, contendo a matéria acordada, bem como as posições divergentes das partes e as opiniões, sugestões e propostas de cada uma.

6 – Constitui contra-ordenação grave o despedimento efectuado com violação do disposto nos nos 1 ou 3.

 

O item 1 do transcrito artigo traz a necessidade de uma negociação coletiva com a comissão de trabalhadores, de modo a se mitigar os efeitos negativos de um despedimento coletivo. Assim, refere o diploma legal, ser indispensável a tentativa de implemento de medias capazes de atenuar estes problemas, tais como a redução das jornadas, suspensão dos contratos e, até mesmo, reclassificação profissional.

 

Resta claro que referido artigo possui como referência o quanto expresso no artigo 13, da Convenção 158 da OIT. Nele, podemos perceber a mesma preocupação em proporcionar aos trabalhadores, e seus representantes, o maior número de informações possível a respeito da previsão do empregador em realizar a dispensa coletiva por motivos econômicos, tecnológicos, estruturais ou análogos. Não à toa, refere o item “b” do item 1 do artigo 14 que deve ser conferido aos representantes dos trabalhadores interessados meios para realizarem consultas sobre as medidas que deverão ser adotadas para evitar ou limitar os términos e as medidas para atenuar as consequências adversas de todos os términos para os trabalhadores interessados.[9]

 

Os itens 1 e 4 do artigo 360, mencionados no início do artigo, tratam, em suma, da necessidade de comunicação em caso de despedimento coletivo. Assim, o empregador que pretenda realizar um ato de despedimento coletivo, deve comunicar sua intenção, por escrito, à comissão de trabalhadores  (item 1) e na falta de existência da entidade representante dos empregados, deverá o empregador comunicar a cada um dos empregados, por intermédio de um documento que deve necessariamente conter: os motivos da dispensa, o quadro de pessoal, os critérios de seleção dos empregados, o número de trabalhadores, o período em que se pretende efetuar os desligamentos e o método de cálculo de compensação a ser concedia (item 4). Após, podem os trabalhadores eleger uma comissão representativa.

 

Como antes visto, o Código é extremamente detalhado, prevendo de maneira exaustiva os elementos necessários a constar na carta de comunicação da dispensa coletiva.

 

Quanto ao item 2, o referido artigo expressa que as medidas previstas  na alínea a) ou b) do número anterior a trabalhadores abrangidos por procedimento de despedimento colectivo não está sujeita ao disposto nos artigos 299.o e 300.o. Em outras palavras, se a empresa, conjuntamente com os trabalhadores, decidir, incialmente, pela suspensão dos contratos ou a redução da jornada de trabalho, ela não fica sujeita à disposições dos artigos 299 e 330, que tratam das comunicações em caso de redução/suspensão e as informações e negociação correlatas, respectivamente, especialmente no que diz respeito às coimas, uma vez que eventual violação dos referidos artigos podem caracterizar contra-ordenações leves ou graves.

 

O artigo 299 traz a forma de comunicação em caso de suspensão ou redução, o qual exige: a) fundamentação econômica, financeira ou técnica da medida; b) o quadro de pessoal abrangido; c) o critério de seleção; d) o número e categoria de profissionais abrangidos; e) prazo de aplicação da medida e f) áreas de formação a serem frequentadas durante o período  de vigência da medida, exatamente os mesmos itens trazidos no item 1 do artigo 361.

 

Já o artigo 300, por sua vez, prevê as informações e negociações necessárias, caso instaurada a medida, nos cinco dias posteriores a comunicação de que trata o artigo anterior. Nesse momento, deverá ser instaurada reunião, com elaboração de ata, contendo as divergências, matérias abordadas, opiniões, etc., para, após sua conclusão, ser remetida a comissão dos trabalhadores e ao Ministério da Segurança Social.

 

O item 3, do artigo 361, expressa que a aplicação de medida prevista na alínea c) ou d) do no 1 depende de acordo do trabalhador. Assim, caso se decida, conjuntamente, pela reconversão ou reclassificação profissional, ou ainda, reforma antecipada ou pré-reforma[10], a decisão final sobre a recondução vai depender exclusivamente do trabalhador atingido, o qual, caso não aceite a medida sugerida, fica sujeito, por óbvio, ao seu desligamento, uma vez considerada a peculiaridade do despedimento coletivo.

Referida previsão, portanto, evidencia o exagero do legislador luso, uma vez que a aceitação de qualquer das medidas trazidas nas alíneas c) e d) vai sempre depender da vontade do trabalhador, não pela previsão do item 3, mas antes disso, em função da sua liberdade, protegida, inclusive de maneira específica, pela Constituição Portuguesa.[11]

 

Mais adiante prevê o item 4 do artigo 361 que o empregador e a estrutura representativa dos trabalhadores podem fazer-se assistir cada qual por um perito nas reuniões de negociação. Ora, se a convenção 158 da OIT e o próprio Código de Trabalho de Portugal, tratam da dispensa coletiva (mas não só ela), atrelada a fundamentos econômicos, tecnológicos ou estruturais, nada mais correto que as partes envolvidas sejam assistidas por peritos, de maneira a trazer maior tecnicidade e transparência na apuração dos vetores da dispensa coletiva e as maneiras mais corretas para o seu enfrentamento.

 

O item 5 é autoexplicativo: é obrigatória a elaboração de uma ata nas reuniões de negociações entre a empresa e os representantes dos trabalhadores, a qual deverá conter as posições divergentes, opiniões, sugestões e propostas das partes.

 

Por fim, o item 6, o qual trata da constatação de contra-ordenação   grave em caso de despedimento coletivo realizado à revelia dos itens 1 e 3. Considera-se, portanto, contra-ordenação grave (sancionáveis com coima e com sanção acessória), caso a empresa: a) não promova a fase de negociações cinco dias após a notificação da decisão aos representantes dos trabalhadores (item 1), na linha do que expressa o artigo 360[12] e b) caso não haja consulta e concordância do trabalhador quanto a sua reclassificação e reenquadramento (item 3).

 

 

IV. DOS PROJETOS DE LEI EM TRÂMITE NO BRASIL SOBRE O TEMA

 

Como visto alhures, há três projetos em trâmite sobre a dispensa coletiva no legislativo pátrio: o Projeto de Lei 6.356/05 do Deputado Vicente Paulo da Silva do PT-SP, o Projeto de Lei 5.232/09 do Deputado Cleber Verde do PRB/MA e o Projeto de Lei 5.353/09 da Deputada Manuela D’Ávila, do PCdoB/RS.

 

Entre eles, destaca-se o o Projeto de Lei 5.353/09, cujo texto, em que pese conter algumas previsões criticáveis, abrange de maneira mais completa que os demais o despedimento coletivo.

 

Primeiramente, importante destacar o artigo 2º do referido projeto, o qual de maneira mais acertada que o Código de Trabalho de Portugal, traz uma escala percentual para a caracterização da dispensa coletiva. Assim, considera-se dispensa coletiva a dispensa de cinco trabalhadores com empresas de até   20 empregados (25%); dez trabalhadores nas empresas que possuem entre vinte e cem funcionários (de 50% a 10%), dez por cento nas empresas que possuem mais de cem até trezentos empregados e trinta funcionários nas empresas com mais de trezentos trabalhadores.

 

Outro ponto importante, pode ser trazido no parágrafo 1º e no caput do artigo 3º, o qual prevê a necessidade de a empresa solicitar autorização por escrito à Superintendência Regional do Trabalho e Emprego, demonstrando o empregador, em seu pedido, que adotou as medidas necessárias a evitar a dispensa (férias, restrição de horas extras, labor em repouso remunerado, etc.), bem como comunicar o sindicato da categoria atingida com a medida, para que estes possam formular propostas construtivas.

 

Por fim, merece destaque o artigo 13, que assim dispõe:

 

Art. 13. Invalidada a dispensa coletiva por decisão judicial, no todo ou em parte, será imposta à empresa multa de cinco salários mínimos por cada trabalhador demitido irregularmente, sem prejuízo da sua reintegração ao emprego, assegurados todos os direitos do período do afastamento.

 

Extremamente delicada a previsão deste artigo. Isso porque, com base nas demais disposições do referido projeto, uma dispensa coletiva pode ser eventualmente considerada inválida, não apenas pela sua insubsistência de caráter econômico, financeiro ou técnico, mas também pelo não preenchimento de determinada forma de comunicação ao sindicato ou descumprimento de determinado prazo de comunicação. Ou seja, uma empresa em uma situação econômica financeira delicada pode restar ainda mais prejudicada em caso de invalidação judicial da medida tomada e, isso ocorrendo, pode culminar com a necessidade de mais demissões do que antes previsto.

 

O bem maior a ser protegido é o emprego, o trabalhado. Como já anteriormente afirmado:

 

O moderno Direito do Trabalho não prescinde da comunhão entre o social e o econômico. Por outro lado, neste terceiro milênio, a dicotomia “capital-trabalho” obrigatoriamente cede espaço para o “caminhar juntos entre o social e o econômico”. Nesse sentido é o comando constitucional. Verifica-se que os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, disposto no mesmo inciso do artigo que trata dos princípios fundamentais, não por acaso estão unidos. É que tais valores sociais a que se refere a Constituição da República, dizem respeito tanto ao trabalho, quanto à livre inciativa. Um não tem razão de ser sem o outro. Mais: um não se concretiza sem o outro. Aqui, concretizar significa melhorar, realizar, alcançar um objetivo.[13]

 

Nesse sentido, o Projeto de Lei 6.356/05 é ainda mais severo, pois prevê o pagamento de seis meses de remuneração do empregado, revertidas diretamente a este. In verbis:

 

Art. 4º. A não observância do disposto na presente lei implica o pagamento de indenização ao trabalhador, baseada no estabelecido em acordo ou convenção coletiva de trabalho, que não poderá ser inferior ao correspondente a 180 (cento e oitenta) dias de remuneração por ano de trabalho ou fração igual a seis meses, com base na remuneração recebida pelo empregado na empresa, corrigida monetariamente, sem prejuízo das demais verbas rescisórias e indenizações previstas em outros diplomas normativos.

 

Quanto a definição do que é demissão coletiva, o projeto expressa que serão consideradas coletivas as demissões que afetem 5% do número de empregados de empresa, considerada a média de empregados do ano anterior ao das demissões. Em que pese, aparentemente, o percentual ser uma maneira mais adequada para a apuração de efetiva dispensa coletiva em relação a definição de um número específico, como no Código de Trabalho de Portugal, a não estipulação de um limite, também não perece salutar. Isso porque, em empresas de grande porte, por exemplo, quatro por cento pode representar uma quantidade enorme de funcionários, cuja dispensa acarretará em forte impacto econômico e social.

 

Por fim, quanto ao Projeto de Lei 5.232/09, destaca-se a previsão do artigo 11, o qual determina a prestação de informações ao Ministério do Trabalho e Emprego, para as empresas que eventualmente tenham se utilizado de benefícios fiscais ou obtiveram financiamento por intermédio do BNDES e  que se encontrem em situação financeira, econômica ou técnica que justifique uma dispensa coletiva.

 

Como explica Sérgio Pinto Martins:

 

Dependendo da hipótese, a dispensa coletiva é a única salvação para evitar o fechamento da empresa, porém deve ser controlada, visando evitar abusos. O controle deve dizer respeito aos motivos alegados para a dispensa, permitindo que cada pessoa prejudicada possa ajuizar ação para discutir seus direitos. A futura lei que tratasse do tema poderia estabelecer critérios para a dispensa do trabalhador, como os indicados no parágrafo anterior, além de promover o retreinamento do obreiro. Essas hipóteses poderiam também ser especificadas em cláusulas de norma coletiva.

 

 

CONCLUSÃO

 

Como anteriormente visto, a legislação Brasileira não trata da despedida coletiva, seja pela falta de norma específica sobre o assunto, seja em função da denúncia feita em relação a Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho, agência das Nações Unidas que tem por missão promover oportunidades para que homens e mulheres possam ter acesso a um trabalho decente e produtivo, em condições de liberdade, equidade, segurança e dignidade.

 

Em que pese a existência da referida lacuna, a jurisprudência pátria parece ter estabelecido alguns critérios objetivos em relação a despedimentos coletivos, merecendo destaque os casos das empresas Embraer, Iesa, Webjet/ Gol e Marfig.

 

Nestes processos de dispensas, é imprescindível que se tenha em mente o impacto social negativo que uma dispensa coletiva pode causar em um determinado lugar, especialmente sobre o ponto de vista econômico e   em relação ao próprio trabalhador. Entretanto, não se pode deixar de lado a proteção do próprio trabalho, o qual passa pela superação da já ultrapassada ideia de que capital e trabalho são termos antagônicos e conflitantes entre si, quando levados em consideração seus objetivos a priori, distintos.

 

Além disso, há diversos Projetos de Lei em trâmite em nossa casa legislativa, mas, como antes visto, uns pecam pela singeleza do texto, outros por uma importação inadequada de referências estrangeiras, e todos são voltados para uma punição excessiva as empresas, as quais eventualmente enfrentariam crises econômicas, financeiras e/ou tecnológicas.

 

O Código de Trabalho de Portugal é exaustivo no trato do despedimento coletivo, sendo por vezes, até mesmo, repetitivo de maneira excessiva em suas previsões. Entretanto, pode servir de referência para nosso ordenamento, desde que, evidentemente, sejam adaptados a nossa realidade de país de proporções continentais e com realidade social/econômica completamente distinta.

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

GOMES, Orlando. Dispensa Coletiva na Reestruturação da Empresa: aspectos jurídicos do desemprego tecnológico. Revista LTr, São Paulo, a. 38, nº 7, jul. 1974.

 

MARTINEZ, Luciano. Condutas Antissindicais. São Paulo: Saraiva, 2013.

 

MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. 31. ed., São Paulo: Atlas, 2015.

 

NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Direito Contemporâneo do Trabalho. São Paulo: Saraiva, 2011.

 

OLIVEIRA, Cínthia Machado de; DORNELES, Leandro do Amaral Dorneles de. Direito do Trabalho. 2. ed., Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2013.

 

PAULA, Carlos Alberto Reis de. Dispensa Coletiva e Negociação. In: Revista TST, Brasília, vol. 77, nº 02, abr./jun. 2011.

 

STÜRMER, Gilberto. A Liberdade Sindical na Constituição Federativa do Brasil de 1988 e sua Relação com a Convenção de 87 da Organização Internacional do Trabalho. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2007.

 

STÜRMER, Gilberto. Direito Constitucional do Trabalho no Brasil. São Paulo: Atlas, 2014.

 

SUSSEKIND, Arnaldo Lopes. Direito Constitucional do Trabalho. Rio de Janeiro: Renovar, 2004.

 


[1] Art. 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

I - relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos.

 

[2] PAULA, Carlos Alberto Reis de. Dispensa Coletiva e Negociação. In: Revista TST, Brasília,          vol. 77, nº 02, abr./jun. 2011.

 

[3] GOMES, Orlando. Dispensa Coletiva na Reestruturação da Empresa: aspectos jurídicos do desemprego tecnológico. Revista LTr, São Paulo, a. 38, nº 7, jul. 1974.

 

[4] MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. 31. ed., São Paulo: Atlas, 2015.

 

[5] A coima é a sanção aplicável no âmbito do direito de mera ordenação social, constituindo “uma sanção de natureza administrativa, aplicada por autoridades administrativas, com o sentido dissuasor de uma advertência social”, traduzindo-se na imposição do pagamento de uma         quantia fixada nos termos da lei. A multa, por sua vez, é uma pena de natureza criminal e, consequentemente, de natureza pessoal, pelo que não é transmissível nem pode ser paga por terceiro, sendo que, em caso de incumprimento, esta pode ser convertida em dias de prisão, o que nunca pode suceder com a coima.

 

[6] http://www.ibge.gov.br/apps/populacao/projecao/.

 

[7] http://www.e-konomista.pt/artigo/maiores-empresas-portuguesas/.

 

[8] http://www.cmjornal.xl.pt/nacional/economia/detalhe/tap_aumenta_em_321_numero_de_trabalhadores _em_2014.html.

 

[9] Quando o empregador prever términos da relação de trabalho por motivos econômicos, tecnológicos, estruturais ou análogos; a) Proporcionará aos representantes dos trabalhadores interessados, em tempo oportuno, a informação pertinente, incluindo os motivos dos términos previstos, o número e categorias dos trabalhadores que poderiam ser afetados pelos menos e o período durante o qual seriam efetuados esses términos: b) em conformidade com a legislação e a prática nacionais, oferecerá aos representantes dos trabalhadores interessados, o mais breve que for possível, uma oportunidade para realizarem consultas sobre as medidas que deverão  ser adotadas para evitar ou limitar os términos e as medidas para atenuar as consequências adversas de todos os términos para os trabalhadores interessados, o mais breve que possível, uma oportunidade para realizarem consultas sobre as medidas que deverão ser adotados  para evitar ou limitar os términos e as medidas para atenuar as consequências adversas de  todos os términos para os trabalhadores afetados, por exemplo, achando novos empregos para os mesmos.

 

[10] Situação de redução ou suspensão do trabalho de um colaborador, continuando este a receber uma remuneração mensal por parte da entidade empregadora, até que reforme por limite de idade ou invalidez, retome as suas funções ou o contrato de trabalho acabe.

 

[11]           Artigo 47º - Liberdade de escolha de profissão e acesso à função pública.

1. Todos têm o direito de escolher livremente a profissão ou o género de trabalho, salvas as restrições legais impostas pelo interesse colectivo ou inerentes à sua própria capacidade.

2. Todos os cidadãos têm o direito de acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso.

 

[12] Artigo 360º - Comunicações em caso de despedimento colectivo.

1. O empregador que pretenda proceder a um despedimento colectivo comunica essa intenção, por escrito, à comissão de trabalhadores ou, na sua falta, à comissão intersindical ou às comissões sindicais da empresa representativas dos trabalhadores a abranger.

2. Da comunicação a que se refere o número anterior devem constar:

a) Os motivos invocados para o despedimento coletivo;

b) O quadro de pessoal, discriminado por sectores organizacionais da empresa;

c) Os critérios para seleção dos trabalhadores a despedir;

d) O número de trabalhadores a despedir e as categorias profissionais abrangidas;

e) O período de tempo no decurso do qual se pretende efetuar o despedimento;

f) O método de cálculo de compensação a conceder genericamente aos trabalhadores a despedir, se for caso disso, sem prejuízo da compensação estabelecida no artigo 366º ou em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho.

3. Na falta das entidades referidas no nº 1, o empregador comunica a intenção de proceder ao despedimento, por escrito, a cada um dos trabalhadores que possam ser abrangidos, os quais podem designar, de entre eles, no prazo de cinco dias úteis a contar da receção da comunicação, uma comissão representativa com o máximo de três ou cinco membros consoante o despedimento abranja até cinco ou mais trabalhadores.

4. No caso previsto no número anterior, o empregador envia à comissão neste referida os elementos de informação discriminados no nº 2.

5. O empregador, na data em que procede à comunicação prevista no nº 1 ou no número anterior, envia cópia da mesma ao serviço do ministério responsável pela área laboral com competência para o acompanhamento e fomento da contratação coletiva.

6. Constitui contraordenação grave o despedimento efetuado com violação do disposto nos nos 1 a 4 e constitui contraordenação leve o efetuado com violação do disposto no nº 5.

 

[13] STÜRMER, Gilberto. Direito Constitucional do Trabalho no Brasil. São Paulo: Atlas, 2014.

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Março/2016