SÚMULA 244, INCISO III, DO TST: UMA ANÁLISE DO CONFLITO DE DIREITOS GERADO À LUZ DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA

 

THIAGO BARISSON DE MELLO

Professor do magistério superior pela Universidade Federal de Rondônia – Campus de Cacoal. Pós-graduado em Direito Público pelo Centro Universitário Leonardo da Vinci, em 2011. Bacharel em Direito pela Faculdade de Ciências Humanas e Sociais - UNESP, em 2009.

 

ANA CAROLINA OLIVEIRA GUEDES MEMÓRIA

Acadêmica de Direito pela Universidade Federal de Rondônia – Campus de Cacoal

 

GABRIEL DE SOUZA VIEIRA

Acadêmico de Direito pela Universidade Federal de Rondônia – Campus de Cacoal

 

JACSON RAIELVONE RAMOS

Acadêmico de Direito pela Universidade Federal de Rondônia – Campus de Cacoal

 

ODAISA DUARTE COSTA

Acadêmica de Direito pela Universidade Federal de Rondônia – Campus de Cacoal

 

 

 

Resumo: O presente artigo trata especificamente do conflito de direitos que surge do instituto do Direito Trabalhista da estabilidade da mulher gestante nos contratos de trabalho por tempo determinado e indeterminado. Para a confecção da presente produção acadêmica foi utilizado o método indutivo, sendo realizadas pesquisas bibliográficas em doutrinas, leis, e jurisprudências atuais que tratam do tema. É colocado em análise o conflito gerado pela atual aplicação da Súmula 244, em seu inciso III, do Egrégio Tribunal Superior do Trabalho, no que se refere aos direitos fundamentais do empregador, bem como a garantia constitucional da dignidade da pessoa humana ao nascituro. Isto se deu após o Colendo Supremo Tribunal Federal proferir entendimento no sentido de que servidoras públicas e empregadas gestantes possuírem direito à licença maternidade pelo período de 120 (cento e vinte) dias, além da estabilidade provisória que possui termo inicial na confirmação da gravidez e final após sobrevindos 05 (cinco) meses do parto, independente do regime jurídico de trabalho, posicionamento este que posteriormente foi adotado pelo Egrégio Tribunal Superior do Trabalho. Surge então o conflito de direito, tendo em vista que o empregador fica submetido à propiciar a empregada a licença maternidade, acompanhada da estabilidade provisória. Desta maneira, existe uma afronta a segurança jurídica referente à estabilidade dos negócios jurídicos, já que mesmo se tratando de contratos por tempo determinado, o empregador é obrigado, por foça da atual aplicação do inciso III da Súmula 244 do TST, a arcar com a estabilidade provisória da mulher.

 

 

Palavras-chave:  Estabilidade da Gestante; Contrato por Tempo Determinado; Súmula 244 do TST.

 

 

Introdução

 

O Direito do Trabalho é um ramo do direito que tem como objetivo buscar a igualdade material entre o empregador e o empregado, utilizando de medidas desiguais a fim de igualar as desigualdades existentes de modo a proceder um ponto de equilíbrio entre as partes.

 

Assim sendo, um dos instrumentos em que o Direito Trabalhista faz de instrumento para proceder tal igualação é a estabilidade dos trabalhadores, garantindo o emprego por certo período de tempo.

 

Figura-se então a estabilidade provisória da mulher gestante como objeto da presente produção acadêmica, de modo a analisar o conflito de direito que é gerado a partir da atual aplicação da Súmula 244, inciso III, do Egrégio Tribunal Superior do Trabalho. Neste passo, será analisado o conflito de direitos existente entre o princípio da dignidade da pessoa humana, que resguarda os direitos fundamentais do nascituro, e a insegurança jurídica em razão da afronta a estabilidade do negócio jurídico, tendo em vista a obrigatoriedade da submissão do empregador a estabilidade da empregada gestante, ainda que se trate de contrato por tempo determinado.

 

Desta maneira, em razão de tal instituto do Direito do Trabalho, surge então um processo de discriminação em relação às pessoas do sexo feminino, em razão de as mesmas possuírem características peculiares de um ser gerador de vida, em potencial. Em outras palavras, tendo em vista a possibilidade e a mulher se encontrar gestante durante o período em que viger o contrato de trabalho por tempo determinado ou indeterminado, acarreta-se um processo discriminatório que atingem direta e exclusivamente as pessoas do sexo feminino. Isto pois o empregador, no momento da contratação, enxerga a possibilidade da obrigatoriedade de arcar com a estabilidade provisória de sua possível futura empregada, caso esta venha a se encontrar gestante durante a vigência do contrato de trabalho.

 

Posto isto, delimita-se aqui o conflito de direitos que é objeto da presente produção acadêmica. Assim, será utilizado o método indutivo, bem como pesquisas bibliográficas em jurisprudências, doutrinas e leis, para analisar as possíveis teses existentes em relação ao direito do nascituro e do empregador.

 

Histórico jurisprudencial e o conflito de direitos envolvidos na Súmula 244, inciso III, do TST.

 

Desde meados do século XVIII, período da grande Revolução Francesa, houveram transformações marcantes com relação ao empoderamento da mulher na sociedade, uma vez que iniciaram uma luta por equidade dos direitos entre gêneros. Esse arcabouço histórico refletiu na situação econômica mundial (e na brasileira), conforme se infere a seguir:

 

Ao longo das últimas décadas do século XX ocorreram mudanças na economia mundial, com impactos diretos sobre as relações de comércio, produção e trabalho. Estas mudanças também aconteceram no Brasil, constituindo assim um ambiente favorável para a entrada de novos trabalhadores no mercado de trabalho, inclusive do sexo feminino (VIEIRA, 2006, p.10).

 

Assim, com a abertura do mercado de trabalho e com o maior uso de sua mão-de-obra, surge a necessidade de disciplinar normas especiais para a devida igualdade de trabalho advindas das particularidades biológicas existentes entre o trabalhadores homem e mulher. Advento especial e momento mais sublime da vida, por exemplo, é a maternidade, instante que merece a melhor e a maior das proteções. Portanto, intende-se ao tratar com especialidade esse momento único da mulher, busca-se alcançar uma estabilidade no período de gestação e, também, pós-parto, a fim de garantir a dignidade humana da genitora e também do nascituro. Essa é a única forma de tratamento diferenciado em relação ao homem trabalhador. Por isso, a respeito do tema, fala-se de estabilidade mesmo em casos de gestação.

 

Tal estabilidade é instrumento do Direito do Trabalho para minimizar as desigualdades entre a parte empregadora e o emprego. Franco Filho (2009) entende por estabilidade jurídica

 

aquela que impede o despedimento do empregado pela vontade do empregador, mantido incólume seu contrato, preservado este do poder potestativo de dispensa patronal. A estabilidade econômica é a que cuida da parte in-pecunia, que é o sustento mesmo do trabalhador subordinado, os ganhos para manter-se e a sua família.

 

Estabilidade provisória é o nome dado nesse caso de mulheres no estado gravídico-puerperal como uma garantia de emprego, que protege a mulher empregada por certo lapso de tempo, a fim de preservar-lhe durante a maternidade; da ciência do estado gravídico até cinco meses após o parto.

 

Ante o exposto, desde 1988 a Constituição da República Federativa do Brasil, no ADCT – Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, em seu art. 10, inciso II, alínea b, buscou garantir o direito da estabilidade da gestante, in verbis:

 

Art. 10. Até que seja promulgada a lei complementar a que se refere o art. 7º, I, da Constituição:

II - fica vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa:

b) da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto.

 

Destarte, observa-se que o artigo da ADCT rege a estabilidade provisória sem distinção dos referidos contratos, quais sejam, por tempo indeterminado, determinado ou experiência. Além disso, conforme informa o texto do artigo, faz-se necessário para regularização da norma promulgação de lei complementar acerca do assunto que, no entanto, não foi escrita. Assinala Perin (2015) então que o surgimento do dispositivo legal da Súmula 244 do TST surge para disciplinar o dispositivo constitucional, provisoriamente, na ausência de lei complementar.

 

Como até hoje não foi elaborada a lei complementar, o Tribunal Superior do Trabalho tratou de disciplinar o dispositivo constitucional por meio da Súmula nº 244, estabelecendo a proteção de emprego à empregada gestante, desde a confirmação da gravidez, independentemente de comunicação ao empregador. Tal Súmula prevê também, o direito a reintegração ao trabalho, ou em caso de inviabilidade da reintegração, de pagamento das verbas decorrentes.

 

Numa primeira redação, a Súmula nº 244 do TST entendeu que não há direito da empregada gestante à estabilidade provisória na hipótese de admissão mediante contrato de experiência, visto que a extinção da relação de emprego, em face do término do prazo, não constitui dispensa arbitrária ou sem justa causa, conforme se infere a seguir:

 

SÚMULA nº 244 DO TST – antiga redação

GESTANTE. ESTABILIDADE PROVISÓRIA

I – O desconhecimento do estado gravídico pelo empregador não afasta o direito ao pagamento da indenização decorrente da estabilidade (art. 10, II, "b" do ADCT).

II – A garantia de emprego à gestante só autoriza a reintegração se esta se der durante o período de estabilidade. Do contrário, a garantia restringe-se aos salários e demais direitos correspondentes ao período de estabilidade.

Item III - Não há direito da empregada gestante à estabilidade provisória na hipótese de admissão mediante contrato de experiência, visto que a extinção da relação de emprego, em face do término do prazo, não constitui dispensa arbitrária ou sem justa causa.

 

Neste caso, se considerarmos a redação do item III, é notória a especificação da estabilidade garantida somente às gestantes que possuem contrato por tempo indeterminado, sendo excluídas da condição de estabilidade as gestantes que possuem contrato de experiência e por tempo determinado.

 

No entanto, com o passar do tempo, percebeu-se a necessidade de uma nova alteração na referida súmula, a qual ocorrera em 2012, veja-se:

 

SÚMULA nº 244 DO TST – nova redação

GESTANTE. ESTABILIDADE PROVISÓRIA

III – A empregada gestante tem direito à estabilidade provisória prevista no art. 10, inciso II, alínea "b", do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, mesmo na hipótese de admissão mediante contrato por tempo determinado.

           

Ocorre que nessa nova redação o órgão máximo da seara trabalhista alterou o entendimento até então adotado, passando a estender a garantia de emprego aos contratos com prazo determinado. Daí a discussão acerca da nova redação da Súmula 244, inciso III, que trata especificamente desse tema. Depois do Supremo Tribunal Federal ter fixado entendimento no sentido de que as servidoras públicas e empregadas gestantes, inclusive as contratadas a título precário, independentemente do regime jurídico de trabalho, têm direito à licença-maternidade de cento e vinte dias e à estabilidade provisória desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto, o Tribunal Superior de Justiça ajustou sua súmula e fixou entendimento similar. O que surge daí é o conflito de direitos existente entre o princípio da dignidade da pessoa humana, que resguarda os direitos fundamentais do nascituro e da gestante, e a insegurança jurídica em razão da afronta a estabilidade do negócio jurídico, tendo em vista a obrigatoriedade da submissão do empregador à estabilidade da empregada gestante, ainda que se trate de contrato por tempo determinado.

           

Para alavancar tal discussão, é necessário compreender os princípios regentes do direito do trabalho e em específico o princípio da dignidade humana, que rege as teses acerca da proteção de direitos.

           

Segundo Perin (2015), o Direito do Trabalho tem como objetivo buscar a igualdade material entre aqueles que formam a relação jurídica trabalhista: empregado e empregador. Para tanto, dois princípios regem essa ciência, princípio da proteção e princípio da continuidade, que estabelecem uma estabilidade para o empregado. Delgado (2010) assinala a importância dos princípios para a ciência do Direito, declarando que são “proposições fundamentais que informam a compreensão do fenômeno jurídico. São diretrizes centrais que se inferem em um sistema jurídico e que, após inferidas, a ele se reportam, informando-o.”

         

Princípio fundamental para o estudo da estabilidade e seus efeitos, define Ingo Sarlet (2006, p.41-42) dignidade humana conceituando-a como

 

qualidade integrante e irrenunciável da própria condição humana, pode (e deve) ser reconhecida, respeitada, promovida e protegida, não podendo, contudo, ser criada, concedida ou retirada (embora possa ser violada) já que existe em cada ser humano como algo que lhe é inerente.

 

Assim, sendo um princípio fundamental, a dignidade da pessoa humana constitui um valor orientador para todo o ordenamento jurídico, o que justifica a sua caracterização   como princípio constitucional de maior hierarquia axiológica-valorativa, preponderando sobre outro princípio quando colidente com outro princípio (SARLET, 2006).

 

Além disso, deve-se levar em consideração a estabilidade jurídica envolvida no negócio jurídico. Por meio do instrumento do contrato, tal como especifica o artigo 421 do Código Civil de 2002 e o artigo 442 da Consolidação das Leis Trabalhistas, a função social desse negócio jurídico está baseado nos princípios da boa fé e tem a ordem econômica o núcleo do interesse do contrato, e assim colabora para a construção de um ambiente contratual justo, ético e equitativo das relações negociais (SILVA, 2014). Se de alguma maneira, fere-se os direitos das partes envolvidas, rompe-se com a função social do contrato e a estabilidade do negócio jurídico. É de extrema relevância que o ordenamento jurídico prestigie e proteja a estabilidade social e a segurança da relação jurídica, de forma que é fundamental que se tutele de forma adequada a confiança depositada pelas pessoas nas declarações que lhes são feitas (AZEVEDO E AZEREDO, 2014).

 

À partir disso, apresenta-se uma exposição das teses que interpretam a súmula em sua aplicação a fim de harmonizar os direitos envolvidos em favor ou desfavor das partes envolvidas na súmula.

 

Tese pró-vida

           

Os doutrinadores e juristas que entendem dessa forma a aplicação da Súmula 244, inciso III, do TST vem propor que, a garantia de emprego concedida à gestante, objeto do presente estudo, atende ao direito à vida, à saúde, à maternidade, ou seja, à dignidade (BONILHA; VERQUIETINI, 2011, p. 5). Nesse novo cenário, a empregada que engravidar no decorrer do contrato por tempo determinado, inclusive em contrato de experiência, passa a ter o direito ao emprego até o final do período estabilitário (MARTINEZ, 2014, p. 682). Ora, tal tese, independentemente da divergência de institutos nela envolvidas, entre os interesses econômicos e a proteção ao nascituro envolvidos na questão da estabilidade da gestante no contrato de trabalho por tempo determinado, há um ponto incontroverso: para um país garantir a formação de verdadeiros cidadãos, a preocupação com a vida e a dignidade deve partir do momento da concepção, exatamente como dispõe a referida súmula do Tribunal Superior do Trabalho. Nesse sentido, por conta da supremacia da dignidade humana em detrimento de outros direitos e institutos, pode-se aplicar tal entendimento em todos os casos, sem considerar a possível fragilidade do empregador nesse negócio jurídico.

 

Nesta direção, explica Homero Batista Mateus da Silva (2009, p. 166):

 

O tema da proteção à maternidade tem um duplo alcance: de um lado, prestigia efetivamente a gestante, para que ela não vivencie maiores sobressaltos no curso da gravidez, de consequências imprevisíveis e irremediáveis, mas também se procura guarnecer o nascituro, a fim de que ele tanto possa se desenvolver em condições mais favoráveis como, sobretudo, venha ao mundo em condições ao menos medianas de nutrição e higiene.

 

Tal tese também é fundamentada na responsabilidade objetiva do empregador, ou seja, na dispensa da comunicação da gravidez, preponderando o

 

entendimento [...] de que, se a gestante tivesse o filho ainda no curso do contrato por prazo determinado, visto que iria começar a percepção da licença maternidade de 120 dias ainda no contrato, teria direito à estabilidade, tendo como base a Constituição Federal a qual protege o nascituro (SANTOS, 2013).

 

O Recurso de Revista n. 6605-52.2010.5.12.0001, julgado pela 4ª Turma do TST, de relatoria do Ministro Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, é um dos precedentes utilizados pelo Pleno para alteração do entendimento do item III da súmula. Nele entende o Ministro que

 

a] garantia constitucional em exame é significativa, sobretudo considerando-se a proteção à pessoa humana e às necessidades do nascituro. Tal direito visa à proteção mediata do nascituro, pessoa natural absolutamente incapaz, mas sujeito de direitos e obrigações, consoante dispõe o art. 2º, parte final, do Código Civil de 2002 (BRASIL, Tribunal Superior do Trabalho, Recurso de Revista nº 6605-52.2010.5.12.0001, da 4ª Turma. Relator: Ministro Luiz Philippe Vieira de Mello Filho. Brasília, 09 de maio de 2012).

 

Além disso, entende-se por essa corrente que a dignidade humana estendida ao nascituro e a gestante se sobressaem à lógica dos institutos envolvidos e da desigualdade pendente ao empregador.

           

A crítica que se faz para tal tese é a de que pese a alteração sumular ter como respaldo a proteção à maternidade e ao nascituro, deve-se ter em mente que os efeitos por ela almejados podem ser inversos e controversos, tornando ainda mais distante o mercado de trabalho para a mulher (PERIN, 2015). Além disso, Perin também assinala que

 

A manutenção do contrato de trabalho com prazo pré-determinado pode ser um retrocesso aos direitos já conquistados pelas mulheres, causando um embaraço a sua participação no mercado de trabalho em razão do receio dos empresários na manutenção de contratos de trabalho indesejados.

 

Tese pró-empregador

 

Nesse entendimento tem-se que o empregador se encontra em desvantagem na relação de trabalho quando se trata da estabilidade provisória concedida às gestantes no contrato à termo, pois o empregador assume compromisso que não existe no instituto do contrato a termo tampouco aplica uma injusta causa à demissão da gestante. Verifica-se a incompatibilidade entre os dois institutos (estabilidade provisória e contrato por tempo determinado), não podendo, pois, ser estendida a garantia de emprego da gestante a essa modalidade contratual que se extingue pelo cumprimento do prazo estabelecido sem que esteja caracterizada despedida arbitrária ou sem justa causa, requisitos estes legítimos das garantias de emprego.

           

Acredita-se também que a gestante não tem o legítimo direito da estabilidade provisória nesse caso pela incompatibilidade dos institutos envolvidos e pela ciência do prazo estabelecido previamente ao firmar contrato. A extinção dos contratos a termo decorre do implemento do lapso temporal previamente ajustado pelo empregado e empregador, qualificando-se como uma morte natural do contrato de trabalho no mundo jurídico, ou seja, não precisa da iniciativa de nenhuma das partes para chegar ao seu fim (PERIN, 2015).

 

Surge daí um conflito: se por um lado tentou-se proteger os direitos do nascituro e da gestante, por outro criou-se uma impossibilidade de aplicação da norma por conta de contradição de institutos. A intenção abrangente do legislador bem como do jurista criou um conflito na realidade prática que decerto afeta economicamente e socialmente a contratação da mulher, gestante ou não. Assevera Martins (2010) que na contratação por tempo determinado, as partes sabem exatamente quando o pacto terminará. Logo, não haveria dispensa arbitrária ou sem justa causa. Simplesmente existe o transcurso do prazo determinado de trabalho e as situações ocorridas nesse lapso temporal não podem modificar a cessação, salvo se houver ajuste entre as partes. Dessa forma, a aplicação da Súmula 244, inciso III, tal como é entendida pelo TST atualmente não cumpre a função social plena de defender os direitos fundamentais do empregador nem de garantir a dignidade humana ao nascituro, pois essa decisão cria um processo discriminatório em relação à mãe, negando-lhe o emprego (estando o contrato em período de gestação ou não).

 

Além do mais, destaca Dotto (2016) que

 

O novo posicionamento do TST, com a alteração do referido item da súmula em análise, encontra críticas, dentre outras, principalmente por haver entendimento de que o contrato por tempo determinado acaba sendo transformado em contrato por tempo indeterminado quando a gestante adquire estabilidade. Em consequência disso, existem muitas críticas por conta da onerosidade excessiva gerada para o empregador, ferimento da boa-fé contratual e da finalidade do contrato por tempo determinado além do retrocesso na luta feminina por espaço dentro do mercado de trabalho.

 

Ora, a proteção ao trabalho da mulher, e em especial ao trabalho da gestante, além de justa, é necessária. Contudo, qualquer ampliação de direitos deve ser analisada por todos os ângulos para que não acabe prejudicando justamente o seu alvo, criando efeitos inversos. Critica De Lima (2013) que

 

o prolongamento dessa relação trabalhista, em virtude da gestação da empregada, extrapola os limites do pacta sunt servanda e termina onerando abruptamente  a figura do empregador que apenas necessitava da funcionária durante poucos meses.

A proteção constitucional dedicada à gestante visa protegê-la de dispensas arbitrárias e discriminatórias, o que é bastante louvável, mas não parece se aplicar a contratos que já tenham prévia combinação de prazo final, o que merece ser refletido e questionado pelos aplicadores do Direito.

O excesso de paternalismo estatal não pode se sobrepor aos princípios constitucionais da razoabilidade e da proporcionalidade e essa temática de tamanha relevância social não deve ser esgotada em razão do novo entendimento sumulado do TST”.

           

Mas os Tribunais também têm se posicionado em desfavor do entendimento, ao evidenciar as dificuldades de aplicação da nova redação. O Recurso Ordinário nº 00010334620125020447, do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, em que atuou como Relatora a Desembargadora Rosana de Almeida Buono, no qual negou provimento ao apelo de uma gestante, não concedendo a ela a garantia de emprego, esclarece que

 

a alteração sumular com o escopo de conferir maior proteção à gestante e ao nascituro deve ser contextualizada com as leis trabalhistas e previdenciárias, sob pena de dificultar a colocação temporária das mulheres no mercado de trabalho, ressuscitando odiosa discriminação e incutindo relevante insegurança jurídica para o empregador que age dentro do que permite a lei (SÃO PAULO, Tribunal Regional do Trabalho, Recurso Ordinário nº 00010334620125020447, da 3ª Turma, Relator: Desª Rosana de Almeida Buono, São Paulo, 24 de setembro de 2013).

 

Por fim, o nascituro, terceiro nessa relação, é causa motivadora da súmula, que por uma interpretação extensiva se esbarra em direitos alheios, gerando conflito de institutos. Ele, o nascituro, não é causa suficiente para tal efeito. Mesmo que resguardo seu direito à vida, tal fato não pode se dar de forma injusta onerando a outra parte de dívidas não estipuladas no contrato.

 

Considerações Finais

 

Conclui-se que a tese pró-empregador traz à tona a necessidade de uma análise e reforma da referida súmula, de forma a deixar mais subjetivo o critério da possiblidade de aplicação da estabilidade provisória nos casos em questão, abrangendo e integrando a necessidade da gestante e do nascituro com as possibilidades do empregador, pois para se obter um entendimento razoável em relação a estabilidade da gestante, deve ser analisado o caso concreto, logo que o princípio da dignidade da pessoa humana é uma garantia constitucional assegurada a todos.

 

Nesse sentido, há uma necessidade constante de reflexão acerca do assunto, abordando as novas teses e entendimentos na tentativa de aproximar ao máximo o direito da realidade prática, trazendo a segurança jurídica, a igualdade nas relações e a dignidade humana como princípios basilares das decisões sem, ao mesmo tempo, se esquivar da responsabilidade econômico-social decorrente dos efeitos das normas.

 

Referências

 

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BRASIL, Tribunal Superior do Trabalho. Recurso de Revista nº 6605- 52.2010.5.12.0001, da 4ª Turma. Relator: Ministro Luiz Philippe Vieira de Mello Filho. Brasília, 09 de maio de 2012

 

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Outubro/2017