O SEGURO-DESEMPREGO E OS “DESVIOS” HISTÓRICOS DOS FUNDOS

 

 

 

IVAN ALEMÃO

Desembargador do Trabalho do TRT da 1ª Região, Historiador e Professor Doutor da Universidade Federal Fluminense.

 

 

 

SUMÁRIO: 1. Os primórdios dos fundos no Brasil e os seus respectivos “desvios de finalidade”; 2. A recessão da década 1980 e as dificuldades de implantação  do seguro-desemprego; 3. O seguro-desemprego a partir da década de 1990 e o FAT; 4. O seguro-desemprego na crise a partir de 2015; Considerações finais.

 

 

 

1. OS PRIMÓRDIOS DOS FUNDOS NO BRASIL E OS SEUS RESPECTIVOS “DESVIOS DE FINALIDADE”

 

Chamamos de desvio de finalidade neste estudo, a utilização de recurso público num empreendimento do qual ele não fora destinado. Ou seja, quando a regra é quebrada, que é uma questão jurídica. Não interessa neste estudo saber se o desvio de finalidade foi justo ou não, que é uma questão política.

 

Não raramente os governantes adotam uma forma simples de não quebrar as regras jurídicas: mudando-as. O problema é que nestes casos a finalidade do recurso público tende a se multiplicar, diluindo a sua consistência programática, e a regra perde sua legitimidade.

 

A criação de fundos com finalidade social é antiga. É bem conhecido o movimento mutualista do final do século XIX e início do século XX, no qual os trabalhadores por conta própria criavam caixas de mútuos socorros. No Brasil, como em muitos outros países, esse movimento é que deu origem à Previdência Social. Ou seja, a própria instituição previdenciária, hoje administrada e regulada pelo Estado é um grande fundo.

 

É bem conhecido o marco da Previdência Social no Brasil, com a primeira Lei de 1923 que criou a primeira caixa de aposentadoria e pensão, para os ferroviários[1]. Esse modelo das caixas, tinha a finalidade de criar um fundo para pagar aposentadoria e pensões. A tendência de todo tipo de fundo com esta finalidade, mesmo os mais antigos formados sem a participação do Estado, acabavam por entrar em crise quando seus filiados envelheciam. No início sempre havia mais associados jovens, empregados e pagantes, depois com o passar dos anos, a tendência era a de ter mais velhos, desempregados e doentes. Essa é uma problemática eterna dos sistema previdenciário.

 

O acúmulo de capital que essas caixas possuíam no Brasil era destinado basicamente ao pagamento de aposentadorias e pensões. Dessa forma esse capital não era reproduzido, entrava numa porta e saía por outra, sendo que a tendência era a de porta de entrada ir diminuindo e aumentando a de saída.

 

Logo se percebeu que as caixas teriam que agir no sentido de fazer com que o seu capital entrasse no mercado, com circulação de reprodução.

 

Em 1926, ainda na Primeira República, surge um Decreto que estende a caixa de aposentadoria e pensões para outras empresas e permite a utilização do fundo para construção de prédios para uso próprio ou de assistência aos seus beneficiários[2]. Logo após a Revolução de 1930 esse Decreto seria alterado para expandir os recursos das caixas de aposentadoria e pensões em construção habitacional, para que pudessem aplicar até 75% dos seus fundos disponíveis em habitação.

 

O Governo Vargas, pelo Decreto 21.763, de 1932, também regulamentou empréstimos a longo prazo para associados das caixas de aposentadoria e pensão que podiam ser pagos em três anos, com juros de 12% ao ano (até 24 meses) ou de 15% (para prazo maiores), calculados pela tabela Price.

 

Agora os recursos das caixas não se limitariam mais a construção para sede própria, mas para habitação de seus associados. Tais recursos deixaram definitivamente de ser meros fundos (poupança) para se transformar em capital circulante, reproduzindo-os com base na relação de trabalho (mais-valia) e fortalecer o sistema bancário os financiamentos de longo prazo, o que não era comum, principalmente para classe trabalhadora.

 

As caixas criadas em empresas, e depois os institutos de aposentadoria e pensões, criados por categoria, portanto, como tinham por finalidade fornecer aposentadoria e pensões, e outros benefícios que só gastavam e não geravam retornos financeiros. Nas décadas de 1920/30 seus recursos já correspondiam ao segundo maior fundo de capital no país, só superado pelo próprio tesouro nacional. Enquanto isso, o país ainda sequer tinha entrado na era industrial, sendo um país muito mais agrário, calcado na produção do café, sendo que basicamente o Banco do Brasil era quem fazia financiamento, e não raramente também era abalado com desvio de finalidade[3].

 

Nesse processo ficou claro que o Estado brasileiro passou a gerir e reproduzir capital, explorando mais-valia, por meio da construção civil. As caixas, depois os institutos, passaram a ser entidade de financiamento, com natureza produtiva e financeira. Suponho que esse processo ocorreu muito mais em função de uma necessidade prática, pela ausência de capital no país (não apenas dinheiro, mas circulação dele), do que de forma planejada. Acredito mais no empirismo, e na influência internacional da época, em que o intervencionismo governamental foi amplamente utilizado para enfrentar a grande crise de 1929. Acredito que a maior influência foi a keynesiana, pois o Brasil não incentivou os denominados direitos sociais europeus, como o seguro-desemprego e a garantia de renda mínima, para enfrentar a crise, e sim o produtivismo e a busca de criação de emprego. Isso independia de o Estado brasileiro em seu âmbito mais formal e estrutural ter adotado modelo corporativista, sob influência italiana e fascista então em voga. O Estado brasileiro sempre soube combinar o liberalismo econômico com os governos autoritários, desde o Império, passando pelo Estado Novo e depois com a Ditatura militar.

 

Não concordo com a tese difundida de que o Brasil começou a priorizar direitos sociais antes dos direitos civis, inversamente do que teria ocorrido da Inglaterra. Neste caso, o Brasil teria vivido algo como uma “estadania”[4].

 

A política do Estado brasileiro foi a de interferir nos contratos de trabalho, seja por meio de leis imperativas, seja intermediando e julgando negociações coletivas. O que T. H. Marshall (1967)[5] chamou de direitos sociais ao estudar  a questão do trabalho na Inglaterra, só viria a ocorrer no Brasil na década  de 1990[6].

 

O que o governo Vargas fez, fundamentalmente, foi pressionar os empregadores a cederem direitos aos trabalhadores. Em troca, o governo concedia compensações econômicas aos empregadores, como empréstimo de capital e criação de infraestrutura. O Estado somente regulava direitos que passaram a ser concedidos compulsoriamente pelo empregador ao empregado, interferindo em cláusulas contratuais. Esse foi um dos motivos para a forte interferência estatal nas negociações de contratos coletivos.

 

Acredito que um dos motivos para a demora do Brasil em implementar um direito social clássico, em que basta ser cidadão para adquirir direitos sociais, independentemente ser ou ter sido parte num contrato de trabalho,  foi justamente em função do “desvio” histórico de acumulação de capital da Previdência Social para investimentos de capitais (principalmente em construção civil e habitacional), e por meio do sistema bancário de financiamentos, política esta que será melhor delimitada na ditadura militar com a criação do FGTS e depois, na democracia, com a criação do FAT, sendo que este fundo aproveitou os alicerces criados pela ditadura (PIS/PASEP). Logo depois do golpe de 1964, executou-se o projeto de unificação da Previdência Social, tirando desta a atribuição de construção imobiliária para ser alocada em outro órgão próprio (BNH). Vajamos.

 

O BNDE surgira em 1952 (Lei 1.628), tendo como finalidade financiar obras e empreendimentos que se enquadravam em planos governamentais, como o Plano SALT (Saúde, Alimento, Transporte e Energia, 1950-55). Especificamente para a energia, foi instituído o Fundo Nacional de Eletrificação. Depois, novos “planos” setoriais foram incrementados (Plano Nacional do Carvão, Plano Nacional de Eletrificação, Plano Postal-Telegráfico, entre outros regionais).

 

Mas, mesmo já existindo o BNDE, criou-se em 1964 o Banco Nacional da Habitação (BNH), com recursos da União, Letras Imobiliárias, para centralizar todos os projetos existentes e prevendo, em seu art. 66, a criação de um Fundo de Assistência Habitacional, que não chegou a ser implementado. Mas o BNH é que realmente desenvolveu seus projetos com a gestão do FGTS, criado em 1966 e que entrou em vigor em janeiro de 1967. O BNH pagava ao Fundo, em média, 5% de juros ao ano, conforme dados de 1975. Assim, até esse ano, já havia possibilitado a construção de 1.143.450 habitações.

 

Em 1970 foram criados o PIS e o PASEP (respectivamente, Lei Complementar nº 7 e nº 8, futuramente unificados) e também um Fundo de Participação, constituído por depósitos efetuados pelas empresas à CEF. Em 1977 surgem os Fundos de Pensões, fechados ou abertos (Lei 6.435), para empresas, principalmente estatais e bancárias. Estes novos fundos de pensões regulamentados por lei, de capital aberto ou fechado, já nascem na década de 1970 com objetivos de investimento.

 

A ideia de unificação da Previdência Social no Brasil já existia desde o início da década de 1930, sugerida pelo representante da OIT, A. S. Tixier quando esteve no Brasil em 1932. No final 1945, por meio da Lei Orgânica dos Servidos Sociais do Brasil (Decreto 7.526 de 14 de maio), foi prevista a criação do Instituto de Seguros Sociais (ISSB), que unificaria a Previdência Social, mas que não chegou a ser efetivamente implementada em decorrência do fim do Estado Novo.

 

O tema só começou a ser retomado com a uniformização da legislação previdenciária em 1960 (LOPS), na época do presidente João Goulart. Mas só a ditadura militar é que encontrou forças políticas para unificar a estrutura  da previdência, criando o INPS (1966), com a fusão dos IAPs, SAMDU e o SUSERPS, com 6 milhões de associados, 288 agências, convênio com 102 bancos e mais de 80 mil servidores[7]. Mas é importante frisar que a nova instituição previdenciária não iria mais cuidar de construção imobiliária, para isso havia sido criado o BNH no mesmo ano.

 

A questão que indagamos é se a arrecadação do FGTS não seria própria da Previdência Social. Os outros países não possuíam um fundo desta natureza. Parece-me que o projeto brasileiro foi o de privilegiar o mercado e não o Estado social. Valorizou-se o investimento financeiro e imobiliário, da construção civil, o mercado de trabalho com aumento de emprego, embora sob contratos curtos, com grande rotatividade e braçal. O mercado de consumo aumentava eventualmente em decorrência de saques do FGTS, principalmente quando das extinções dos contratos de trabalho. Algumas crises de demissões correspondem a aumento de saques do FGTS e, em grau menor, do antigo PIS/PASEP, que são gastos no mercado de consumo básico. Aumentou, portanto, o subemprego e os acidentes de trabalho em decorrência de o setor da construção civil ser um dos que possuem maiores índices de sinistros, o que não deixa de aumentar a despesa da Previdência Social. A principal “ajuda” ao trabalhador desempregado – o especificamente o demitido – passou a ser a indenização recebida e não um seguro de natureza previdenciária.

 

A criação do FGTS foi a saída para se impor um encargo novo (um salário indireto ou diferido, pois, juridicamente, e aparentemente, é o empregador quem paga), que, normalmente, seria destinado à previdência dos trabalhadores. O percentual de 8% pago pelo trabalhador ao INPS era o mesmo do FGTS, que formalmente vinha do ônus do empregador. Na verdade, o encargo dobrou e a receita da Previdência congelou. A Constituição de 1988 iria estender os benefícios aos trabalhadores rurais, ainda que eles não tivessem contribuído. Não se tratou de estender o regime aos rurais, mas sim de deferir benefícios imediatos. Mas este desvio é de outra natureza que a que tratamos aqui: foi um desvio para aumentar despesas, socialmente positivo, e não para investir. Muito embora esta benevolência tenha ocorrido com a contribuição de outros trabalhadores e não diretamente pelo Estado, também não sendo o caso de direito social puro.

 

Com a criação do FGTS, o desvio legal de finalidade do dinheiro destinado naturalmente à Previdência Social criou uma fissura no sistema previdenciário brasileiro, com nefasta consequência à instituição da Previdência Social e à criação de um seguro-desemprego. Certamente muitos outros problemas e desvios de finalidades ocorreram na história da Previdência Social Brasileira, mas que não fazem deste estudo.

 

O seguro-desemprego e a renda mínima[8], típicos benefícios do direito social clássico, seriam, certamente, fornecidos pela instituição previdenciária. A Constituição de 1946 mencionava apenas “assistência ao desempregado” (art. 157, XV), mas a Constituição Federal de 67 já estabelecia a previsão de seguro-desemprego a cargo da Previdência Social.

 

Porém, essas normas constitucionais sempre foram figurativas ou programáticas. A Lei 4.923, de 28.12.1965, ainda da Ditadura militar, é que criou algo efetivo, ainda que limitado, o auxílio desemprego. Essa assistência deveria ser prestada pela Previdência Social que corresponderia a um auxílio em dinheiro, não excedente de 80% do salário mínimo, até o prazo máximo de seis meses. O auxílio desemprego foi regulamentado pelo Decreto 58.155/66 e pela Portaria 368 de 1966. A mesma Lei de 1965 possibilitava a criação de um Fundo de Assistência ao Desempregado (art. 6º).

 

Essa regra durou até 1974, quando a Lei 6.181 mudou o benefício para criação de “um plano de assistência aos trabalhadores que, após 120 (cento  e vinte) dias consecutivos de serviço na mesma empresa, se encontrarem desempregados ou venham a se desempregar, por dispensa sem justa causa ou por fechamento total ou parcial da empresa”. Esta mudança de 1974 retirou a vinculação do benefício da Previdência Social e ampliou as atribuições do Fundo. Aqui também encontramos a origem da regra de exigência de seis meses para aquisição do futuro seguro-desemprego.

 

Esse auxílio desemprego, como dito, acabou não ficando no sistema previdenciário, e sim no Fundo de Assistência ao Desempregado tendo como fonte a conta “Emprego e Salário”, do imposto sindical (art. 600 da CLT), antigo Fundo Social Sindical que consistia em 20% do imposto sindical (art. 590 da CLT, revogado).

 

O auxílio desemprego não chegou a ser um benefício aberto a qualquer um, pois o Decreto-lei de nº 1.107 de 1970, que introduziu um § 5º no art. 5º da Lei de 1965, o limitava a casos de emergência ou de grave situação social, mediante expressa autorização do Ministro do Trabalho e Previdência Social. Esse benefício passou basicamente a ser negociado entre sindicatos, empresa e Ministério de Trabalho em negociações oriundas de crise.

 

Este primeiro fundo destinado especificamente ao desempregado ficou meio esquecido ao lado do outro fundo, muito mais forte, o FGTS. Enquanto  o primeiro demonstrava ser limitado, existindo apenas para dizer que se implementavam os desejos da Constituição Federal de então, o FGTS apresentava a possibilidade de utilizar seus recursos diretamente a favor do capital (e não do desempregado). O FGTS podia até ser sacado em caso de desemprego, mas não se tratava de “seguro”, apenas saque de um valor financeiro que já fazia parte do patrimônio do trabalhador desempregado.

 

Foi ficando cada vez mais claro que, diferente de outros países mais conhecidos, o seguro-desemprego não surgiria dentro do sistema institucional da Previdência Social.

 

 

2. A RECESSÃO DA DÉCADA 1980 E AS DIFICULDADES DE IMPLANTAÇÃO DO SEGURO-DESEMPREGO

 

Um anteprojeto que instituiria o seguro-desemprego no Brasil foi apresentado em 1975 pelo senador Mílton Cabral ao presidente da República (ver JB de 30.10.1975), sob custeio da tríplice contribuição (empregado, empregador e Estado).

 

Dezenas de projetos surgiram na década de 1975-85. Há referências de 31 projetos que foram apresentados ao Congresso nesse período sem que nenhum fosse aprovado[9], porém demonstra que o assunto estava a exigir uma regulamentação que iria além do então auxílio desemprego. A crise mundial “do petróleo” de 1973 pôs fim ao chamado milagre brasileiro que iniciara em 1968. A década de 1980 iniciou com a confirmação da recessão econômica, com inflação, desemprego e dívida externa.

 

Em seu documento Política de Emprego e Desenvolvimento, de 1982[10] a Federação das Indústrias do Rio de Janeiro – FIRJAN chagava às seguintes conclusões e sugestões resumidamente, sobre o desemprego cíclico:

 

a)  sua causa básica se acha na política de contenção inflacionária aplicada pelo Governo;

 

b)  trata-se de um fenômeno completamente diferente do representado pelo desemprego ou subemprego observado no contexto de uma política de desenvolvimento;

 

c)  as sugestões de elevar investimento e ampliar crédito eliminam o desemprego cíclico ao preço, todavia, de drástica acelaração do surto inflacionário;

 

d)  a única política realmente eficaz diante do problema é o chamado seguro-desemprego, cuja adoção imediata no Brasil teria, infelizmente, sérias conotações inflacionárias;

 

e)  na impossibilidade do seguro-desemprego, a alternativa seria a adoção de medidas paliativas, como a redução de horas de trabalho acoplada com um seguro limitado de desemprego baseado no FGTS.”

 

Na década de 1980 o Brasil, como uma das dez maiores economias do mundo ainda não possuía seguro-desemprego. A preocupação em implantar o seguro-desemprego aumentou com a recessão do início da década de 1980.

 

Na mesma Revista em que fora publicada a análise da FIRJAN, consta de um interessante artigo de Paulo Renato Souza[11], que tratou das propostas contra o desemprego existente dentro do governo. O autor comenta a dificuldade de implantação do seguro-desemprego. Embora considerasse uma reivindicação justa, Souza ressalta que o seguro-desemprego é típico de países capitalistas avançados, sendo que os países capitalistas atrasados não possuíam este benefício. Entre as razões imediatas desta ausência o autor aponta que apenas 60% a 70% de trabalhadores não agrícolas empregados em empresas organizadas estavam filiados à Previdência Social. O restante era de autônomos ou empregados sem registos. Seria, portanto, pequena a massa de trabalhadores apta a adquirir o seguro-desemprego. Assim, teriam acesso de 25 a 30 por cento ao seguro-desemprego, enquanto nos países de capitalismo avançado o percentual seria de menos de 10%. Essa despesa aumentaria os custos da empresa, que seria repassada para o consumidor. O autor entende que estes recursos deveriam ser destinados não ao seguro-desemprego, mas aos investimentos que criariam empregos para estes mesmos desempregados. O autor defende investimentos em construção de infraestrutura social.

 

A temática de Paulo Renato Souza, professor da UNICAMP, que depois veio a ser ministro da Educação no governo FHC, mostra bem a temática até hoje existente no Brasil: usar o dinheiro para gerar empregados ou para pagar aos desempregados?

 

Também havia a preocupação de um trabalhador levar alguma vantagem em estar desempregado. Não me refiro à fraude, que também é comum e pouco fiscalizada, nem possibilidade o trabalhador receber o seguro-desemprego e trabalhar informalmente, que é um tema mais nebuloso quanto à sua legalidade, mas ao fato de eventualmente a curto prazo ser mais vantajoso receber seguro-desemprego do que estar empregado, se considerarmos aproximação do salário do empregado com o do benefício. Acredito que esta era uma razão para o benefício do auxílio desemprego da Lei 4.923 de 1965, ser fixado em 80% do salário mínimo. Não se admitia que um trabalhador pudesse “levar vantagem” de não trabalhar e receber o mesmo que um trabalhador ativo[12].

 

Contra a hipótese de o trabalhador “levar vantagem” há a ideia de ele prestar serviços públicos durante o gozo do benefício, mas ela é bem arriscada a ponto do se caracterizar uma nova relação de trabalho, disfarçada de seguro-desemprego. Optou-se, mais precisamente, em obrigar o segurado se qualificar profissionalmente, que é uma situação intermediária, pois ele não fica no ócio (ou pelo menos dificulta outra atividade remuneratória). Mas como se verá mais adiante, uma segunda opção será a de fornecer o seguro- desemprego não ao desempregado, mas ao próprio empregado em certas circunstâncias (contrato suspenso de 2001 e agora o PPE de 2015).

 

Como se percebe facilmente, a criação do seguro-desemprego não eliminaria todas estas problemáticas discutidas, ela foi uma resposta política eficaz já elevara o Brasil de certa forma à categoria dos países em este direito social. A força política do Plano Cruzado de 1986 foi fundamental.

 

O primeiro seguro-desemprego (com este nome), ainda foi mais programático do que efetiva. Na forma do art. 28 do Decreto-lei 2.284/86  “as despesas com o seguro-desemprego correrão à conta do Fundo de Assistência ao Desempregado”, que era aquele fundo da Lei 4.923, de 28.12.65 de que comentamos, com parcos recursos.

 

Só com a Constituição Federal de 1988 (art. 239), é que fixou os recursos próprios para o seguro-desemprego e criou-se o abono, este para empregado (um salário mínimo por ano para quem recebe até dois salários mínimos). Ambos os benefícios são financiados pelo já existente PIS/PASEP. O BNDS ainda recebe 40% desse valor, segundo o mesmo artigo constitucional. No § 4º do art. 239 ainda é previsto uma contribuição adicional da empresa cujo índice de rotatividade da força de trabalho superar o índice médio da rotatividade do setor, na forma estabelecida por lei.

 

Ressalto: a Constituição não criou o FAT, e sim o legislador de 1990. Só a partir de então é que o seguro-desemprego tomará a forma atual.

 

Na verdade, os benefícios sociais dependiam, sempre, da contribuição do próprio trabalhador, ou do empregador. A contribuição dos cofres públicos, na imaginária tríplice contribuição, sempre foi deficitária. O FGTS veio a espelhar bem o afastamento da contribuição do Estado, sem este abrir mão da administração do capital.

 

As políticas de fundos não têm muito fundamento jurídico ou político-ideológico. A título de exemplo, vimos que o governo FHC criou a CPMF (inicialmente provisória) com finalidade aparentemente social, e depois o governo Lula lutaria contra sua extinção, que efetivamente ocorreu. Esse tributo chamado popularmente do “imposto do cheque” foi criado em 2000,  por meio de Emenda Constitucional, de nº 31. Tratava-se de arrecadar recurso o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza, a ser regulamentado por lei complementar, com o “objetivo de viabilizar a todos os brasileiros acesso a níveis dignos de subsistência, cujos recursos serão aplicados em ações suplementares de nutrição, habitação, educação, saúde, reforço à renda familiar e outros programas de relevante interesse social voltado para a melhoria da qualidade de vida”. Como toda a sua generalização ele, na verdade, ele acabou sendo usado para complementar o orçamento governamental.

 

 

3. O SEGURO-DESEMPREGO A PARTIR DA DÉCADA DE 1990 E O FAT

 

O seguro-desemprego surge efetivamente com a Lei 7.998 de 11.01.1990 juntamente com a criação do FAT, com recursos do PIS/PASEP (art. 239 da CF/88). O abono já havia sido implementado pouco antes do FAT, com a Lei 7.859/89, hoje revogada definitivamente e incorporada à Lei 13.134 de 2015, como se verá.

 

Embora a Constituição Federal (art. 7º, II) garanta “seguro-desemprego, em caso de desemprego involuntário”, ou seja, a todos desempregados, salvo os que pedem demissão, o legislador foi bem restritivo, pois veio a criar requisitos de tempo de serviços anterior à data da extinção do contrato.

 

Mas não é só. Se a Carta defere o seguro a todos que não pediram demissão, a lei ordinária só defere o benefício aos que foram dispensados. Parece se tratar da mesma coisa, mas não é. O contrato de experiência termina sem que o empregado seja formalmente dispensado, mas seria por demasiadamente exagerado considerar seu término como voluntário para efeito de seguro-desemprego. Esses contratos de experiência têm a duração máxima de 90 dias, portanto nunca atingem os seis meses exigidos pela lei. Todos sabem o quanto os contratos de experiência são adotados no mercado de trabalho, e que há enorme quantitativo de desempregados após o seu término. É difícil de apurar o seu exato quantitativo no mercado de trabalho em face de não se exigir homologação do termo de rescisão de contrato com menos de um ano de duração[13].

 

O benefício foi ampliado explicitamente para certas camadas de trabalhadores: para o caso de rescisão indireta (1994); para o trabalhador  que tenha “exercido atividade legalmente reconhecida como autônoma, durante pelo menos 15 (quinze) meses nos últimos 24 (vinte e quatro) meses” (inciso II da Lei 7.998/90, incluído pela Lei 8.845 de 1994 e revogado pela Lei 13.134/2015); para os trabalhadores domésticos, desde que o seu empregador optara em efetuar o FGTS (Lei 10.208/2001); para o trabalhador comprovadamente resgatado de regime de trabalho forçado ou da condição análoga à de escravo (2002). Mas o benefício ainda será estendido para trabalhadores ativos (não desempregados) em certas situações.

Pouco tempo depois da implantação do FAT, logo se aproveitou o seu capital para investimentos. Em 12.05.1993, através da Resolução nº 43, o Codefat autorizou alocação no BNDES de recursos de mais de 32 trilhões de cruzeiros para linha de créditos destinada à concessão de empréstimos a setores e segmentos produtivos da economia, definidos caso a caso pelo Codefat, com critérios estabelecidos por ele mesmo. Pode-se questionar até que ponto um órgão que teria a finalidade de gerir um fundo de “trabalhadores” poderia envolver-se com linhas de créditos a “setores produtivos da economia”, com enorme poder de distribuição de verba pública a ponto deixar qualquer parlamentar eleito com inveja. Mas, além dessa distorção visível, percebe-se a imprecisão do critério do uso da verba pública.

 

Destaca-se a criação do que veio a ser chamado de Proger – Programa de Geração de Emprego e Renda (Resolução de nº 59 de 25.03.94) – e o Planfor – Plano Nacional de Educação Profissional. Em 2004, foram instituídas as linhas de crédito especiais denominadas Proger Pescador e Proger Piscicultura (Resolução 373 de 2003 do Codefat).

 

Assim, para desviar dinheiro do FAT para o capital, que inicialmente seria destinado ao desempregado, utilizou-se primeiramente a forma genérica do Proger, sob a justificava de encaminhá-lo ao pequeno empreendedor autônomo, às cooperativas e até ao empresário comum. Nos “considerandos” da Resolução que criou o Proger, procurou-se vinculá-lo ao Programa do Combate à Fome e à Miséria, então em voga com o sociólogo Betinho à frente da campanha. Depois passou-se a falar em “pequenos empreendimentos”, “micro e pequenas empresas ou produção associativa”. Mais de 112 bilhões de cruzeiros reais foram liberados para esse novo empreendimento.

 

Em dezembro de 1994, por meio da Resolução nº 73 do Codefat, alocam-se fundos para o Banco do Brasil, o Banco do Nordeste do Brasil e para o FINEP. Neste último, a verba se destinava a “segmentos da indústria e agropecuária” para geração e manutenção de emprego e “renda”. Percebe-se, com clareza, que tais “resoluções” deixam vagos os critérios para a escolha do candidato e dos próprios requisitos que deveriam ser apresentados por esse candidato.

O Banco do Brasil estabeleceu quatro linhas específicas de crédito: Mipemfat (Micro e Pequena Empresa); o Prodemfat (Programa de Desenvolvimento Municipal); o Seinfat (Setor Informal); e o Cooperfat (Cooperativas e Associações de Produção).

 

Mudança de grande significado jurídico/legal na finalidade do seguro-desemprego ocorreria no ano de 2001, quando ela deixou de ficar limitada aos trabalhadores desempregados na busca de novo emprego, para incluir a busca da preservação do emprego (2001). A partir de então ficou bem sacramentado que o seguro-desemprego atingiria não só os desempregados, mas também os próprios trabalhadores ativos. A preservação do emprego era uma finalidade estranha ao desiderato histórico de atingir o desempregado. Pode parecer a mesma coisa, mas individualmente não o é, pois desvia-se os recursos dirigidos ao protegido pela lei. Uma política contra demissões, principalmente as demissões em massa, talvez devesse ter outra regulação, mais específica, como reivindicado diversas vezes pelo movimento sindical.

 

Agora definitivamente os recursos do FAT se voltariam para cursos de qualificação ou complementação de custos com manutenção de empregados em empresas privadas em crise.

 

O inciso II art. 2º da Lei 7.998/90 passou pela seguinte transformação:

 

II - auxiliar os trabalhadores requerentes ao seguro-desemprego na busca de novo emprego, podendo para esse efeito, promover a sua reciclagem profissional (redação original de 1990).

II - auxiliar os trabalhadores na busca de emprego, promovendo, para tanto, ações integradas de orientação, recolocação e qualificação profissional (redação dada pela Lei 8.900/1994).

II - auxiliar os trabalhadores na busca ou preservação do emprego, promovendo, para tanto, ações integradas de orientação, recolocação e qualificação profissional (redação dada pela MP 2.164-41 de 2001, gn).

 

A Medida Provisória nº 2.164-41, de 2001 que promoveu essa significativa mudança no seguro-desemprego, veio a alterar a CLT para criar o contrato  de trabalho suspenso (art. 476-A), de dois a cinco meses, conforme norma coletiva. Durante a suspensão do contrato (de dois a cinco meses), a Lei 7.998/90 também foi alterada para possibilitar de bolsa de qualificação profissional, a ser custeada pelo Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT.

 

A criação do contrato de trabalho suspenso foi uma das últimas medidas de flexibilização trabalhista promovida pelo governo FHC, e não deixou de ser criticado como uma forma de maquiar os altos índices de desemprego. Essa inciativa será mais tarde já no governo Dilma ampliada com o Pronatec.

 

Mas antes de retomarmos a este tema educacional, devemos destacar uma outra mudança, talvez ainda mais importante, que foi a destinação do FAT para a construção de casa própria, chegando mesmo a exercer uma função que seria própria do FGTS.

 

Ainda no ano de 2001, por meio de outra alteração de lei, foi permitido que parte dos recursos do FAT seria “destinados à expansão do nível de emprego no País”, (Lei 10.199/2001, que alterou o § 7º do art. 9º da Lei 8.019/90)[14]. Essa norma não trata especificamente sobre seguro-desemprego, mas o FAT era a fonte de recurso dele. O FAT foi cada vez mais caminhando para a sua vertente de desenvolvimento econômico, previsto na lei que o  criou (art. 10 da Lei 7.998/90), em detrimento das duas outras vertentes: seguro-desemprego e abono.

 

Com o crescimento do capital do FAT, não houve ampliação do benefício direto ao desempregado, mas sim sua utilização para outras finalidades de investimento, como o imobiliário, chegando a cobrir a tarefa do próprio FGTS. Esse novo “desvio” não veio sequer diretamente por meio do legislador, mas sim por meio dos administradores, ou seja, por meio de resolução administrativa do Codefat, o que não deixa de ser questionável[15].

 

Em 2011 foi criado o Pronatec (Lei 12.513) que seria divulgado intensamente na segunda campanha eleitoral de Dilma para Presidência da República. A Lei 7.998 passou a ter a seguinte alteração:

 

Art. 10. É instituído o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), vinculado ao Ministério do Trabalho, destinado ao custeio do Programa de Seguro-Desemprego, ao pagamento do abono salarial e ao financiamento de programas de desenvolvimento econômico (redação original).

 

Art. 10. É instituído o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), vinculado ao Ministério do Trabalho e Emprego, destinado ao custeio do Programa de Seguro-Desemprego, ao pagamento do abono salarial e ao financiamento de programas de educação profissional e tecnológica e de desenvolvimento econômico (redação da Lei 12.513/2011 do Pronatec).

 

O FAT passa a ser um financiador, o que seria típico de uma instituição financeira ou bancária, mas não um fundo destinado ao seguro-desemprego.

 

 

4. O SEGURO-DESEMPREGO NA CRISE A PARTIR DE 2015

 

A atual crise intensificada a partir de 2015 é calcada em graves problemas políticos e econômicos. A presidente Dilma foi reeleita a partir de surpreendente arrancada no final da campanha do primeiro turno, e vencedora no segundo turno por pequena margem de diferença. Poucos meses após o início de seu segundo mandato, veio à tona grandes manifestações de ruas contra seu governo, somado à crise de corrupção na Petrobrás da qual fora presidente de seu conselho de administração antes de ser presidente. A economia já no ano de 2015 deu forte sinal de aumento de inflação, desemprego e queda do índice de produtividade. No âmbito legislativo, o governo não elegeu seu candidato à presidência da Câmara, sendo eleito um “aliado opositor” (José Eduardo Cunha), de baixa popularidade mas disposto a chamar a atenção. Enfim, não cabe aqui fazer uma análise conjuntural, mas sim expor o novo drama em que enfrentam os trabalhadores com o desemprego e a proposta do governo.

 

Com o nome “ajuste fiscal” o governo expediu duas medidas provisórias (664 e 665) no último dia do ano de 2014, com o escopo de reduzir gastos.  O Portal do Ministério do Trabalho e Emprego[16], sob o título Dilma sanciona mudanças no Seguro-Desemprego e Abono Salarial - Novas regras têm como objetivo preservar o direito dos trabalhadores aos benefícios constitucionais, ao garantir o equilíbrio do FAT, assim expõe a pretensão do pacote:

 

“Com a mudança, o governo espera uma redução de R$ 6.4 bilhões nos gastos com o pagamento dos benefícios, reduzindo também a quantidade de beneficiários. Em 2014 foram 8.5 milhões de trabalhadores que pediram o benefício. Com as novas regras, a expectativa é que essa redução alcance 1.6 milhões de trabalhadores, ou seja, 19,08% do total. Com isso, a expectativa é que os gastos com o benefício alcancem   R$ 26.8 bilhões este ano.

Para o ministro Manoel Dias, a mudança teve como objetivo preservar o direito dos trabalhadores aos benefícios constitucionais, ao garantir o equilíbrio das receitas e despesas do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).

As mudanças têm como objetivo principal preservar o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), que paga os benefícios, e não prejudicar aqueles que eventualmente buscam os recursos quando da dispensa sem justa causa, afirmou o ministro”.

 

Embora com o nome de “fiscal”, na verdade o ajuste ataca diretamente  a Previdência Social (MP 664), e o seguro-desemprego e abono (MP 665).  As duas normas foram expedidas em 30 de dezembro de 1994. A primeira MP foi convertida na Lei 13.135 de 17 de junho de 2015, e a MP 665 convertida na Lei 13.134 de 16 de junho de 2015.

 

Essa reforma, com grandes consequências à população, se apresentou como de fato era, uma mudança para fazer caixa. Pretendia o governo economizar o total 18 bilhões de reais, como divulgado amplamente pelos meios de comunicação a partir de declarações dos ministros.

 

Como se vê, não existe nenhuma reforma no sentido de modernização, de mudança teórica ou filosófica, apenas corte orçamentário por meio de redução de benefícios.

 

Ressalto, porém, que, pelo menos no caso dos pescadores foi transferido ao INSS o encargo de receber e processar os requerimentos e, ainda, habilitar os beneficiários (nova redação do art. 2º da Lei 10.779/2003, dada pela Lei 13.134/15), retirando a atribuição do Ministério do Trabalho e Emprego. Essa medida, de certa forma, alinha um pouco o benefício com o sistema previdenciário, embora apenas de forma administrativa.

 

Porém, as atenções maiores estiveram voltadas para o acesso ao benefício. A MP 665 tratou de criar um escalonamento de três níveis de solicitação: a primeira, a segunda e as demais. Neste “demais” fica mantida a antiga regra de exigência de ter o desempregado dispensado trabalhado nos “seis meses imediatamente anteriores à data de dispensa”. Porém, ao requerer o primeiro seguro-desemprego o desempregado terá que “ter trabalhado 12 meses nos últimos 18 meses imediatamente anterior à dispensa” (redação final da Lei, sendo que a MP estabelecia 18 meses nos últimos 24 meses anteriores à data da dispensa). Para requerer o segundo benefício o desempregado terá que ter trabalhado 9 meses nos últimos 12 meses imediatamente anteriores à data da dispensa (redação final da Lei, sendo que a MP estabelecia pelo menos 12 meses nos últimos 16 meses imediatamente anteriores à dispensa).

 

Ou seja, a medida restringia o acesso ao seguro-desemprego aos mais jovens, ou pelo menos aos que ficam desempregados pela primeira ou segunda vez.

 

O Congresso manteve o escalonamento, porém tornou menos exigente os critérios para percepção do primeiro e do segundo requerimento do seguro-desemprego. Não tendo a Lei 13.134 efeito retroativo, passando a vigorar a partir de sua publicação (16.07.2015), muitos demitidos durante  a vigência da MP 665 de 30.12.2014 não chegaram a receber o seguro- desemprego em função da maior exigência deste, e o governo pelo menos chegou a economizar como queria durante seis meses e meio.

 

A MP 665, assim como a Lei 13.134, revogou o inciso II do art. 3º da Lei 7.998/90, que era uma segunda exigência para aquisição do seguro- desemprego: “ ter sido empregado de pessoa jurídica ou pessoa física a ela equiparada ou ter exercido atividade legalmente reconhecida como autônoma, durante pelo menos 15 (quinze) meses nos últimos 24 (vinte e quatro) meses”. Essa regra, por certo período da década de 1990 havia sido dispensada, porém voltara a vigorar[17].

 

Enquanto o art. 3º da Lei 7.998/90 trata das condições de acesso ao benefício, o art. 4º trata da periodicidade e o art. 5º do seu valor.

 

O benefício era fornecido por quatro meses, de forma contínua ou alternada, a cada período de no mínimo 16 meses contados da dispensa que deu origem ao benefício anterior. A Lei 8.900 de 1994 mudara a concessão, de três a cinco parcelas, conforme tempo de emprego, e também permitiu a extensão por mais dois meses a critério do Codefat. Também permitiu a ampliação do benefício a critério do Codefat para grupos específicos de segurados e de acordo com o limite mínimo de reserva líquida do FAT. Essa lei de 1994 foi revogada em 2015 pela MP 665 e pela Lei 13.135, porém foi mantida regra semelhante no § 5º da Lei de 2015, com maior detalhamento.

 

Pela nova Lei de 2015, o benefício continua a ser de três a cinco meses, de forma contínua ou alternada, conforme regras a serem definidas pelo Codefat. A Lei ainda estabelece uma tabela de quantidade de parcelas em função da primeira, segunda ou demais solicitações. Remeto o leitor para análise do art. 4º da Lei, já que citar todos os casos nesta oportunidade seria demasiadamente cansativo.

 

Quanto ao valor do benefício, tratado no art. 5º da Lei 7.998/90, não houve alteração, sendo mantido o valor mínimo de um salário mínimo, podendo  ser maior conforme critérios dos últimos salários recebidos pelo empregado. Na realidade, não há muita explicação para esse escalonamento, pois não se trata de auxílio doença ou outro benefício previdenciário em que o segurado contribui mês a mês. Parece-me que a intenção do legislador foi a de não prejudicar muito quem ganha mais e não incentivar quem ganha menos a receber o benefício.

 

A crise econômica, mesmo com a aprovação quase que total das duas Medidas Provisórias, continua a pressionar o governo. O Codefat adiou para o ano de 2016 o pagamento de parte dos benefícios do abono salarial, para os que fazem aniversário de janeiro a junho, quando o pagamento foi prorrogado para 2016. Segundo informação do Jornal Nacional, a mudança foi feita  a pedido do Ministério da Fazenda. Com isso, o governo adia um gasto de  R$ 8 bilhões para outro ano[18]. A Defensoria Pública União ajuizou ação contra a União Federal para prevalecer o pagamento então estabelecido.

 

Antes que a poeira assentasse com as novas leis, surgiram novidades. Pressionada pela crise econômica, o governo Dilma expediu nova Medida Provisória nº 680 em 6 de julho de 2015[19], instituindo o Programa de Proteção ao Emprego – PPE.

 

O referido programa, incialmente, não possui muita novidade, apenas ratifica o que já é possível de ser feito por meio de negociação coletiva: reduzir jornada e salário. A “novidade” é que o FAT entra com seus recursos para complementar o salário reduzido do trabalhador, por meio de uma compensação pecuniária:

 

Art. 4º Os empregados que tiverem seu salário reduzido, nos termos do art. 3º, farão jus a uma compensação pecuniária equivalente a cinquenta por cento do valor da redução salarial e limitada a 65% (sessenta e cinco por cento) do valor máximo da parcela do seguro-desemprego, enquanto perdurar o período de redução temporária da jornada de trabalho.

§ 1º Ato do Poder Executivo federal disporá sobre a forma de pagamento da compensação pecuniária de que trata o caput, que será custeada pelo Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT.

 

Independentemente do mérito dessa medida, há uma evidente contradição de política governamental. Se o seguro-desemprego e o abono foram sacrificados com as últimas medidas legais e administrativas, sob o argumento de fazer economia, como justificar que o FAT tem recursos para conceder um novo benefício? Seria uma espécie de transferência de recursos? Neste caso, não seria melhor ter logo tratado de todo assunto ao mesmo tempo? Por que só depois de ser aprovada a economia do FAT é que se propõe gastar mais?

 

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Por meio de fundos, o Estado brasileiro vem interferindo na economia, regulando o mercado de trabalho, chegando mesmo a responder à demanda do neocorporativismo, com a participação em conselhos e comissões de tríplice participação (governo, empregados e empregadores). Essa acumulação forçada de capital vem, portanto, agradando todos os tipos de governos.

 

Especificamente o FGTS veio a fortalecer o setor bancário e o imobiliário, por meio de arrecadação econômica sobre os contratos de trabalho, e concessão de financiamentos a logo prazo. Já o FAT, criado para atender ao desempregado, estendeu sua base de beneficiários, expandiu seus recursos para incentivo à educação e à habitação, ao investimento industrial, imobiliário, ao microempresário, socorreu o mercado de trabalho assalariado em busca de mais empregos e sua respectiva manutenção por meio da dinamização daqueles investimentos.; fortaleceu o setor financeiro/bancário, tanto os públicos como os privados.

 

Essa tendência tem aumentado nas últimas décadas, independentemente da conotação ideológica ou política dos governos. Antes mesmo da Era Vargas encontramos algumas sementes desse projeto, que foi utilizado por diversos regimes, sendo que a ditadura militar veio a reformar o Estado e criar efetivamente o primeiro grande fundo (FGTS). Embora outros fundos tenham sido criados, o segundo mais importante foi o FAT, criado em plena era neoliberal.

 

O seguro-desemprego não surgiu dentro do regime previdenciário, como era esperado, mas em função de um acúmulo próprio de capital. O Estado brasileiro não vem sendo direcionado no sentido de criar direitos de cidadania típicos, mas sim de procurar os enfrentar os problemas sociais com investimentos econômicos. Até a década de 1980 esse caminho produtivista era quase que único para o enfrentamento da questão social. O seguro- desemprego e o abono surgiram um pouco dessa trajetória puramente produtivista, para dar uma pincelada de direito social no Estado brasileiro.

 

O Brasil não seguiu a trajetória dos Estados sociais, pois não concedia direitos ao cidadão se ele não fosse trabalhador, ou mais especificamente ser contratado aos moldes da CLT. Só a partir das décadas de 1990/2000 é que começaram a surgir bolsas e benefícios para necessitados, embora ainda bem restritivos.

 

A consequência direta é que qualquer crise econômica do país, como a que vivemos a partir de 2015, implica imediatamente no encolhimento dos benefícios sociais. A crise econômica gera uma imediata crise social, sem que se tenha uma poupança social que perdure durante aquela, ou pelo menos durante um tempo razoável. Se o investimento resolve o desemprego, por outro lado as crises econômicas tornam este um problema muito maior.

 


[1] Decreto Legislativo nº 4.682, de 24 de janeiro de 1923.

 

[2] O Decreto 5.109, de 20 de dezembro de 1926, estabelecia em seu art.13: “Ouvido o Conselho Nacional do Trabalho, as caixas poderão adquirir ou construir prédio ou prédios, para sua sede, farmácia, ou serviço ambulatório, ou pronto socorro, uma vez que os fundos permitam”.

 

[3] Para tentar atenuar a crise de 1929, Vargas logo que chegou ao poder, comprou café com recursos do Banco do Brasil e depois o queimou para valorizá-lo no mercado. Um péssimo investimento, se é que pode ser chamado assim.

 

[4] CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil – O Longo Caminho. 6. ed., Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004.

 

[5] MARSHALL, T. H. Cidadania, Classe Social e Status. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editores, 1967.

 

[6] Para ele todos deveriam receber uma renda mínima paga pelo Estado. Ou seja, o direito social na acepção utilizada por Marshall é aquele em que o Estado concebe um benefício a algum necessitado simplesmente pelo simples por ele ser cidadão, e não apenas para aqueles que de alguma forma contribui financeiramente. A Previdência Social sob o sistema securitário só garante benefícios aos seus contribuintes, ou seja, que tenham trabalhado. No Brasil, só após à Constituição de 1988, é que vão surgindo alguns direitos sociais “puros”. Destaco os benefícios de prestações continuadas de um salário mínimo à pessoa portadora de deficiência e ao idoso com 70 anos ou mais, que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família (art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social – Loas, Lei nº 8.742 de 7 de dezembro de 1993); o Programa Nacional de Renda Mínima vinculado à educação – “Bolsa Escola”, criado pela Lei nº 10.219 de 11 de abril de 2001; o Programa Nacional de Acesso à Alimentação – PNAA, criado pela Lei nº 10.689, de 13 de junho de 2003; o Programa Nacional de Renda Mínima vinculado à Saúde – “Bolsa Alimentação”, instituído pela Medida Provisória nº 2.206-1, de 6 de setembro de 2001, o Programa Auxílio-Gás, instituído pelo Decreto nº 4.102, de 24 de janeiro de 2002. O governo Lula em 2004 unificou estes programas, criando o “Bolsa Família”, pela Lei nº 19.836 de 9 de janeiro de 2004.

 

[7] Revista A Previdência Social, jul./ago. p. 10.

 

[8] O primeiro esboço de renda mínima garantida, segundo Rosanvallon (A Crise do Estado-Providência, Ed. UnB, 1997, p. 123), ocorreu com o Ato do Parlamento de Speenhamland (1795), que reconheceu o direito de todo homem a um mínimo de subsistência: se só pudesse ganhar uma parte pelo seu trabalho, cabia à sociedade fornecer-lhe o complemento. O seguro-desemprego surgiu na Inglaterra em 1911.

 

[9] BARBOSA, Alexandre de Freitas. O Programa Seguro-Desemprego no Brasil como parte das Políticas de Emprego no Brasil, Cadernos de Pesquisa nº 7, maio 1997, p. 101, faz referência ao estudo de Machado, Danielle C.: "O Impacto do Seguro-Desemprego no Mercado de Trabalho: o Caso Brasileiro", Série Seminários em Estudos Sociais e do Trabalho nº 3/94, IPEA, Rio de Janeiro, 1994.

 

[10] Política de Emprego e Desenvolvimento (FIRJAN), publicado pelo Instituto Euvaldo Lodi, órgão da CNI, 1982.

 

[11] Desemprego: um grave problema ainda não equacionado, p. 107-129, publicação do Instituto Euvaldo Lodi, 1982, “Política de Emprego”.

 

[12] Esse benefício ainda existe legalmente até os dias atuais. A Lei 7.998/90 é que ao criar o seguro-desemprego o fixou em valor não inferior ao salário mínimo (§ 2º do art. 5º).

 

[13] Agora, com a nova redação da pela Lei 13.134/15, que estendeu o tempo de serviço para percepção do primeiro e do segundo pedido de seguro-desemprego, é possível utilizar o período do contrato de experiência para adicioná-lo a outro contrato. É, no entanto, um falso ponto positivo da mudança, pois na verdade aumentou-se a exigência.

 

[14] § 7º do art. 9º da Lei 8.019/90 incluído pela Lei 10.199/2001 – “O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES poderá utilizar recursos dos depósitos especiais referidos no caput deste artigo, para conceder financiamentos aos Estados e às entidades por eles direta ou indiretamente controladas, no âmbito de programas instituídos pelo Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador – Codefat, tendo em vista as competências  que lhe confere o art. 19 da Lei nº 7.998, de 11 de janeiro de 1990, e destinados à expansão  do nível de emprego no País, podendo a União, mediante a apresentação de contra garantias adequadas, prestar garantias parciais a operações da espécie, desde que justificado em exposição de motivos conjunta dos Ministérios do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior e da Fazenda.” (NR)

 

[15] Resolução nº 273 de 21 de novembro de 2001 - Institui o Programa de Geração de Emprego e Renda na Indústria da Construção Civil – FAT-HABITAÇÃO – “Art. 1º Instituir o Programa de Geração de Emprego e Renda na Indústria da Construção Civil – FAT-HABITAÇÃO, destinado  ao financiamento de unidades habitacionais, a ser operado pelas instituições financeiras oficiais federais, com recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT, excedentes da reserva mínima de liquidez, nos termos do Art. 9º da Lei nº 8.019, de 11 de abril de 1990, com a redação dada pelo Art. 1º da Lei nº 8.352, de 28 de dezembro de 1991, alocados em depósitos especiais remunerados”.

 

[16] http://portal.mte.gov.br/imprensa/dilma-sanciona-mudancas-no-sd-e-abono-salarial/palavrachave/ seguro-desemprego-novas-regras.htm.

 

[17] A Lei 8.352/91 (art. 3º) chegou, em caráter excepcional a e por prazo determinado a dispensar a comprovação do critério de habilitação de que tratava o inciso II do art. 3º da Lei 7.998/91: “ter sido empregado de pessoa jurídica ou pessoa física a ela equiparada ou ter exercido atividade legalmente reconhecida como autônoma, durante pelo menos 15 (quinze) meses nos últimos 24 (vinte e quatro) meses;”. Isso para aqueles que foram demitidos entre 1ª de janeiro de 1992 a 30 de junho de 1992. Essa medida de caráter excepcional foi prorrogada diversas outras vezes, por leis específicas.: até 31 dezembro de 1992, sendo limitado aos que ainda não tinham gozado o benefício (L. 8.438/92); até 30 de junho de 1993 (Lei 8.561 de 1992); até 31 de dezembro de 1993 (Lei nº 8.669, de 1993); até 30 de junho de 1994 (Lei 8.845 de 1994).

 

[18] http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2015/07/parte-do-abono-salarial-prevista-para-este-ano-so-sera-paga-em-2016.html.

 

[19] Regulamentação: Decreto nº 8.479, de 6 de julho de 2015; Portaria nº 1.013, de 21 de julho de 2015 - MTE/GM e Resolução nº 2, de 21 de julho de 2015 - MTE/CPPE.

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Maio/2016