O  SISTEMA JURÍDICO NACIONAL E A INEXISTÊNCIA DO PODER FISCALIZATÓRIO NA ATIVIDADE DO PROPAGANDISTA DE MEDICAMENTOS: UMA ANÁLISE FÁTICO-JURÍDICA

 

 

 

CLÁUDIO ARAUJO SANTOS DOS SANTOS

Advogado, Pós-Graduado em Direito e Processo do Trabalho – Unisinos, Curso de Preparação à Magistratura do Trabalho - FEMARGS

 

 

 

Desde muito tempo se discute, no Direito do Trabalho, a respeito do direito ao recebimento de horas extras por funcionários exercentes de atividades externas.

 

A questão aqui abordada irá tratar, especificamente, dos propagandistas de laboratórios farmacêuticos, entretanto, nada impede que o mesmo raciocínio seja utilizado para todas aquelas atividades dos exercentes de atividades externas, cuja forma de atuação seja similar à atuação destes profissionais.

 

Justamente por isso, é necessária uma análise fática da situação em comento, trazendo, para esta análise, todo o sistema jurídico que envolve o tema debatido.

 

Dentro do ordenamento jurídico pátrio, especificamente na CLT, em relação ao tema, vemos o artigo 2º da CLT, que conceitua  o empregador e traz nesta definição, segundo a doutrina, o fundamento do chamado Poder Empregatício e suas “subespécies” (o poder diretivo, o poder regulamentar, o poder disciplinar e o poder  fiscalizatório), “in verbis”:

 

Art. 2º - Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço. (grifo)

 

Vemos que uma das subespécies do Poder Empregatício é o poder fiscalizatório, o qual, conforme Maurício Godinho Delgado (2008), “..., também conhecido como poder de controle, compreende “o conjunto de prerrogativas dirigidas a propiciar o acompanhamento contínuo da prestação de trabalho e a própria vigilância efetivada ao longo do espaço empresarial interno". Permite ao empregador acompanhar, fiscalizar e controlar a atuação e o desempenho das obrigações e dos deveres do empregado e engloba, por exemplo, situações de controle e frequência da atividade laboral, horário de entrada e saída (art. 74, CLT) e medidas de controle em portarias. Isso se justifica, mais uma vez, pelo fato de ser o empregador quem assume o risco de sua atividade (art. 2º, caput, da CLT). Por isso, deve-se permitir que controle se os fatores de produção estão em regular e correto exercício.” (grifos acrescidos)

 

E este poder fiscalizatório está, sim, expressamente regulado, na CLT,   no Título II (DAS NORMAS GERAIS DE TUTELA DO TRABALHO), em seu   Capítulo II (DA DURAÇÃO DO TRABALHO),  que trata somente da duração do trabalho.

 

Com efeito, como  se observa, a CLT, no TÍTULO II (DAS NORMAS GERAIS DE TUTELA DO TRABALHO), em seu CAPÍTULO II (DA DURAÇÃO DO TRABALHO) regula a duração do trabalho,  os períodos de descanso, o trabalho noturno, etc, trazendo todas as regras que norteiam o tamanho da jornada de trabalho e/ou carga semanal e seus intervalos (intra e entrejornadas) e  a forma de fiscalização/controle deste horário de trabalho .

 

Ademais, na própria SEÇÃO I, deste Capítulo II, traz a DISPOSIÇÃO PRELIMINAR que é enfática:

 

Art. 57 - Os preceitos deste Capítulo aplicam-se a todas as atividades, salvo as expressamente excluídas, constituindo exceções as disposições especiais, concernentes estritamente a peculiaridades profissionais constantes do Capítulo I do Título III.(grifo acrescido)

 

E entre aquelas atividades que estão expressamente excluídas,  estão aquelas (todas elas) elencadas no artigo 62, da CLT, entre as quais se destaca o exercente de atividade externa, incompatível com o controle de horário,  em seu  inciso I:

 

Art. 62 - Não são abrangidos pelo regime previsto neste capítulo: (Redação dada pela Lei nº 8.966, de 27.12.1994)

I - os empregados que exercem atividade externa incompatível com a fixação de horário de trabalho, devendo tal condição ser anotada na Carteira de Trabalho e Previdência Social e no registro de empregados;    (Incluído pela Lei nº 8.966, de 27.12.1994)

(...)

 

Neste particular, desde logo, é oportuno lembrar o princípio basilar da hermenêutica jurídica, no sentido de  que a lei não contém palavras inúteis (verba cum effectu sunt accipienda), ou seja, as palavras devem ser entendidas como tendo alguma eficácia.

 

E no citado dispositivo legal temos a expressão “incompatível com a fixação de horário”

 

O que o legislador quis dizer com a expressão “incompatível com a fixação de horário” quando coloca os empregados que exercem atividade externa como sendo uma exceção ao capítulo da CLT que trata da duração do trabalho?

 

Ora, incompatível, segundo o dicionário, é  um adjetivo que significa  “aquilo que não pode coexistir com outra coisa, inconciliável, incombinável, que não pode ser simultaneamente utilizado/exercido; que não se pode harmonizar com.

 

Por sua vez, fixação é um substantivo feminino que significa “o ato de fixar, de estabelecer, de tornar estável.

 

De outra parte,  horário de trabalho significa o que marca o começo e o fim da jornada de trabalho.

 

Traduzindo, o artigo em questão refere que estão fora do regime previsto neste capítulo, aqueles que exercem atividade externa inconciliável com  o ato de fixar, de estabelecer, de tornar estável o que marca o começo e o fim da jornada de trabalho.

 

Observe-se: quando a contratação é para trabalhar externamente,  a incompatibilidade de fixação de horário já ocorre na formatação  do contrato,  pois é  impossível contratar(fixar) uma jornada para o trabalhador externo. E esta incompatibilidade  permanece na execução do contrato de trabalho, na medida em que,  de fato e de direito, além de o empregador não ter como fixar  um horário na contratação, também não tem como fixar este horário na execução do contrato.

 

Registre-se: o poder fiscalizatório[1] é exercido, de forma tranquila e perfeita, em contratos de trabalho com pessoas que trabalham internamente, pois nestas situações, o empregador consegue fiscalizar a jornada de todos os seus funcionários, não só através do registro de horário (elemento formal), mas também, e principalmente, pelo fato de ele mesmo (empregador), na execução do contrato de trabalho, ter condições de fiscalizar este trabalho, muito principalmente em relação ao horário em que o mesmo está sendo realizado.

 

Ou seja, nestes casos (trabalhos internos) o empregador, no caso de o  empregado estar trabalhando além do horário fixado em seu contrato, pode, se assim desejar, se dirigir ao funcionário e pedir para ele ir embora(exercício do poder fiscalizatório cumulado com o poder diretivo). Mais ainda, ele pode, durante a jornada do trabalho, chamar a atenção do funcionário (poder disciplinar), elogiar o funcionário (poder diretivo), etc, pois ele está vendo (e fiscalizando) o que ele está fazendo. Ou seja, o empregador, nestes casos,   tem o poder fiscalizatório, que é inerente ao poder empregatício à sua disposição. Pode até não exercê-lo, mas tem a possibilidade de assim agir!

 

No caso de trabalho em jornada externa, tais situações, inerentes ao poder fiscalizatório NÃO PODEM OCORRER, mesmo que o empregador deseje!! Registre-se: não é que o empregador não queira realizar!! Ele não tem como realizar!!!.

 

Quanto ao tópico, é oportuno referir que a jurisprudência, algumas vezes, tem trabalhado com a questão da possibilidade de um suposto controle de horário indireto (através dos sistemas de visitação) e, por conta disto, reconhece o direito ao recebimento de horas extras a estes trabalhadores.

 

Pois bem! O que seria um controle indireto? É possível existir um controle indireto?

 

Para tanto, devemos, inicialmente entender o que significa “controlar” alguma coisa. E examinando o dicionário da língua portuguesa temos que a palavra “controle” é um substantivo utilizado para definir o domínio ou poder de fiscalizar e administrar determinada coisa; ter o controle da situação é dominar ou ter o poder sobre o que está acontecendo.

 

Ela pode ser aplicada em múltiplos contextos, com significados semelhantes: administrar, organizar ou dominar alguma coisa ou situação.

 

Neste contexto, o “controle” está relacionado com a administração, seja de documentos, de produtos, de pessoas e etc. Assim, controlar significa verificar as condições de determinada coisa, analisá-la, compará-la e organizá-la com outros itens do mesmo grupo.

 

E o que significa indireto? Segundo o nosso dicionário, “seria aquilo que  não é direto; que não conduz diretamente ao alvo; tortuoso: itinerário indireto”. E direto, segundo o dicionário,  é aquilo que é “reto, direito: caminho direto”.

 

Ora, neste contexto, é certo que não é possível que alguém  tenha  o controle da situação (dominar ou ter o poder sobre o que está acontecendo), administre, organize ou domine alguma coisa ou situação, indiretamente, ou, melhor, sem ser de forma direta.

 

Enfim, no caso dos exercentes de jornada externa,  não há qualquer dúvida que o empregador não tem nenhuma/qualquer possibilidade de exercer o poder fiscalizatório, na medida em que não tem  qualquer administração sobre o horário do colaborador, pois não tem como exercer este controle, lembrando que  ter o controle da situação (ou do horário) é dominar ou ter o poder sobre o que está acontecendo (sobre o horário).

 

Poderia se dizer, ainda, que, embora não exista controle do horário e que o horário, efetivamente, é incompatível com a fixação - como de fato ficou demonstrado -, seria possível, nestas situações, demonstrar o tamanho da jornada do propagandista através da prova testemunhal.

 

Ora, como se sabe, todos eles trabalham sozinhos, é, justamente por isso,  impossível qualquer testemunha saber sobre o tamanho da jornada de qualquer dos seus colegas, pois ninguém vê o outro trabalhando diariamente.

 

E aqui também está a outra situação, também material, que faz com que a atividade externa - em que não existe qualquer forma de  controle do horário e que o horário, efetivamente, é incompatível de ser fixado -, seja completamente diferente daqueles que trabalham internamente

 

Com efeito, além destes últimos (i) terem a fiscalização material possível de seu empregador (pois pode enxergar, pode advertir, pode elogiar e, pode controlar o horário de trabalho) e também terem (ii) o registro de horário (cartão-ponto = registro formal da jornada), nestas situações (iii) também existem vários(as) colegas que estivera(am) trabalhando no mesmo local e no mesmo momento, portanto, há pessoas que viram(êem) e podem testemunhar sobre o tamanho da jornada; horário  em que entrou;  horário em  que saiu; horário em que almoçou, etc.

 

Aliás, tal situação é constantemente examinada pelos tribunais trabalhistas, quando há alegação, na petição inicial,  de que o cartão ponto (registro de horário formal) não é fidedigno. O que se faz: tanto o empregado, como o empregador podem, querendo, fazer a prova de suas alegações, através de testemunhas. Como se percebe, trata-se de mais uma forma em que se demonstra que a fiscalização é  exercida e, inclusive, questionada a própria fiscalização exercida (o cartão-ponto), pois ela existe!

 

Ou seja, quanto ao  trabalhador interno, o poder fiscalizatório é possível de ser realizado; o horário de trabalho pode (compatível) ser fixado, tanto no momento da contratação do funcionário (das 8h às 12h e das 14h às 18h, de segunda à sexta, por exemplo), quanto na execução do contrato de trabalho.

 

De outra parte – e não menos importante, inclusive no aspecto jurídico – o artigo 62 da CLT teve incluído, pela Reforma Trabalhista (Lei nº 13.467/17), o inciso III[2], que disciplinou o teletrabalho[3] com uma das atividades que não estão  abrangidas pelas regras relativas à duração do trabalho.

 

Com efeito, nos termos do artigo 75-B, da CLT, o teletrabalho é  a prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo.

 

Tal fato, sem qualquer dúvida, reforça, não só aspecto jurídico-legislativo - pois trazido para o nosso sistema jurídico  mais uma hipótese de exceção à regra geral do capítulo relativo à  duração do trabalho - , mas também  no aspecto fático,    a hipótese  da total impossibilidade de controle de horário (pois o horário é incompatível de ser fixado) de pessoas que trabalham externamente e/ou fora do estabelecimento do empregador - e não em outro estabelecimento -, como ocorre com a jornada externa e o teletrabalho, ainda que usando tecnologia de informação em seu trabalho.

 

Aliás, esta questão de total impossibilidade de controle de horário para aqueles que trabalham externamente pode ser devidamente demonstrada/comprovada com situação que está ocorrendo neste momento em todo o nosso país em razão do grande problema decorrente da pandemia causada pelo  novo corona vírus(COVID 19).

 

Como se sabe, em razão da necessidade de um afastamento social e/ou adoção de mecanismos para não existir qualquer aglomeração de pessoas, muitos funcionários, quando isto é possível, estão adotando  o chamado “home office”, que se tornou necessário neste período e, por conta disto, a pessoa está trabalhando sozinha em sua residência.

 

Pergunta-se: como se controla o horário de trabalho de qualquer destas pessoas? É possível controlar? Não! É impossível controlar o horário de trabalho destas pessoas, pois ao empregador, que remunera estas pessoas por determinada carga horária contratada (trabalham internamente e tem seu horário controlado pelo empregador) não tem como acompanhar, fiscalizar e controlar a atuação e o desempenho das obrigações e dos deveres destes empregados, neste momento (home office).

 

Poderia se dizer que o empregador, nestas situações – trabalho realizado externamente - tem que confiar nas informações do empregado e o eventual sistema utilizado poderia servir de comprovação do horário de trabalho.

 

Sim! O empregador tem que confiar no seu empregado e a recíproca também é verdadeira! E também é verdade que o empregador pode verificar o sistema utilizado pelo mesmo. Entretanto, é certo que ele  não tem como controlar o horário deste funcionário, neste momento, pois este é incompatível de ser fixado, na medida que está sendo executado longe dos seus olhos. Ou seja, o que está, eventualmente,  informado no sistema, não necessariamente, é o que está sendo realizado, pois o empregador não tem como ter certeza do que está sendo feito, do horário que está sendo feito e de como está sendo feito.

 

E em relação à questão confiança (que deve permear toda relação e muito especialmente a relação de trabalho) é oportuno questionar, usando o exemplo do que ocorre naquelas relações judicializadas dos propagandistas: Podemos confiar no que é dito por eles?

 

Como se sabe, nestas demandas, há uma informação repetida em todas as  petições iniciais  no sentido de que o empregado trabalha, diariamente, em média, umas 14/15 horas diárias, sem gozo de intervalo intrajornada. Além disso, referem que trabalham também em jantares semanais(em número que varia) e em alguns sábados e domingos/feriados (em número que varia), em decorrência de participação em congressos, etc.

 

Questiona-se: esta informação constante da petição inicial (que é a realidade vivenciada pelo propagandista, segundo a sua ótica = é uma confissão), feita por todos os propagandistas,  em relação ao tamanho da jornada diária, quando o Poder Judiciário não admite a hipótese do artigo 62, I, da CLT, é por ele acolhida  integralmente?

 

Ora, pelo exame de todas as decisões a que se teve acesso(e são inúmeras), esta jornada da petição inicial nunca foi acolhida! Portanto, como vamos falar em confiança, se, como visto, quando tratamos de demandas judicializadas aquilo que é referido na petição inicial em relação ao tamanho da  jornada de trabalho nunca  é acolhido integralmente?

 

De outra parte, muitas vezes verificamos o argumento, para afastar a hipótese do artigo 62, I, da CLT, inclusive em decisões, no sentido de que o empregador poderia fazer uso do que dispõe o artigo 74, § 3º, da CLT e, por conta disto, não haveria motivo para se adotar a regra do artigo 62, I, da CLT.

 

Ora, o artigo 74, § 3º, da CLT[4], não trata daqueles que trabalham em jornada externa típica (como é o caso dos propagandistas de medicamentos), mas sim daqueles funcionários que, embora não trabalhem no estabelecimento do empregador, trabalham, internamente, em outro estabelecimento/local  distinto do estabelecimento do empregador e, justamente por isso é que, para estes, é possível fazer um registro manual, pois trabalham também internamente em um local específico, como, aliás, determina o § 3º, do artigo 74, da CLT.

 

E, não bastasse isto, também neste tipo de trabalho, existe outras pessoas que trabalham junto com este funcionário (sejam outros trabalhadores desta mesma função, seja os próprios funcionários internos da empresa onde estão prestando o serviço), portanto, a prova do horário (caso discutida a eventual  marcação de ponto ou eventual inexistência deste) pode ser tranquilamente realizada por qualquer das partes,  pois estes podem  enxergar a saída e entrada do funcionário no local.

 

Enfim, a regra do artigo 74, § 3º, da CLT não tem nenhuma relação/aplicação para aqueles que trabalham em jornada externa típica, como é o caso do propagandista de produtos farmacêuticos.

 

De outra parte, em relação à questão discutida (jornada externa e a completa impossibilidade de controle), e para ilustrar,  é  oportuno trazer o brilhante fundamento contido  na sentença proferida pela MMª Juíza Aline Doral Stefani Fagundes, no Processo nº 0021506-71.2017.5.04.0334, oriunda da Vara do Trabalho de São Leopoldo (Posto de São Sebastião do Caí), abaixo transcrita:

 

 “8. DURAÇÃO DO TRABALHO. HORAS EXTRAS. ADICIONAL NOTURNO

 

O reclamante requer o pagamento das horas excedentes à 8ª diária e à 40ª semanal. Alega, nesse sentido, que, em face das inúmeras tarefas que lhe eram atribuídas, extrapolava sua jornada constantemente, sem a respectiva contraprestação. Além disso, argumenta não ter sido respeitado o intervalo intrajornada, bem como era obrigado a comparecer em congressos, convenções e jantares com clientes. Pede, assim, o pagamento de horas extras, com reflexos, e adicional noturno.

 

A reclamada contesta, sustentando que, pelo fato de o reclamante de possuir jornada de trabalho externa, enquadra-se na exceção do art. 62, I, da CLT.

 

Ao exame.

 

Consoante a previsão contida no art. 62, inciso I, da CLT, estão excetuados do controle de jornada e, por consequência, não fazem jus ao pagamento de horas extras, os empregados exercentes de atividade externa incompatível com a fixação de horário de trabalho. É importante pontuar que, para enquadramento nessa medida excepcional, não é suficiente o mero exercício de um trabalho externo. Na realidade, deve estar presente, também, a impossibilidade de o horário de trabalho ser fiscalizado. Registra-se, ainda, que a incidência desta exceção não pode ser interpretada como uma faculdade do empregador - que deliberadamente opta por não controlar a jornada -, mas, sim, há de se averiguar, no caso concreto, a viabilidade desse controle. Na hipótese em exame, analisando os autos, é de se concluir que o autor se enquadra na exceção prevista no art. 62, I, da CLT. Explico.

 

De início, é imprescindível analisar o depoimento do autor acerca do seu horário de trabalho, conforme trechos abaixo reproduzidos:

 

que trabalhava em média das 8 h às 19 h, com 30 a 40 minutos de intervalo; que nunca encerrou as atividades antes das 19h, assim como nunca gozou mais do que 40 minutos de intervalo, desde 1995; que desde 1995 nunca foi ao médico, dentista ou cortou o cabelo nos horários das 8 h às 19 h, de segunda a sexta-feira; que não trabalhava sábados, domingos ou feriados; questionado inúmeras vezes sobre o horário que trabalhava, confirma os horários acima, no entanto, ao ser questionado que outras atividades realizava, informa que além de jantares, respondia e-mails, preparava o itinerário e ajeitava as amostras fora dos horários acima informados; questionado, então, novamente quanto aos horários acima informados e a relação de tarefas ocorridas depois, é perguntado se o horário acima respondido está errado ou se não considera trabalho as tarefas posteriormente listadas, apenas insiste na confirmação da jornada inicialmente descrita e ratifica que as tarefas ocorridas depois considera trabalho; que nessas tarefas listadas depois utilizava cerca de uma hora e trinta minutos a duas horas por dia; que essas tarefas eram feitas de segunda a sexta (...) que a programação de visitas era elaborada pelo depoente e enviada ao gerente semanalmente ou mensalmente para a aprovação; que a programação consistia em 12 médicos e 2 farmácias por dia, com a indicação do horário de início de cada visita; que na programação destinava uma hora para cada visita, sem interrupção para o horário do almoço; que normalmente conseguia cumprir toda a sua tabela; que a primeira visita na programação do reclamante estava agendada para as 8 h; que ao final de cada visita já lançava o comentário no sistema que ao final do contrato já era em ipad; que o depoente não tinha por hábito acumular o lançamento dos comentários para depois; que o equipamento não impede lançamento posterior, no entanto, o depoente não conseguiria lembrar com precisão as informações necessárias; que era mais importante para a reclamada que observasse o horário da visita lançada na programação do que o número de visitas programadas para um dia, de forma que se em razão da indisponibilidade de algum médico percebesse que perderia uma visita era melhor que perdesse do que reajustasse o roteiro para atender todos; que havia uma cobrança para que as visitas fossem concluídas até as 19 h; que o último visitado estava marcado na programação do depoente para as 19 h; que normalmente deixava as farmácias para o final; questionado novamente acerca do último horário agendado na programação, já que informa haver uma cobrança para que as visitas fossem concluídas até as 19 h, confirma que era por volta das 19h; que nos congressos médicos a atividade recreativa normalmente era um jantar na última noite; que as atividades de trabalho no congresso eram de dia inteiro; que não havia nenhum pagamento em razão dos congressos (...)

 

Veja-se, da leitura do depoimento, que o próprio reclamante tem dificuldades em delinear a sua jornada de trabalho. Primeiro diz que trabalhava das 8h às 19h. Logo depois refere fazer cerca de 1h30min a 2h de trabalho extracampo, consistente, além das participações em jantares, em responder e-mails, preparar os itinerários e as amostras para o próximo dia de trabalho. Além disso, menciona fazer 14 visitas diárias (12 médicos e 2 farmácias), reservando uma hora para cada visita, sem contar com horário de almoço. Então, se assim fosse, haveria uma jornada de cerca de 16h, somando as 14h de visitas e as 2h de trabalho extracampo, o que não se coaduna sequer com a narrativa da petição inicial. Ainda, o autor comenta que conseguia, normalmente, cumprir todo o seu planejamento diário de visitas. Ademais, destaca haver uma cobrança para que as visitas fossem concluídas até as 19h, mas diz marcar a última visita para as 19h, o que causa, no mínimo, estranheza, principalmente diante do relato de "que era mais importante para a reclamada que observasse o horário da visita lançada na programação do que o número de visitas programadas para um dia". Em suma, o depoimento é repleto de inconsistências no que se refere à delimitação da jornada. Logo, se o próprio autor mal consegue definir o seu horário de trabalho, não é razoável raciocinar que a reclamada consiga.

 

Outrossim, conforme relato, o horário da realização das visitas não dependia de imposição da reclamada, pois eram formulados pelo próprio reclamante em consonância com as agendas das farmácias e médicos a serem consultados. Se o reclamante quisesse colocar um número menor de visitas em um dia e aumentar em outro, tinha liberdade para isso. Dito de outro modo, o roteiro de visitas não era imposto pela ré e, no ponto, o reclamante, quando diz que "normalmente deixava as farmácias para o final" sinaliza para a flexibilidade na montagem do itinerário. Nesse aspecto, a mera existência de sistema para lançamento das visitas efetuadas, com o registro dos dias e horas, e a previsão de uma agenda não são suficientes para que seja possibilitado um efetivo controle de jornada de trabalho por parte da reclamada. Quer dizer, ainda que plausível - em certos casos - o controle de jornada em trabalho externo, percebe-se a sua inviabilidade na hipótese em exame, diante da possibilidade de o reclamante definir a ordem e a quantidade de trabalho e visitas.

 

Importa mencionar, ainda, que não se pode raciocinar no sentido de que a jornada possa ser ampla e irrestritamente fiscalizada por qualquer tecnologia - como o GPS e a internet móvel, por exemplo -, pois, pensando dessa forma, qualquer trabalhador, em princípio, pode ter a sua jornada fiscalizada integralmente, o que não é verdade e impõe uma inaplicabilidade absoluta do art. 62, I, da CLT. No caso dos autos, a título exemplificativo, não seria possível a fiscalização dos trabalhos extracampo (preparação de itinerários e amostras), porquanto o próprio autor diz fazer essas atividades em sua residência. Não há como saber, portanto, se de fato o trabalho está sendo feito, ou não, e muito menos por quanto tempo e a que horas. Na verdade, a exceção ao controle de jornada descrita deve ter como foco as características do trabalho realizado, e não os meios eletrônicos de controle disponíveis. Supondo, por exemplo, como verdadeira a afirmação do autor de ser mais importante manter os horários programados do que reajustar o roteiro de visitas. Nesse caso, na hipótese da impossibilidade de dois ou três médicos receberem o reclamante durante o dia, qual seria o mecanismo utilizado para averiguar, ou não, se entre as visitas há efetivo trabalho? Entende-se ser impossível essa fiscalização, bem como não é crível raciocinar que o reclamante, diante de uma visita frustrada, não reajuste o seu itinerário de modo encerrar antes a sua jornada. O acompanhamento, pelo empregador, das atividades realizadas pelos seus empregados (lançamentos em sistema das visitas), em realidade, representa apenas uma verificação visando à própria viabilidade econômica da empresa. Por óbvio que se insere entre os poderes do empregador fiscalizar e exigir a efetiva ocorrência de trabalho e em quantidade compatível com o salário pago. Sinala-se, por oportuno, que o depoimento da testemunha trazida pelo reclamante confirma que não havia um número mínimo de visitas, mas, sim, uma meta a ser cumprida a cada ciclo de 20 dias úteis. Veja-se:

 

que o painel médico atual do depoente tem 260 médicos de diferentes especialidades; que esse número pode variar de acordo com a época, mas cada representante da mesma linha de medicamento, independentemente da área, terá o mesmo número de médicos no painel; que é preciso atingir 92% de visitas nesse painel em um ciclo de 20 dias úteis; que a meta diária de visitas é de 14 médicos e 2 farmácias; questionado se existe um número mínimo de visitas diárias, responde que procura fazer as 16 porque senão não consegue recuperar essa quantidade em outro dia para atingir os 92%

 

Noutro ponto, consigna-se também que, muito embora tenha referência na Ficha Registro de Empregado de Id. 10c0f10 sobre o módulo semanal de 44h e mensal de 220h, não há qualquer delimitação da jornada de trabalho. No campo destinado a tal registro, nada consta (somente o número "0" repetido no lugar do horário de início e término da jornada). Aliás, é importante salientar que o reclamante foi diversas vezes, no curso do processo, intimado a juntar cópia integral da sua CTPS (vide despachos de Ids. dee901e e 3a3001b), com o fim de ser possível verificar se a anotação referente ao art. 62, I, da CLT já era de seu prévio conhecimento quando do início do contrato. No entanto, quedou-se inerte, mesmo com o aviso da incidência do art. 400 do CPC. Esse fato é mais um elemento de convicção no sentido de que a inviabilidade do controle de jornada, além de evidente no caso dos autos, era de conhecimento do autor.

 

Fica claro, assim, que o reclamante se enquadra na exceção prevista no do art. 62, inciso I, da CLT, sendo excluído do controle de jornada. A propósito, seguem decisões do TRT da 4ª Região, nas quais se aborda justamente a hipótese de controle de jornada do propagandista-vendedor:

 

EMENTA PROPAGANDISTA VENDEDOR. HORAS EXTRAS. JORNADA DE TRABALHO. ATIVIDADE EXTERNA. ART. 62, I, DA CLT. Enquadramento da empregada na exceção do art. 62, I, da CLT, quando a prova oral/testemunhal revela que inexistia controle e fiscalização da jornada de trabalho por parte da ré, mas mera possibilidade de acesso ao roteiro de visitas, sem prova do efetivo controle e cobrança quanto à jornada desempenhada. Interesse do propagandista vendedor, pelo sistema remuneratório, na ampliação da prestação de serviços para majoração de seus ganhos. Indevidas as horas extras postuladas. (TRT da 4ª Região, 2ª Turma, 0020234-13.2013.5.04.0001 RO, em 07/07/2017, Marcelo Jose Ferlin D'Ambroso)

 

(...) HORAS EXTRAS. TRABALHO EXTERNO. VENDEDOR PROPAGANDISTA. A natureza da atividade do vendedor propagandista e as peculiaridades que envolvem a forma de prestação da atividade, autorizam enquadramento no inciso I do artigo 62 da CLT, uma vez demonstrado o exercício de atividade externa incompatível com a fixação de horário de trabalho e comprovado que o trabalhador tem autonomia, não precisando prestar contas ao empregador da forma como desenvolve suas funções. Direito ao pagamento de horas extras não reconhecido. Sentença mantida.(TRT da 4ª Região, 1ª Turma, 0020750-60.2014.5.04.0013 RO, em 30/11/2017, Desembargadora Lais Helena Jaeger Nicotti) (grifei)

 

JORNADA DE TRABALHO. ARTIGO 62, I, DA CLT. Incide a exceção prevista no art. 62, inciso I, da CLT quando a prova dos autos demonstra que o autor realizava trabalho externo sem sujeição a horário, cuja fiscalização não era possível nem mesmo de forma indireta, caracterizando jornada externa incompatível com controle. Recurso da reclamada provido. (...) (TRT da 4ª Região, 1ª Turma, 0001070-33.2012.5.04.0022 RO, em 26/04/2017, Desembargadora Iris Lima de Moraes - Relatora. Participaram do julgamento: Desembargadora Laís Helena Jaeger Nicotti, Desembargador Fabiano Holz Beserra) (grifei)

 

Sendo assim, é indevido o pagamento de horas extras, de intervalo intrajornada, bem como de adicional noturno.

 

Indeferem-se, portanto, os referidos pedidos.”(grifos em sublinhado, negrito e itálico)

 

Neste particular, pelo brilhantismo, é oportuno enfatizar e reproduzir, novamente, um  dos tópicos do fundamento da r. decisão, o qual vai ao encontro da tese acima trazida, no sentido da efetiva incompatibilidade de fixação de jornada e, por conta disto, de controle de horário:

 

“Importa mencionar, ainda, que não se pode raciocinar no sentido de que a jornada possa ser ampla e irrestritamente fiscalizada por qualquer tecnologia - como o GPS e a internet móvel, por exemplo -, pois, pensando dessa forma, qualquer trabalhador, em princípio, pode ter a sua jornada fiscalizada integralmente, o que não é verdade e impõe uma inaplicabilidade absoluta do art. 62, I, da CLT. No caso dos autos, a título exemplificativo, não seria possível a fiscalização dos trabalhos extracampo (preparação de itinerários e amostras), porquanto o próprio autor diz fazer essas atividades em sua residência. Não há como saber, portanto, se de fato o trabalho está sendo feito, ou não, e muito menos por quanto tempo e a que horas. Na verdade, a exceção ao controle de jornada descrita deve ter como foco as características do trabalho realizado, e não os meios eletrônicos de controle disponíveis. Supondo, por exemplo, como verdadeira a afirmação do autor de ser mais importante manter os horários programados do que reajustar o roteiro de visitas. Nesse caso, na hipótese da impossibilidade de dois ou três médicos receberem o reclamante durante o dia, qual seria o mecanismo utilizado para averiguar, ou não, se entre as visitas há efetivo trabalho? Entende-se ser impossível essa fiscalização, bem como não é crível raciocinar que o reclamante, diante de uma visita frustrada, não reajuste o seu itinerário de modo encerrar antes a sua jornada.”

 

Como se percebe, o fundamento da r. sentença é esclarecedor com relação à questão debatida, no sentido da total impossibilidade de controle de horário.

 

Não bastasse, também para ilustrar, além das decisões transcritas (ementas) no corpo do fundamento da sentença acima reproduzido,   nossos Tribunais, em relação ao mesmo tema (propagandista de medicamentos), têm o mesmo entendimento, como se observa:

 

“Recurso Ordinário do Autor

 

Horas extras. Propagandista-vendedor de produtos farmacêuticos. Trabalho externo incompatível com o controle de horário. Incidência do art. 62, I, da CLT.Constatada pela prova oral a impossibilidade de verificar precisamente os horários de trabalho cumpridos pelo empregado, tendo em vista que a supervisão do trabalho era feita remotamente, já que a sede da empresa está localizada no Estado de São Paulo, e que o empregado tinha a liberdade de alimentar o sistema no decorrer da jornada de trabalho e de forma unilateral, ou seja, podendo realizar a atividade do modo que lhe conviesse, com ampla flexibilidade, inclusive em relação ao horário de descanso e alimentação, já que era ele próprio que montava o roteiro de visitas, com possibilidade de alterações e sem necessidade de autorização do superior hierárquico, não há que se falar em horas extras, face a impossibilidade de controle de horário.”(Acórdão 1ª Turma; Relator: Desemb. Ricardo Luís Espindola Borges;  Processo nº ROT 0000924-02.2017.5.21.0003; DJE 02/09/2019; TRT 21ª Região) 

 

Na mesma linha é o entendimento do voto unânime constante do  acórdão oriundo do TRT da 15ª Região, o qual, mantendo a decisão de improcedência integral da demanda, em relação ao tópico horas extras, assim fundamenta a decisão:

 

“JORNADA LABORAL E PLEITOS DECORRENTES

 

Ante o indeferimento dos pleitos atinentes à jornada laboral, recorre o reclamante.

 

Argumenta, em resumo, que a atividade externa desempenhada pelo autor era perfeitamente compatível com a fixação de horário de trabalho, havendo roteiro de visitas, relatórios de despesas e utilização de equipamentos eletrônicos, a exemplo de IPad, restando demonstrado, de forma inequívoca, a fiscalização do horário de trabalho por parte da reclamada e a necessidade de sobrejornada.

 

Sem razão.

 

O reclamante exercia atividade externa, fato incontroverso.

 

Infere-se dos autos que o obreiro atuou como Propagandista, atividade que consistia em realizar visitas a profissionais da área médica em diversos municípios na região de Ribeirão Preto, Franca, Araraquara e região do Triângulo Mineiro, conforme relato da exordial.

 

A visitas se davam externamente sem a possibilidade da empresa controlar o tempo efetivamente despendido no labor. Tal é a conclusão que se extrai do conjunto probatório dos autos.

 

Em depoimento perante o Juízo, o reclamante confirmou que o roteiro de visitas era feito pelo próprio propagandista (ou seja, pelo próprio autor) e apenas enviado ao gerente (ata de fls. 1207/1212 - Id. bc10da7).

 

Cumpre observar que o acompanhamento do gerente (acompanhamento periódico em apenas algumas visitas) se dava com o objetivo de auxiliar e de aferir a qualidade do atendimento e não com o intuito de controlar a jornada obreira.

 

Ademais, como bem observou o Juízo de Origem, a sistemática de trabalho do reclamante, como propagandista, inclui um conjunto de atividades que o empregador efetivamente não consegue controlar, uma vez que o relacionamento do propagandista com o médico é essencial para o sucesso de seu trabalho, relacionamento este que é desenvolvido não apenas através das visitas, mas também em almoços, jantares ou coffee breaks, sem que o empregador tenha efetivo controle do tempo gasto em referidos eventos. Ainda, não há como a empresa controlar o tempo que o reclamante despendia na arrumação do carro com as amostras, no deslocamento entre a residência e os clientes e no eventual estudo de materiais científicos, por exemplo.

 

Ainda, restou demonstrado que o denominado sistema VEEVA era utilizado para a programação do próprio obreiro em relação aos médicos a serem visitados, não tendo por objetivo controlar a jornada do empregado, mesmo porque referido sistema podia ser acessado off line durante todo o dia de trabalho, conclusão que se extrai do depoimento prestado pela testemunha Nivaldo na ata de fls. 1207/1212 (Id. bc10da7). A respeito do tema, a d. Julgadora a quo, que colheu diretamente a prova, consignou o seguinte na fundamentação do julgado:

 

"Registro, inclusive, que este juízo acessou pessoalmente o "ipad" da testemunha Nivaldo, conforme descrito no depoimento, e foi possível aferir a existência de visitas realizadas e ainda não finalizadas (em verde), permitindo ainda a inserção de informações sobre a visita, de forma que não é obrigatória a inserção e finalização logo após o propagandista sair da sala do médico. O próprio e-mail anexado pelo reclamante (fl. 142) indica a necessidade de sincronização diária e não logo após cada visita, cuja necessidade estava relacionada à mensuração dos KPIs, que segundo o reclamante: "a reclamada possuía métricas ou KPIS, nas quais se consideravam as visitações, o conhecimento do produto, a forma de divulgação, mostras dos produtos e outros aspectos próprios do trabalho propagandista" (fl. 1208), nenhuma relação tendo com jornada de trabalho." (grifo nosso)

 

Por fim, não há como deixar de observar que o reclamante, de maneira injustificada, não cumpriu a determinação do Juízo para a juntada da cópia de sua CTPS com a anotação da exceção prevista no art. 62, I da CLT (vide determinação contida expressamente na ata de fls. 1207 - Id. bc10da7).

 

Pelo exposto, na esteira da conclusão esposada na Origem, trabalhando o reclamante externamente, visitando diversas pessoas e estabelecimentos em várias cidades e ante as circunstâncias fáticas envolvidas na prestação do labor, evidencia-se que não havia possibilidade de efetivo controle da jornada, encontrando-se o labor incurso no art. 62, I da CLT.

 

Não merece reforma o item.”(grifos acrescidos) (Acórdão 6ª Turma – TRT 15ª Região - Processo nº RO 0011836-84.2017.5.15.0113 – Relator: LUIZ FELIPE PAIM DA LUZ BRUNO LOBO; DJE: 31/05/2019)

 

 

Como se observa, o entendimento no sentido da total impossibilidade de controle de horário (incompatibilidade de fixação de horário) está sedimentado nas decisões acima trazidas, de forma exemplificativa, corroborando o argumento acima lançado.

 

Finalizando, é certo que o poder fiscalizatório do empregador, está expressamente regulado, na CLT,   no Título II (DAS NORMAS GERAIS DE TUTELA DO TRABALHO), em seu   Capítulo II (DA DURAÇÃO DO TRABALHO).

 

E este poder fiscalizatório do empregador  é expressamente afastado (excluído) naquelas  atividades elencadas no artigo 62, da CLT, entre as quais se destaca o exercente de atividade externa, incompatível com o controle de horário,   ou seja, aqueles que exercem atividade externa inconciliável com  o ato de fixar, de estabelecer, de tornar estável o que marca o começo e o fim da jornada de trabalho.

 

Não bastasse, como acima demonstrado – sempre lembrando o princípio basilar da hermenêutica jurídica, no sentido de  que a lei não contém palavras inúteis, ou seja, as palavras devem ser entendidas como tendo alguma eficácia -  a atividade do propagandista de medicamentos, efetivamente (na prática) é incompatível com a possibilidade de fixar o que marca o início e o fim da jornada de trabalho.

 

Ou seja, o poder fiscalizatório, nos caso dos propagandistas de medicamentos, não tem nenhuma possibilidade de ser exercido pelo empregador,  na medida em que não tem  qualquer administração sobre o horário do empregado, pois não tem meios de assim proceder e, justamente por isso, não podemos falar em direito ao recebimento de horas extras para os exercentes desta atividade.

 


[1] Maurício Godinho Delgado (2008), “..  também conhecido como poder de controle, compreende “o conjunto de prerrogativas dirigidas a propiciar o acompanhamento contínuo da prestação de trabalho e a própria vigilância efetivada ao longo do espaço empresarial interno". Permite ao empregador acompanhar, fiscalizar e controlar a atuação e o desempenho das obrigações e dos deveres do empregado e engloba, por exemplo, situações de controle e frequência da atividade laboral, horário de entrada e saída (art. 74, CLT) e medidas de controle em portarias.

 

[2] Art. 62 - Não são abrangidos pelo regime previsto neste capítulo:   (Redação dada pela Lei nº 8.966, de 27.12.1994)

I - os empregados que exercem atividade externa incompatível com a fixação de horário de trabalho, devendo tal condição ser anotada na Carteira de Trabalho e Previdência Social e no registro de empregados;    (Incluído pela Lei nº 8.966, de 27.12.1994)

II - os gerentes, assim considerados os exercentes de cargos de gestão, aos quais se equiparam, para efeito do disposto neste artigo, os diretores e chefes de departamento ou filial.   (Incluído pela Lei nº 8.966, de 27.12.1994)

III - os empregados em regime de teletrabalho.   (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)     (Vigência)

 

[3] Art. 75-B.  Considera-se teletrabalho a prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo. 

Parágrafo único.  O comparecimento às dependências do empregador para a realização de atividades específicas que exijam a presença do empregado no estabelecimento não descaracteriza o regime de teletrabalho. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)

 

[4] Art. 74.  O horário de trabalho será anotado em registro de empregados.  (Redação dada pela Lei nº 13.874, de 2019)

§ 1º (Revogado).  (Redação dada pela Lei nº 13.874, de 2019)

§ 3º  Se o trabalho for executado fora do estabelecimento, o horário dos empregados constará do registro manual, mecânico ou eletrônico em seu poder, sem prejuízo do que dispõe o caput deste artigo.  (Redação dada pela Lei nº 13.874, de 2019)

 

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2020