NOVO CPC E PROCESSO DO TRABALHO: INSTRUÇÃO NORMATIVA 39/2016 DO TST E CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

 

 

 

                                                         GUSTAVO FILIPE BARBOSA GARCIA

Livre-Docente pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Doutor em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Especialista em Direito pela Universidad de Sevilla. Pós-Doutorado em Direito pela Universidad de Sevilla. Professor Universitário em Cursos de Graduação e Pós-Graduação em Direito. Membro Pesquisador do IBDSCJ. Membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho, Titular da Cadeira nº 27. Advogado e Consultor jurídico. Foi Juiz do Trabalho das 2ª, 8ª e 24ª Regiões, ex-Procurador do Trabalho do Ministério Público da União e ex-Auditor-Fiscal do Trabalho.

 

 

O Código de Processo Civil de 2015 estabeleceu diversas modificações no sistema processual[1], observando-se, entretanto, intenso debate a respeito dos seus efeitos na esfera trabalhista.

 

Segundo o art. 15 do Novo CPC, nos casos de ausência de normas que regulem o processo trabalhista, as suas disposições devem ser aplicadas supletiva e subsidiariamente.

 

O art. 769 da Consolidação das Leis do Trabalho, por sua vez, dispõe que nos casos omissos o Direito Processual Comum é fonte subsidiária do Direito Processual do Trabalho, exceto naquilo que for incompatível com as suas normas.

 

Como se pode notar, a aplicação subsidiária e supletiva das disposições previstas no CPC de 2015 exige a omissão (total ou parcial), bem como a compatibilidade com o sistema processual trabalhista[2].

 

Ainda assim, tendo em vista a ampla controvérsia a respeito do tema, o Tribunal Superior do Trabalho, por meio da Resolução 203, de 15 de março de 2016, aprovou a Instrução Normativa 39, dispondo sobre as normas do Código de Processo Civil de 2015 aplicáveis e inaplicáveis ao processo do trabalho, de forma não exaustiva.

 

Mais recentemente, foi ajuizada perante o Supremo Tribunal Federal a Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.516/DF, questionando a validade formal e material da referida Instrução Normativa do TST.

 

É certo que, a respeito da matéria de fundo, algumas previsões constantes da Instrução Normativa 39 são passíveis de questionamento, mesmo porque, em termos gerais, prevaleceu certa incidência mais ampla do Novo CPC no processo do trabalho, o que fica nítido ao se comparar com os dispositivos considerados inaplicáveis.

 

De todo modo, propõe-se aqui examinar o cabimento desse controle de constitucionalidade abstrato e concentrado perante o STF.

 

Nos termos do art. 102, inciso I, “a”, da Constituição da República, compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe processar e julgar, originariamente, a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal.

 

A relevância da Teoria Geral do Direito, nesse aspecto, é manifesta, especialmente quanto ao conceito de norma jurídica[3].

 

Desse modo, considera-se normativo o ato caracterizado pela imperatividade, bem como por autorizar que se exija o seu cumprimento, caso o comando resultante não seja respeitado.

 

Quanto ao tema em estudo, apesar da denominação formalmente atribuída, em termos substanciais, o referido ato não tem natureza de norma jurídica, uma vez que ausentes quaisquer dos seus requisitos.

 

Vale dizer, a Instrução Normativa 39 do TST tem enfoque apenas argumentativo, isto é, de possível orientação, não havendo sequer sanção prevista, de modo implícito ou explícito, como consequência de sua eventual inobservância.

 

A Instrução Normativa do Tribunal Superior do Trabalho, em verdade, não se confunde nem mesmo com a jurisprudência, entendida como a reiteração de decisões, em sentido uniforme, a respeito de certa temática, cabendo lembrar que nem todo ato oriundo do Poder Judiciário tem conotação jurisprudencial.

 

Não se trata, ademais, de disposição relativa ao regimento interno do TST, uma vez que não dispõe sobre a competência e o funcionamento de seus órgãos jurisdicionais e administrativos, consoante a previsão do art. 96, inciso I, “a”, da Constituição da República, ao exigir a observância das normas de processo e das garantias processuais das partes.

 

Trata-se, assim, de instrumento aprovado, internamente, com natureza preponderantemente administrativa, buscando explicitar e sinalizar a interpretação que prevaleceu no TST, mas sem conteúdo normativo, nem mesmo jurisprudencial, bem como sem caráter vinculante, nem obrigatório, com objetivos voltados a amenizar a insegurança jurídica e possivelmente orientar os juízos e tribunais da Justiça do Trabalho a respeito de questão nova e permeada de controvérsias.

 

Logo, não se observa qualquer violação à competência privativa da União para legislar sobre Direito Processual (art. 22, inciso I, da Constituição Federal de 1988), nem mesmo ao princípio da legalidade (art. 5º, inciso II, da Constituição da República), pois o ato em estudo não tem qualquer essência normativa (como gênero) nem legislativa (como espécie).

 

De igual modo, o referido ato, em seu sentido e alcance, não apresenta qualquer ligação com as garantias constitucionais dos juízes, relativas à vitaliciedade, à inamovibilidade e à irredutibilidade de subsídio (art. 95, incisos I a III, da Constituição Federal de 1988), muito menos com os direitos fundamentais voltados à proibição de juízo ou tribunal de exceção e ao juiz competente (art. 5º, incisos XXXVII e LIII, da Constituição da República).

 

Naturalmente, seria possível questionar a adequação de se editar a mencionada Instrução Normativa, inclusive quanto ao momento em que isso ocorreu, ou seja, antes de haver a consolidação da jurisprudência sobre a controvertida matéria.

 

Entretanto, por não se tratar de ato de conotação normativa, pode-se dizer, até mesmo de plano, que não se revela cabível o controle de constitucionalidade, incidental ou abstrato, difuso ou concentrado.

 

Logo, não há nem mesmo necessidade de se argumentar que a hipótese em estudo seria apenas de ilegalidade[4], e não de inconstitucionalidade[5], o que também tornaria inadmissível o controle de constitucionalidade[6], pois, como demonstrado, o próprio ato impugnado, em si, não tem qualquer teor nem efeito normativo.

 

Tanto é verdade que o Tribunal Superior do Trabalho, anteriormente, já aprovou outros instrumentos semelhantes, que permanecem aplicáveis, sobre questões diversas, como, por exemplo, o depósito recursal na Justiça do Trabalho (Instrução Normativa 15/1998) e os procedimentos a serem aplicados ao processo do trabalho em decorrência da ampliação da competência da Justiça do Trabalho pela Emenda Constitucional 45/2004 (Instrução Normativa 27/2005).

 

Sendo assim, cabe acompanhar a evolução e os desdobramentos do relevante tema, em especial na esfera do Supremo Tribunal Federal.

 


[1] Cf. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Novo Código de Processo Civil: Lei 13.105/2015 – principais modificações. Rio de Janeiro: Forense, 2015.

 

[2] Cf. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Novo Código de Processo Civil e processo do trabalho. Salvador: JusPodivm, 2016.

 

[3] Cf. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Introdução ao estudo do direito: teoria geral do direito. 4. ed. São Paulo: Método, 2016. p. 138.

 

[4] “ADIN. Atos normativos 24 e 25/89, da Secretaria da Receita Federal. Juízo prévio de legalidade. Objeto inidôneo para o controle concentrado de constitucionalidade. Ação não conhecida. Agravo regimental improvido. A ação direta de inconstitucionalidade não e instrumento hábil ao controle da validade de atos normativos infra legais em face da lei sob cuja égide foram editados, ainda que, num desdobramento, se estabeleça, mediante previa aferição da inobservância dessa mesma lei, o confronto consequente com a Constituição Federal. Crises de legalidade, caracterizadas pela inobservância, por parte da autoridade administrativa, do seu dever jurídico de subordinação normativa a lei, revelam-se estranhas ao controle normativo abstrato, cuja finalidade restringe-se, exclusivamente, a aferição de eventual descumprimento, desde que direto e frontal, das normas inscritas na Carta Politica. A ação direta de inconstitucionalidade - quando utilizada como instrumento de controle abstrato da mera legalidade dos atos editados pelo Poder Público - descaracteriza-se em sua precípua função político-jurídica, na medida em que, reduzindo-se em sua dimensão institucional, converte-se em meio processual desvinculado da finalidade para a qual” (STF, Pleno, AgR-ADI 264/DF, Rel.  Min. Celso de Mello, DJ 08.04.1994).

 

[5] “Ação direta de inconstitucionalidade. Resolução MPS/CGPC nº 26/2008. Ausência de situação de conflito direto e imediato entre esse ato estatal dotado de menor positividade jurídica e o texto da Constituição. Pretensão de inconstitucionalidade cuja análise submete-se, necessariamente, ao confronto prévio entre a Resolução questionada e a Lei Complementar nº 109/2001. Necessária formulação, em referido contexto, de juízo preliminar de legalidade. Objeto juridicamente inidôneo em sede de ação direta. Crises de legalidade são insuscetíveis de controle concentrado de constitucionalidade. Legitimidade do controle prévio, pelo relator da causa, dos requisitos formais inerentes à fiscalização normativa abstrata (RTJ 139/67). Ação direta de que não se conhece. Recurso de agravo. Razões recursais que não infirmam os argumentos da decisão agravada. Não provimento. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de que crises de legalidade – que irrompem no âmbito do sistema de direito positivo, caracterizadas pela inobservância, por parte da autoridade pública, do seu dever jurídico de subordinação normativa à lei – revelam-se, por sua natureza mesma, insuscetíveis de controle jurisdicional concentrado, pois a finalidade a que se acha vinculado o processo de fiscalização normativa abstrata restringe-se, tão somente, à aferição de situações configuradoras de inconstitucionalidade direta, imediata e frontal. Precedentes. O recurso de agravo a que se referem os arts. 545 e 557, § 1º, ambos do CPC, deve infirmar todos os fundamentos jurídicos em que se assenta a decisão agravada. O descumprimento dessa obrigação processual, por parte do recorrente, torna inviável o recurso de agravo por ele interposto. Precedentes” (STF, Pleno, AgR-ADI 4.644/DF, Rel.  Min. Celso de Mello, DJe 12.09.2014).

 

[6] “Agravo regimental em ação direta de inconstitucionalidade. Indeferimento da petição inicial. Anexo V do Decreto nº 3.048/99, na redação dada pelo Decreto nº 6.957/09. Enquadramento das atividades econômicas conforme o grau de incidência da incapacidade laborativa decorrente dos riscos ambientais do trabalho (GIILRAT). Ausência de conteúdo normativo no ato impugnado. Feição meramente administrativa. O regulamento extrai seu fundamento de validade, entre outros, do art. 22, § 3º, da Lei nº 8.212/91, que possibilita a modificação do dito enquadramento com base em estudos estatísticos promovidos pelo Ministério da Previdência Social. Eventual ausência de justificativa técnica geraria crise de legalidade, e não de constitucionalidade. Agravo a que se nega provimento” (STF, Pleno, AgR-ADI 4.677/DF, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe 01.08.2012).

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2016