A TERCEIRIZAÇÃO E A RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO TOMADOR DOS SERVIÇOS

 

 

 

RUBENS FERNANDO CLAMER DOS SANTOS JÚNIOR

Juiz do Trabalho Titular da 4ª Vara de Novo Hamburgo-RS. Especialista e Mestre em Direito pela PUC-RS; Professor dos cursos de pós-graduação em nível de especialização da FEMARGS, PUC-RS, UNISINOS, UNIRITTER, FEEVALE e UCS; Autor dos livros A Eficácia dos Direitos Fundamentais dos Trabalhadores; Processo do Trabalho: uma interpretação constitucional contemporânea a partir da teoria dos direitos fundamentais.

 

MARCELO ARMIGLIATTO DE JESUS

Advogado formado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul no ano de 1999/2. Especialista em Direito do Trabalho, Processo do Trabalho e Seguridade Social pela Fundação Escola da Magistratura do Trabalho/RS. Pós-graduado em Direito do Trabalho pelo IDC e em Direito Previdenciário pelo IMED e pelo IDC.

 

 

 

Resumo: O propósito deste artigo é analisar a possibilidade de inclusão do tomador de serviços apenas na fase de execução, em face da recente regulamentação do trabalho terceirizado pela Lei n. 13.429/17 e pelo julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n. 324, pelo STF, que tratou da ampliação da terceirização. Com base na alteração legislativa, pretende o presente estudo tecer breves considerações sobre uma possível mudança no entendimento consubstanciado na Súmula n. 331, IV, do TST, que condiciona a responsabilidade subsidiária do tomador de serviços à sua participação na relação processual e à sua prévia presença no título executivo.

 

Palavras-chave: Direito do Trabalho. Terceirização. Responsabilidade Subsidiária. Lei n. 13.429/17.

 

SUMÁRIO: 1.INTRODUÇÃO – 2.O ACESSO AO CRÉDITO ALIMENTAR TRABALHISTA COMO DIREITO FUNDAMENTAL – 3.A TERCEIRIZAÇÃO E O PRINCÍPIO DA REPARAÇÃO INTEGRAL – 4.A RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA FRENTE AOS PRINCÍPIOS DA FUNÇÃO SOCIAL DO PROCESSO TRABALHISTA – 5.CONSIDERAÇÕES FINAIS – REFERÊNCIAS.

 

 

1. INTRODUÇÃO

 

Até a publicação da Lei n. 13.429/17, a terceirização trabalhista não apresentava um diploma geral que regulasse as hipóteses de sua incidência e, tampouco as consequências jurídicas para o tomador desses serviços. Nesse quadro de ausência de um diploma legal, a jurisprudência realizou o seu papel de interpretar o conjunto de normas vigorantes no País, fazendo-o através da Súmula n. 331 do TST. Dita Súmula somente autoriza a responsabilização subsidiária do tomador de serviços que tenha participado da relação processual e que conste no título executivo judicial; ou seja, a participação na fase de conhecimento do processo é um requisito indispensável para configuração da responsabilidade subsidiária do tomador de serviços.

 

Este ensaio se propõe em discutir a proposta de interpretação contida na Súmula n. 331 do TST, que condiciona a responsabilidade subsidiária do tomador de serviços à sua participação na relação processual e à sua prévia presença no título executivo. Para tanto, serão abordadas importantes questões relativas ao tema, como, por exemplo, o acesso ao crédito trabalhista como direito fundamental, o princípio da reparação integral, a relativização da coisa julgada e a necessária busca da efetividade na satisfação do crédito alimentar.

 

2. O ACESSO AO CRÉDITO ALIMENTAR TRABALHISTA COMO DIREITO FUNDAMENTAL

 

A possibilidade de se incluir o tomador de serviços diretamente na fase de execução do processo trabalhista, em face de uma relação de terceirização estabelecida, atende ao comando constitucional da efetividade na prestação jurisdicional, gerando o acesso do trabalhador ao crédito alimentar. Restará, apenas, a compatibilização deste direito fundamental com outra garantia constitucional de mesmo grau hierárquico, que vem a ser o princípio da ampla defesa.

 

Os direitos fundamentais são considerados atualmente como um dos principais instrumentos de realização das diretrizes traçadas ao Estado brasileiro, na implementação de um Estado Social e Democrático de Direito, sendo que a maioria desses direitos tem como fulcro a busca da dignidade da pessoa humana.[1] É a partir da noção de dignidade da pessoa humana que devem ser interpretadas inúmeras outras normas jurídicas, sobretudo as que dizem com os direitos fundamentais.[2]

 

A Constituição Federal de 1988, em seu art. 100, §1º, ao consagrar a natureza especial e privilegiada do crédito trabalhista em face do seu caráter alimentar, reconheceu, também, a urgência na sua satisfação, com a máxima eficácia possível. Nesse sentido, a natureza do bem protegido assume grande importância na própria condução das regras instrumentais para que, delas, se obtenha a máxima eficácia social. Aliás, segundo Marinoni, Arenhart e Mitidieiro[3], é dever do juiz adaptá-lo concretamente, a partir da legislação, a fim de viabilizar tutela adequada aos direitos.

 

Talvez por isso, ou seja, para deixar expresso que o Estado tem o dever de prestar a jurisdição de maneira eficaz e em prazo razoável, e o cidadão, o direito de obter a tutela jurisdicional de modo tempestivo, a Emenda Constitucional n. 45/04 tenha agregado ao art. 5.º da Constituição o inciso que institui o direito fundamental à duração razoável do processo e aos meios que garantam a tempestividade da sua tramitação.[4]

 

Portanto, o direito fundamental de acesso ao crédito trabalhista deve ser visto como um princípio informador do tratamento legislativo conferido pelo Estado às relações de emprego. Nas terceirizações, a possibilidade de inclusão do tomador de serviços apenas na fase de execução do processo estaria, ao concretizar o acesso ao crédito trabalhista, materializando a própria função social do direito através da aplicação imediata das normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais, dentre elas, o princípio da dignidade da pessoa humana.

 

3. A TERCEIRIZAÇÃO E O PRINCÍPIO DA REPARAÇÃO INTEGRAL

 

A tendência empresarial de transferir parte da execução dos serviços a terceiros tem gerado questionamentos sobre a responsabilidade. A prática tem demonstrado que os serviços terceirizados são os que mais expõem os trabalhadores a riscos e, por consequência, a sofrer acidentes ou doenças ocupacionais, pois se referem a empregados de baixo nível remuneratório e pouca especialização, que normalmente dispensam experiência e não recebem o treinamento adequado.

 

Após as alterações promovidas pela Lei 13.467/17, a questão ficou ainda mais preocupante porque se sustenta ter havido autorização legislativa inclusive para terceirização da atividade principal da empresa (Art. 5º A da Lei n. 6.019/74). Aliás, recentemente (30/08/2018) houve o julgamento da ADPF n. 324, pelo STF, que tratou da ampliação das hipóteses de terceirização.[5] A decisão do STF foi proferida com reconhecida repercussão geral na ADPF n. 324 e no Recurso Extraordinário (RE) n. 958252. Ao analisar o caso, a maioria dos Ministros do STF defendeu que a perpetuação da ilegalidade da terceirização da atividade-fim, conforme consignado na Súmula n. 331 do TST, violaria os princípios constitucionais da livre iniciativa, da livre concorrência e da segurança jurídica, pois inexistia qualquer lei que regulasse a questão.

 

Diante desse novo quadro, resta indispensável lembrar da preocupação trazida por Sebastião Geraldo de Oliveira ao ressaltar que as empresas de prestação de serviços são criadas com relativa facilidade, sem necessidade de investimento, porque atuam simplesmente intermediando mão de obra de baixa qualificação e de alta rotatividade. Como ficam na inteira dependência das empresas tomadoras de serviços e enfrentam a concorrência, nem sempre leal, de outras empresas do ramo, dificilmente experimentam crescimento próprio ou solidez econômica, sendo frequentes as insolvências no setor. Com isso, acabam aceitando margens de lucro reduzidas, sacrificando, para sobreviver, as despesas necessárias para garantia da segurança, higiene e saúde dos trabalhadores. Essas empresas fecham as portas e “desaparecem” com a mesma facilidade com que foram criadas, até porque, quase sempre, não têm patrimônio algum, pois só dispõem de um imóvel alugado para intermediar o fornecimento da mão de obra.[6]

 

Para ele, a dinâmica dos fatos desafia o aplicador da lei para decidir casos novos, muitas vezes com regras antigas, mas sempre com apoio nos princípios gerais, que permitem amoldar os comandos normativos às contingências de cada época. Para os novos problemas da realidade atual, é preciso buscar também soluções inovadoras, sob pena de se apegar às regras fossilizadas de épocas passadas. Oliveira[7] esclarece que a ciência jurídica não pretende — e nem consegue — impedir a fluência dos fatos econômicos, mas tem por objetivo assegurar um sentido de justiça e harmonia aos relacionamentos entre os cidadãos para garantir a paz social. Porém, ressalta que o princípio norteador, cada vez mais aceito, proclama que aquele que se beneficia do serviço deve arcar, direta ou indiretamente, com todas as obrigações decorrentes da sua prestação. A terceirização das atividades do empregador não tem o efeito de transferir a terceiros as responsabilidades trabalhistas, ou seja, “a terceirização das funções” não implica a “terceirização de responsabilidades”.

 

Por falar em responsabilidade, há quem sustente que, no Direito Romano arcaico, a responsabilidade civil era puramente objetiva, admitindo inclusive casos de responsabilidade por ato lícito. A culpa, como elemento integrante da responsabilidade, só teria surgido com a Lex Aquila. Seja como for, o certo é que a responsabilidade objetiva ficou afastada por muito tempo, caiu em desuso até os tempos modernos, quando ocorreu o seu ressurgimento.[8]

 

Aponta Cavalieri Filho[9] a revolução industrial do século passado como um dos principais fatores que ensejaram a nova concepção de responsabilidade civil. Se o desenvolvimento do maquinismo fez surgir a indústria, trouxe também como consequência os acidentes de trabalho. E foi no campo dos acidentes de trabalho que a noção de culpa, como fundamento da responsabilidade, revelou-se primeiramente insuficiente. O choque da realidade com a rigidez da norma legal impulsionou os estudiosos no sentido da busca de soluções para abrandar, ou mesmo excluir, o rigorismo da prova da culpa como pressuposto para indenização.

 

Desse modo, o instrumental jurídico está mudando seu foco de atenção dos danos causados para os danos sofridos. Importa assinalar também que os pressupostos da responsabilidade objetiva guardam mais sintonia e coerência com o comando do art. 170 da Lei Maior, segundo o qual a ordem econômica deve estar fundada na valorização do trabalho, e a propriedade deve ter uma função social.

 

Para Stoco[10], a valorização do trabalho e a proteção integral do trabalhador são os meios mais eficazes para a busca da paz social, do desenvolvimento econômico sustentado da nação e da erradicação da doença, da pobreza e da violência. Assim, um sistema de responsabilidade civil que se deseje congruente com os ideais constitucionais deve ser construído a partir de critérios que priorizem, por todas as formas possíveis, a proteção dos direitos fundamentais. Nota-se, portanto, um nítido deslocamento do pensamento jurídico em direção à responsabilidade objetiva, especialmente nas questões que envolvem maior alcance social.

 

No Estado Constitucional contemporâneo é impensável se admitir a prestação do trabalho sem a devida correspondência com o seu pagamento, por quem se beneficiou diretamente dessa mão-de-obra. Sanseverino[11] explica que os sistemas jurídicos, percorrendo diferentes caminhos, têm procurado alternativas para chegar à mais completa reparação possível dos prejuízos sofridos pela vítima. A partir das exigências sociais, o sistema jurídico admite a formulação de novas normas e princípios.

 

Na busca de um fundamento para a responsabilidade objetiva, os juristas, principalmente na França, conceberam a teoria do risco justamente no final do século XIX, quando o desenvolvimento industrial agitava o problema da reparação dos acidentes de trabalho. A doutrina do risco pode ser, então, assim resumida: todo prejuízo deve ser atribuído ao seu autor e reparado por quem o causou, independentemente de ter ou não agido com culpa. Resolve-se o problema na relação de causalidade, dispensável qualquer juízo de valor sobre a culpa do responsável, que é aquele que materialmente causou o dano.[12]

 

Se de um lado a ordem jurídica garante a liberdade de ação e a livre iniciativa, de outro garante também a plena e digna proteção do ser humano. Na responsabilidade objetiva, portanto, a obrigação de indenizar parte da ideia de violação do direito de segurança da vítima.[13] O princípio da reparação constitui, assim, a grande bússola fornecida aos operadores do Direito, particularmente aos juízes, na tarefa de concretizar a reparação dos danos sofridos.[14] Para tanto, podemos e devemos também nos valer das disposições a respeito contidas nos artigos 932, 933 e 942, todos do Código Civil.

 

Nesse sentido, se é uma realidade o fenômeno da terceirização, é também certo que essa pratica empresarial não pode servir de desvio improvisado ou artifício engenhoso para reduzir ou suprimir os direitos dos trabalhadores, sobretudo daqueles que foram vítimas de acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais. Quando o empresário transfere a terceiros a execução de parte da sua atividade, deve atuar com bastante diligência, escolhendo criteriosamente empresas que tenham capacidade técnica, econômica e financeira para arcar com os riscos do empreendimento. Deve, também, fiscalizar com rigor o cumprimento do contrato de prestação de serviços e a observância dos direitos trabalhistas dos empregados da contratada, especialmente o cumprimento das normas de segurança, higiene e saúde dos trabalhadores.[15]

 

4. A RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA FRENTE AOS PRINCÍPIOS DA FUNÇÃO SOCIAL DO PROCESSO TRABALHISTA

 

A Constituição garante que a lei não prejudicará a coisa julgada (art. 5º, XXXVI, da CF). Ao garanti-la, expressamente se optou por densificar o princípio constitucional da segurança jurídica mediante a instituição de uma regra de proteção à coisa julgada. Para Dinamarco, a grave infração da Constituição, a fraude manifesta e a violação dos direitos fundamentais são postados como motivadores da relativização da coisa julgada por natural relevância das ocorrências desse patamar.[16]

 

A respeito deste instituto, a doutrina subdivide a coisa julgada em formal e material. A formal seria endoprocessual e se vincularia exclusivamente à impossibilidade de rediscutir o tema decidido dentro do processo em que a sentença foi prolatada. Já a coisa julgada material seria extraprocessual, com seus efeitos se projetando especialmente para além dos limites daquele processo.[17] Em relação aos seus limites, há uma divisão entre limites subjetivos e objetivos. O limite subjetivo diz que a coisa julgada atinge a declaração suficiente que existe na sentença de mérito, estabelecendo a “lei do caso concreto” capaz de reger especificamente a situação deduzida e debatida em juízo. Mas essa imutabilidade se estenderia a quem? Para Marinoni, Arenhart e Mitidiero[18], não é lógico admitir que, uma vez julgada certa demanda entre duas partes, todas as outras pessoas fiquem impedidas de discutir a sentença, mesmo que tenham sido diretamente prejudicadas pela decisão. Seria totalmente incongruente exigir algo de um sujeito que nem figurou nos polos da relação processual e não teve a oportunidade de se defender.

 

No entanto, essa alusão referente ao substituído não é aceita por Tesheiner[19]: “[...] entendemos que, embora terceiro, em sentido formal, a coisa julgada atinge o substituído, tanto quanto o sucessor da parte”. Seu entendimento embasa-se na condição de estender a este os efeitos da coisa julgada, que lhe poderiam trazer alguns resultados práticos, motivados na força da res iudicata.

 

Para Marinoni, Arenhart e Mitidiero[20], também se submetem à coisa julgada o substituído processual (art. 18 do CPC), o sucessor a título universal e o sucessor na coisa litigiosa (arts. 108 e 109 ambos do CPC), ressalvada, é claro, a boa-fé do terceiro adquirente. Nesses casos, a ligação jurídica com as partes autoriza a vinculação à coisa julgada.

 

Já Liebman[21] sensibilizou a doutrina, demonstrando que a coisa julgada poderia produzir efeitos a terceiros, mas efeitos secundários, ou indiretos.  Esses efeitos que alcançam os terceiros de forma secundária acabam por caracterizar os chamados efeitos reflexos da sentença que produzem seus efeitos para fora da sentença, atingindo-lhes no mundo fático. Esses efeitos têm o poder, então, de levar aos terceiros os resultados dares iudicata, mas de modo secundário. O efeito reflexo relatado por parte da doutrina italiana é logo chamado de eficácia reflexa por Liebman.

 

Transpondo esse entendimento para o âmago do trabalho, tendo a Lei n. 13.429/17 encerrado as discussões sobre a responsabilidade do tomador de serviços pelo crédito trabalhista impago, haveria, em relação a este, uma vinculação reflexa e secundária à coisa julgada, ainda que o tomador não tenha participado diretamente de sua formação. Isso porque o raciocínio, no que diz com os limites da coisa julgada, deve ser deslocado para o objeto do processo: a pretensão deduzida em juízo. É a pretensão que irá definir não apenas os limites objetivos, como também os limites subjetivos da coisa julgada. As pessoas diretamente envolvidas no litígio serão atingidas pela coisa julgada, ainda que de modo reflexo, quando não figurarem no polo passivo desde a fase de conhecimento.[22]

 

Aliás, algumas regras trabalhistas não exigem a presença dos responsáveis, para que os créditos sejam deles posteriormente exigidos. O grupo econômico (§2º do art. 2º da CLT) e o subempreiteiro (art. 455 da CLT) constituem duas hipóteses legais em que há responsabilidade solidária entre pessoas jurídicas distintas, sendo permitida a promoção de atos de execução contra quem não constou no título executivo. Ao tratar do tema, o próprio TST cancelou a Súmula n. 205, que impedia que a empresa integrante do mesmo grupo econômico fosse chamada à lide apenas na fase executiva. Segundo Severo e Almeida, esse fato teria ocorrido, justamente, pela superação da concepção de que devedores solidários devem ser chamados a responder todos juntos.[23]

 

O CPC, em seu artigo 114, estabelece que será necessário o litisconsórcio apenas quando “por disposição de lei ou quando, pela natureza da relação jurídica controvertida, a eficácia da sentença depender da citação de todos que devam ser litisconsortes”. Não é essa a hipótese que se verifica no caso da responsabilidade que decorre da terceirização. Para Severo e Almeida, o trabalhador tem uma relação jurídica de emprego com o empregador direto e uma relação jurídica obrigacional com o tomador, porque a Lei lhe impõe a responsabilidade pela satisfação dos créditos decorrentes daquele vínculo de emprego, de cuja mão de obra se beneficiou.[24] As relações jurídicas não se confundem e, por isso mesmo, se está diante de um típico caso de litisconsórcio facultativo.

 

Assim sendo, o legitimado extraordinário para a execução será sempre alguém que, embora não tenha participado diretamente do processo, é “parte na lide”, em razão da relação jurídica que mantém com o devedor. Nessa qualidade, o “terceiro” que não participou da ação de conhecimento se sujeita à res iudicata já formada entre as partes originárias do processo, sempre que chamado, porque responsável, a adimplir, com o seu patrimônio, a dívida reconhecida em favor do exequente.[25]

 

Portanto, há pessoas que, sendo parte no litigio evidenciado no mundo dos fatos, não compõem o processo. E tais pessoas são parte no litígio justamente porque o credor possui pretensão de direito material a ser dirigida contra elas, cuja exigência pode ser realizada na fase de execução, com inversão do contraditório e observância da ampla defesa, como autoriza o art. 4º da LEF. Esse é o caso das responsáveis em razão de sua condição de tomadora dos serviços do autor da demanda trabalhista.[26]

 

Ou seja, a partir do momento em que passa a integrar o polo passivo da demanda executiva, esse ‘terceiro responsável’ passa à condição de parte e, como tal, terá garantida a ampla defesa e o contraditório, mediante o manejo dos embargos à execução, se desejar.[27] Nesse caso, será lícito ao tomador de serviços alegar, via embargos ou mesmo via exceção de pré-executividade, a negativa de prestação de serviços como excludente de sua responsabilidade. Além disso, poderá o tomador promover discussões sobre a extensão de sua responsabilidade limitando-a aos períodos da efetiva prestação de serviços. Poderá também rediscutir em relação a si mesmo a limitação de possíveis créditos concedidos no título executivo, como, por exemplo, em face de possíveis pagamentos já realizados.

 

Ainda que se tenha nos embargos uma restrição das matérias arguíveis, o §2º do art. 844 da CLT permite seja assegurada a ampla defesa e a produção probatória. Marinoni, Arenhart e Mitidiero[28] afirmam que há situações em que a limitação da defesa é necessária para permitir a efetividade da tutela do Direito. O mesmo ocorre em relação ao devido processo legal, com base no art. 889 da CLT ao autorizar a utilização da Lei n. 6.830/80 na execução trabalhista. Não há dúvidas de que a inclusão do tomador de serviços na fase executiva não representaria qualquer agressão ao devido processo legal, quando assegurado o exercício do contraditório e da ampla defesa.

 

Nesse contexto, o art. 4º da Lei de Execuções Fiscais, ao tratar sobre a legitimidade passiva, define contra quem poderá ser proposta uma ação de execução. Em seu inciso V, a LEF estabelece, de maneira muito clara, que a execução poderá ser promovida contra o responsável, nos termos da lei, pela dívida. Em outras palavras, sempre que uma lei definir a responsabilidade e o sujeito passivo pelo pagamento de determinado débito, esse sujeito poderá ter instalado contra si um processo executivo. A ideia da LEF é justamente dar mais agilidade e efetividade à cobrança de créditos com natureza pública, já que a morosidade na cobrança desses créditos compromete o bom funcionamento dos serviços públicos e, em última análise, a própria sociedade. Nesse sentido, a possibilidade de inclusão do tomador de serviços na fase de execução implica inegável avanço na efetividade do crédito alimentar trabalhista, oriundo de uma terceirização.

 

A resistência em conferir efetividade ao processo, exigindo a presença da tomadora desde a fase de conhecimento, parece, portanto, decorrer de uma cultura ultrapassada de proteção demasiada ao devedor em detrimento do interesse do credor. Tal circunstância, embora ainda cause tanta polêmica em se tratando de tomadores de serviço, já é aceita com bastante tranquilidade pela doutrina e pela jurisprudência quando os legitimados extraordinários, chamados apenas na fase de execução, são sucessores, sócios ou empresas pertencentes ao mesmo grupo econômico da empregadora.

 

Aliás, por falar em jurisprudência, caso seja cancelada a Súmula n. 331 do TST, a partir da ADPF n. 324 e do Recurso Extraordinário (RE) n. 958252, seria cancelada, também, a última barreira jurisprudencial que impedia a inclusão do tomador de serviços apenas na fase de execução. Esse recente julgamento do STF poderá, em um futuro próximo, servir como um verdadeiro catalisador na busca do reconhecimento da possibilidade de inclusão do tomador de serviços diretamente na fase de execução do processo trabalhista, já que, a partir dele, não há mais empecilhos jurídicos, jurisprudenciais e constitucionais para inclusão do tomador de serviços nessa fase processual, tornando-o mais célere e efetivo.

 

A exigência contida no item IV da Súmula n. 331 do TST, portanto, mais do que desafiar o sistema jurídico, gera prejuízos concretos de acesso ao crédito trabalhista justamente para os quais o Poder Judiciário Trabalhista deve proteção.

 

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Ao contrário do que ocorre no Direito Comum, no Direito do Trabalho o Estado intervém para equilibrar uma relação que, historicamente, tende ao desequilíbrio (capital versus trabalho). Por mais óbvio que isso possa parecer, o trabalho não se separa da pessoa que o realiza. Isso justifica, portanto, que o Direito do Trabalho seja balizado e compreendido sob o prisma da efetividade e da proteção - seus pilares fundamentais. Ao tentar-se compreender o Direito do Trabalho com a racionalidade do direito comum, ele perderá sentido.

 

Diante dessa conhecida deficiência, o próprio legislador trabalhista elegeu a Lei de Execuções Fiscais (Lei n. 6.830/80) como fonte subsidiária ao processo de execução trabalhista, na forma do art. 889 da CLT. Acredita-se que a escolha da Lei de Execuções Fiscais como fonte subsidiária ao processo trabalhista não tenha ocorrido por acaso, mas em função da natureza alimentar da verba perseguida e da consequente necessidade de se buscar meios efetivos para sua satisfação.

 

Nesse contexto, o art. 4º da Lei de Execuções Fiscais assegura que a execução poderá ser promovida contra o responsável, nos termos da lei, pela dívida. Em outras palavras, sempre que uma lei definir a responsabilidade e o sujeito passivo pelo pagamento de determinado débito, esse sujeito poderá ter instalado contra si um processo executivo, impondo-se a proteção do credor trabalhista em desfavor de quem se beneficiou dessa força de trabalho.

 

Neste compasso, não há razão lógica ou legal para não se adotar entendimento já consubstanciado a respeito dos legitimados extraordinários, que são chamados apenas na fase de execução para responderem por suas obrigações, como vemos nas hipóteses dos sucessores, sócios ou empresas pertencentes ao mesmo grupo econômico da empregadora.

 

Com a ideia de se buscar a reparação mais completa  possível dos danos à pessoa humana, com base no princípio da reparação integral do dano, impõe-se o reconhecimento da responsabilidade objetiva do tomador de serviços pelas obrigações trabalhistas.

 

A partir dessas premissas, merece ser revisada a Súmula n. 331 do TST, a fim de que seja possibilitada a inclusão do tomador de serviços diretamente na fase de execução do processo trabalhista, tornando-se a execução efetiva mas também assegurando-se o exercício da ampla defesa e do contraditório a esse tomador.

 

Isto porque não é aceitável que o trabalho prestado se perpetue sem o devido pagamento.

 

REFERÊNCIAS

 

CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2012.

 

DINAMARCO, Cândido Rangel. Liebman e a cultura processual brasileira. Revista de Processo, São Paulo, v. 30, n. 119, p. 259-284, jan. 2005.

 

LIEBMAN, Enrico Tullio. Eficácia e autoridade da sentença e outros escritos sobre coisa julgada. Porto Alegre: Forense, 1981

 

MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Curso de processo civil. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. v. 1.

 

MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Curso de processo civil. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. v. 2.

 

OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por acidente de trabalho ou doença ocupacional. 10. ed. São Paulo: LTr, 2018.

 

SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira. Princípio da reparação integral. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

 

SANTOS JÚNIOR, Rubens Fernando Clamer dos. A eficácia dos direitos fundamentais dos trabalhadores. São Paulo: LTr, 2010.

 

SEVERO, Valdete Souto; ALMEIDA, Almiro Eduardo de. Direito do trabalho avesso da precarização. São Paulo: LTr, 2014.

 

STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.

 

TESHEINER, José Maria. Eficácia da sentença e coisa julgada no processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.

 

THAMAY, Rennan Faria Krüger. A relativização da coisa julgada pelo Supremo Tribunal Federal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013.

 


[1] SANTOS JÚNIOR, Rubens Fernando Clamer dos. A eficácia dos direitos fundamentais dos trabalhadores. São Paulo: LTr, 2010. p. 129.

 

[2] Idem. p. 44.

 

[3] MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Curso de processo civil. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. v. 1. p. 255.

 

[4] THAMAY, Rennan Faria Krüger. A relativização da coisa julgada pelo Supremo Tribunal Federal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p. 268.

 

[5] A favor os ministros Luiz Fux, Luís Roberto Barroso, Alexandre de Mores, Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Cármen Lúcia. Vencidos os ministros Edson Fachin, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio.

 

[6] OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por acidente de trabalho ou doença ocupacional. 10. ed. São Paulo: LTr, 2018. p. 107.

 

[7]   OLIVEIRA, 2018. p. 108.

 

[8] CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2012. p. 151.

 

[9] Idem. p. 114.

 

[10] STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 835-836.

 

[11] SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira. Princípio da reparação integral. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 19.

 

[12] CAVALIERI FILHO, 2012. p. 152.

 

[13] Idem. p. 156.

 

[14] SANSEVERINO, op. cit. p. 79.

 

[15] OLIVEIRA, 2018. p. 112.

 

[16] DINAMARCO, Cândido Rangel. Liebman e a cultura processual brasileira. Revista de Processo, São Paulo, v. 30, n. 119, p. 259-284, jan. 2005. p. 259-284.

 

[17] MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Curso de processo civil. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. v. 2.

 

[18] Idem. p. 512.

 

[19] TESHEINER, José Maria. Eficácia da sentença e coisa julgada no processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 81.

 

[20] MARINONI; ARENHART; MITIDIERO, 2017. v. 2. p. 513.

 

[21] LIEBMAN, Enrico Tullio. Eficácia e autoridade da sentença e outros escritos sobre coisa julgada. Porto Alegre: Forense, 1981. p. 81.

 

[22] SEVERO, Valdete Souto; ALMEIDA, Almiro Eduardo de. Direito do trabalho avesso da precarização. São Paulo: LTr, 2014. p. 208.

 

[23] SEVERO; ALMEIDA, 2014. p. 204.

 

[24] Idem. p.206.

 

[25] Idem. p. 206.

 

[26] Idem. p. 209.

 

[27] SEVERO; ALMEIDA, 2014. p. 206.

 

[28] MARINONI; ARENHART; MITIDIERO, 2017. v. 1. p. 360.

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