A PREVENÇÃO DA PERDA AUDITIVA NO MEIO AMBIENTE LABORAL COMO UM DIREITO HUMANO E FUNDAMENTAL DO TRABALHADOR

 

 

           ANA CAROLINA SORIA VULCANO

Servidora pública federal no Superior Tribunal de Justiça. Mestranda em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas do Centro Universitário do Distrito Federal – UDF, Brasília. Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela UniEvangélica. Bacharel em Direito pela UniEvangélica.

 

 

                                           

 

Resumo: Este artigo tem o objetivo de analisar a proteção à saúde do trabalhador, bem como ao meio ambiente do trabalho saudável e equilibrado, especialmente no que toca à prevenção da perda auditiva no meio ambiente do trabalho como um direito humano e fundamental do trabalhador e como responsabilidade do empregador. Nas duas últimas décadas, tem-se verificado cada vez mais a necessidade de proteção à saúde do trabalhador, tendo em vista que os riscos do ambiente do trabalho multiplicaram com o crescente uso desenfreado de máquinas tecnológicas, cuja maioria é barulhenta. Inclusive, os equipamentos de proteção individual têm sido cada vez mais exigidos no ambiente laboral como forma protetiva da integridade física do trabalhador. Na introdução, o tema será tratado de forma ampla. No primeiro capítulo, será analisada a definição e proteção do meio ambiente laboral como direito humano e fundamental do trabalhador. No segundo capítulo, será estudada a perda auditiva induzida por ruído na ótica juslaboral. Já no terceiro capítulo, será analisada a prevenção da perda auditiva no meio ambiente laboral como um direito do trabalhador e como um dever e responsabilidade do empregador. Para alcançar os objetivos almejados, optou-se pelo método de trabalho bibliográfico, utilizando-se como apoio e base contribuições de diversos autores sobre o assunto em questão, por meio de consulta a livros, periódicos, artigos científicos, além de Acórdãos dos Tribunais Trabalhistas Brasileiros.

 

Palavras-chaves: Meio ambiente do trabalho; perda auditiva; dignidade da pessoa humana.

 

 

SUMÁRIO: INTRODUÇÃO; 1. Definição e proteção legal do meio ambiente do trabalho. 2. A perda auditiva induzida por ruído no ambiente laboral. 3. A necessidade da prevenção da perda auditiva no ambiente laboral; CONCLUSÃO.

 




 

INTRODUÇÃO

 

O objeto deste breve trabalho é fazer algumas reflexões sobre a proteção à saúde do trabalhador, bem como ao meio ambiente do trabalho saudável e equilibrado, principalmente no que toca à prevenção da perda auditiva no meio ambiente laboral e suas implicações no direito ambiental do trabalho. O direito fundamental constitucional a um meio ambiente do trabalho hígido, adequado, seguro e salubre é previsto na Constituição Federal de 1988 e ainda em vários atos normativos, inclusive internacionais.

 

Porém, apesar de existir uma ampla legislação que regule a proteção ao meio ambiente do trabalhador, ainda é falha a tomada de atitudes preventivas, tanto pelo empregador quanto pelo trabalhador, de forma voluntária e consciente, em defesa do meio em que se vive ou em que se labora. É necessário garantir a prevenção da perda auditiva no meio ambiente laboral como forma de proteger a integridade física do trabalhador. Antes prevenir do que remediar, um velho brocardo, mas muito precioso na esfera da segurança e saúde do trabalho.

 

Nas duas últimas décadas, tem-se verificado cada vez mais a necessidade de proteção à saúde do trabalhador, tendo em vista que os riscos do ambiente do trabalho multiplicaram com a intensa manipulação de várias máquinas tecnológicas e barulhentas. Inclusive, os equipamentos de proteção individual têm sido cada vez mais exigidos no ambiente laboral como forma protetiva da integridade física do trabalhador.

 

A perda auditiva relacionada ao trabalho é considerada uma das doenças mais frequentes na população trabalhadora estando presente em diversos ramos de atividade entre eles a siderurgia, metalurgia, gráfica, têxtil, construção civil, agricultura, transportes, telecomunicações e outros.

 

Em regra, o ruído é o fator mais comum presente no ambiente de trabalho capaz de provocar perda auditiva, porém diversos estudos mostram que outros agentes causais (químicos ou ambientais), que atuando de forma isolada ou concomitante à exposição ao ruído, podem também ocasionar danos à audição. Dentre eles a exposição à vibração (britadeiras, por exemplo), calor (caldeiras, por exemplo) e substâncias químicas (combustíveis e solventes, por exemplo).

 

Um trabalho intensivo de promoção da saúde auditiva e ou prevenção de perdas auditivas, deve ser enfatizado, principalmente para os trabalhadores expostos a níveis elevados de ruído ocupacional, além da utilização, de forma adequada, de equipamentos de proteção auditiva individual.

 

Logo, o presente artigo tem a pretensão de contribuir para o desenvolvimento do tema, em face da necessidade de se estabelecer a prevenção da perda auditiva no meio ambiente laboral como um direito humano e fundamental do trabalhador, bem como a responsabilidade do empregador.

 

 

 

1.      Definição e proteção legal do meio ambiente do trabalho.

 

O art. 3º, inciso I da Lei nº 6938/1981 define o meio ambiente como o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas. Essa definição de meio ambiente abarca uma gama ampla de incidência da norma legal, tendo consonância com o art. 225 da Constituição Federal de 1988, que buscou proteger todos os vieses do meio ambiente - natural, artificial, cultural, e do trabalho; prevendo que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.

 

O meio ambiente do trabalho, de tal sorte, está inserido no conceito de ambiente geral, tendo em vista que é “como aspecto integrante e indissociável do meio ambiente geral que o meio ambiente do trabalho caracteriza-se como direito fundamental, na medida em que é indispensável para o alcance do direito à vida com qualidade”. (SANTOS, 2010, p. 28).

 

É preciso destacar, conforme assegura Rúbia Zanotelli de Alvarenga que o trabalho, enquanto espaço de construção do bem-estar e da dignificação das condições de labor, considera o homem o valor primeiro a ser a ser preservado perante os meios de produção e não como uma máquina produtora de bens e serviços. Desse modo, destaca a autora que a proteção à saúde não se limita apenas à ausência de doença ou de enfermidade, abrangendo também um completo estado de bem-estar físico, mental e social do trabalhador, conforme o conceito mais completo de saúde, estabelecido pela Organização Mundial da Saúde, através do relatório de sua 8ª Conferência, que prevê diversas condições, como alimentação, habitação, educação, renda, meio ambiente, trabalho, emprego, etc. (ALVARENGA, 2015, p. 270)

 

Nesse prisma, meio ambiente do trabalho e proteção à saúde do trabalhador, portando, instauram-se sobre um caráter indissociável, uma vez que...

 

o respeito ao direito ao meio ambiente do trabalho saudável e equilibrado implica prática defensiva do direito à vida – o mais básico alicerce dos direitos fundamentais da pessoa humana. Sendo assim, inexorável se apruma o direito ao meio ambiente equilibrado, como um direito fundamental – materialmente considerado – ligado ao direito à vida e ao completo bem-estar físico, mental e social do trabalhador. Este busca, na atividade laboral, o acesso aos bens de consumo, necessários para conservar sua vida, pelo que não se pode ignorar a ressonância direta do labor com o processo vital, haja vista que, para ocorrer o exercício do trabalho, o homem não pode perder a saúde, tendo-se em conta que, sem ela, o direito à vida não se sustenta. (ALVARENGA, 2015, p. 270)

 

 

Ainda consoante a autora, “por meio do direito à vida e à saúde – física, mental e social – busca-se a harmonia no ambiente laboral, haja vista que, em vários setores da economia, deparam-se empregados vítimas de acidentes do trabalho e de doenças profissionais, cuja saúde mental ou social é afetada em consequência do exercício abusivo do poder de controle empresarial”. (ALVARENGA, 2015, p. 267)

 

Desse modo, a proteção constitucional do meio ambiente abarca tanto a qualidade do meio ambiente em todos os seus aspectos, bem como a saúde física, mental e social do trabalhador, bem como à segurança e ao bem-estar do ser humano, expresso nos conceitos “vida em todas as suas formas”, conforme dispõe o art. 3º, inciso I da Lei 6.938/1981, e “qualidade de vida”, disposto no art. 225, caput, da Constituição Federal de 1988.

 

No viés da temática, elucida Raimundo Simão de Melo que o meio ambiente do trabalho adequado e seguro é um dos mais importantes e fundamentais direitos do cidadão trabalhador, o qual se desrespeitado, provoca agressão a toda sociedade, que, finalmente, comporta as suas nefastas consequências. Ensina o autor que a Constituição Federal de 1988 prevê a prevenção dos riscos nos ambientes do trabalho e dos consequentes riscos de acidentes de trabalho, no art. 7º, inc. XXII da Constituição Federal, ao estabelecer que é direito do trabalhador urbano e rural, a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança. (MELO, 2016, p.146).

 

Sob tal perspectiva, Carlos Henrique Bezerra Leite assinala que a concepção moderna de meio ambiente do trabalho está relacionada aos direitos humanos e fundamentais, notadamente os direitos à vida, à segurança e à saúde dos trabalhadores. Tais direitos ainda devem ser interpretados e aplicados como arrimo nos princípios fundamentais da dignidade da pessoa humana, do valor social do trabalho, da livre iniciativa e da cidadania. (LEITE, 2013, p.49).

 

Em tal sentido, destaca Kathe Regina Altafim Menezes:

 

O princípio basilar do art. 1º, inc. III, da CF/88 – princípio fundamental da dignidade da pessoa humana – requer avaliação de outros, como o da prevenção e o da precaução, na adoção de medidas que evitem riscos ao meio ambiente do trabalho e ao ser humano. No meio ambiente do trabalho, o homem trabalhador é atingido direta e imediatamente por danos ambientais. Tal princípio é um dos fundamentais na CF/88, art. 7, inc. XXII, estabelecendo como direito do trabalhador urbano e rural a redução dos riscos inerentes ao trabalho por meio de normas de saúde, higiene e segurança. (MENEZES, 2015, p. 184)

 

Registre-se, ainda que o maior desafio no meio ambiente laboral é fazer com que as normas de segurança e saúde do trabalho sejam seguidas de forma obrigatória, a fim de prevenir, efetivamente, o meio ambiente do trabalho, dos riscos para a saúde dos trabalhadores, resguardando assim a integridade física, mental e social dos trabalhadores, cumprindo um fim constitucional.

 

A Constituição Federal de 1988 reconheceu que as condições de trabalho têm uma relação direta com a saúde e, portanto, com a qualidade de vida do trabalhador, já que a maioria dos seres humanos despende grande parte da sua vida no trabalho. Por isso, os direitos trabalhistas têm um respaldo constitucional mais amplo, conforme prevê os incisos XXII e XXIII do art. 7°.

 

Faz-se mister destacar, então, conforme Celso Antonio Pacheco Fiorillo e Marcelo Abelha Rodrigues que o direito ao meio ambiente é pressuposto do exercício pleno dos demais direitos fundamentais do homem, vez que, sendo o direito à vida o objeto do direito ambiental, somente aqueles que possuírem vida – mas ainda: vida com qualidade e com saúde – terão condições de exercitar os demais direitos humanos, nestes compreendidos os direitos sociais, políticos e da personalidade do ser humano. (FIORILLO; RODRIGUES, 1997, p.32).

 

Assim sendo, assinala Liliana Allodi Rossit que tudo o que estiver ligado à sadia qualidade de vida insere-se no conceito de meio ambiente, sendo o meio ambiente do trabalho apenas uma concepção mais específica, ou seja, a parte do direito ambiental que cuida das condições de saúde e de vida no trabalho, espaço em que o ser humano desenvolve suas potencialidades, provendo o necessário ao seu desenvolvimento e à sua sobrevivência. (ROSSIT, 2003, p.67).

 

Em razão do exposto, Raimundo Simão de Melo defende que a proteção do meio ambiente do trabalho, em conformidade com as normas constitucionais, está vinculada diretamente à saúde do trabalhador enquanto pessoa humana, razão por que se trata de um direito de todos, a ser instrumentalizado pelas normas gerais que aludem à proteção dos interesses difusos e coletivos. (MELO, 2016, p. 146).

 

 

 

2.     A perda auditiva induzida por ruído no ambiente laboral

 

 

A perda auditiva induzida por ruído está presente em diversos ramos como a siderurgia, metalurgia, gráfica, têxtil, construção civil, agricultura, transportes telecomunicações, etc. A esse respeito, ensina José Miguel Wisnik que o ruído opõe-se ao som, por ser formado de feixes de defasagens arritmícas e instáveis. O ruído constitui um dos mais graves e riscos ambientais. (WISNIK, 1989, p. 76)

 

Os fatores ocupacionais considerados são: a distância entre o funcionário e a fonte do ruído (máquinas, serras e outros equipamentos); a duração da jornada de trabalho e a intensidade do ruído; e o uso ou não do equipamento de proteção individual (abafadores auriculares).

 

O ruído é a superposição de várias vibrações de freqüências diferentes, é um sinal acústico que influencia o bem-estar físico e mental do indivíduo. A perda auditiva relacionada ao trabalho é geralmente conhecida como perda auditiva induzida pelo ruído (PAIR), entretanto sabe-se que muitos casos de perda auditiva provocado pelo trabalho (perda auditiva ocupacional) são decorrentes de outros fatores causais, como a vibração (britadeiras, por exemplo), calor (caldeiras), e substâncias químicas (combustíveis e solventes, por exemplo), embora muito comumente o risco físico (ruído) seja o mais atribuído à perda auditiva.

 

Trata-se de uma perda auditiva do tipo neuro-sensorial, geralmente bilateral, causada pela exposição sistemática e prolongada a níveis elevados de ruído, compreendidos entre 85 e 120 decibéis, irreversível e progressiva com o tempo de exposição ao ruído (CID 10), para a qual não existe tratamento eficaz e nem possibilidade de melhora após o afastamento do trabalho. (Protocolo de PAIR/MS, 2006).  Sua instalação acontece de maneira gradual e progressiva, e na maioria das vezes passa despercebida, por ser assintomática. Geralmente, a pessoa só se dá conta do problema quando a lesão já está avançada.

 

José Guilherme Purvin respalda que a literatura médica sobre as conseqüências nefastas da poluição sonora (ruído industrial) é enfática sobre os danos à saúde provocados pela poluição sonora. Veja-se:

 

A exposição prolongada do homem a níveis de intensidade sonora acima dos 90 decibéis produz lesões do ouvido interno, sediadas no órgão de Corti, mais precisamente sua membrana basilar. Há uma perda inicial da sensibilidade para freqüências sonoras mais altas, próximas dos 4.000 c/s; o audiograma do paciente com surdez profissional mostra uma nítida deflexão da curva que registra os decréscimos da sensibilidade, por volta da freqüência referida; isso ocorre bilateralmente, e se manifesta, em regra, tanto no teste da condução aérea como no teste da condução óssea. (FIGUEREIDO, 2007, p. 227).

 

Sob tal prisma, são sinais e sintomas da perda auditiva induzida pelo ruído: perda auditiva por exposição crônica, zumbidos, dificuldade de entendimento da fala, algiaacusia, transtornos da comunicação, alteração do sono, transtornos neurológicos, transtornos vestibulares, transtornos digestivos, e transtornos comportamentais.

 

Considerando que a perda auditiva induzida por ruído é uma doença passível de prevenção e sua prevalência ainda é alta no meio de trabalho, e esta perda da audição pode prejudicar a qualidade de vida afetando as relações sociais, de comunicação, e de trabalho, evidencia-se a importância de ações preventivas e coletivas que visem a conservação da audição e da saúde em geral.

 

 

 

3.     A necessidade da prevenção da perda auditiva no ambiente laboral

 

 

De acordo com Sebastião Geraldo de Oliveira, no século XX, a ciência jurídica avançou muito na regulação do trabalho, traçando regras sobre o contrato, limites para a jornada, períodos de repouso e férias, normas sobre remuneração, direitos rescisórios, organização sindical etc. Contudo, apesar da evolução alcançada, passamos a conviver com a dura realidade do número crescente de lesões, doenças e mortes, em decorrência da prestação de serviços. (OLIVEIRA, 2010, p. 111).

 

Ainda consoante Sebastião Geraldo de Oliveira, não basta assegurar direitos reparatórios aos lesados (visão da infortunística); é imperioso, também exigir que o empregador ou tomador dos serviços adote todos os recursos e tecnologias disponíveis para evitar as lesões (visão protecionista). Na escala dos valores, acima dos direitos decorrentes do trabalho, deve figurar as garantias possíveis da preservação da vida e da integridade física e mental do trabalhador. (OLIVEIRA, 2010, p. 111)

 

O ilustre autor ainda enfatiza que atualmente, há um consenso nos principais organismos internacionais sobre a necessidade de mudar o paradigma nas questões que envolvem segurança e saúde ocupacional, passando a priorizar, com ênfase, a proteção do que é verdadeiramente fundamental: a vida e a saúde do trabalhador. Não se pode falar em trabalho digno e decente sem garantir as condições de segurança e saúde na prestação dos serviços. (OLIVEIRA, 2010, p. 112)

 

Vê-se, então, que “trabalho decente e vida digna são indissociáveis da noção de meio ambiente de trabalho equilibrado”. (COSTA A. M,; GONÇALVES; ALMEIDA, 2013, p.140), tendo em vista que é “impossível alcançar qualidade de vida sem ter qualidade de trabalho, nem se pode atingir meio ambiente equilibrado e sustentável ignorando-se o meio ambiente do trabalho”. (OLIVEIRA S.G; 2011, p.129).

 

A professora Rúbia Zanotelli de Alvarenga vai além e afirma que no direito do trabalho, o desenvolvimento sustentável é respeitado, quando o trabalho é decente, de modo a preservar não só a melhoria das condições de trabalho, mas também todos os aspectos inerentes à condição humana e aos direitos da personalidade do trabalho: integridade física, psíquica, moral, intelectual, e direito a integração social. (ALVARENGA, 2016, p. 136).

 

Convém salientar que a Constituição Federal de 1988 prevê o direito à saúde a todos, e enfatiza que é um dever do Estado. Nesse prisma, Sebastião Geraldo de Oliveira ensina que a particularização desse princípio geral na esfera do Direito do Trabalho, poder-se-ia concluir que a manutenção do ambiente do trabalho saudável é direito do trabalhador e dever do empregador. O empresário tem a prerrogativa da livre-iniciativa, da escolha da atividade econômica, mas correlatamente, tem obrigação de manter o ambiente do trabalho saudável. OLIVEIRA, 2010, p. 130)

 

Esclarece-se, de tal modo, que a Constituição Federal de 1988 ainda reforçou a importância do meio ambiente do trabalho saudável, assegurando a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança, como direito fundamental constitucional do trabalhador.

 

Sob tal ótica, destaca Rúbia Zanotelli de Alvarenga que é dever do empregador respeitar a dignidade humana do trabalhador, por via da preservação de um meio ambiente do trabalho sadio e equilibrado. O trabalho a ser executado pelo trabalhador deve ser digno em todos os sentidos, ou melhor, não só no plano material, mas também no aspecto imaterial. (ALVARENGA, 2016, p.239).

 

Maria Aparecida Alkimin afirma que todo trabalhador deve ter resguardado o direito à saúde, sendo um direito de interesse individual e coletivo, tanto que o empregador é obrigado a adotar medidas de proteção, segurança e prevenção, protegendo o meio ambiente do trabalho contra ocorrências que atentem a higidez física e mental dos trabalhadores, portanto deve zelar e preservar a saúde dos trabalhadores (ALKIMIN, 2009, p. 125).

 

Nessa linha de pensamento, Rúbia Zanotelli de Alvarenga ensina que o princípio da prevenção, aplicável aos ambientes em geral, representa regra inafastável na proteção ambiental e surge para evitar, prevenir e coibir possíveis danos ao meio ambiente, estabelecendo obrigação de indenizá-lo e de restaurá-lo, inibindo danos a este. Sua atenção, portanto, está voltada para momento anterior ao da consumação do dano. (ALVARENGA, 2016, p. 238).

 

Ainda consoante a autora:

 

é dever do empregador respeitar a dignidade humana do empregado, por via da preservação de um meio ambiente do trabalho sadio e equilibrado. O labor a ser executado pelo trabalhador deve ser digno em todos os sentidos. Aliás, não só no plano material; todavia, em especial, no aspecto imaterial – físico, mental e social – de modo a assegurar-lhe um meio ambiente do trabalho sadio e equilibrado. (ALVARENGA, 2015, p. 289).

 

 

A prevenção, em consonância com Celso Antonio Pacheco Fiorillo, é a palavra de ordem com relação à proteção do meio ambiente, haja vista que adota-se, com inteligência e absoluta necessidade, o princípio da prevenção do dano ao meio ambiente como verdadeira chave-mestra, pilar e sustentáculo da disciplina ambiental, dado o objetivo fundamentalmente preventivo do Direito Ambiental. (FIORILLO, 2000, p. 140).

 

Logo, o ideal seria a eliminação total dos agentes nocivos à saúde, mas a experiência humana prova que a lei não deve ser concebida de modo a exigir o inatingível.  Dessa forma, o empregador terá de, pelo menos, reduzir a intensidade do agente prejudicial para o território das agressões toleráveis.

 

É importante frisar que o fornecimento de equipamento de proteção individual ou coletiva não exclui a hipótese de exposição do segurado aos agentes nocivos à sua saúde, tornando-se imperiosa a necessidade do uso dos mesmos, como medida preventiva. É dever do empregador verificar o uso correto do equipamento de proteção individual no ambiente laboral. O art. 158, parágrafo único, da CLT, estipula a possibilidade de aplicação máxima ao empregado – justa causa – pela não utilização do equipamento de proteção individual. Tal prerrogativa decorre do poder disciplinar do empregador. (ALVARENGA, 2016, p. 142).

 

Em tal contexto, é necessário promover uma educação ambiental aos trabalhadores, afinal o artigo 197 da CLT estabelece a exigência de educação e de informação do meio ambiente do trabalho, já que eles têm direito de conhecer as reais condições ambientais a que estão expostos (os agentes tóxicos, os níveis de ruído, as altas temperaturas, as radiações, os vapores etc.), como também a própria forma de organização do trabalho e as jornadas noturnas ou em turnos ininterruptos de revezamento. Logo, em conseqüência deste princípio, “observam-se os princípios da precaução e da prevenção, pois, uma vez que se conhecem os riscos concretos ou possíveis a que estão expostos, serão mais facilmente evitados” (CAMARGO, 2013, p.63).

 

Por meio deste pensamento, Sebastião Geraldo de Oliveira assinala que no modelo de prevenção atual, o empregador deve analisar cuidadosamente as causas dos incidentes ou quase acidentes, para implementar medidas que possam prevenir efetivamente os acidentes humanos. Em vez de centralizar a política na gestão comportamental das pessoas, como ocorre na abordagem tradicional, o foco é voltado para a gestão do risco, promovendo a sua eliminação ou colocando barreiras adequadas para que as situações de risco estejam sob controle. (OLIVEIRA, 2010, p. 142).

 

O ruído contínuo, por exemplo, está presente em qualquer ambiente e não poderá ser totalmente eliminado, por isso é tolerado até determinados limites conforme a duração da jornada de trabalho. Preceitua, assim, o art. 4º da Convenção n. 155 da OIT: “reduzir ao mínimo, na medida que for razoável e possível, as causas dos riscos inerentes ao meio ambiente do trabalho”.

 

A Convenção n. 148 da OIT, em especial, cuida da proteção dos trabalhadores contra diversos riscos profissionais, dentre os quais o ruído e as vibrações no local de trabalho. A União Européia reconheceu a surdez profissional como uma das doenças profissionais mais comuns, razão pela qual foi elaborada a Diretiva n.86/188/CEE do Conselho de 12 de maio de 1986, que limita a 140 decibéis o nível máximo das emissões sonoras ocasionais (detonações) e a 85 decibéis a pressão acústica médica durante um período de trabalho de oito horas. Se ultrapassados esses valores, o empregador ficará obrigado a fornecer equipamentos de proteção individual e a reduzir a fonte sonora por meio de técnicas de insonorização. (FIGUEREIDO, 2007, p. 228).

 

Os EPIs (equipamentos de proteção individual) para proteção auditiva são os abafadores e devem ser usados pelos funcionários em tempo integral, enquanto permanecerem no ambiente ruidoso, principalmente se forem a única forma de redução do nível de ruído elevado. O primeiro fator a ser considerado para a escolha do EPI é o conforto do funcionário, pois serão eles os motivados a usarem e assim prevenirem possíveis alterações auditivas.

 

De acordo com a Norma Regulamentadora 15 do MTE, alguns limites de tolerância para ruído contínuo ou intermitente: o nível sonoro de 85 decibéis tem a máxima exposição diária permitida de oito horas. Já o nível sonoro de 115 decibéis, a máxima exposição diária permitida é de apenas sete minutos.

 

A Norma Regulamentadora 07 do MTE (Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional) estabelece diretrizes para a avaliação e acompanhamento da audição dos trabalhadores através da realização de exames audiológicos (audiometrias), cabendo às empresas a adoção de programas que visem a conservação da saúde auditiva dos trabalhadores.

 

A audiometria é uma obrigação legal das empresas, cujos trabalhadores são expostos a ruído no trabalho.  Audiometria é o exame indicado para proceder à avaliação dos limiares da audição. Seu resultado depende da colaboração do trabalhador, ou seja, tem caráter subjetivo, porém ainda é considerado útil e confiável.

 

As empresas que possuem em seu ambiente de trabalho o risco de ruído (nível de pressão sonora elevado), conforme identificado no Programa de Prevenção de Riscos Ambientais, deverão implementar um Programa de Conservação Auditiva - PCA, com o objetivo de preservação da saúde auditiva dos funcionários, e consequentemente de resguardar a empresa de eventuais ações indenizatórias.

 

O diagnóstico precoce pode evitar o agravamento da perda auditiva apresentada pelo trabalhador, além disso, norteará a busca ativa de novos casos no ambiente laboral, e permitirá que medidas de proteção individual e coletiva sejam adotadas, evitando assim o surgimento de perda auditiva em trabalhadores sadios e o agravamento naqueles que já apresentam a perda auditiva. Portanto, a função do fonoaudiólogo e demais profissionais de saúde não se limita ao diagnóstico da perda auditiva induzida pelo ruído, deve também envolver o compromisso com a prevenção e promoção de saúde nos ambientes laborais.

 

O Programa de Conservação Auditiva – PCA (NR 7) envolve uma equipe multiprofissional, pois são necessárias medidas de engenharia, medicina, fonoaudiologia, treinamento e administradores.  O PCA deverá conter basicamente as seguintes etapas: avaliações ambientais, controle de engenharia e administrativos, controle audiométrico, seleção de equipamentos de proteção individual adequados, educação e motivação, conservação de registros e avaliação da eficácia do programa.

 

São necessários três tipos de atividades: monitoração, controle e apoio. As atividades de monitoração compõem-se de avaliação ambiental do ruído, audiodosimetria e audiometria. As atividades de controle são compostas pela redução do ruído ambiental, redução da dose de exposição, e o uso dos equipamentos de proteção individual. Já as atividades de apoio são formadas pelas medidas administrativas que promovem educação e informação, além da constante avaliação.

 

O controle audiométrico é uma das ações que fazem parte de um PCA, visando não só a realização dos exames audiométricos periódicos previstos no programa, mas também a documentação de seu processo evolutivo desde a admissão dos funcionários, com o acompanhamento caso a caso, com enfoque especial naqueles casos que evidenciaram qualquer tipo de alteração.

 

Dessa forma, o controle audiométrico concomitante com um trabalho intensivo de promoção da saúde auditiva e/ou prevenção de perdas auditivas, deve ser enfatizado, principalmente para trabalhadores expostos a níveis elevados de ruído ocupacional, além da utilização, de forma adequada, de equipamento de proteção auditiva individual.

 

Sendo assim, é preciso destacar que o simples fornecimento de equipamentos de proteção individual não resolve os problemas de acidentes, porque o seu objetivo não é prevenir acidentes, mas apenas amenizar os seus impactos. O que neutraliza os riscos são as medidas de cunho coletivo. Exemplifique-se com o barulho, que os equipamentos de proteção de individual apenas diminuem o seu impacto no ouvido humano, mas que com o tempo e a exposição aos chamados microtraumatismos o trabalhador ficará surdo da mesma forma.

 

É necessário que seja criada uma cultura preventiva e de proteção ao meio ambiente, devendo os empregadores substituir maquinário obsoleto e investir em novos e adequados equipamentos e em políticas gerais de prevenção à saúde e á vida do cidadão trabalhador. Isso evidentemente, passa pela inserção de uma nova filosofia sobre a melhoria da segurança e condição de vida do trabalhador, como ocorre no plano internacional.

 

Como exemplo no plano internacional, a Comunidade Comum Europeia, pela Diretiva nº 89/31, relativa à aplicação de medidas para promover a melhora da segurança e saúde dos trabalhadores nos locais de trabalho, adotou como princípio geral a adaptação do trabalho à pessoa, em particular no que diz respeito aos postos de trabalho, escolha de equipamentos e métodos de trabalho e produção.

 

 

 

CONCLUSÃO

 

 

O direito ambiental do trabalho visa a resguardar um bem jurídico já tutelado, uma vez que, considerando-se tratar de direito fundamental constitucional, o meio ambiente do trabalho, obrigatoriamente, deve ser adequado, seguro, hígido e salubre, envolvendo também a proteção da integridade física do trabalhador, inclusive a saúde auditiva. Porém, de nada adianta uma vasta legislação protetiva, se ainda é ignorada a necessidade da prevenção da perda auditiva induzida por ruído, tanto de forma voluntária quanto obrigatória, em defesa do meio em que se vive ou em que se labora.

 

A perda auditiva induzida por ruído é uma patologia ocupacional que pode e deve ser evitada. Para a prevenção da mesma em trabalhadores as empresas devem estar dispostas a implantar o Programa de Conservação Auditiva - PCA, mantendo em seu quadro, ou contratando periodicamente, um fonoaudiólogo ou o Médico do Trabalho da empresa. Com o PCA implantado tem-se uma população de trabalhadores auditivamente saudáveis e mais bem dispostos para a vida e, consequentemente, para o trabalho.

 

Por fim, vale destacar o pensamento de Raimundo Simão de Melo. Segundo o autor, é preciso que todos se conscientizem de que a melhor solução para proteger a saúde dos trabalhadores é implementar prevenção, e, se preciso, proibir mesmo certas atividades que podem ser substituídas por outros mecanismos sem a participação direta do ser humano. A questão, como nos parece, é de compatibilização e, se não for possível, de priorização entre a livre-iniciativa e o respeito à saúde e à dignidade humana. (MELO, 2016, p.200).

 

 

 

Referências Bibliográficas

 

 

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ALKIMIN, Maria Aparecida. Violência na relação de trabalho e a proteção à personalidade do trabalhador. Curitiba; Juruá, 2009.

 

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2017