EXECUÇÃO TRABALHISTA:  Alienação Fiduciária ante ao Crédito Preferencial

 

 

 

EVELLYN THICIANE M. COÊLHO CLEMENTE

Advogada. Professora Especialista do Curso de Direito da UniEVANGÉLICA. Mestranda em Direito das Relações Sociais e do Trabalho pela UDF – Brasília.

 

DEBORAH HARUMI KUDO DA SILVA

Advogada. Graduada pelo Centro Universitário UniEVANGÉLICA – Anápolis/GO.

 

 

 

Resumo: O presente artigo tem o intuito de discutir a possibilidade de serem penhorados, em execução trabalhista, bens gravados com alienação fiduciária.          A matéria não é pacífica entre Tribunais Regionais do Trabalho de diversas regiões, sendo encontradas também divergências entre as próprias turmas do Tribunal Superior do Trabalho. A dificuldade de se pacificar a questão reside no fato de nesse tipo de lide serem contrapostos bens jurídicos distintos, mas, até certo ponto, igualmente importantes, quais sejam, o crédito alimentar e o direito de propriedade. Confronta-se, portanto, o direito do trabalhador de ter seu crédito adimplido, pois este diz respeito à sua própria subsistência e existência digna, e o direito do credor fiduciário, que detêm a posse do bem como garantia de pagamento. Buscando atingir os objetivos do trabalho, a metodologia de pesquisa empregada é a análise hermenêutica da legislação constitucional e processual aplicável, bem como o material bibliográfico e jurisprudencial disponível sobre o tema.

 

Palavras-Chave: Execução; Alienação Fiduciária; Crédito Alimentar; Penhora Trabalhista.

 

SUMÁRIO: Introdução; 1. Particularidades da Justiça do Trabalho que refletem na execução; 2. Execução trabalhista; 3. Natureza jurídica do crédito trabalhista; 4. Alienação fiduciária: aplicabilidade nas lides trabalhistas; Conclusão; Referências bibliográficas.

 

 

 

INTRODUÇÃO

 

 

A Justiça do Trabalho é um ramo especializado do direito que possui legislação e princípios próprios. Tem como principal objeto a relação de trabalho, gênero, da qual é espécie a relação de emprego.

 

O princípio basilar que norteia a matéria em questão é o princípio protetor, o qual procura assistir ao trabalhador em suas desigualdades frente ao empregador. A partir deste, desdobram-se outros princípios característicos da seara laboral, como o princípio da aplicação da norma mais favorável ao trabalhador, o qual determina que em situações em que exista incerteza a respeito de qual norma deverá ser aplicada, a regra será sempre aplicar a norma que mais beneficie o trabalhador.

 

Na fase executória estão presentes os princípios acima mencionados, sendo imperativo que o aplicador do direito os observe. Sendo assim, a execução trabalhista ganha contornos mais protetivos, tanto pelos princípios norteadores desse ramo especializado como também em consideração ao crédito alimentar oriundo da relação de trabalho que demanda urgência e efetividade, não sendo admissível que o processo se prolongue no tempo.

 

Assim sendo, a Justiça do Trabalho se depara com a possibilidade, ou não, de serem penhorados bens do devedor gravados com alienação fiduciária. A jurisprudência diverge em seus julgados sobre a penhorabilidade deste tipo de bem, pois, nesse tipo de lide entram em conflito interesses jurídicos diferentes. De um lado encontra-se o direito de propriedade, de outro o crédito alimentar.

 

 

1. PARTICULARIDADES DA JUSTIÇA DO TRABALHO QUE REFLETEM NA EXECUÇÃO

 

No âmbito do Direito do Trabalho são diversas as fontes das normas justrabalhistas, encontrando-se estas espalhadas pelo ordenamento jurídico. Podem ser encontradas tanto dentro da Constituição Federal, das leis, dos atos normativos do poder Executivo, das sentenças e dos contratos individuais de trabalho. Também, podem ser encontradas dentro dos acordos coletivos do trabalho, das convenções coletivas de trabalho, das sentenças normativas e dos regulamentos de empresa. (THOMÉ, 2007, online). A grande quantidade de normas trabalhistas faz com que estas possuam variadas hierarquias.

 

Maurício Godinho Delgado explica que no Direito Comum, no qual se aplica a teoria geral da hierarquia normativa, os diplomas normativos classificam-se hierarquicamente de forma rígida e inflexível, salientando que nada agride a Constituição, a qual se encontra no vértice da pirâmide normativa acompanhada das Emendas Constitucionais e nada agride a lei que está debaixo daquela. (2012)

 

O critério normativo hierárquico vigorante no Direito do Trabalho opera da seguinte maneira: a pirâmide normativa constrói-se de modo plástico e variável, elegendo para seu vértice dominante a norma que mais se aproxime do caráter teleológico do ramo justrabalhista o qual é princípio da norma mais favorável ao trabalhador). (DELGADO, 2012)

 

“O princípio da aplicação da fonte mais favorável baseia-se no mandamento nuclear protetivo segundo o qual, diante de uma pluralidade de fontes com vigência simultânea, há de se preferir aquela que seja a mais favorável ao trabalhador”. (MARTINEZ, 2015, p. 109)

 

Assim sendo, é necessário cuidado por parte do operador do direito ao transportar normas do direito comum para serem utilizadas no âmbito laboral. Conforme a própria CLT prevê em seu artigo 769, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho nos casos em que a CLT for omissa e que não demonstrar incompatibilidade com as normas trabalhistas. Em tais casos, necessário a aplicabilidade do princípio teleológico constitutivo do Direito do Trabalho que busca a aplicabilidade da norma mais favorável ao trabalhador.

 

O artigo 15 do novo Código de Processo Civil – CPC, dando maior efetividade ao cumprimento das normas materiais e processuais inerentes ao campo laboral, inseriu, além da aplicabilidade subsidiária das normas gerais do direito, a supletividade que significa aplicar o CPC, apesar da lei processual trabalhista disciplinar o instituto processual, não for completa. Assim, ocorrerá aplicabilidade complementar, aperfeiçoando e propiciando maior efetividade e justiça ao processo do trabalho.

 

Estas particularidades da seara laboral influenciam diretamente na execução trabalhista, em que, são aplicadas, de maneira subsidiária, outras fontes normativas as quais devem, todavia, estar em consonância com o princípio da aplicação da norma mais favorável.

 

 

2. EXECUÇÃO TRABALHISTA

 

A Execução é o poder do Estado de fazer cumprir aquilo que está previsto em título executivo judicial ou extrajudicial.

 

Teixeira Filho citando Moacyr Amaral Santos dispõe que:

 

[...] execução forçada é o processo mediante o qual o Estado, via órgão jurisdicional competente, baseando-se em título judicial ou extrajudicial e fazendo uso de medidas coativas, torna efetiva e realiza a sanção, visando ‘a alcançar, contra a vontade do executado, a satisfação do crédito do credor. (2009, p. 1845 apud SANTOS, p. 205).

 

O devedor poderá atender espontaneamente ao comando da sentença, adimplindo a obrigação e por consequência extinguindo o processo. Se não o fizer caberá ao credor solicitar ao juiz que concretize a sanção presente no título executivo. A execução é assim a atuação da sanção inerente ao título.

 

Para o jurista Mauro Schiavi a não satisfação do crédito consagrado em título executivo dá ensejo à atividade jurisdicional em que o próprio Estado cuida de fazer com que a obrigação seja cumprida. É a chamada execução forçada.

 

Na seara laboral, em razão da desigualdade entre partes, presente na relação de emprego, criou-se o princípio da proteção ao empregado, que pretende nivelar a condição de ambos os polos. Para Alice Monteiro de Barros o princípio protetor está ligado à própria essência do direito do trabalho, tendo o propósito de “[...] tentar corrigir desigualdades, criando uma superioridade jurídica em favor do empregado, diante da sua condição de hipossuficiente”. (2012, p. 142).

 

Por consequência, nesta justiça especializada a execução possui particularidades, em virtude do princípio protetor e demais princípios originados a partir deste, bem como em razão da natureza jurídica privilegiada do crédito do trabalhador. Contudo, considera-se principalmente o fato do direito do trabalho ser voltado para a proteção do empregado. Nessa fase processual, levam-se em conta as nuanças do direito trabalhista que lida com a hipossuficiência de uma das partes (empregado) sendo razoável que alguns princípios adquiram maior acentuação que outros na execução laboral.

 

Por conta do acima mencionado e das demais particularidades presentes na justiça laboral, entre elas a natureza alimentar do crédito do trabalhador, natural que a execução trabalhista se processe de maneira diferente da do processo comum.

 

Como se sabe, a legislação trabalhista não abarca de uma forma satisfatória a execução e suas peculiaridades. Assim, ocorre, por autorização expressa da lei (artigos 769 e 889 da CLT), a aplicação supletiva das regras do processo comum nas lacunas da CLT e da legislação processual trabalhista complementar.

 

Prevê o dispositivo Consolidado no Capítulo V, Seção II sobre a penhora nas Execuções Trabalhistas. A penhora é um ato que demonstra o poder de coerção do Estado. É praticada na execução e tem por finalidade vincular determinados bens do devedor ao processo a fim de satisfazer o crédito do exequente. A penhora visa garantir o juízo individualizando bens do executado que posteriormente satisfarão o crédito do exequente.

 

Segundo Carrion, a nomeação de bens à penhora somente será eficaz se obedecer a ordem disposta do artigo 655 do CPC. Nesse sentido há a Súmula 417 do TST que dispõe que o ato judicial que determina a penhora em dinheiro do executado não fere direito líquido e certo, justamente porque obedece à gradação prevista no mencionado artigo do Código Processual Civil.

 

Em qualquer fase do processo é permitido ao executado requerer a substituição da penhora de determinado bem por dinheiro ou fiança e ao exequente a troca de um bem por outro não sendo necessário seguir à risca  a disposição do artigo 655 do Código Processual Civil. Tal substituição não poderá ser motivada por mero capricho das partes, mas, por evidente interesse em uma execução célere.

 

Mauro Schiavi entende que a ordem prevista no artigo 655 do CPC não é absoluta, pois, há princípios trabalhistas os quais não podem ser ignorados, ainda que em fase de execução, quais sejam o da efetividade da execução e da utilidade dos atos executórios. Tal jurista entende que é possível o exequente declinar bens a serem penhorados mesmo antes de o executado fazê-lo.

 

Ainda, para o doutrinador acima, o Juiz do Trabalho poderá aceitar bem que esteja abaixo da ordem prevista na legislação, se no caso concreto tiver maior probabilidade de liquidez. Ressalta o autor que não se trata de benefício do executado e sim maior eficácia de execução para o credor.

 

Corroborando o entendimento acima, salutar a transcrição da Súmula 417 do Superior Tribunal de Justiça – STJ: “Na execução civil, a penhora de dinheiro na ordem de nomeação de bens não tem caráter absoluto”. (DJEletrônico 11.03.2010 online).

 

Cumpre ressaltar que os princípios norteadores do direito do trabalho estão presentes em qualquer fase do processo, quanto mais em uma fase tão fundamental quanto a fase da penhora.

 

Estes procuram evitar que o credor deixe de receber aquilo que lhe é devido, pois, de nada adiantaria o processo de conhecimento se ao final do litígio a parte vencedora não recebesse o que pleiteia. Percebe-se assim, as particularidades da execução trabalhista feita, sempre que possível, no interesse do credor.

 

 

3. NATUREZA JURÍDICA DO CRÉDITO TRABALHISTA

 

Existe uma corrente doutrinária que atribui ao salário natureza jurídica de contraprestação pelo serviço prestado. Trata o trabalho da prestação de um serviço e o salário a contraprestação deste só sendo justificável o segundo na medida em que o primeiro é cumprido.

 

Assim, ao haver a prestação de um serviço por parte do empregado, deve existir a contraprestação, regra geral em dinheiro, por parte do empregador. Quando esta não é voluntariamente feita, pode o empregado recorrer ao judiciário para que o crédito gerado seja devidamente pago.

 

É visível a preocupação do ordenamento jurídico com o crédito trabalhista, tanto que este está previsto na Constituição Federal e em diversas outras leis infraconstitucionais e, também, em convenção da Organização Internacional do Trabalho – OIT ratificada pelo Brasil. Dispõe o artigo 100 § 1º da Magna Carta que “Os débitos de natureza alimentícia compreendem aqueles decorrentes de salários, [...]”.

 

O artigo 449 da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT prevê:

 

Os direitos oriundos da existência do contrato de trabalho subsistirão em caso de falência, concordata ou dissolução da empresa. Parágrafo primeiro: Na falência constituirão créditos privilegiados a totalidade dos salários devidos ao empregado e a totalidade das indenizações a que tiver direito.

 

Percebe-se pela redação do artigo que até mesmo nos casos de falência os créditos trabalhistas possuem tratamentos especiais.

 

“Os salários e as indenizações têm privilégio especialíssimo em caso de falência, sobrepondo-se aos créditos tributários federais, estaduais ou municipais, aos créditos com garantia real, às dívidas da massa e a quaisquer outras com privilégio especial ou geral”. (CARRION, 2013, p. 357)

 

A Convenção nº 95, da OIT, ratificada pelo Brasil por meio do Decreto nº 41.721, de 25 de junho de 1957 dispõe que:

 

Em caso de quebra ou de liquidação judicial de uma empresa, os trabalhadores empregados na mesma deverão ser considerados como credores preferenciais o que respeita a salários que lhes sejam devidos pelos serviços prestados durante um período anterior à quebra ou liquidação judicial que será determinado pela legislação nacional, ou no que concerne aos salários que não excedam de uma soma fixada pelo legislador nacional.

 

Da mesma forma, percebe-se a consagração do crédito laboral como privilegiado, se analisarmos o artigo 186 do Código Tributário Nacional – CTN, o qual prevê que o crédito tributário é preferível a qualquer outro, seja qual for sua natureza ou tempo de constituição fazendo a ressalva de que os créditos decorrentes da legislação do trabalho resguardados.

 

Pedro Albino Vieira Vilande entende que:

 

É manifesto que a intenção da legislação tributária era a de assegurar a preferência ao crédito fiscal, mas teve que fazer ressalva ao crédito de natureza alimentar, conferindo ao direito trabalhista a condição de crédito preferencialmente absoluto. (2010, p. 17, online)

 

As ressalvas feitas na legislação demonstram a importância deste tipo  de crédito, pois, acredita-se ser este fundamental para a subsistência e vida digna do trabalhador. Segundo Marcel Lopes Machado os créditos advindos do trabalho visam à manutenção do trabalhador e de sua família de maneira que asseguram a estes a existência. Tal importância social, econômico-financeira e política do crédito justificam a finalidade social do Processo do Trabalho, sua principiologia e procedimentos distintos, bem como a constante busca de interpretação e aplicação do direito de acordo com a norma mais favorável cominado ao princípio da proteção. (2009, online)

 

Para Vilande:

 

Essa preocupação em proteger o crédito do trabalhador encontra justificativa em princípios de natureza humanitária, dada a natureza alimentar dos salários do empregado, que têm como finalidade primária atender a necessidades básicas de sobrevivência do trabalhador e de sua família. Por isso, a prioridade conferida ao trabalhador no recebimento de seus haveres trabalhistas sempre foi aceita, sem objeção. (2010, p. 14, online)

 

Sendo assim, resta consagrado o privilégio do crédito trabalhista por conta de sua natureza alimentar e função social.

 

 

4. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA: APLICABILIDADE NAS LIDES TRABALHISTAS

 

O instituto da alienação fiduciária é regulamentado pela Lei 4.748/65  (Lei de Mercado de Capitais), pelo Código Civil de 2002 (Lei 10.406 de 2002), pela Lei 10.931 de 2004 (Lei que dispõe sobre patrimônio de afetação em incorporações imobiliárias). Os princípios norteadores da alienação fiduciária são os de Direito Privado, ou seja, a autonomia da vontade.

 

A alienação fiduciária consiste em negócio jurídico que, segundo Venosa, foi criado para dar substrato aos contratos de financiamento, principalmente de bens móveis e duráveis (2011). O Decreto- lei nº 911/69 alterou a redação da respectiva lei sendo que o Código Civil de 2002 procurou dar contornos gerais ao assunto que se mostrou muito útil ao mundo negocial. Carlos Roberto Gonçalves partilha do entendimento de que a alienação fiduciária surgiu para dinamizar os negócios, especialmente os de financiamento. Segundo este a complexidade da vida moderna demanda a criação de novos instrumentos de garantia (2013).

 

O penhor, exigindo, na maioria das vezes, a tradição da coisa apenhada, dificulta as negociações mercantis. A hipoteca tem seu campo de incidência bastante restrito, uma vez limitada aos bens imóveis, navios e aviões. A anticrese, em razão dos inconvenientes que apresenta, caiu em completo desuso entre nós. (GONÇALVES, 2013, p. 436)

 

A alienação fiduciária tem caráter assecuratório, em que o devedor transfere ao credor a propriedade resolúvel de bem infungível, fungível  ou ainda bem móvel como garantia do seu débito, tendo fim o direito do adquirente com o pagamento da dívida garantida.

 

Tal negócio jurídico está subordinado a uma condição resolutiva. Uma vez cumprida a condição, qual seja, o pagamento da dívida, cessa a propriedade resolúvel do credor readquirindo-a o devedor.

 

Resta perceptível a temporariedade da propriedade do credor fiduciário, pois, o devedor ao alienar seu bem tem a clara intenção de reavê-lo. Desta forma, o credor fiduciário não é proprietário pleno, mas detém a propriedade resolúvel nos termos do art. 1.359, extinguindo-se esta ante ao adimplemento da obrigação.

 

Na execução trabalhista, ao ser realizada a constrição de bens, pode acontecer de serem apreendidos bens gravados com alienação fiduciária.  A Justiça do Trabalho não é pacífica quanto ao assunto. Segundo Orientação Jurisprudencial nº 226, da Seção de Dissídios Individuais – SDI-I do Tribunal Superior do Trabalho – TST, a cédula de crédito industrial garantida por alienação fiduciária não é passível de penhora.

 

Em Recurso de Revista (TST-RR-578/2004-115-08-40.6) a primeira Turma do Colendo Tribunal entendeu que a penhora de bens gravados com alienação fiduciária violava o direito de propriedade disposto no artigo 5º, XXII, da Constituição Federal, tendo sido determinada a desconstituição da penhora do bem.

 

Certo é que a Constituição Federal de 1988 dedicou o inciso XXII de seu artigo 5º a dispor que, é garantido o direito de propriedade. Importante ressaltar que este artigo trata de direitos fundamentais, sendo correto inferir que o legislador elevou o direito de propriedade ao patamar não só de constitucional, mas, também de fundamental.

 

Trata-se, pois, de um direito nodular à fisiologia do Estado e, consequentemente, de toda a base jurídica da sociedade. Daí seu status constitucional, porque ele não é mero direito individual, de natureza privada, e sim uma instituição jurídica que encontra amparo num complexo de normas constitucionais relativa à propriedade. (BULOS, 2015, p. 314)

 

Há, contudo, a ressalva, logo em seguida, no inciso XXIII, com a disposição de que a propriedade atenderá a sua função social. Serve este inciso para estabelecer a conformação ou limitação do direito de propriedade.

 

“Deve-se reconhecer que, a garantia constitucional da propriedade está submetida a um intenso processo de relativização, sendo interpretada, fundamentalmente, de acordo com parâmetros fixados pela legislação ordinária”. (MENDES, 2013, p. 335 apud Constituição Federal Alemã)

 

Sendo assim, infere-se que o direito de propriedade de maneira alguma é absoluto podendo sofrer restrições legitimadas pelo fato de que a propriedade deve atender sua função social.

 

A oitava Turma do mesmo Tribunal Superior, em julgamento de Agravo de Instrumento interposto contra a decisão que denegou seguimento a Recurso de Revista, entendeu que não consistia em violação ao texto Constitucional a penhora de bem gravado com alienação fiduciária, revelando-se inviável o seguimento do Recurso.

 

Salientaram que não havia dúvidas quanto à propriedade do bem ser do credor fiduciário, porém, ressaltaram que o bem penhorado fora avaliado em montante suficiente para quitar as parcelas faltantes da dívida com a instituição financeira e posteriormente as parcelas trabalhistas. Acordaram, por fim, os Ministros em denegar seguimento ao Agravo de Instrumento.

 

O renomado jurista Mauro Schiavi entende que o bem gravado com alienação fiduciária em garantia pode ser penhorado. Segundo este Autor,  o executado, apesar de possuir apenas a posse direta do bem, tem direitos sobre ele, adquirindo a cada parcela paga a propriedade deste.

 

Faz menção, ainda, do privilégio do crédito trabalhista frente a outros:

 

Como o crédito resultante da relação de emprego goza de privilégio especial, impõe-se a sua satisfação antes da do credor fiduciário no caso de penhora de bem objeto de alienação fiduciária em garantia. Na alienação em garantia, não são transferidos ao credor todos os poderes que resultam ao domínio, ou seja, os poderes de uso e usufruto. Nela, dá-se uma transferência de domínio que fica condicionada ao não cumprimento da obrigação do devedor. Na alienação, o devedor perde apenas o poder de dispor do bem, poder que também o credor não detém. (SCHIAVI, 2012, p. 1036, apud ALMEIDA, 2008, p. 782)

 

Existem julgados oriundos de diversos Tribunais Regionais Trabalhistas – TRT’s, os quais compartilham o entendimento da possibilidade de penhora de tais bens.

 

Em julgamentos proferidos pelo TRT da 18ª Região, os Desembargadores entenderam ser possível a penhora baseando-se no artigo 10 da Lei 6.830/80 (Lei de Execução Fiscal), o qual prevê que a penhora poderá recair em qualquer bem do executado, exceto os que a lei declare absolutamente impenhoráveis, sendo que o bem gravado com cláusula de alienação fiduciária não está nesse rol. Utilizaram também o artigo 30 do mesmo diploma legal,  o qual permite a penhora de bens e rendas de qualquer natureza, inclusive os gravados por ônus real ou cláusula de inalienabilidade, excetuados unicamente os bens e rendas que a lei considerar absolutamente impenhoráveis.

 

 

CONCLUSÃO

 

Conclui-se que não há na legislação, doutrina ou jurisprudência entendimento unânime acerca da possibilidade de constrição judicial de bens gravados com alienação fiduciária.

 

Há de um lado a execução trabalhista, que visa à efetiva satisfação do crédito decorrente do pacto laboral, que possui princípios particulares de celeridade e eficiência. Há que se levar em conta também o princípio da proteção do empregado, o qual está presente em todas as fases do processo, seja de conhecimento ou execução, e que traduz o espírito do direito do trabalho.

 

De outro a alienação fiduciária, negócio jurídico celebrado com escopo de garantia que transfere a propriedade do bem dado em garantia ao credor fiduciário, sendo que a posse direta desta é detida pelo devedor. Trata-se de instituto muito utilizado atualmente, especialmente no que diz respeito aos contratos de financiamento.

 

Analisa-se ainda, o crédito que surge do contrato de emprego, crédito este de natureza alimentar, inerente à subsistência do trabalhador e de sua família, o qual possui natureza superprivilegiada.

 

Por fim, conforme entendimento jurisprudencial e doutrinário, ainda que controversos, e levando-se em conta a relevância do crédito mencionado e o princípio da razoabilidade, há a possibilidade de penhora de bens gravados com alienação fiduciária.

 

 

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Maio/2016