BARREIRAS CONSTITUCIONAIS À EROSÃO DOS DIREITOS DOS TRABALHADORES E A REFORMA TRABALHISTA

 

 

 

JOSÉ FELIPE LEDUR

 Ex-Desembargador do Trabalho do TRT da 4ª Região  e Doutor em Direito do Estado

                                                                             

       

 

SUMÁRIO: Introdução – 1. Aspectos gerais da teoria dos direitos fundamentais – 1.1. Considerações acerca da dogmática dos direitos fundamentais – 1.2. Axiologia dos direitos fundamentais. Princípios e objetivos da República orientados à prevalência dos direitos fundamentais – 1.3. Funções múltiplas dos direitos fundamentais dos trabalhadores – 1.4. Restrições e conformação aos direitos fundamentais dos trabalhadores – 1.4.1. Restrições por meio de lei ou por norma coletiva – 1.4.2. Conformação ou configuração – 2. Interpretação e aplicação dos direitos fundamentais dos trabalhadores – 2.1. Princípios gerais de interpretação constitucional – 2.2. Métodos de interpretação – 3. Exame de alterações da Lei nº 13.467/17 (reforma trabalhista) à luz da dogmática dos direitos fundamentais – 3.1. Restrição à atividade interpretativa dos juízes do Trabalho – 3.2. Alterações envolvendo a relação de emprego em si – 3.3. Direito à duração do trabalho normal não superior a 8 diárias e 44h semanais (art. 7º, XIII, da CF) – 3.4. Proteção ao salário na forma da lei – 3.5. Prevalência das normas coletivas sobre a lei – 3.6. Restrições ao exercício do direito de ação – Conclusão – Referências

 

 

 

INTRODUÇÃO

 

O presente texto visa a analisar alterações legislativas introduzidas pela recém-promulgada Lei nº 13.467/17 do ponto de vista de sua conformidade com princípios e valores essenciais da República e especialmente com o sistema especial de direitos fundamentais dos trabalhadores assegurado pela Constituição Federal (CF). A análise exclui do exame as alterações processuais introduzidas pela lei em referência. Também o exame sob o enfoque da supralegalidade das normas internacionais de direitos humanos em matéria relativa ao Direito do Trabalho não é objeto do texto.

 

A título introdutório, desenvolvo o exame de aspectos da teoria dos direitos fundamentais. O propósito é o de fornecer ao intérprete e aplicador do Direito, da forma mais simples possível, suporte jurídico para enfrentar uma série de questões problemáticas trazidas pela lei. Justifica-se esse propósito porque número expressivo de direitos dos trabalhadores tem caráter jusfundamental e porque diversas regras infraconstitucionais conformam direitos fundamentais dos trabalhadores. É sabido que esses direitos integram as designadas cláusulas pétreas do § 4º do art. 60 da CF, não removíveis sequer por emenda. Com maior razão, devem estar a salvo da erosão de seu conteúdo por meio de intervenções legais.

 

Na segunda parte, faço breves considerações acerca dos princípios e métodos de interpretação relativos aos direitos fundamentais e à aplicação do Direito em geral. O tema é de interesse porque importa à interpretação a cargo do juiz do trabalho.

 

Por fim, na terceira parte enfoco dispositivos da Lei nº 13.467/17 que têm o vício de afrontar a CF e os direitos fundamentais. No exame de diversas alterações que a lei em apreço pretende impor ao Direito do Trabalho, trato de possíveis inconstitucionalidades e de violações a direitos fundamentais, bem assim das soluções jurídicas que essas questões podem ensejar.

 

1. ASPECTOS GERAIS DA TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

 

1.1. Considerações acerca da dogmática dos direitos fundamentais

 

De acordo com os professores de Direito Constitucional alemão Bodo Pieroth e Bernhard Schlink, o desenvolvimento histórico faz com que se compreendam os direitos fundamentais, por um lado, como direitos humanos do indivíduo anteriores ao Estado, vale dizer, direitos de liberdade e igualdade que legitimam e condicionam o surgimento do Estado, ao tempo que obrigam e limitam o exercício do poder estatal; acrescentam que na evolução alemã também há direitos fundamentais atribuídos ao indivíduo na condição de membro do Estado e por este garantidos.[1]

 

Dentre os direitos fundamentais dos trabalhadores reconhecidos pela CF brasileira, direitos de liberdade como os relativos à personalidade, à duração do trabalho normal, à organização sindical e à greve (arts. 5º, 7º, 8º e 9º) são próprios da primeira classificação, e aqueles atribuidores de prestações materiais e normativas asseguradas no art. 7º da CF são direitos fundamentais que o Estado, por meio do poder constituinte, reconheceu aos trabalhadores como membros da comunidade estatal. Em realidade, trate-se de direitos com anterioridade em face do Estado ou de direitos que ele garante ao indivíduo na condição de seu membro, os direitos fundamentais obrigam o Estado. Em comparação com outros direitos subjetivos, eles se distinguem pela sua categorização constitucional. E exigem justificação dos órgãos do Estado, diante dos quais têm precedência.[2]

 

Em seu sentido clássico, que se reconduz ao Estado de Direito liberal, os direitos fundamentais traduzem espaços vitais (de liberdade) infensos a intervenções estatais arbitrárias. Sob a perspectiva social de Estado de Direito do pós-guerra do século passado, a dimensão negativa dos direitos fundamentais, de defesa ante o Estado, evoluiu para incorporar dimensão positiva que exigiu a proteção estatal de esferas jurídico-materiais da pessoa, inclusive em face de corporações econômicas ou sociais de poder.[3] O Estado de Direito social é uma opção não só da Lei Fundamental alemã, mas também das constituições de Portugal e de Espanha, as quais inclusive garantem direitos fundamentais dos trabalhadores. Nossa Constituição mantém sintonia com essa evolução ao garantir tanto a promoção, pelo Estado, da defesa do consumidor (art. 5º, XXXII) quanto a afirmação de direitos fundamentais sociais em geral e dos trabalhadores em particular (art. 7º ao art. 11).

 

Os direitos fundamentais não se destinam, exclusivamente, a assegurar posições subjetivas em face do poder do Estado – característica dos direitos fundamentais clássicos das constituições liberais. Há no reconhecimento de muitos dos direitos fundamentais do art. 7º ao 11 da CF clara influência da doutrina germânica da Drittwirkung (eficácia em face de terceiros ou particulares),[4] na medida em que têm como destinatários (obrigados) os empregadores ou tomadores do trabalho. Significa dizer que os direitos fundamentais dos trabalhadores obrigam, de forma primária, o Estado, devedor de prestações materiais ou normativas (v. g., aposentadoria, normas de saúde, higiene e segurança), e o empregador ou tomador do trabalho, devedores de prestações materiais, em retribuição à prestação de trabalho. De forma secundária, sobrevêm os deveres de proteção dos poderes estatais. Do Poder Judiciário, se lhe for dirigida ação judicial voltada à reparação de lesão ou ameaça a direito.

 

Mas o exercício dos direitos fundamentais por vários titulares pode conduzir à colisão entre eles ou com outros valores ou bens constitucionais, diante do que a intervenção estatal dirigida a restringir esse exercício é admissível, mediante a devida justificação, como será aprofundado no item 1.4.1. A restrição, bem entendido, destina-se a assegurar o exercício dos direitos fundamentais por todos os titulares em hipóteses nas quais de fato colisões ocorram, e não a impedir ou suprimir o seu uso.

 

Os direitos de liberdade em geral têm âmbito de proteção vital com anterioridade em face das prescrições jurídicas. Entretanto, há direitos fundamentais que têm âmbitos de proteção total ou parcialmente “normativos”, ou seja, carentes de conformação ou configuração por meio de regras constitucionais ou infraconstitucionais que abram ao titular condutas que proporcionem o uso eficaz do Direito. Isso ocorre especialmente no caso de direitos fundamentais asseguradores de prestações materiais ou normativas pelo Estado. Nesse caso, o legislador vinculado à CF e aos direitos fundamentais está obrigado a dar conformação ou configuração a esses direitos, de modo a possibilitar seu exercício, seu uso eficaz. São exemplos as conformações infraconstitucionais conferidas a direitos fundamentais clássicos como os relativos à proteção da personalidade previstos no art. 5º, V e X, bem como ao direito de propriedade e ao de suceder do art. 5º, XXII e XXX, e ao direito à assistência jurídica integral do art. 5º, LXXIV, todos da CF. E quanto aos direitos fundamentais sociais, considerem-se a saúde (art. 6º) e o sistema único de saúde (SUS) do art. 200 da CF, bem assim, v.g., direitos fundamentais dos trabalhadores como a relação de emprego, o seguro-desemprego, o FGTS, o salário mínimo, a duração do trabalho, a redução dos riscos inerentes ao trabalho por meio de normas de saúde, higiene e segurança e a aposentadoria, consoante os incisos I, II, III, IV, XIII, XXII e XXIV do art. 7º da CF. Esses direitos requerem conformação infraconstitucional que assegure seu exercício ou uso eficaz pelos titulares.

 

Tanto na atividade dirigida a restringir o exercício de direitos fundamentais quanto naquela em que o legislador tem o dever de dar conformação a direitos fundamentais com âmbitos de proteção normativos, os três poderes da República estão vinculados às linhas dirigentes que emanam da CF e dos direitos fundamentais. Se violados por meio da ação ou omissão dos poderes estatais, por particulares ou por intermédio das corporações de poder econômico e social, cabe ao titular desses direitos requerer a reparação em face do Poder Judiciário.

 

O estatuto jurídico que a CF atribui aos direitos fundamentais dos trabalhadores os integra aos direitos fundamentais em geral, porque essenciais ao desenvolvimento e à consolidação da personalidade (art. 1º, III) em sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I). Dada a categorização que direitos dos trabalhadores obtiveram na CF, a ordem jurídica assegura a quem mantém relação de trabalho subordinado ou não proteção a direitos fundamentais como os inerentes à personalidade; ademais, esse direito tem precedência diante de poderes que o empregador ou tomador do trabalho exerce na relação de emprego ou de trabalho. Em segundo lugar, os direitos fundamentais garantidos pelo art. 7º ao art. 11 da CF são concreções de princípios como a dignidade da pessoa, a liberdade e a igualdade, os quais buscam a promoção da igualdade material (art. 3º, III, da CF), também designada por “liberdade real”, que os direitos fundamentais clássicos não asseguraram ao não proprietário. Retomando-se o que já se escreveu acima, sob o constitucionalismo do pós-guerra ações passaram a ser exigidas do Estado no sentido de promover a dignidade da pessoa, superada a visão liberal e individualista da dignidade que a restringia à defesa diante de intervenções estatais.

 

É certo que esse sentido integrador e a unidade dos direitos fundamentais sociais (incluídos os dos trabalhadores) e dos direitos fundamentais clássicos vincula a ação dos poderes estatais. Mas não é só isso. A integração e a unidade desses direitos também dependem da ação prática de indivíduos dispostos a fazê-los valer nas relações interindividuais e nas relações com o poder, seja ele estatal, seja ele socioeconômico. Assim, a dimensão de defesa dos direitos fundamentais em face do Estado é relevante para as liberdades em geral, vale dizer, o direito à opinião, à livre manifestação e à associação. Ao mesmo tempo, o indivíduo pode levar a sério seus direitos de cidadão e pôr a sua liberdade a serviço do Estado por meio da participação (não só nas eleições, mas também por meio de outras formas de exercício da cidadania), e contribuir para a promoção dos direitos de igualdade. E aos trabalhadores é garantido o exercício da autonomia coletiva dirigida à formulação de cláusulas normativas válidas nas relações de trabalho.

 

1.2. Axiologia dos direitos fundamentais. Princípios e objetivos da República orientados à prevalência dos direitos fundamentais

 

Os direitos fundamentais concretizam princípios e valores reputados essenciais pela CF. Eles são expressão de Estado Democrático de Direito cujo propósito é assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais (Preâmbulo); são concreções de princípios fundantes da República, como a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (art. 1º); e mantêm correspondência com objetivos fundamentais da República, como a construção de sociedade livre, justa e solidária, empenhada em erradicar a pobreza e a marginalização, bem como em reduzir as desigualdades sociais e remover toda sorte de preconceitos (art. 3º).

 

A relação sistemática de princípios, valores, objetivos e direitos fundamentais determina que o manancial normativo antes reportado seja determinante para a interpretação dos direitos fundamentais em geral e dos direitos dos trabalhadores em particular. Ainda que seja controverso o caráter normativo do preâmbulo de uma Constituição, as palavras ali postas não são inúteis. O conteúdo que se retira da fórmula adotada pelos constituintes é o de que o Estado de Direito que procuraram instituir exige medidas dirigidas a garantir o exercício dos direitos sociais e individuais por todos.

 

No que diz respeito à dignidade da pessoa humana, é comum que textos jurídicos a invoquem sem explicitar devidamente o seu conteúdo. É necessário que a ciência jurídica, como também o intérprete e aplicador do Direito, deem densidade ao princípio, mediante a consideração de elementos que estão em sua base e que lhe conferem conteúdo, tais como a intangibilidade, a inviolabilidade e a inalienabilidade. Conforme destaquei em outro momento,[5] intangível é o que não se pode tocar, ou o que é infenso à manipulação; a inviolabilidade revela-se naquilo que é íntegro, não sujeito à ruptura ou à deformação; e a inalienabilidade tem a ver com aquilo que tem valor não redutível a um preço. É o caso concreto que exigirá a explicitação das circunstâncias caracterizadoras de indignidade oposta ao princípio que fundamenta a República e constitui o núcleo dos direitos fundamentais.

 

Quanto ao princípio do valor social do trabalho, reiteradas vezes invocado para fundamentar decisões, a explicitação do seu conteúdo é essencial para evidenciar situações com ele contrastantes. É tarefa do intérprete e aplicador do direito dar densidade ao princípio, mediante a identificação de situações que permitam revelar o sentido da norma, do seu conteúdo. Assim, um trabalho com valor social é aquele prestado livremente (recusa à escravidão) e que permita o livre desenvolvimento da personalidade, direito fundamental que se projeta no livre exercício de um trabalho ou de uma profissão (art. 5º, XIII, da CF). Terá valor social o trabalho que for prestado em favor ou por conta de terceiro mediante adequada remuneração, sem discriminações quanto a origem, raça, cor, sexo, idade e quaisquer formas de discriminação (art. 3°); com a proteção do salário garantida no art. 7º, X; e o que for prestado em condições que preservem a saúde, a higiene e a segurança do trabalhador (art. 7º, XXII). O princípio estará atendido se a atividade econômica assegurar a todos existência digna e justiça social (art. 170 da CF). Finalmente, a cláusula inserida no art. 193 da CF (A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais) define a força normativa do princípio em exame.

  

E no que se revela o valor social da livre iniciativa? Assim como ocorre com o trabalho, também à livre iniciativa a CF confere o atributo de valor social. Diversamente do que sustentam prosélitos do liberalismo econômico, a liberdade de que trata a CF não expressa uma liberdade natural, a liberdade do mais forte.[6] Como valor social, a explicitação do conteúdo jurídico do princípio da livre iniciativa obtém configuração ou conformação no Capítulo I (Dos princípios gerais da atividade econômica) do Título VII da CF (Da Ordem Econômica e Financeira) e em regras infraconstitucionais. Vale dizer, terá valor social o desenvolvimento livre de atividade econômica (e em consequência, o livre desenvolvimento da personalidade) que assegure existência digna segundo os ditames da justiça social (art. 170, caput); mediante a observância da função social da propriedade (art. 170, III); por meio da defesa do meio ambiente (art. 170, VI), inclusive o do trabalho (art. 200, VIII); mediante a livre concorrência e regras legais que reprimam o abuso do poder econômico voltado à dominação dos mercados (cartéis, monopólios), à eliminação da livre concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros (art. 170, IV e 173, § 4°, e Lei nº 8.884/94); por meio da redução das desigualdades regionais e sociais, bem como do pleno emprego (art. 173, VII e VIII); mediante o tratamento favorecido de empresas de pequeno porte constituídas segundo as leis brasileiras e com sede no país (art. 170, IX, e Lei Complementar n. 123/06).

 

Condutas de agentes econômicos ou leis que não atendam integralmente ao conteúdo dos princípios e subprincípios da atividade econômica importam violação ao valor social da livre iniciativa, e por isso passíveis, respectivamente, de sanções jurídicas e de atividade interpretativa que promova interpretação das leis conforme aos direitos fundamentais ou mesmo a declaração de sua inconstitucionalidade.

 

Finalmente, os princípios e subprincípios vinculados ao valor social do trabalho e ao valor social da livre iniciativa evidenciam a opção constitucional pelo princípio ou cláusula do Estado Social, o qual não é mero objeto da Teoria do Estado, mas orienta a criação e a implementação de regras de direito social, bem como influencia a interpretação e a aplicação dos direitos fundamentais. E como estabelece a melhor doutrina, ele assegura direito subjetivo voltado à garantia do mínimo existencial.

 

1.3. Funções múltiplas dos direitos fundamentais dos trabalhadores

 

Na dogmática constitucional, são conhecidas as funções jurídico-subjetivas e jurídico-objetivas que a doutrina reconhece nos direitos fundamentais. Essa perspectiva subjetiva e objetiva, também adotada no Brasil, conforme referi no item 1.1., supra, procura evidenciar o que os direitos fundamentais proporcionam ao seu titular. Do ponto de vista subjetivo, a preservação de espaços de liberdade e da propriedade infensos à intervenção estatal classicamente é reportada à função de defesa dos direitos fundamentais. Algumas prestações e medidas antidiscriminatórias exigidas do Estado também remetem às funções jurídico-subjetivas dos direitos fundamentais. Por exemplo, o direito de ação e a correspondente estrutura judiciária identificam-se com a função de prestação clássica dos direitos fundamentais no Estado de Direito. No constitucionalismo do pós-guerra, a dimensão subjetiva dos direitos fundamentais continuou preponderante, mas o desenvolvimento jurídico-constitucional passou a incorporar dimensão objetiva aos direitos fundamentais. Direitos fundamentais passam a ser também expressão de uma ordem jurídico-objetiva determinada por valores e princípios jurídicos que obrigam os exercentes das funções estatais. Além disso, os direitos fundamentais também passam a ser compreendidos como portadores de eficácia que se irradia sobre o ordenamento jurídico em geral.[7]

 

Mas não é só isso. Ciente de que a liberdade dos indivíduos era posta em risco, não tanto pela ação ou omissão do Estado, mas pela intervenção de corporações privadas com poder econômico e social, o Direito Constitucional evoluiu no sentido de reconhecer direitos de proteção aos indivíduos fragilizados, ao mesmo tempo em que impunha deveres de proteção ao Estado.

 

Dado o objeto deste texto, o exame da multiplicidade das funções dos direitos fundamentais será limitado àqueles de titularidade dos trabalhadores. Assim, uma vez concretizado o direito ao trabalho mediante relação de emprego ou de trabalho, emerge o direito público subjetivo que o titular dos direitos do trabalho tem frente ao Estado, e que lhe permite o exercício de ação em juízo. O direito de ação assegurado tanto no art. 5º quanto no art. 7º da CF é um dos pilares do Estado de Direito. Ao direito de ação trabalhista assegurado nesta última regra jusfundamental vem adstrita restrição que prevê a prescrição quanto a créditos. Restrições outras em princípio não encontram justificação, como adiante será visto.

 

Ainda sob a perspectiva jurídico-subjetiva, há direitos fundamentais no rol do art. 7º da CF que, de modo mediato, dão origem a prestações materiais previdenciárias a cargo do Estado (ex.: incisos XVIII, XIX e XXIV) ou mesmo a prestações normativas também a cargo do Estado (ex.: incisos XX e XXII – proteção do mercado de trabalho da mulher e normas de saúde, higiene e segurança). O direito à prestação por excelência dos trabalhadores é o salário em sentido estrito e outras parcelas que compõem a remuneração em que o obrigado imediato não é o Estado, e sim o empregador ou tomador dos serviços. Se estes não cumprem o dever de fornecer as prestações devidas, abre-se ao titular do direito a possibilidade de exigi-las em juízo.

 

A não discriminação é função subjetiva também presente nos direitos fundamentais do art. 7º, com destaque às proibições inseridas nos incisos I, XXX e XXXI (vedação de dispensa arbitrária, de diferenças de salários, funções e de critérios de admissão por razões ligadas à condição pessoal, mostrando-se relevante, a propósito, a Lei nº 9.029/95). A função em apreço é decisiva para o alcance do objetivo consistente na redução das desigualdades sociais (art. 3º da CF).

 

Já sob a perspectiva jurídico-objetiva, a dogmática constitucional moderna reconhece na proteção a função primordial dos direitos fundamentais. A insuficiência da função clássica de defesa revelou-se na medida em que os direitos fundamentais de liberdade, de igualdade ou não discriminação remanescem expostos a riscos que não se originam exclusivamente do poder do Estado. A afirmação do poder econômico e social privado, seja por intermédio de corporações, grupos econômicos ou associações de interesse, impõe riscos ao desenvolvimento com liberdade e igualdade de condições que a teleologia do sistema de direitos fundamentais visa a assegurar aos indivíduos.

 

A proteção dirigida a reparar a desigualdade material entre o empregado e o empregador consolidou-se como princípio jurídico no qual se assentam outros subprincípios e institutos do Direito do Trabalho. No Brasil, a afirmação desse ramo do Direito iniciou-se nos anos 20 do século XX e, nos países europeus que enfrentaram a “questão social”, ainda no final do século XIX.

 

No pós-guerra, sob a Lei Fundamental de 1949, o Estado de Direito evoluiu na Alemanha de dimensão marcadamente formal para dimensão material, na qual adquiriu relevo a proteção dirigida aos indivíduos fragilizados em sua concreta situação social, na sua relação com o Estado e sobretudo em face de corporações, grupos econômicos ou associações de interesse que enfeixam poder econômico e social. Nossa Constituição de 1988 abriu caminho semelhante após a ditadura militar, ao afirmar princípios, valores e regras jurídicas dirigidos a instituir Estado Democrático de Direito que, em síntese, assegure o exercício dos direitos sociais e individuais por todos. No âmbito do Direito do Trabalho, cujo núcleo transitou da lei (CLT) para a CF em vista do abrangente rol de direitos fundamentais dos trabalhadores, a proteção atualmente encontra fundamento constitucional.

 

A função jurídico-objetiva em apreço ostenta significado especial como proteção em face de riscos oriundos de organização econômica e social cada vez mais dependente da técnica e da competição, por isso mesmo causando agravos e doenças de variada tipologia aos indivíduos em geral e aos trabalhadores em particular. Também por isso, à função de proteção reserva-se lugar essencial na dogmática mais atualizada dos direitos fundamentais.

 

A irradiação de eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas decorre do fato de a Constituição ter assumido centralidade nos sistemas jurídicos contemporâneos. Nesse sentido, os direitos fundamentais incidem em domínios nos quais classicamente não se cogitava pudessem incidir, de sorte que passam a ser referência para a interpretação e aplicação das regras do ordenamento infraconstitucional. Como tal, exercem função jurídico-objetiva que transcende a ideia de que direitos fundamentais correspondem exclusivamente a direito subjetivo.

 

De par com a titularidade que os direitos fundamentais ensejam nas relações de emprego e de trabalho, em seu conjunto também irradiam eficácia no ordenamento infraconstitucional em geral, valendo como diretriz interpretativa para o aplicador do Direito confrontado com relações marcadas pela assimetria. Essa irradiação também envolve normas coletivas e contratos.

 

A eficácia irradiante mantém relação estreita com a função de proteção, na medida em que também está voltada a proporcionar liberdade e igualdade ao indivíduo vulnerável frente a forças econômicas e sociais que exercem poder. O legislador tem legitimidade para conformar relações sociais de forma assimétrica nos limites da Constituição, contanto que isso não implique privilégios nem resulte em cidadãos sem defesa ou ajuda. Mas se isso suceder, caberá à jurisprudência desenvolver o efeito protetor característico dos direitos fundamentais na sua eficácia em face de terceiros.[8]

 

Há um terceiro elemento jurídico-objetivo dos direitos fundamentais – a interpretação conforme aos direitos fundamentais – que vem a ser um subcaso ou espécie de interpretação conforme à Constituição. O tema insere-se na temática do controle da constitucionalidade. Quando se trata de interpretação conforme, a legislação infraconstitucional não é declarada inconstitucional. Se o texto da prescrição jurídica sob interpretação contém “mais de uma norma”,[9] a qual pode conduzir a resultados ambivalentes, até em parte contrários à Constituição ou aos direitos fundamentais, deve o juiz ou o tribunal se decidir pela interpretação que melhor expresse os direitos fundamentais. A doutrina constitucional costuma referir essa possibilidade em hipóteses nas quais estejam presentes cláusulas gerais (por exemplo, a boa-fé, os bons costumes) ou conceitos jurídicos indeterminados (por exemplo, a proporcionalidade, a justiça social). Entretanto, em situações outras nas quais não se trate dessas cláusulas ou conceitos indeterminados a interpretação conforme não resta excluída.

 

A interpretação conforme aos direitos fundamentais não permite que a determinação prescrita no texto sob interpretação possa ser transposta. Ou seja, quando a diretiva expressa nos direitos fundamentais pede uma nova determinação do preceito infraconstitucional sob interpretação, para que com eles possa ser afirmada sua conformidade, não será mais hipótese de interpretação conforme, mas de inconstitucionalidade da prescrição jurídica infraconstitucional. Na hipótese, a solução do caso exigirá a prévia declaração de inconstitucionalidade.

 

Em resumo, os direitos fundamentais dos trabalhadores do art. 7º da CF são ao mesmo tempo concretizações dos princípios constitucionais da dignidade, da liberdade e da igualdade, formando base jurídico-subjetiva e jurídico-objetiva dos direitos oriundos do trabalho, sejam eles de categoria fundamental, sejam de categoria infraconstitucional. Neles se identificam tanto direitos com funções subjetivas (defesa, prestacional e não discriminação) como com funções objetivas (proteção, irradiação de eficácia sobre o ordenamento em geral e possível interpretação das regras infraconstitucionais em conformidade com os direitos fundamentais).

 

1.4. Restrições e conformação aos direitos fundamentais dos trabalhadores

 

Uma vez que os direitos fundamentais dos trabalhadores valem diretamente nas relações de emprego e de trabalho, sua proteção há de se realizar similarmente à dos direitos fundamentais clássicos. Mas a relação indivíduo-Estado não é idêntica à relação trabalhador-empregador ou tomador de serviços, de sorte que adequações são necessárias. Por exemplo, a pretensão à proteção jurídica em face da violação a direitos dos trabalhadores é exercitável mediante ação judicial contra o empregador ou tomador do trabalho; e a restrição e conformação a direitos fundamentais dos trabalhadores podem provir tanto do legislador quanto dos próprios interessados – empregados e empregadores (mediante o exercício da autonomia coletiva).

 

1.4.1. Restrições por meio de lei ou por norma coletiva

 

Do exercício simultâneo dos direitos fundamentais por titulares diversos podem derivar colisões e, por isso, há necessidade de limitações ao âmbito de proteção de modo a permitir o exercício por todos.

 

Direitos fundamentais são passíveis de restrições, em princípio quando há autorização no próprio Direito traduzida por expressões como “na forma da lei”, “nos termos da lei” etc.  Não se confunde essa autorização com a possibilidade de esvaziamento do âmbito de proteção do direito fundamental (entendido como a esfera vital protegida pela norma jusfundamental) ou do âmbito normativo (entendido como o objeto de proteção recortado da realidade vital pela norma jusfundamental).[10] Eventual restrição não tem a finalidade de limitar o âmbito de proteção do direito fundamental em favor de interesses sem dignidade jusfundamental.

 

O aspecto relacional é ínsito aos direitos fundamentais, que por isso são passíveis de relativização mediante restrição autorizada pela própria regra atribuidora de direito fundamental. Nesse caso, cogita-se de colisões “previstas” entre direitos dos diversos titulares.

 

De par com as colisões previstas, é possível haver colisões em concreto a exigir eventuais restrições. A doutrina designa isso de “direito constitucional colidente” (a expressão abarca situações em que a restrição é excepcionalmente possível em razão de colisões em concreto, “não previstas”, de direitos fundamentais ou deles com bens ou valores de hierarquia constitucional). A admissão de restrições nesse caso exige justificação ainda mais criteriosa.

 

Quanto às espécies de restrições possíveis, a doutrina refere aquelas em que há reserva legal simples ou qualificada. No segundo caso, a própria prescrição jusfundamental estabelece os contornos a serem observados pelo legislador.[11] Exemplo disso encontramos no inciso XIII do art. 5º da CF (é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer) e no art. 8º, § 1º, da CF (a lei definirá os serviços ou atividades essenciais e disporá sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade). Já na hipótese da reserva legal simples, amplia-se o espaço do legislador para estabelecer as restrições.

 

A prerrogativa do legislador de estabelecer limites ao exercício de direitos fundamentais não exclui os limites a que ele próprio está subordinado ao legislar, uma vez que vinculado à função de proteção dos direitos fundamentais e às normas em geral da CF, que lhe impõem não só a observância da constitucionalidade formal, mas também material, e que envolve a proteção ao núcleo essencial dos direitos fundamentais.[12] Especial significado ostenta nesse terreno o postulado ou princípio da proporcionalidade. Ao restringir um direito fundamental, o legislador deve considerar se o meio utilizado promove o fim visado pela restrição (adequação) e se o fim visado não pode ser alcançado por outro meio igualmente eficaz, mas menos oneroso ao direito sob restrição (necessidade). Finalmente, a proporcionalidade em sentido estrito, ou a justiça da restrição, constitui pergunta adicional a ser respondida quando um direito fundamental sofre restrição por meio de lei.

 

Aos direitos fundamentais dos trabalhadores aplicam-se as mesmas regras válidas para restrições a direitos fundamentais clássicos, ou seja, elas se justificam quando de colisões entre direitos fundamentais dos respectivos titulares (dos trabalhadores), e excepcionalmente quando de colisões com outros bens ou valores constitucionais, preservado o núcleo essencial dos direitos. Especial referência deve ser feita a possíveis restrições oriundas de cláusulas normativas previstas em convenções e acordos coletivos – portanto, estabelecidas com a participação dos sindicatos profissionais. A perspectiva de crescente incremento do exercício da autonomia privada coletiva no contexto da economia globalizada – e mais recentemente em vista da redação que a Lei nº 13.467/17 conferiu ao art. 611-A da CLT –, reclama adequada hermenêutica de cláusulas normativas dirigidas a restringir direitos fundamentais dos trabalhadores.

 

A restrição eventualmente proveniente de convenções e acordos coletivos pode, em contraste com a reserva legal, ser denominada de reserva normativa. O art. 7º da CF faculta, por meio de normas coletivas, restrição ao princípio da irredutibilidade salarial (inciso VI), à duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais por meio da compensação de horários e redução da jornada (inciso XIII) e à jornada de seis horas para trabalho realizado em turnos de revezamento (inciso XIV).

 

Indagação possível é se deve prevalecer critério estrito ou não ao se avaliar a observância do núcleo essencial do direito fundamental quando do estabelecimento de restrição por norma coletiva. A prerrogativa para restringir direitos fundamentais em princípio pertence ao legislador, atendidas as condicionantes já destacadas neste artigo. A delegação que o poder constituinte conferiu aos entes coletivos para restringir alguns direitos fundamentais dos trabalhadores não autoriza que critérios menos rígidos do que os estabelecidos para o legislador valham no exercício desse mister.[13]

 

Portanto, similarmente à reserva legal, também as restrições a direitos fundamentais dos trabalhadores por meio de normas coletivas submetem-se aos requisitos válidos para a restrição proveniente da atuação do legislador vinculado à Constituição e à observância da função de proteção dos direitos fundamentais. E, por relevante, o reconhecimento das convenções e acordos coletivos assegurado no art. 7º, XXVI, da CF é um direito fundamental dos trabalhadores. Diante disso, as cláusulas estabelecidas em normas coletivas devem atenção à diretriz interpretativa do caput do art. 7º e aos princípios e valores fundamentais, bem como aos demais direitos fundamentais dos trabalhadores que dão concreção a essas normas constitucionais.

 

1.4.2. Conformação ou configuração

 

Ao cumprir a tarefa de conformar ou configurar direitos fundamentais, o Estado não busca eventualmente impedir procedimentos abrangidos pelo âmbito de proteção de um direito fundamental, mas abrir ao titular a possibilidade de deles fazer uso mais eficaz. Portanto, sob o pretexto de estar conformando direito fundamental, o legislador não pode restringir seu âmbito de proteção. A conformação ou configuração diz respeito a direitos fundamentais com âmbitos de proteção parcial ou integralmente normativos (ex.: direito de propriedade, direito de herança, direitos sociais, direitos fundamentais dos trabalhadores[14]). O âmbito de proteção normativo distingue-se do âmbito de proteção vital preexistente às prescrições jurídicas (direitos de liberdade em geral).

 

Em princípio, pertence ao legislador a responsabilidade de conformar os direitos fundamentais. Contudo, não está autorizado a esvaziar o núcleo essencial do direito fundamental em causa. Os entes coletivos por certo estão autorizados a efetuar, de modo complementar, essa conformação por meio de cláusulas oriundas de convenções e acordos coletivos de trabalho (art. 7º, XXVI, e art. 8º, VI, da CF). Assim como nas restrições, também na conformação a direitos fundamentais os entes coletivos estarão vinculados aos direitos fundamentais, a sua função de proteção.

 

Possíveis adequações são justificáveis quando se trata da conformação que direitos fundamentais dos trabalhadores devem obter em países como o Brasil. O legislador pode dispensar tratamento diverso aos empregadores e tomadores de trabalho segundo o poderio de que dispõem em face do empregado ou prestador do trabalho. Exemplo disso é a conformação de direitos fundamentais relativos à retribuição do trabalho ou mesmo do ônus concernente à sua duração (art. 58, § 3º, e art. 74, § 2º, da CLT).

 

Finalmente, o postulado da proporcionalidade vale tanto para o legislador quanto para os entes coletivos.

 

2. INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DOS TRABALHADORES

 

2.1. Princípios gerais de interpretação constitucional

 

O juiz do trabalho é também “juiz constitucional”, uma vez que lhe cabe a solução de litígios que envolvem os direitos fundamentais dos trabalhadores. E como já se mencionou neste texto, direitos fundamentais não cumprem exclusivamente função jurídico-subjetiva. Ao contrário, são portadores de funções jurídico-objetivas que o intérprete e aplicador do Direito do Trabalho necessariamente considerará ao decidir acerca de direitos fundamentais dos trabalhadores ou de direitos de origem legal, contratual ou normativa. Como a atividade jurisdicional concernente a direitos dos trabalhadores envolve, no caso brasileiro, ampliado leque de direitos fundamentais, com maior razão corresponde ao intérprete considerar princípios de interpretação constitucional reportados na doutrina e jurisprudência. São exemplos os princípios da unidade da Constituição; da concordância prática; da eficácia integradora, da força normativa ou máxima efetividade da Constituição; da interpretação conforme à Constituição; da proporcionalidade.[15]

 

2.2. Métodos de interpretação dos direitos fundamentais dos trabalhadores

 

Dentre os métodos de interpretação relevantes para identificar o sentido, o conteúdo, dos direitos fundamentais, menção breve será feita a três deles: a interpretação genética, a sistemática e a teleológica.

 

O caráter fundamental estendido pela CF à série de “direitos do trabalho” impõe mudança na dogmática jurídica, dirigida a encontrar os meios mais eficazes à efetivação dos direitos fundamentais. Portanto, a interpretação genética, que considera as razões do surgimento de uma regra de Direito, servirá a quem encarregado da interpretação e aplicação de direitos fundamentais dos trabalhadores se dúvidas houver quanto ao que eles asseguram.

 

Os direitos fundamentais dos trabalhadores constituem um sistema especial que se articula com o sistema geral dos direitos fundamentais da CF. O sentido de uma norma nem sempre se extrai da prescrição contida no texto, no dispositivo da regra. Por vezes é necessário encontrar o sentido, o conteúdo do direito fundamental, mediante o exame de outras regras jusfundamentais, como também dos princípios e valores que conformam a ordem constitucional. O recurso à interpretação sistemática serve a essa finalidade. A regra básica na interpretação sistemática dos direitos fundamentais e dos demais direitos dos trabalhadores é a seguinte: a interpretação não se faz a partir de regras infraconstitucionais (da CLT, por exemplo), mas segundo o espírito dos direitos fundamentais da CF.[16]

 

A competência do juiz do trabalho se articula com a regra do caput do art. 7º que assim define: “São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social”. Portanto, a teleologia dos direitos fundamentais dos trabalhadores visa à melhoria da sua condição social. A atuação da Justiça do Trabalho diz respeito à efetivação das concreções do direito social ao trabalho contidas nos arts. 7º a 11 da CF, bem como de princípios e valores constitucionais já mencionados em itens anteriores. É na teleologia dessas normas, as quais expressam a opção da CF de 1988 por Estado de Direito com caráter social e material, que o juiz do trabalho deve encontrar, prioritariamente, a fonte normativa que presidirá o exercício de sua competência. De modo secundário, encontrará na CLT (por exemplo, nos pressupostos da relação de emprego dos arts. 2º e 3º, nas regras dirigidas à quantificação das horas trabalhadas dos arts. 57 e ss., ou nas regras definidoras da remuneração ou indenização devida em razão do trabalho – arts. 457 e ss.) e na legislação infraconstitucional esparsa, mesmo de outros ramos do Direito, substância normativa que contribua para atingir a finalidade a que são dirigidos os direitos fundamentais dos trabalhadores – em síntese, ao alcance da melhoria de sua condição social.

 

3. EXAME DE ALTERAÇÕES DA LEI Nº 13.467/17 (REFORMA TRABALHISTA) À LUZ DA DOGMÁTICA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

 

A propaganda governamental, parlamentar e midiática que acompanhou a votação da recém-promulgada “reforma trabalhista” (Lei nº 13.467/17) foi no sentido de que os direitos fundamentais dos trabalhadores restariam preservados. De fato, as leis gozam da presunção de constitucionalidade e conformidade com os direitos fundamentais. Aos juízes e tribunais encarregados de resolver conflitos jurídicos cabe observar essa presunção. De outro lado, também lhes incumbe verificar se as normatizações oriundas do ampliado espaço de configuração do legislador mantêm conformidade com os direitos fundamentais ou se são inconstitucionais.[17]

 

Vários dispositivos da nova lei afiguram-se, à primeira vista, portadores de violações diretas ou potenciais a princípios fundamentais da República e, particularmente, a direitos fundamentais dos trabalhadores.

 

Na sequência, será feito o exame de alterações da Lei nº 13.467/17 à luz dos parâmetros da dogmática dos direitos fundamentais reportada nos itens precedentes. A escolha das alterações legais pautou-se pela relevância que têm para o desenvolvimento das relações de emprego, e não porque outras modificações dispensem o referido exame.

 

3.1. Restrição à atividade interpretativa dos juízes do Trabalho

 

O art. 8º, § 3º, da CLT,[18] ao qual remete o § 3º do art. 611-A, de modo até mesmo pueril, estabelece regra infraconstitucional dirigida a conter a atividade judicial em parâmetros defendidos pela Escola da Exegese do século XIX.

 

Tudo indica que os autores intelectuais do substitutivo adotado pelo Relator do Projeto de reforma trabalhista na Câmara dos Deputados raciocinam acerca do Direito do Trabalho como se limitado a regras infraconstitucionais sem vinculação com os direitos fundamentais em geral e com os dos trabalhadores em particular; ou até mesmo que a interpretação e aplicação do direito privado passe ao largo dos direitos fundamentais.[19]

 

O reconhecimento de acordos e convenções coletivas, consoante se insistiu, é direito fundamental assegurado aos trabalhadores. Interpretar as normas coletivas em consonância com os limites estabelecidos em regra do Código Civil é um exagero que não tem como prosperar. Primeiro, porque já é lugar comum que o centro do sistema jurídico não é o Código Civil, e sim a Constituição e seus direitos fundamentais, cujo âmbito de proteção se define por meio de interpretação que leva em conta métodos gerais e princípios de interpretação constitucional; segundo, o juiz do trabalho está vinculado aos direitos fundamentais, não havendo como excluir princípios de interpretação constitucional para dirimir conflitos relativos à validade ou eficácia de normas coletivas. De mais a mais, as normas coletivas estão sob o influxo da função de proteção dos direitos fundamentais, a qual, como já destacado, promove a proteção de quem mantém relação jurídica caracterizada pela assimetria.

 

A regra legal sob exame procura neutralizar ou amesquinhar a independência judicial, e sobretudo os deveres que a atividade interpretativa impõe ao juiz, o qual tem de ponderar o manancial normativo emergente dos princípios, valores e direitos fundamentais em geral e dos trabalhadores em particular estabelecidos na CF. Reporto-me ao que escrevi no item 2, supra. Por tudo o que se referiu, a restrição em apreço é inconstitucional.

 

3.2. Alterações envolvendo a relação de emprego em si

 

Divulgou-se que a modernização do mercado de trabalho e a criação de novos empregos seriam os motivos determinantes da reforma trabalhista. Entretanto, regras da lei aprovada contêm normas opostas a essa motivação. A CF reconhece a relação de emprego como o primeiro dos direitos fundamentais dos trabalhadores, dele derivando uma série de outras prestações jusfundamentais a cargo do empregador (art. 7º, I e ss.). De par com isso, considera o pleno emprego como objetivo a ser visado pela atividade econômica vinculada ao valor social do trabalho e da livre iniciativa (art. 170 da CF). Já os arts. 2º e 3º da CLT conformam ou configuram o direito fundamental mediante a definição de elementos da prestação de serviços que dão substrato fático-jurídico à relação de emprego.

 

O art. 442-B da CLT[20] inova impondo restrição incompatível com a conformação clássica que os arts. 2º e 3º conferem ao direito fundamental ao emprego. Trata-se de regras com sentido contraditório que devem ser lidas à luz dos direitos fundamentais. A falta de referência à subordinação na nova regra não é relevante porque o art. 3º da CLT não a menciona e porque apenas a presença da exclusividade e do trabalho contínuo pode implicar a subordinação estrutural. Maurício Godinho Delgado a qualifica “pela inserção do trabalhador na dinâmica do tomador de seus serviços, independentemente de receber (ou não) suas ordens diretas, mas acolhendo, estruturalmente, sua dinâmica de organização e funcionamento”.[21] Já está assente na tradição jurídica que a prestação com traços de autonomia ocorre quando inexiste a exclusividade e a prestação ocorre de forma descontínua.

 

A alteração do art. 442-B exige interpretação conforme à Constituição ou aos direitos fundamentais, dando-se precedência à prescrição jurídica que com eles mantém conformidade nos termos reportados no item 1.3. deste texto. Diante da coexistência de normas infraconstitucionais contraditórias em face do mesmo direito fundamental – a relação de emprego –, há de prevalecer a norma que melhor expressa os valores constitucionais e o direito fundamental à relação de emprego, por sinal o objetivo que a reforma trabalhista supostamente estaria a visar.

 

A previsão de contrato de trabalho com prestação de serviços intermitentes – art. 443, § 3º[22] e 452-A, caput, ambos da CLT[23] –, constitui hipótese legal sujeita ao exame de sua constitucionalidade. De fato, a precariedade de semelhante contrato e a vulnerabilidade a que a lei expõe o empregado importa contrariedade aos princípios fundamentais concernentes à dignidade da pessoa, aos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa nos moldes explicitados no item 1.2. deste texto, bem assim ao direito fundamental à relação de emprego garantidora de prestações materiais como o salário mínimo (o inciso IV do art. 7º não o vincula a número de horas trabalhadas, mas ao atendimento de necessidades vitais básicas). Essas normas não mantêm harmonização possível com as regras legais sob exame.

 

O art. 170 da CF condiciona a atividade econômica à garantia de existência digna que a retribuição de horas de trabalho a empregado, em montante inferior ao salário mínimo, não assegura. Consoante já destacado (ver Nota 8), ao legislador é dado configurar relações sociais de forma assimétrica nos limites da Constituição, mas sem criar privilégios ou deixar o cidadão sem defesa ou proteção. A convocação com antecedência de três dias estabelecida no § 1º do art. 452-A para cumprir jornada até então desconhecida, viola direito da personalidade do empregado (a dignidade pessoal) porque compromete sua autodeterminação e o cuidado de outros âmbitos vitais. A nova modalidade contratual promove tratamento desigual contrário ao valor social tanto do trabalho quanto da livre iniciativa e abre caminho para relações de trabalho marcadas pela submissão. Não parece haver no texto legal norma que permita interpretação que favoreça a sua manutenção no ordenamento jurídico.

 

O art. 7º, I, da CF assegura “relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa (...)”. Ainda que a falta da lei complementar referida na regra jusfundamental denuncie a omissão e a ausência de vinculação do legislador à Constituição, o princípio ali expresso vigora. De sua vez, o art. 477-A da CLT[24] passa a autorizar dispensas imotivadas individuais, plúrimas ou coletivas independentemente da participação sindical.

 

Dispensa imotivada é dispensa arbitrária. À primeira vista transparece o móvel que levou à edição da regra: nenhum apreço à proteção do emprego estabelecida como princípio no inciso I do art. 7º da CF. Ao legislador que não opera para dar configuração a esse direito fundamental não é dado editar lei que fragilize ainda mais o direito mediante a exclusão do ente coletivo encarregado de atuar na defesa dos direitos e interesses individuais ou coletivos de grave repercussão social, na forma do art. 8º, III, da CF. Trata-se, pois, de atuação legislativa que, em lugar de abrir vias para o exercício ou uso mais eficaz do direito fundamental, impõe-lhe restrição que o vulnera.

 

De outro lado, a dispensa nos moldes preconizados pela regra legal viola o princípio fundamental do valor social do trabalho e do valor social da livre iniciativa, de acordo com a explicitação do respectivo conteúdo no item 1.2., supra. Livre iniciativa que não observa a função social da propriedade ou que concorre para tratamento discriminatório não expressa valor social.

 

Já o art. 477-B da CLT[25] passa a prever quitação plena e irrevogável (destaquei) da relação de emprego para dispensas individuais, plúrimas ou coletivas com base em plano de demissão voluntária ou incentivada previsto em norma coletiva. A novidade parece fundada na decisão proferida pelo STF no RE 590.415/SC, na qual se reconheceu a validade de quitação ampla outorgada em acordo coletivo relativo a plano de demissão e no instrumento particular que concretizou a rescisão contratual. A decisão definiu a existência de repercussão geral.

 

Ocorre que os fundamentos da decisão do STF ressalvam que a adesão ao plano de demissão não implicou renúncia a direitos indisponíveis integrantes do “patamar civilizatório mínimo”. Não obstante certa imprecisão desse conceito, ele deve ser reportado aos direitos fundamentais resultantes da existência do contrato de emprego. E quanto a esses é de observar o numerus clausus de restrições a direitos fundamentais que o art. 7º, VI, XIII e XIV, permite sejam estabelecidas por norma coletiva. Não há a priori valor constitucional relevante em caso de dispensas individuais, plúrimas ou coletivas que justifique a imposição de restrições a direitos fundamentais que excedam aquelas autorizadas na Constituição. Acerca da possibilidade de os cidadãos disporem de direitos fundamentais, menção merece a posição do Tribunal Constitucional alemão, o qual tanto valoriza renúncias a direitos de liberdade que não tenham sido objeto de fraude ou coação como exclui a renúncia à dignidade humana, incluindo o conteúdo de outros direitos fundamentais que a expressam.[26]

 

Diante disso, é possível conferir interpretação conforme aos direitos fundamentais à regra sob exame, fazendo prevalecer a norma que melhor expresse os direitos fundamentais, ou seja, mediante a exclusão da renúncia a direitos fundamentais dos trabalhadores que concretizam a dignidade da pessoa humana porque visam à promoção da sua “liberdade real”, como destaquei no item 1.1., supra.

Em conclusão, o art. 477-A é passível de impugnação por violação ao 7º, I e ao art. 8º, III, da CF no que diz respeito às dispensas plúrimas ou coletivas e por   não ser harmonizável com os princípios fundamentais do valor social tanto do trabalho quanto da livre iniciativa. E o art. 477-B pode exigir interpretação conforme aos direitos fundamentais nos termos antes destacados.

 

3.3. Direito à duração do trabalho normal não superior a 8 diárias e 44h semanais (art. 7º, XIII, da CF)

 

São inúmeras as disposições da Lei nº 13.467/17 virtualmente contrárias à regra jusfundamental em epígrafe. No presente texto examino as que parecem ser mais flagrantemente inconstitucionais ou que permitem interpretação conforme aos direitos fundamentais.

 

O § 3º do art. 4º da CLT exclui da duração do trabalho, entre outras hipóteses, a permanência em jornada residual na empresa para estudo, higiene pessoal ou troca de roupa ou uniforme. Quanto a essas hipóteses, se efetivamente retratarem situação em que a permanência na empresa não guarda relação com o trabalho, ou se a higiene pessoal ou troca de uniforme não se vincula a imposições emergentes do modo como realizado o trabalho, a exclusão da jornada de trabalho manterá conformidade com a regra jusfundamental. Entretanto, se o estudo resultar de exigência do trabalho ou se o cuidado de si sobrevier das imposições referidas, outra norma, que melhor expressa o direito fundamental à duração do horário normal, poderá determinar o direito à contraprestação salarial mediante a interpretação conforme aos direitos fundamentais.

 

Já o art. 59 da CLT acresceu os §§ 5º e 6º ao texto anterior e passa a permitir acordo de compensação de horários e banco de horas por ajuste individual. Trata-se de regras que restringem o direito fundamental à duração do horário normal sem correspondência com a reserva normativa, a qual exige acordo ou convenção coletiva de trabalho, conforme o art. 7°, XIII, da CF. Interpretação sistemática dessa reserva normativa com as dos incisos VI e XIV, bem como a do art. 8º, III, da CF exclui a ideia de que a palavra “acordo” autoriza ajuste sem a participação sindical. Além disso, a restrição a um direito fundamental com base em deliberação individual contraria a função de proteção dos direitos fundamentais. Qual seria o sentido de uma restrição a direito fundamental de um único empregado? Não é a colisão com interesses do empregador que justifica a restrição a um direito fundamental, mas a colisão de direitos fundamentais de titulares diversos. A previsão legal é inconstitucional.

 

Alteração contundente nas relações de trabalho é introduzida pelo art. 59-A da CLT, o qual passa a permitir em qualquer atividade, inclusive mediante acordo individual, horário de trabalho de 12 horas seguidas por 36 de descanso, além de atribuir caráter indenizatório a intervalo não concedido. Trata-se de regime de compensação inválido se feito mediante acordo individual, conforme sustentei na alínea anterior.

 

De outro lado, mesmo com chancela sindical, a extensão habitual do horário de trabalho para 12 horas em qualquer atividade, com possível ampliação à falta de intervalo, constitui restrição que intervém de forma indevida no núcleo do direito fundamental à duração do trabalho normal não superior a oito horas. A esfera vital de seu âmbito de proteção resta violada na medida em que a restrição estabelecida implicará jornada no mínimo 50% superior à duração normal garantida pelo direito fundamental. A função de proteção dos direitos fundamentais resta vulnerada pela alteração legislativa, a qual passa ao largo do postulado da proporcionalidade, que limita a atividade interventiva do legislador. Por qualquer ângulo que se examine o novo texto legal, a conclusão aponta para a sua inconstitucionalidade. Acerca do caráter indenizatório do intervalo pago, trata-se de outra regra violadora da Constituição, conforme fundamentos que alinho no próximo item.

 

O parágrafo único do art. 59-A considera remunerados e compensados os dias do acordo de compensação que recaírem em feriados. Em síntese, a regra exclui o direito ao gozo ou pagamento de feriados trabalhados e nisso colide com o princípio geral da isonomia de tratamento, razão por que incompatível com a Constituição.

 

Já o parágrafo único do art. 60 da CLT passa a excetuar a licença prévia para atividades insalubres em jornadas de doze horas de trabalho por trinta e seis de descanso. Como sustentei ao examinar o art. 59-A, o regime de compensação ali previsto constitui intervenção indevida no núcleo do direito fundamental à duração do trabalho normal. Além disso, a regra agora sob exame colide com o direito fundamental que assegura normas de saúde, higiene e segurança no trabalho. Onde justamente seria necessária a licença, o legislador suprime a exigência, em afronta direta à regra jusfundamental.

 

O inciso III do art. 62 da CLT exclui do direito à duração do trabalho normal não superior a oito horas os empregados em regime de teletrabalho. O art. 75-B prevê que a prestação de atividades específicas no estabelecimento do empregador não descaracteriza o regime de teletrabalho... As regras ofendem abertamente o art. 7º, XIII, da CF porque importam restrição injustificada a direito fundamental, sabido que a quantificação do teletrabalho é factível em razão da natureza mesma do trabalho. Por isso, as regras são inconstitucionais.

 

3.4. Proteção ao salário na forma da lei

 

O inciso X do art. 7º da CF assegura a proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa. O crônico débito do legislador revela-se também no tema em análise, já que não produziu lei definidora de sanções para o tipo penal estabelecido na regra citada.

 

O art. 457 e ss. da CLT vinham dando configuração à proteção de que trata a regra jusfundamental. O caput do art. 457 da CLT dispõe que o salário corresponde à contraprestação do serviço, diretriz harmônica com os fundamentos históricos do Direito do Trabalho. Já o § 4º do art. 71 da CLT[27] passa a atribuir caráter indenizatório ao intervalo trabalhado, em flagrante restrição à regra jusfundamental protetiva, violando tanto a função de proteção dos direitos fundamentais quanto a diretriz que recusa restrições a direitos fundamentais por meio de suposta conformação pelo legislador. É curioso o teor do texto legal, na medida em que a “indenização” deve ser calculada com acréscimo de 50% do valor da “remuneração da hora normal” (art. 7º, XVI, da CF). Serviço extraordinário não ocasiona indenização, mas remuneração, como consta na regra jusfundamental citada.

 

A inconstitucionalidade da restrição em apreço é flagrante porque afronta tanto a regra jusfundamental do inciso X quanto a do inciso XVI, ambos do art. 7º da CF.

 

O art. 457, § 2º, da CLT[28] passa a excluir o caráter remuneratório de auxílio-alimentação, diárias de viagem, prêmios e abonos. As três últimas parcelas vinham sendo consideradas como integrantes do salário pelo § 1º da regra legal configuradora da regra jusfundamental protetiva do salário. Se quanto ao auxílio-alimentação e às diárias o caráter indenizatório parece compatível com o postulado da proporcionalidade, uma vez que não retribuem serviço prestado, no que diz com os prêmios e abonos a nova regra é incompatível com o caput do art. 457 da CLT e com a função de proteção dos direitos fundamentais. Vem à consideração o que se lembrou acima, ou seja, a pretexto de dar nova configuração à regra jusfundamental protetiva, o legislador acaba impondo, pelo menos em parte, restrição, o que fere a Constituição.

 

3.5. Prevalência das normas coletivas sobre a lei

 

O projeto de lei encaminhado pelo governo voltava-se à prevalência das convenções e acordos coletivos de trabalho sobre a lei em casos restritos. A Câmara dos Deputados acolheu o substitutivo do Relator que ampliou as hipóteses em que as normas coletivas hão de prevalecer sobre disposições legais (art. 611-A), previu o método de interpretação a ser adotado pelos juízes e arrolou, entre outros e “exclusivamente”, direitos dos arts. 7º e 8º da CF cuja redução ou supressão por norma coletiva constituiria ilícito. Dentre os direitos que não constam nesse rol estão, por exemplo, a relação de emprego, o reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho (!), a proteção em face da automação, a indenização devida pelo empregador em caso de acidente do trabalho (incisos I, XXIV, XXVII e XXVIII do art. 7º da CF).

 

Diante disso, é de perguntar inicialmente: haveria direitos fundamentais cuja supressão não corresponderia a um ilícito? De outro lado, a propaganda em torno da reforma procurou ressaltar que os direitos fundamentais dos trabalhadores seriam preservados pela lei... Caberia, então, às normas coletivas eventualmente restringir ou suprimir direitos fundamentais? Essas questões indicam que a intenção da lei é abrir caminho para a violação a direitos fundamentais.

 

O direito fundamental em causa é o reconhecimento das convenções e acordos coletivos, consoante previsão no inciso XXVI do art. 7º da CF. Aqui há confusão, aparentemente proposital, que provém tanto do mundo jurídico quanto de setores hegemônicos que tencionam abrir brechas para o esvaziamento de direitos fundamentais dos trabalhadores. A regra jusfundamental em apreço assegura um direito aos trabalhadores; não aos empregadores. Basta ler o caput do art. 7º. Diante disso, esse direito fundamental deve concordância prática com os demais direitos fundamentais. A consequência disso é que o exercício da autonomia privada coletiva encontra limites. Acordos e convenções coletivas estão vinculados aos direitos fundamentais não em vista da função de defesa (invocável na relação com o Estado), mas em decorrência da função de proteção (invocável nas relações privadas).[29]

 

Várias hipóteses do art. 611-A da CLT, introduzido pela Lei nº 13.467/17, constituem ou propiciam a violação a direitos fundamentais, a exigir eventual declaração de nulidade de cláusula normativa que redunde em violação reflexa ou frontal a direito fundamental.

 

A violação a direitos adquiridos integrados ao contrato de trabalho decorrentes de planos salariais e regulamento empresarial emerge da previsão no inciso V do art. 611-A da CLT. Se cláusula normativa atingir concretamente direito adquirido na relação contratual, caberá a anulação ante o juiz ou tribunal competente.

 

Há possibilidade virtual à violação ao inciso XIII do art. 7º da CF – direito fundamental à duração do trabalho normal – diante da possibilidade de pacto quanto à jornada de trabalho e identificação de cargos que se enquadram como função de confiança (incisos I e V). Restrições ao direito fundamental relativo à duração do trabalho normal são admissíveis por norma coletiva, observados os critérios válidos para o legislador, consoante se dissertou no item 1.4.1., supra. De outro lado, restrições válidas à duração do trabalho normal estabelecidas por lei no art. 62 da CLT excluem a possibilidade de restrições adicionais pelos entes coletivos. Primeiro, porque não previstas nas hipóteses do art. 7º da CF em que o legislador constituinte delegou aos entes coletivos a prerrogativa de fixar restrições. Segundo, porque a restrição excepcional fixada em lei exige interpretação estrita, sobretudo porque cabe ao legislador justificar restrições não previstas em direito fundamental. Ademais, no caso sob exame não se identifica valor ou bem constitucional que possa autorizar a restrição para a qual acenam as regras legais.

 

O inciso V do art. 611-A da CLT permite a prevalência de norma coletiva que trata de teletrabalho, regime de sobreaviso e trabalho intermitente, bem como da modalidade de registro da jornada. Se os entes coletivos vierem a atingir de modo reflexo o núcleo essencial do direito fundamental à duração do trabalho normal e/ou à proteção ao salário, as cláusulas normativas estarão sujeitas à declaração de nulidade.

 

Também ao permitir o enquadramento do grau de insalubridade por meio de negociação coletiva, o art. 611-A da CLT permite se atinja de modo reflexo regra jusfundamental que assegura aos trabalhadores normas de saúde, higiene e segurança no trabalho, normas estas que têm obtido configuração infraconstitucional em que estabelecidos os graus de insalubridade, a permitir a percepção do adicional de remuneração, também direito fundamental. Cláusula normativa contrária a isso também estará sujeita à declaração de nulidade.

 

Finalmente, violações indiretas ou diretas a outros direitos fundamentais naturalmente importarão a nulidade das cláusulas normativas. Reporto-me ao que escrevi a respeito da interpretação das normas coletivas no item 3.1.

 

3.6. Restrições ao exercício do direito de ação

 

O art. 507-B da CLT, com redação da Lei nº 13.467/17, dispõe que “é facultado a empregados e empregadores, na vigência ou não do contrato de emprego, firmar o termo de quitação anual de obrigações trabalhistas perante o sindicato dos empregados da categoria”.

 

O direito de ação está previsto tanto no art. 5º, XXXV, quanto no art. 7º, XXIX, da CF. A previsão de regra especial no rol dos direitos dos trabalhadores indicia reforço ao direito de ação em geral, direito público subjetivo que assegura a veiculação em face do Poder Judiciário de pretensões dirigidas à reparação de direitos dos trabalhadores que tenham sido lesados ou se encontrem sob ameaça. É relevante frisar que o direito de ação previsto no art. 7º, XXIX, vem acompanhado de cláusula restritiva, conforme já destacado no item 1.1.3., supra, e que diz respeito a prazo de prescrição. A regra jusfundamental não prevê a possibilidade de outras restrições.

 

A nova regra legal encontra similar histórico no art. 233 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, o qual previa quitação parcial nas relações de emprego rurais. A regra acabou revogada pela Emenda Constitucional nº 28/2000, a qual estendeu aos trabalhadores rurais o prazo de prescrição do inciso XXIX do art. 7º.

 

Para finalizar, o art. 11 da CLT contém regras que definem a amplitude da restrição ao direito de ação. Também o art. 149 da CLT trata da prescrição do direito de ação, desta vez envolvendo a concessão ou o pagamento das férias. Mesmo que se considere a cláusula restritiva adstrita ao direito de ação do art. 7º, XXIX, da CF com característica de reserva qualificada, restrições de outra natureza ao exercício do direito de ação em princípio não encontram justificação.

 

Diante disso, o art. 507-B da CLT importa restrição que não observa os limites autorizados pelo art. 7º, XXIX, da Constituição, e por isso é inconstitucional.

 

CONCLUSÃO

 

Breves conclusões impõem-se diante das alterações introduzidas pela Lei nº 13.467/17 (reforma trabalhista).

 

A primeira delas é no sentido de que o exame da lei em apreço deve ser realizado sob a perspectiva dos direitos fundamentais, uma vez que diversas regras infraconstitucionais alteradas ou introduzidas pela reforma atingem posições jurídicas garantidas aos trabalhadores pelos princípios e valores fundamentais da CF de 1988 e seu sistema especial de direitos fundamentais, que passou a centro do sistema de proteção do Direito do Trabalho.

 

Diante disso, e em segundo lugar, conclui-se que o conhecimento da teoria dos direitos fundamentais e da respectiva dogmática tem de ser apreendido pelo intérprete e aplicador do Direito do Trabalho, sobretudo porque estão em causa direitos fundamentais dos trabalhadores. Para essa finalidade, a compreensão do significado dos direitos fundamentais, suas funções no ordenamento jurídico, seu âmbito de proteção, possíveis restrições por meio de lei ou de norma coletivas e sua configuração infraconstitucional, bem como a aplicação de princípios de interpretação constitucional e de métodos compatíveis com a natureza protetiva do Direito do Trabalho são exigências incontornáveis.

 

Em terceiro lugar, o exame de uma série de alterações introduzidas pela Lei nº 13.467/17 mostra sua incompatibilidade com direitos fundamentais, a exigir, na esfera judicial, a declaração de inconstitucionalidade ou de interpretação conforme aos direitos fundamentais se presente “mais de uma norma” no texto sob interpretação, ou mesmo da declaração de nulidade de cláusulas normativas que restrinjam indevidamente ou suprimam direitos fundamentais.

 

Referências

 

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VON MÜNCH, Ingo. Vorbemerkungen zu den Art. 1-19. In: VON MÜNCH/KÜNIG [org.]. Grundgesetz-Kommentar. 5. ed., Tomo 1, München: C. H. Beck, 2000.

 


[1] PIEROTH, Bodo e SCHLINK, Bernhard. Grundrechte Staatsrecht II, 26. ed., Heidelberg: C.F. Müller, 2010, p. 13, Rn 43. (A obra está traduzida para o português por António Francisco de Sousa e António Franco, e publicada sob o título Direitos Fundamentais pela Saraiva).

 

[2] PIEROTH, Bodo e SCHLINK, Bernhard. Op. cit., p. 14, Rn 45.

 

[3] A literatura jurídica nacional ocupa-se dessa evolução. Cito, por todos, o abrangente exame feito por SARLET, Ingo W. A Eficácia dos Direitos Fundamentais, 12. ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2015, p. 161-214.

 

[4] A expressão é definida por VON MÜNCH, Ingo. Vorbemerkungen zu den Art. 1-19. In: VON MÜNCH/KÜNIG [org.]. Grundgesetz-Kommentar, 5. ed., Tomo 1, München: C. H. Beck, 2000, p. 38, Rn 28): “Unter Drittwirkung der Grundrechte wird die Geltung der Grundrechte in der Privatrechtsordnung, im Privatrechtsverkehr der Bürger untereinander, verstanden, also die horizontale Richtung der Grundrechte im Verhältnis der Bürger zueinander, im Gegensatz zur klassischen vertikalen Richtung der Grundrechte im Verhältnis des Bürgers zum Staat” [trad.: Compreende-se a eficácia dos direitos fundamentais em face de terceiros como a vigência dos direitos fundamentais na ordem jurídico-privada, no trânsito jurídico-privado entre os cidadãos, ou seja, o sentido horizontal dos direitos fundamentais na relação dos cidadãos entre si, em oposição ao sentido vertical clássico dos direitos fundamentais na relação do cidadão com o Estado]. A literatura alemã majoritária considera que a eficácia dos direitos fundamentais em face de terceiros é indireta. Ou seja, haveria a necessidade da mediação legal. Diversamente, segundo a mesma literatura, quando se trata de direito fundamental em face de terceiros reconhecido na Constituição, a eficácia será direta (v.g., o direito à coalizão sindical previsto no art. 9º, alínea 3, frases 1 e 2, da Lei Fundamental). É exatamente a situação de série de direitos fundamentais dos trabalhadores do art. 7° ao 11 da Constituição brasileira, que têm eficácia direta e obrigam os empregadores ou tomadores do trabalho.

 

[5] LEDUR, José Felipe. Fundamentos dos direitos da personalidade do trabalhador: algumas reflexões. In: ZANOTELLI DE ALVARENGA, Rúbia [org.]. Direitos Humanos dos Trabalhadores. São Paulo: LTr, 2016, p. 117.

 

[6] GRAU, Eros Roberto (A Ordem Econômica na Constituição de 1988, 14. ed., São Paulo: Malheiros Editores Ltda., 2010, p. 214-5), ao tratar do valor social do trabalho e do valor social da livre iniciativa, esclarece: A livre iniciativa, ademais, é tomada no quanto expressa de socialmente valioso; por isso não pode ser reduzida, meramente, à feição que assume como liberdade econômica, empresarial (isto é, de empresa, expressão do dinamismo dos bens de produção); pela mesma razão não se pode nela, livre iniciativa, visualizar tão somente, apenas, uma afirmação do capitalismo. Assim, livre iniciativa é expressão de liberdade titulada não apenas pelo capital, mas também pelo trabalho.

 

[7] Robert Alexy compreende os direitos fundamentais como princípios. Também a formulação do Tribunal Constitucional alemão acerca dos direitos fundamentais como uma ordem objetiva de valores pode, segundo o jurista, ser substituída pelo conceito de princípio. Desenvolvimentos acerca do tema encontram-se em sua obra clássica Teoria dos Direitos Fundamentais, 5. ed., (trad.: Virgílio Afonso da Silva). São Paulo: Malheiros Editores, p. 524 e ss.

 

[8] Nesse sentido, PIEROTH, Bodo e SCHLINK, Bernhard. Grundrechte – Staatsrecht II. 26. ed., München: C.F. Beck, 2010, p. 50, Rn. 198.

 

[9] Um mesmo “texto” ou prescrição jurídica pode conter mais de uma “norma”. Friedrich Müller [In: Métodos de Trabalho do Direito Constitucional, 3. ed., (trad.: Peter Naumann). Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 35 e ss.] desenvolve doutrina abrangente acerca dessa temática, tratando de noções como o texto da norma, a norma em si, sua estrutura, interpretação e concretização.

 

[10] Trata-se de definições de Pieroth/Schlink e Konrad Hesse, conforme referi em meu livro Direitos Fundamentais Sociais – Efetivação no Âmbito da Democracia Participativa. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 50.

 

[11] A classificação em reserva legal simples e qualificada desenvolvida no Direito alemão é adotada na literatura jurídica brasileira (ver MENDES, Gilmar e outros. Curso de Direito Constitucional, 2. ed., São Paulo: Saraiva, 2008, p. 306-13).

 

[12] Cuida-se da denominada doutrina dos “limites aos limites” (Schranken-Schranken) desenvolvida pela jurisprudência alemã. Ver a propósito SARLET, Ingo W. A Eficácia dos Direitos Fundamentais, 12. ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2015, p. 413 e ss.

 

[13] Consoante disserta a ex-presidente do Tribunal Federal do Trabalho alemão, Ingrid Schmidt, a jurisprudência e doutrina germânicas no âmbito do Direito do Trabalho sustentam que, similarmente ao que vale para as leis, também as normas coletivas estão vinculadas aos direitos fundamentais (In: Einleitung. MÜLLER-GLÖGE, PREIS, SCHMIDT [org.]. Erfurter Kommentar zum Arbeitsrecht, 14. ed., München: C. H. Beck, 2014, p. 9, Rn 46).

 

[14] São exemplos de âmbitos de proteção parcial ou integralmente normativos: a proteção da relação de emprego, a remuneração do trabalho noturno superior ao noturno, o aviso-prévio proporcional, a remuneração do trabalho penoso, a proteção em face da automação.

 

[15] Ver a propósito, MÁRTIRES COELHO, Inocêncio. Interpretação Constitucional. 3. ed., São Paulo: Saraiva, 2007, p. 96-110.

 

[16] Ingo von Münch (Vorbemerkungen zu den Art. 1-19. In: VON MÜNCH/KÜNIG [org.]. Grundgesetz-Kommentar, 5. ed., Tomo 1, München: C. H. Beck, 2000, p 58, Rn 65) reporta a mudança que se operou nesse terreno entre o constitucionalismo de Weimar e o atual: “Früher Grundrechte nur im Rahmen der Gesetze; heute Gesetze nur im Rahmen der Grundrechte” (trad.: “Antigamente, direitos fundamentais somente na moldura das leis; hoje, leis somente na moldura dos direitos fundamentais”). Mais considerações acerca da temática encontram-se nas notas de rodapé 17 e 19.

 

[17] Essa é a lição de Ingrid Schmidt (In: Einleitung. MÜLLER-GLÖGE, PREIS, SCHMIDT [org.]. Erfurter Kommentar zum Arbeitsrecht, 14. ed., München: C. H. Beck, 2014, p.3, Rn 13), que assim disserta: “Da aber der Gesetzgeber ebenfalls an die Grundrechte gebunden ist, wirkt das Gesetzesrecht in seiner Gesamtheit ‘verfassungsimprägniert’ (Stern), so dass dessen Auslegung und Anwendung die Beachtung der Grundrechte vorausetzt. Ganz allg. sind ges. Regelungen ‘im Lichte’ der Grundrechte zu lesen, also grundrechtsgeleitet zu interpreterien.(...) Lässt der Auslegungsspielraum sowohl verfassungsgemässe als auch verfassungswidrige Deutungen zu, so ist die verfassungskonforme Auslegung geboten”. [trad.: “Como o legislador está igualmente vinculado aos direitos fundamentais, o direito de origem legal em seu conjunto opera ‘impregnado pela Constituição’ (Stern), de modo que sua interpretação e aplicação está condicionada pela observância dos direitos fundamentais. De modo geral, as regulações legais devem ser lidas ‘à luz’ dos direitos fundamentais, ou seja, interpretados sob regência jusfundamental. (...) Se o espaço de interpretação admite ao mesmo tempo soluções cônsonas com a Constituição ou contrárias à Constituição, impõe-se a interpretação conforme à Constituição”]. A inconstitucionalidade exigirá a declaração respectiva, a qual no Direito brasileiro cabe aos juízes de todas as instâncias.

 

[18] Art. 8º, § 3o  No exame de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, a Justiça do Trabalho analisará exclusivamente a conformidade dos elementos essenciais do negócio jurídico, respeitado o disposto no art. 104 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), e balizará sua atuação pelo princípio da intervenção mínima na autonomia da vontade coletiva.” (NR)

 

[19] A propósito, refiro o multicitado “caso Lüth”, inclusive pela doutrina constitucional brasileira. A partir dele, o Tribunal Constitucional alemão definiu que o direito privado deve ser interpretado e aplicado segundo o espírito dos direitos fundamentais, firmando o entendimento de que um conflito jurídico entre particulares não se decide com base no direito privado se este contém preceitos que violam os direitos fundamentais. Para maiores esclarecimentos, cito o meu livro Direitos Fundamentais Sociais – Efetivação no Âmbito da Democracia Participativa. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 37. Ali menciono o julgamento proferido pelo STF no RE 201.819-8/Rio de Janeiro, cuja ementa ilustra o entendimento do STF acerca da eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas.

 

[20] “Art. 442-B.  A contratação do autônomo, cumpridas por este todas as formalidades legais, com ou sem exclusividade, de forma contínua ou não, afasta a qualidade de empregado prevista no art. 3o desta Consolidação.”

 

[21] GODINHO DELGADO. Maurício. Curso de Direito do Trabalho, 15. ed., São Paulo: LTr, 2016, p. 314.

 

[22] “Art. 443. (...) § 3o  Considera-se como intermitente o contrato de trabalho no qual a prestação de serviços, com subordinação, não é contínua, ocorrendo com alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade, determinados em horas, dias ou meses, independentemente do tipo de atividade do empregado e do empregador, exceto para os aeronautas, regidos por legislação própria.” (NR) 

 

[23] “Art. 452-A.  O contrato de trabalho intermitente deve ser celebrado por escrito e deve conter especificamente o valor da hora de trabalho, que não pode ser inferior ao valor horário do salário mínimo ou àquele devido aos demais empregados do estabelecimento que exerçam a mesma função em contrato intermitente ou não.” (...) § 1o O empregador convocará, por qualquer meio de comunicação eficaz, para a prestação de serviços, informando qual será a jornada, com, pelo menos, três dias corridos de antecedência.

 

[24] “Art. 477-A.  As dispensas imotivadas individuais, plúrimas ou coletivas equiparam-se para todos os fins, não havendo necessidade de autorização prévia de entidade sindical ou de celebração de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho para sua efetivação.” 

 

[25] “Art. 477-B.  Plano de Demissão Voluntária ou Incentivada, para dispensa individual, plúrima ou coletiva, previsto em convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, enseja quitação plena e irrevogável dos direitos decorrentes da relação empregatícia, salvo disposição em contrário estipulada entre as partes.” 

 

[26] Para comprovações, ver PIEROTH, Bodo e SCHLINK, Bernhard, op. cit., p. 38-40, Rn 146 e ss.

 

[27] Art. 71 (...) § 4o  A não concessão ou a concessão parcial do intervalo intrajornada mínimo, para repouso e alimentação, a empregados urbanos e rurais, implica o pagamento, de natureza indenizatória, apenas do período suprimido, com acréscimo de 50% (cinquenta por cento) sobre o valor da remuneração da hora normal de trabalho.

 

[28] Art 457 (...) - § 2o  As importâncias, ainda que habituais, pagas a título de ajuda de custo, auxílio-alimentação, vedado seu pagamento em dinheiro, diárias para viagem, prêmios e abonos não integram a remuneração do empregado, não se incorporam ao contrato de trabalho e não constituem base de incidência de qualquer encargo trabalhista e previdenciário.

 

[29] Lições nesse sentido são oferecidas por Ingrid Schmidt, op. cit., p. 10, Rn 49.

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Outubro/2017