AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO DO MTE[1] PARA REDUÇÃO DO INTERVALO PARA DESCANSO E ALIMENTAÇÃO – ART. 71, § 4º DA CLT, PRINCÍPIO DA PRIMAZIA DA REALIDADE, RAZOABILIDADE E ESVAZIAMENTO DA FINALIDADE PUNITIVA DA NORMA PELA AUSÊNCIA REAL DE DANO

 

 

 

MARCELO MURITIBA DIAS RUAS

Bacharel em Direito pela FURB – Fundação Universidade Regional de Blumenau. Pós-graduado e Especialista em Direito Empresarial pela mesma instituição. Pós-graduando do Curso de MBA em Direito e Economia da Empresa pela FGV/Sociesc. Advogado e Consultor Jurídico.

 

 

 

Resumo: O presente estudo pretende abordar a possibilidade de se deixar de aplicar a sansão prevista no artigo 71, § 4º, da CLT, quando o empregador, apesar de preencher os requisitos, não possui autorização expressa do MTE para a redução do intervalo para descanso e alimentação, pela aplicação do princípio da primazia da realidade e em razão do esvaziamento da finalidade da norma.

 

Palavras-Chave: Intervalo; Redução; Autorização; Realidade; Finalidade; Norma; Proporcionalidade; Razoabilidade; Ausência; Dano.

 

 

 

SUMÁRIO: Introdução; 1. Atual posição no meio jurídico; 2. O princípio da primazia da realidade ou contrato realidade e sua aplicação na relação de trabalho; 3. Os requisitos para a redução do intervalo e a finalidade do ato administrativo; 4. Razoabilidade e o esvaziamento da finalidade punitiva da norma pela ausência de dano; Conclusões; Referências.

 

 

 

O princípio da primazia da realidade significa que, em caso de discordância entre o que ocorre na prática e o que emerge de documentos ou acordos, deve-se dar preferência ao primeiro, isto é, ao que sucede no terreno dos fatos. (Américo, Plá Rodrigues)[2].

 

 

INTRODUÇÃO

 

No presente artigo objetivamos discutir a possibilidade de deixar o Juiz de aplicar a sansão prevista no art. 71[3], § 4º, da CLT, quando o empregador, apesar de não possuir autorização expressa do MTE, conforme determina o § 3º do mesmo dispositivo celetista, de fato, acaba por preencher os requisitos necessários para a autorização, que são o cumprimento das normas correspondentes a alimentação do empregado e não os submeter a prorrogação da jornada.

 

Para tanto, pretende-se avaliar o alcance dos efeitos da aplicação do princípio da primazia da realidade que, em verdade e como princípio, é dirigida não à esta ou àquela parte, à este ou àquele interesse mas, sim, ao direito  em si, ao aplicador e intérprete, como ferramenta para a busca da verdade real.

 

Sob este prisma, tanto para o empregado como para o empregador, aproveita-se o princípio, a fim de que seja dada solução e integração adequada da norma ao fato em discussão.

 

No tema aqui proposto, partimos de algumas indagações cuja resposta, acreditados, encontra respaldo favorável àquele que, ainda que sem a chancela da autoridade administrativa competente, cumpre a lei, independente dos aspectos burocráticos. Com efeito, queremos discutir:

 

a. qual a finalidade do regramento inserto no art. 71, §§ 3º e 4º da CLT? A autorização do MTE, como ato administrativo, pode ser suprida ou convalidada por decisão judicial?

 

b. pelo princípio da primazia da realidade e, ainda, da proporcionalidade e razoabilidade, e, sob uma ótima teleológica, é possível que o julgador deixe de aplicar a penalidade, quando preenchidos pelo empregador todos os requisitos intrínsecos[4] para o pedido administrativo da redução e verificado, portanto, ausência de dano a ser reparado?

 

 

1. ATUAL POSIÇÃO NO MEIO JURÍDICO

 

Alguns julgados[5] já tem mitigado os efeitos da ausência de autorização expressa do MTE em situações onde a empresa praticava a redução do intervalo e, em alguns períodos, entre uma autorização e outra, esteve à descoberto da permissão, demonstrando que caminha para uma seara interpretativa mais razoável, tendo em consideração àquele empregador que, de fato, cumpre a norma, no que tange à sua finalidade.

 

Da leitura do § 3º do art.71 da CLT, vislumbramos que a autorização visa averiguar se o empregador preenche os requisitos para proceder a redução intervalar os quais, conforme pacífica interpretação doutrinária, tem natureza de norma de segurança e saúde do trabalhador, razão pela qual sequer podem ser objeto de negociação[6], seja ela individual ou coletiva.

 

Temos assim que, referida disposição legal, está na seara daqueles direitos irrenunciáveis e inegociáveis, inflexíveis, por se tratar de norma cogente, de interesse público e voltado às garantias constitucionais de proteção ao trabalhador em seu ambiente de trabalho.

 

Então, cabe aqui discutir o alcance no princípio do contrato realidade e, a possibilidade de que, mesmo desatendido o requisito “autorização do MTE”, ainda que inválida da redução, deixa-se de aplicar a penalidade, diante da ausência de dano, mesmo que in abstrato, diante do esvaziamento da finalidade repressiva in concreto, quando o empregador cumpre os requisitos de segurança, saúde e higiene no ambiente de trabalho, atingindo-se assim o fim social a que se destina a regra.

 

Diga-se ainda que também é importante considerar certo período legislativo onde, por força da Portaria 1.095 de 19 de maio de 2010, o Ministério do Trabalho deferiu à classe representativa sindical, o poder de avaliação, demonstrando-se claramente que o intuito está voltado ao preenchimento do requisito segurança, em seu amplo aspecto, mais do que a autorização em si, apesar de que, ao final, considerou-se ilícita a delegação da competência.

 

Referida portaria teve sua validade questionada, o que aliás já era de se esperar, acabando por ser considerada como ilegal pela maioria dos pretórios, permanecendo muitos empregadores sem a respectiva autorização no período de sua vigência, amargando considerável prejuízo em decorrência do ato estatal.

 

 

2. O PRINCÍPIO DA PRIMAZIA DA REALIDADE OU CONTRATO REALIDADE E SUA APLICAÇÃO NA RELAÇÃO DE TRABALHO

 

Segundo referido princípio, que encontramos tanto no direito civil[7] como na seara do direito do trabalho, ao Magistrado e ao intérprete da lei é possível, verificada a situação fática existente, desconsiderar aspectos formalmente comprovados, com documentos escritos ou mesmo dispositivos legais que a priori seriam aplicáveis ao caso para, avaliando a verdadeira situação  que está à sua frente, aplicar o direito correspondente ou deixar de aplicar determinada sanção que decorreria de um dano, quando a realidade aponta para a sua inexistência, ainda que presente a infração administrativa, no caso, ausência de autorização para a redução.

 

Assim, por exemplo, poderá declarar a invalidade de um contrato de prestação de serviços sob a rubrica de empreitada ou serviços autônomos sem vínculo laboral quando, na análise da prova fática, verificar presentes os requisitos do contrato de emprego, estampados nos artigos 2º e 3º da CLT.

 

Segundo a doutrina, “o princípio da primazia da realidade indica que, na relação de emprego, deve prevalecer a efetiva realidade dos fatos, e não eventual forma construída em desacordo com a verdade”[8].

 

Sua aplicabilidade, pela ótica positivista-legalista e protecionista do Estado, vem sob o argumento da proteção mais ampla possível ao contrato de trabalho e ao próprio trabalhador, sob a alegação de que este, sendo a parte mais fraca na relação contratual, social e economicamente, acaba por assinar documentos sem a devida cautela, sem ler, sem conhecimento do que está contratando.

 

Mas, além da visão da proteção ao homem e ao labor, temos que considerar qual o alcance dos seus efeitos que, ao que se pode depreender da doutrina, são quase que absolutos pois, visam, na busca da verdade, desmascarar qualquer subterfúgio das partes, seja através de documentos, seja pela simulação, fraude, ou qualquer outro ato. Cabe ressaltar, ainda, que não só aos atos eivados de algum vício se sobrepõe o referido princípio. Ainda que tenham as partes agido com toda boa fé, se os fatos descobertos revelarem situação jurídica outra que não a relatada pelas partes, está será considerada, como verdade e, em decorrência da realidade, aplicada ao caso concreto.

 

Assim, a aplicação do princípio prescinde da análise volitiva do ato, ou seja, independe da vontade das partes, razão pela qual podemos compreender que, a toda situação se encaixa e se sobrepõe, seja entre particulares seja perante a administração pública.

 

Se o que importa é, então, a verdade, a efetiva tutela do direito protegido, leia-se, a proteção não só do trabalhador mas do instituto em si – contrato de trabalho – princípio este decorrente da proteção constitucional[9] da dignidade humana (art. 1º, inciso III da CRFB/88) e o equilíbrio entre o capital e o trabalho (art. 1º, inciso IV da CRFB/88), a ponto de penalizar o empregador quando demonstrado faticamente estar em desacordo com a norma (proteção), é certo que à este, quando em cumprimento fático do fim por ela almejado (proteção da saúde, segurança e higiene do trabalhador), também se deve aplicar o mesmo regramento (igualdade).

 

Como dito acima, o princípio em questão pode até ter seu nascedouro vinculado e constituído exclusivamente em favor do proletário e o como forma de equilíbrio entre o social e o econômico, entre o capital e o trabalho porém, em períodos de constitucionalização de garantias fundamentais, não pode mais prosperar de forma unilateral, ou seja, como princípio de garantia social deve-se aplicar de forma igual a todos os entes socialmente envolvidos na relação trabalhista, ou seja, empregador e empregado.

 

 

3. OS REQUISITOS PARA A REDUÇÃO DO INTERVALO E A FINALIDADE[10] DO ATO ADMINISTRATIVO

 

A leitura e interpretação gramatical e histórica do inciso 3º do art. 71 da CLT, nos remete a ideia de que a redução somente se pode dar por autorização do Estado, em sede de intervencionismo, atitude típica do direito trabalhista, dado seu caráter extremamente protetivo. Com efeito, Américo Plá Rodrigues, ao discorrer sobre os princípios do direito do trabalho, ensina que “O Direito do Trabalho responde fundamentalmente ao propósito de nivelar desigualdades”. Como dizia Couture: “o procedimento lógico de corrigir as desigualdades é o de criar outras desigualdades”[11].

 

Mas não é a melhor solução interpretativa aquela que considera somente a vontade do legislador, vez que em tais situações não haverá como ser considerada a evolução do pensamento social, já que tal interpretação, além de não poder considerar os aspectos subjetivos do criador da norma, oriundos de sua formação político-social, tem boa chance de não representar o status social no momento de sua aplicação[12].

 

Lembremos que a CLT data de 1943, época da segunda revolução industrial[13] e do nascedouro de grandes conquistas sociais que justamente, em decorrência da dificuldade das massas dos trabalhadores nesta conquista, foi redigida com contornos fundamentalmente sociais. Havia esta necessidade, na época, de rigidez e imposição Estatal, a fim de buscar equilíbrio, igualdade, entre o capital e o trabalho.

 

Assim, quando se avalia, contemporaneamente, tais garantias, estas devem ser vistas sob a atualidade político-social e levando-se em conta, especialmente, nova ótica constitucional derivada da carta de 1988, que em seu bojo e de forma vanguardista, cristalizou direitos sociais fundamentais entre os quais e com maior ênfase, o respeito à dignidade humana[14].

 

Seguindo a lição da hermenêutica, a análise sistemática e teleológica é a que pode aproximar mais o intérprete do fim da norma, ao alcance do seu objetivo, como regramento de certa conduta em sociedade.

 

Mas a solução até bem mais simples se lembrarmos o que encontra-se estampado na nossa carta maior, em seu artigo 5º, inciso XXXIV[15], que não se pode afastar o acesso do indivíduo ao judiciário, ou seja, todo fato jurídico ou relação entre pessoas, sejam elas físicas, jurídicas, de direito público ou privado, está sujeito ao poder que serve para sua interpretação e aplicação em caso de LIDE. Tratando-se de direito subjetivo de ação, importa dizer que à parte é sempre dada a garantia de poder levar ao judiciária sua insurgência.

 

Em termos que autorização para concessão do intervalo, quer-se dizer que apesar da ausência de expressa autorização administrativa, ou mesmo sua existência viciada (vicio formal), não tem poder de afastar do judiciário a última palavra, razão pela qual e despiciendo discutir-se ou afirmar-se que se trata de condição sine qua nom para validade, pois a todo momento pode ser avaliado, tanto pela própria administração como pelo poder judiciário, se a finalidade almejada pelo administrador foi alcançada.O fato de estar previsto em regra que sua validade em determinada situação depende de outorga, não significa que esta outorga não possa ser suprida ou até substituídas pelo poder judiciário.

 

Isto porque todo ato jurídico, dependendo da natureza (volitivo ou discricionário) e do tipo de vício da sua formação (sanável ou insanável) pode ou não ser ajustado por decisão emanada tanto do ente administrativo como do poder judiciário.

 

Conforme a sua natureza em razão da vontade do administrador, o ato administrativo pode ser vinculativo ou discricionário[16], de acordo com a extensão do poder dado ao ente público. E que existem aos administrativos que somente tratam de chancelar ou homologar determinada situação desde que cumpridos os requisitos formais, como a apresentação de determinados documentos e, outros, onde a administração pública não se limita tão somente a avaliar um certo rol de requisitos mas, além disso, emite juízo de opinião, decide meritoriamente, podendo ou não (discricionariedade) autorizar ou desautorizar determinada situação.

 

É certo que o ato administrativo que autoriza a redução do intervalo tem aspecto meramente vinculativo, vez que a autoridade administrativa restringe-se (salvo, é claro, o poder fiscalizatório que pode interferir) a avaliar se o empregador preenche os requisitos legais. Daí temos que tal ato é por sua natureza, passível de revisão a todo momento, inclusive administrativa e especialmente judicial, onde pode ser convalidado ou invalidado.

 

Esta possibilidade de ratificação do ato do particular, sem outorga administrativa, encontra amparo no fato e que, em se tratando de vício formal – redução sem autorização do MTE – é perfeitamente possível a sua convalidação[17], desde que o vício em questão não tenha interferido na finalidade a que a referida outorga se destina, in casu, proteção do trabalhador e justamente por se tratar de ato meramente volitivo, não discricionário.

 

Em tese, poderia a administração pública convalidar o ato de redução, pois para este tão somente seria necessário o cumprimento dos requisitos intrínsecos, como já dito, questão a observância às regras de alimentação ao trabalhador e ausência de sobre jornada.

 

E isto se reforça com a aplicação do princípio da primazia da realidade onde, ao poder estatal, avaliando o caso que lhe e submetido e encontrando  a verdade, dela se valerá para declarar o direito, que pode ser tanto pela invalidação de redução autorizada, como validação de redução quando atendido o objetivo da norma.

 

No primeiro caso, porque avaliada a real inexistência dos requisitos para a redução, no segundo, porque efetivamente atendido e alcançado o intuito  da lei, sendo razoável que se deixe, neste caso, de aplicar-se a sanção, sob pena de restar deferido juridicamente o enriquecimento ilícito do empregado, que nenhum dano sofreu, de fato.

 

Ou seja, pelo princípio da primazia da realidade, ainda que haja disposição como a do parágrafo 3º do art. 71 da CLT, não se pode afastar a competência do Juiz-Estado para, dando efetivo cumprimento a lei, reconhecer como legítima a redução, em face de sua finalidade.

 

Aqui, portanto, ponderados os interesses do empregado (proteção) e do empregador (livre iniciativa), é certo que o objeto tutelado está protegido, podendo-se falar que nesta colisão de interesses pode, sem sombra de dúvida, dar-se mais força ao ato revelado, o que nos leva, pela proporcionalidade e razoabilidade[18], a validação da redução pelo atendimento do seu fim.

 

 

4. RAZOABILIDADE E O ESVAZIAMENTO DA FINALIDADE PUNITIVA DA NORMA PELA AUSÊNCIA DO DANO’

 

Segundo alguns autores modernos, sob o prisma do constitucionalismo, a razoabilidade em prática e na verdade não é um princípio mas sim, instrumento ou “mecanismo que auxilia o intérprete quando da aplicação das regras jurídicas aos casos concretos, paralisando a sua eficácia da igualdade em sua vertente material (controle difuso da constitucionalidade) (Molina[19])”

 

Aplicar o direito de forma razoável ao fato em análise, significa em verdade, sob uma ótica constitucional, a subsunção do direito de forma a compreender o efeito necessário, de acordo com a sua finalidade e de acordo com o status de igualdade entre os envolvidos. Assim, estando o juiz diante da necessidade de uma sanção pecuniária, lhe cabe avaliar a necessidade efetiva desta punição, o que nos parece não existir quando, de fato e, até mesmo de direito, não há lesão a ser reparada.

 

Assim, como um exemplo, diante de um ilícito praticado contra outrem, surge a obrigação de indenizar[20], subjetiva, sendo que somente ocorrendo dano, haverá direito a efetiva reparação. Todo ato ilícito, em tese, gera obrigação de indenizar mas esta, somente será exigível em havendo dano, ainda que meramente moral.

 

E o que dizer quando, há infração a dispositivo legal, pela ausência de autorização administrativa mas, efetivamente, não houve dano pois, de fato, aquilo que daria ensejo, que justificaria a punição, que seria no caso a afronta à saúde e segurança do empregado, não ocorreu. Seria razoável punir o empregador pelo fato de tão somente não ter requerido administrativamente  a autorização? A ausência da autorização por si só gerou algum dano ao empregado? A resposta, se avaliado, considerando o princípio da primazia da realidade, que em verdade o empregador atende às exigências de caráter alimentar e restrições quanto ao elastecimento de jornada, é de que não houve lesão.

 

Assim é que falamos em esvaziamento da finalidade punitiva porque, o caráter do parágrafo 4º e evidentemente punitivo e compensativo, ou seja, visa atribuir penalidade administrativa pecuniária ao empregador, em favor daquele que é o potencial o ofendido, pela não observância a normas de higiene e segurança, o que levou o legislador a implicitamente compreender que há um dano, e que este deve ser compensado. Esta previsão não é absoluta e, assim, admite que se prove o contrário, ou seja, ausência de dano.

 

Tanto que fala em pagamento do tempo suprimido, como remuneração, ou seja, uma oneração ao preço pago contraprestação ao trabalho em virtude de potencial infração às regras de saúde e segurança do trabalhador o que, em algumas vezes, de fato, não ocorreu.

 

Cumprindo o empregador com justamente aquilo que e o objetivo legal, ou seja, a proteção, não há que se falar em dano, em perigo, razão pela qual, não há, de fato, direito a ser reparado, tornando-se inócua a penalidade e, até, ilícita, diante do fato de que o nosso ordenamento jurídico veda o enriquecimento sem causa[21].

 

Assim, ainda que irregular o procedimento, pela falta da chancela do Estado, não houve o suposto dano, que decorreria, não pela falta do ato administrativo, mas pela ausência de cumprimento as normas de alimentação e sobrecarga da jornada.

 

Trata-se aqui de um dos casos onde o Juiz pode deixar de aplicar, não a lei em si mas, um dos seus efeitos, in casu, a penalidade nela prevista pois, está diante da ausência de dano e, desta forma, não pode decidir em favor da suposta vítima (empregado), quando na realidade (verdade real) não há dano e eventual vício pela falta de autorização, que levaria à suposição juris tantum de prejuízo ao obreiro, restou superada pela dilação probatória processual.

 

Segundo leciona Lenio Streck[22], seguindo princípios constitucionais, pode o Magistrado deixar de aplicar a lei ou algum efeito da lei, o que no caso em tela nos parecer ser o caso de impossibilidade de ser aplicada a sanção dela decorrente, verificado que tal não se coaduna com a ordem constitucional, não por decidir contra legem, mas justamente por não encontrar encaixe naquilo que é a finalidade (ressarcimento) com o objeto que se busca tutelar (dano).

 

Também da leitura da LNIDB[23] encontraremos respaldo para que o jurisconsulto abrevie os efeitos da sanção, em face da ausência de dano efetivo, o que podemos retirar da leitura do art. 5º[24], segundo qual “Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.” Trata-se de uma forma de aplicação equitativa, diante do fato de que o empregador, efetivamente, respeita os direitos de seus empregados, apenas pecando quanto a um elemento externo, burocrático, de presunção relativa de validade.

 

 

CONCLUSÕES

 

Como conclusão verificamos que o princípio da primazia da realidade age como instrumento de justiça, ao investigar a verdade real na relação de trabalho e, como tal, pretende verificar a verdadeira relação jurídica existente, trazendo luz e esclarecimento ao que estava escondido sob as vestes de um ato simulado, por exemplo, ou sob o rigor excessivo da norma, ao presumir determinada situação quando a realidade aponta para outra situação jurídica.

 

Quando ao ato administrativo que autoriza a redução intervalar, temos que por sua natureza volitiva, ou seja, meramente homologatória, sem investigação e manifestação sobre mérito de causa, pode ser a qualquer momento, tanto pelo ente administrativo como pelo poder judiciário, avaliado, validado ou invalidado, com as consequências daí decorrentes.

 

Desta forma e, diante da aplicação do princípio da primazia da realidade, podemos descobrir, em dilação probatória, estar ou não o empregador em cumprimento com as diretrizes de proteção à saúde e segurança do trabalhador o que, ao nosso ver, pode levar a invalidação do ato, caso possua autorização mas não esteja em cumprimento aos seu requisitos, ou a sua validação, caso não tenha requerido a chancela ministerial mas, de fato, possua os requisitos para tanto e tenha-se alcançado o fim almejado que é a projeção do trabalhador.

 

Nesta mesma linha, também estará o juiz autorizado a deixar de aplicar a sanção equivalente a remuneração do empo suprimido com seu adicional, diante da ausência de dano in concreto o que acarreta um esvaziamento da finalidade punitiva, tornando, sob o ponto de vista da razoabilidade e proporcionalidade, inócua a condenação já que, uma vez imposta, importará na verdade em enriquecimento sem causa do trabalhador que, frente a verdade real verificada, não teve dano com a redução.

 

 

REFERÊNCIAS

 

ARAGÃO, Alexandre Santos de. Proporcionalidade. In Dicionário de Princípios Jurídicos. Silvia Faber Torres (supervisora) Rio de Janeiro: Elsevier, 2011.

 

DI PIETRO, Maria Silvia Zanella. Direito Administrativo. 25. ed., São Paulo: Editora Atlas, 2012.

 

GARCIA, Gustavo Felipe Barbosa. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: Ed. Método, 2007.

 

MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 18. ed., 2ª tiragem, Rio de Janeiro: Revista Forense, 1999.

 

RODRIGUES, Américo Plá. Princípios de Direito do Trabalho. 3. ed., São Paulo: LTr.

 

STRECK, Lenio Luís. Supremo pode deixar de aplicar lei sem fazer jurisdição constitucional? In http://www.conjur.com.br/2014-out-25/observatorio-constitucional-stf-deixar-aplicar-lei-jurisdicao-constitucional.

 

Web. http://educacao.globo.com/historia/assunto/liberalismo-no-ocidente/segunda-revolucao-industrial-e-imperialismo.html.

 

ZANCANER, Weida. Da Convalidação e da Invalidação dos Atos Administrativos.   São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1990.

 


[1] Ministério do Trabalho e Emprego.

 

[2] RODRIGUES, Américo Plá. Princípios de Direito do Trabalho. 3. ed., São Paulo: LTr, p. 144.

 

[3] Art. 71 - Em qualquer trabalho contínuo, cuja duração exceda de 6 (seis) horas, é obrigatória a concessão de um intervalo para repouso ou alimentação, o qual será, no mínimo, de 1 (uma) hora e, salvo acordo escrito ou contrato coletivo em contrário, não poderá exceder de 2 (duas) horas. [...] § 3º - O limite mínimo de uma hora para repouso ou refeição poderá ser reduzido por ato do Ministro do Trabalho, Indústria e Comércio, quando ouvido o Serviço de Alimentação de Previdência Social, se verificar que o estabelecimento atende integralmente às exigências concernentes à organização dos refeitórios, e quando os respectivos empregados não estiverem sob regime de trabalho prorrogado a horas suplementares. § 4º - Quando o intervalo para repouso e alimentação, previsto neste artigo, não for concedido pelo empregador, este ficará obrigado a remunerar o período correspondente com um acréscimo de no mínimo 50% (cinquenta por cento) sobre o valor da remuneração da hora normal de trabalho. (Incluído pela Lei nº 8.923, de 27.07.1994) [...]

 

[4] Intrínsecos porque, a autorização em si não é requisito mas ato administrativo de homologação e averiguação dos requisitos estabelecidos pelo art. 71 que são, a observância às regras de alimentação e ausência de trabalho extraordinário.

 

[5] INTERVALO INTRAJORNADA. PORTARIA EXPEDIDA PELO MINISTÉRIO DO TRABALHO PERMITINDO A REDUÇÃO DO INTERVALO. A ausência de autorização expedida pelo Ministério do Trabalho em pequeno interregno não tem o condão de presumir a ocorrência de alteração nas condições de trabalho. A mera formalidade da autorização, por si só, não está acima da realidade. (RO 0005657-25.2012.5.12.0039, Secretaria da 2ª Turma, TRT12, Mari Eleda Migliorini, publicado no TRTSC/DOE em 02.08.2013).

 

[6] Súmula nº 437 do TST - INTERVALO INTRAJORNADA PARA REPOUSO E ALIMENTAÇÃO. APLICAÇÃO DO ART. 71 DA CLT (conversão das Orientações Jurisprudenciais nos 307, 342, 354, 380 e 381 da SBDI-1) - Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012. I - Após a edição da Lei nº 8.923/94, a não-concessão ou a concessão parcial do intervalo intrajornada mínimo, para repouso e alimentação, a empregados urbanos e rurais, implica o pagamento total do período correspondente, e não apenas daquele suprimido, com acréscimo de, no mínimo, 50% sobre o valor da remuneração da hora normal de trabalho (art. 71 da CLT), sem prejuízo do cômputo da efetiva jornada de labor para efeito de remuneração. II - É inválida cláusula de acordo ou convenção coletiva de trabalho contemplando a supressão ou redução do intervalo intrajornada porque este constitui medida de higiene, saúde e segurança do trabalho, garantido por norma de ordem pública (art. 71 da CLT e art. 7º, XXII, da CF/1988), infenso à negociação coletiva. III - Possui natureza salarial a parcela prevista no art. 71, § 4º, da CLT, com redação introduzida pela Lei nº 8.923, de 27 de julho de 1994, quando não concedido ou reduzido pelo empregador o intervalo mínimo intrajornada para repouso e alimentação, repercutindo, assim, no cálculo de outras parcelas salariais. IV - Ultrapassada habitualmente a jornada de seis horas de trabalho, é devido o gozo do intervalo intrajornada mínimo de uma hora, obrigando o empregador a remunerar o período para descanso e alimentação não usufruído como extra, acrescido do respectivo adicional, na forma prevista no art. 71, caput e § 4º da CLT.

 

[7] CÓDIGO CIVIL DE 2002: Art. 112. Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem.

 

[8] Cf. GARCIA, Gustavo Felipe Barbosa. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: Ed. Método, 2007. p. 79.

 

[9] Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; [...].

 

[10] Tanto o motivo como a finalidade contribuem para a formação da vontade da Administração: diante de certa situação de fato ou de direito (motivo), a autorizada pratica certo ato (objeto) para alcançar determinado resultado (finalidade). Pode-se falar em fim e finalidade em dois sentidos diferentes: 1. em sentido amplo, a finalidade corresponde à consecução de um resultado de interesse público; nesse sentido, se diz que o ato administrativo tem que ter finalidade pública; 2. Em sentido restrito, finalidade é o resultado específico que cada ato deve produzir, conforme definido na lei; nesse sentido, se diz que finalidade do ato administrativo é sempre a que decorre explícita ou implicitamente da lei. In DI PIETRO, Maria Silvia Zanella. Direito Administrativo.  25. ed., São Paulo: Editora Atlas, 2012. p. 216-217.

 

[11] RODRIGUES, Op. cit., p. 1.

 

[12] Portanto a doutrina e a jurisprudência, ora consciente, ora inconscientemente, avançam dia a dia, não de detêm nunca, acompanham o progresso, amparam novas atividades, sustentam as modernas conquistas, reprimem os inesperados abusos, dentro dos princípios antigos, evolutivamente interpretados, num esforço dinâmico inteligente, sem embargo de aludirem ainda muitos a uma vontade diretora, perdida nas trevas de passado remoto. [...] In MAXIMILIAO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 18. ed., 2ª tiragem, Rio de Janeiro: Revista Forense, 1999. p. 25.

 

[13] Ver em http://educacao.globo.com/historia/assunto/liberalismo-no-ocidente/segunda-revolucao-industrial-e-imperialismo.html.

 

[14] CRFB/1988, Art. 1º, inciso III.

 

[15] XXXIV - são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas: a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder; b) a obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal;

 

[16] Pode-se pois, concluir que a atuação da Administração Pública no exercício da função administrativa é vinculada quando a lei estabelece a única solução possível diante de determinada situação de fato; ela fixa todos os requisitos, cuja existência a Administração deve limitar-se a constatar, sem qualquer margem de apreciação subjetiva. E a atuação é discricionária quando a Administração, diante do caso concreto, tem a possibilidade de apreciá-lo segundo critérios de oportunidade e conveniência e escolher uma dentre duas ou mais soluções, todas válidas para o direito. In DI PIETRO, Op. cit., p. 6.

 

[17] A invalidação não pode ser considerada um meio para a extinção de atos desvantajosos para  a Administração Pública, uma vez que ela se rege sob a égide da lei, e a seriedade do seu atuar é garantia que deve ser exigida pelos administrados. Portanto, se adotamos essa linha de ideias, veremos que os atos passíveis de convalidação devem ser obrigatoriamente convalidados, ainda que, ao depois, necessário seja revogá-los ou desapropriar direitos de terceiros. A segurança jurídica e a boa-fé dos administrados é que, nestes casos, constituem o próprio sustentáculo do princípio da legalidade, como a outra face de uma única e mês moda. (ZANCANER, Weida. Da Convalidação e da Invalidação dos Atos Administrativos. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1990. p. 68).

 

[18] Para os que entendem que proporcionalidade e razoabilidade são postulados normativos aplicativos, por sua vez, a distinção encontrar-se-ia na relação especificamente causal estruturada pela proporcionalidade. Embora de conteúdo material vazio, a razoabilidade estaria destinada a avaliar elementos jurídicos que mantenham qualquer tipo de relação entre si. Desta forma, seria um postulado normativo aplicativo não específico. A proporcionalidade, por outro lado, poderia ser classificada enquanto um postulado normativo aplicativo específico, já que destinado a avaliar elementos jurídicos apenas quando especificamente ligados em relação causal. (In ARAGÃO, Alexandre Santos de. Proporcionalidade. In Dicionário de Princípios Jurídicos. Silvia Faber Torres (supervisora). Rio de Janeiro: Elsevier, 2011. p. 1.76).

 

[19] MOLINA, André Araújo. Teoria dos Princípios Trabalhistas. São Paulo: Editora Atlas, 2013, p. 215.

 

[20] Código Civil de 2002: Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

 

[21] Código Civil de 2002. Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.

 

[22] Em suma: não podemos cumprir a lei só quando nos interessa. Explicitando isso de outra maneira, quero dizer que o acentuado grau de autonomia alcançado pelo direito e o respeito à produção democrática das normas faz com que se possa afirmar que o Poder Judiciário somente pode deixar de aplicar uma lei ou dispositivo de lei nas seguintes hipóteses: a) quando se tratar de inconstitucionalidade; b) quando for o caso de aplicação dos critérios de resolução de antinomias; c) quando aplicar a interpretação conforme à Constituição (verfassungskonforme Auslegung); d) quando aplicar a nulidade parcial sem redução de texto (Teilnichtigerklärung ohne Normtextreduzierung); e) quando for o caso de declaração de inconstitucionalidade com redução de texto; f) quando for o caso de deixar de aplicar uma regra em face de um princípio, entendidos estes não como standards retóricos ou enunciados performativos. Portanto, deve haver um cuidado com o manejo da teoria do direito e da hermenêutica jurídica. Olhando para as decisões do STF antes elencadas, é de se pensar em que momento o direito legislado deve ser obedecido e quais as razões pelas quais fica tão fácil afastar até mesmo – quando interessa – a assim denominada “literalidade da lei”, mormente quando isso é feito com base em princípios ultrapassados como o de que “não há nulidade sem prejuízo” (sei que, em francês, é bem charmoso: pas de nullité sans grief), axioma do século XIX incorporado pelo nosso velho CPP e que hoje deveria ser olhado com os olhos garantidores e não inquisitoriais. Como exigir a comprovação do prejuízo dos réus que foram condenados exatamente porque foi o juiz quem fez a prova, negando validade à – desculpem a insistência – literalidade do artigo 212 do CPP. Por si só uma pena de mais de oito anos (caso do HC 103.525) já não é a prova do prejuízo? Não se torna vazio de semanticidade a alegação de um princípio (sic) como o de que não há nulidade sem prejuízo? Mas, não houve prejuízo exatamente pela negação de um procedimento? Isso já não basta? Não cumprir uma lei já não é um prejuízo? (íntegra do texto está em http://www.conjur.com.br/2014-out-25/observatorio- constitucional-stf-deixar-aplicar-lei-jurisdicao-constitucional). Supremo pode deixar de aplicar lei sem fazer jurisdição constitucional?)

 

[23] Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – Decreto-lei 4.657 de 4 de setembro de 1942.

 

[24] A norma contida no art. 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro indica ao órgão judicante o critério do fim social e do bem comum como idôneos à adaptação da lei às novas exigências sociais e aos valores positivos, tanto na interpretação como na integração (RT, 132:660-2) da lacuna ontológica ou axiológica. O aplicador da norma deverá perscrutar as necessidades práticas da vida social e da realidade sociocultural. A equidade apresenta-se   como a capacidade que a norma tem de atenuar seu rigor, adaptando-se ao caso sub judice. Nesta sua função, a equidade não pretende quebrar a norma, mas amoldá-la às circunstâncias sociovalorativas do fato concreto no instante de sua aplicação. (In DINIZ, Maria Helena. Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro Interpretada. 17. ed., São Paulo: Editora Saraiva, 2012). 

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Abril/2016