O DANO EXISTENCIAL NAS RELAÇÕES DE TRABALHO: O DESRESPEITO À LIMITAÇÃO LEGAL DA JORNADA E AO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

 

 

 

AMANDA REBOUÇAS DE OLIVEIRA

Graduanda do Curso de Direito da Faculdade de Ciências e Tecnologia Mater Christi - Mossoró/RN

 

 KAYO HENRIQUE DUARTE GAMELEIRA

Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho. Docente da Faculdade de Ciências e Tecnologia Mater Christi – Mossoró/RN.

 

 

 

 

Resumo: O presente artigo tem como objetivo analisar a ocorrência do dano existencial decorrente da demanda excessiva de trabalho, demonstrando a extrema importância do tema em meio à cultura capitalista em que se vive nos dias atuais. Sendo parte hipossuficiente na relação de trabalho, o trabalhador a cada dia vê seus direitos sendo desrespeitados diante das demandas do empregador. Este artigo aborda, ainda, como o sistema jurídico brasileiro se manifesta para proteger os trabalhadores, analisando a Constituição Federal, a Consolidação das Leis do Trabalho e a aplicação dessa matéria pelo Judiciário. O trabalho foi elaborado a partir de uma revisão bibliográfica e jurisprudencial sobre o assunto, passando por uma análise histórica do instituto e identificando os fundamentos legais que respaldam a indenização decorrente do dano à existência do trabalhador. Verificar-se-á que a discussão sobre o tema ainda é insuficiente no âmbito os Tribunais Regionais do Trabalho, bem como que a tutela constitucional e trabalhista dos direitos do obreiro não tem sido suficiente para coibir a conduta abusiva do empregador, de modo que grande parte dos trabalhadores considera que as demandas do trabalho avançam sobre os seus períodos de descanso, prejudicando sua vida social e seus projetos pessoais.

 

Palavras-chave: Responsabilidade Civil. Dano Existencial. Direitos e garantias constitucionais.                                                   

 

 

SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO   2. JORNADA DE TRABALHO EXTRAORDINÁRIA   3. DO DANO EXISTENCIAL   4. O PROJETO DE VIDA, A VIDA DE RELAÇÃO E O DIREITO À DESCONEXÃO COMO DESDOBRAMENTOS DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA   5. O DANO À EXISTÊNCIA DO TRABALHADOR E O POSICIONAMENTO DOS TRIBUNAIS BRASILEIROS           6. METODOLOGIA   7. CONSIDERAÇÕES FINAIS   8.REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS  

 

 

 

 

1 INTRODUÇÃO

 

O conceito de dano existencial é relativamente recente, importado da Itália, e consiste em uma forma de proteção à pessoa que transcende os limites clássicos do dano moral, pois busca reparar o dano causado à vida, às relações sociais, aos projetos e à dignidade do ser humano, razão pela qual, aos poucos, o tema começa a ganhar maior relevância no meio jurídico brasileiro.

 

No âmbito trabalhista, o conceito tem sido aplicado quando se verifica a violação de direitos e limites inerentes ao contrato de trabalho, por parte do empregador. Tal violação é constatada, sobretudo, quando este exige de seus empregados o trabalho em sobrejornada ou não permite que eles exercitem seu direito à desconexão do ambiente laboral, implicando na redução da qualidade de vida ou em prejuízo aos seus projetos pessoais.

 

Hodiernamente, grande parte das empresas se utiliza de uma política conhecida como “risco calculado”, ou seja, o descumprimento estratégico das normas trabalhistas é visto como menos oneroso do que o fiel cumprimento do ordenamento jurídico, levando-se em consideração que muitos trabalhadores deixam de buscar a reparação pelos prejuízos que lhe foram causados, o que faz com que o desrespeito às leis seja visto como lucrativo.

 

Assim, o estudo do dano existencial decorrente das relações de trabalho torna-se relevante e merecedor de atenção especial nos meios jurídicos, ante a ocorrência de inúmeras violações aos direitos dos empregados nas relações de trabalho, bem como a instabilidade econômica vivenciada atualmente que, aliada à constante ameaça de desemprego, leva o trabalhador a submeter-se a uma demanda de trabalho muitas vezes exaustiva.

 

Em face desse cenário capitalista, em que muitas vezes os direitos e necessidades do trabalhador são preteridos pela ânsia de enriquecimento dos empregadores, o presente trabalho traz à baila uma discussão de suma importância: até que ponto o excesso de trabalho prejudica os direitos fundamentais do trabalhador?

 

Nesse contexto, o presente trabalho tem por escopo analisar o instituto do dano existencial como forma de redimir as lesões aos direitos fundamentais do obreiro, abordando seus elementos constitutivos e o direito à desconexão laboral, bem como o posicionamento do judiciário trabalhista sobre o tema.

 

 

 

2.  JORNADA DE TRABALHO EXTRAORDINÁRIA

 

Inicialmente, é necessário esclarecer que jornada de trabalho não é sinônimo de horário de trabalho. Enquanto aquela, por força do disposto no art. 4º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT/43), é o tempo diário em que o empregado se coloca à disposição do empregador, em decorrência do contrato, a última se traduz no espaço de tempo entre o início e o fim de um determinado dia de labor. No Brasil, a jornada de trabalho considerada ordinária corresponde a 8 horas diárias e 44 horas semanais (art. 5º, XIII, CF/88).

 

A Constituição Federal e a CLT asseguraram aos trabalhadores períodos de descanso semanal remunerado, intervalos intra e inter jornadas, férias, bem como limitaram o trabalho em sobrejornada. Tais limitações, em regra, não podem ser flexibilizadas, pois compõem o que o doutrinador e Ministro do Tribunal Superior do Trabalho Maurício Godinho Delgado (2014) conceitua como “patamar civilizatório mínimo”, o qual corresponde aos direitos imantados por tutela de interesse público e que não podem ser reduzidos em qualquer seguimento econômico-profissional, sob pena de afrontar a própria dignidade da pessoa humana e a valorização mínima do trabalho.

 

Por conseguinte, na doutrina e jurisprudência justrabalhistas brasileiras é pacífico o entendimento de que o trabalho extraordinário, por definição, somente é aceitável quando decorre de necessidade imperiosa – e, via de regra, imprevisível – do empregador. Ainda assim, deve ser respeitado o limite máximo de duas horas extraordinárias por dia determinado pelo art. 59 da CLT. A exceção a esse limite se encontra em três situações previstas no art. 61 do Diploma Celetista, in verbis:

 

Art. 61. Ocorrendo necessidade imperiosa, poderá a duração do trabalho exceder do limite legal ou convencionado, seja para fazer face a motivo de força maior, seja para atender à realização ou conclusão de serviços inadiáveis ou cuja inexecução possa acarretar prejuízo manifesto.

 

Embora no texto consolidado não haja previsão expressa do limite de duração do trabalho nas situações acima descritas, o entendimento é que não se pode ultrapassar as doze horas diárias (BARROS, 2016), afinal, o descanso é direito fundamental necessário à recuperação da energia gasta com o trabalho, de modo que a limitação da jornada é norma cogente, que envolve matéria de saúde, higiene e segurança do trabalho.

 

 

 

3.  DO DANO EXISTENCIAL

 

Em termos históricos, o princípio regulador da reparação por danos injustamente provocados surgiu em Roma, com a Lex Aquilia de Damno. A ideia central de tal princípio era traduzida no dolo, negligência, imperícia ou imprudência.

 

O fundamento do dano existencial, instituto jurídico que se constitui em um desdobramento dos danos extrapatrimoniais, surgiu com a prolação da sentença 184/86 da Corte Constitucional Italiana, que admitiu uma nova espécie de dano não patrimonial indenizável: o dano biológico. A doutrina e jurisprudência daquele país chegaram ao entendimento de que uma lesão a qualquer direito fundamental do indivíduo afronta a dignidade do ser humano, configurando um dano à existência da pessoa, devendo, portanto, ser objeto de ampla tutela e pronta indenização (ALMEIDA NETO, 2012).

 

Todavia, conforme Sônia Mascaro Nascimento (2014), apenas em 2003, com as decisões proferidas pela Corte Constitucional e pela Corte de Cassação, foi consolidado o reconhecimento do dano existencial na Itália.

 

No Brasil, um dos primeiros autores a adotar a expressão para descrever as lesões que comprometem a liberdade de escolha e frustram o projeto de vida do indivíduo foi Júlio César Bebber, para quem, a denominação “dano existencial” se mostrava apropriada, uma vez que o efeito desta espécie de dano provoca no indivíduo um vazio existencial, fazendo com que ele perca sua fonte de gratificação vital (BOUCINHAS FILHO e ALVARENGA, online).

 

 

 

3.1 CONCEITO DE DANO EXISTENCIAL E ELEMENTOS CONSTITUTIVOS

 

Para a autora italiana Gabriele Positano, citada por Almeida Neto (2012), o dano existencial se diferencia das outras espécies de dano por consistir num prejuízo não econômico – sendo irrelevante que o ofendido aufira ou não rendimentos –; não patrimonial – uma vez que não tem por objeto lesão de bens ou interesses patrimoniais –; e de abrangência ilimitada, à medida que qualquer privação, qualquer lesão às atividades existenciais do ofendido pode ensejar ressarcimento.

 

Todavia, há quem entenda ser o dano existencial espécie de dano moral, devido às inúmeras semelhanças entre os institutos. Nesta senda, se faz relevante reproduzir o pensamento de Matteo Maccarone, que diferencia, com perfeição, o dano existencial do dano moral:

 

[...] o dano moral é essencialmente um ‘sentir’; o dano existencial é mais um ‘fazer’ (isto é um ‘não mais poder fazer’, um ‘dever agir de outro modo’). O primeiro refere-se quanto à sua natureza ao ‘dentro’ da pessoa, à esfera emotiva; o outro relaciona-se ao ‘exterior’, o tempo e espaço da vítima. No primeiro toma-se em consideração o pranto versado, as angústias; no outro as atenções se voltam para a reviravolta forçada da agenda do indivíduo. (MACCARONE 2002 apud ALMEIDA NETO 2012, p. 32)

 

Depreende-se do entendimento acima reproduzido que o dano existencial consiste, portanto, em uma alteração danosa à personalidade que impõe uma renúncia forçada das ocupações da vida cotidiana do ofendido e das suas relações interpessoais, prejudicando seu direito de escolha e prescindindo de qualquer repercussão financeira ou econômica que decorra da lesão.

 

É possível afirmar, então, que a principal diferença entre dano existencial e dano moral é que a lesão alcançada por este é momentânea, por mais que atinja a integridade psíquica do indivíduo, ao passo que aquele é mais abrangente e tem repercussão permanente na vida da pessoa, destruindo suas relações sociais e seu planejamento de vida.

 

Assim, em que pese haverem entendimentos divergentes, parece ser mais consentânea a caracterização de dano existencial como instituto distinto do dano moral, pois que, embora sejam tipos intimamente ligados, o bem tutelado por cada um deles é diferente, de modo que podem, inclusive, ser cumulados.

 

Feitas essas considerações, passa-se ao estudo dos elementos constitutivos do dano existencial.

 

Além dos elementos imanentes às outras formas de dano – como ação ou omissão do agente, existência de prejuízo e nexo causal entre um e outro –, o conceito de dano à existência se alicerça em dois eixos: lesão ao projeto de vida e à vida de relações.

 

O projeto de vida foi definido com maestria pelo Juiz brasileiro Augusto Cançado Trindade, em seu voto no célebre caso Gutiérrez Soler versus Colombia, vejamos:

 

[...] O conceito de projeto de vida tem, assim, um valor essencialmente existencial, atendo à ideia de realização pessoal integral. É dizer, no marco da transitoriedade da vida, a cada um cabe proceder às opções que lhe parecem acertadas, no exercício da plena liberdade pessoal, para alcançar a realização de seus ideais. A busca da realização do projeto de vida revela, pois, um alto valor existencial, capaz de dar sentido à vida de cada um. [...] É por isso que a brusca ruptura dessa busca, por fatores alheios causados pelo homem (como a violência, a injustiça, a discriminação), que alteram e destroem, de forma injusta e arbitrária, o projeto de vida de uma pessoa, reveste-se de particular gravidade, — e o Direito não pode se quedar indiferente a isso. A vida — ao menos a que conhecemos — é uma só, e tem um limite temporal, e a destruição do projeto de vida acarreta um dano quase sempre verdadeiramente irreparável, ou uma vez ou outra de difícil reparação. (Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Relatório nº 76/0. Caso 12.291 Wilson Gutiérrez versus Colômbia. Traduzido por Hidemberg Alves da Frota, online)

 

De mais a mais, para Júlio Cesar Bebber (2009, apud BOUCINHAS FILHO e ALVARENGA, online), o ser humano, naturalmente, busca extrair o máximo de suas potencialidades, o que o leva a projetar o futuro e fazer escolhas visando à realização do seu projeto de vida. Assim, qualquer fato que frustre esse objetivo, obrigando o indivíduo a resignar-se com destino diverso do que pretendia, deve ser considerado dano existencial.

 

No tocante à vida de relação, o dano se caracteriza por uma ofensa física ou psíquica a uma pessoa, que acarrete uma dificuldade ou torne impossível o seu relacionamento com terceiros. Nascimento (2014) acentua que a vida de relação diz respeito ao conjunto de relações interpessoais do qual o indivíduo faz parte, e que lhe permite estabelecer a sua história de vida e desenvolver-se de forma ampla e saudável, ao comungar com seus pares a experiência humana, compartilhando pensamentos, sentimentos, aspirações, atividades, entre outros, e crescendo, por meio do contato contínuo em torno da diversidade de ideologias, opiniões, comportamentos, culturas e valores ínsitos à humanidade.

 

Nesse contexto, o dano existencial nas relações de trabalho advém da conduta patronal que impede o empregado de conviver em sociedade ou pôr em prática seus projetos de vida, que são, por sua vez, responsáveis por sua realização pessoal, social e profissional.

 

Para Boucinhas Filho e Alvarenga (online), é possível perceber prejuízo ao desfrute pelo trabalhador dos prazeres de sua própria existência tanto quando dele se exige a realização de horas extras em tempo superior ao legalmente determinado, como quando dele se exige um número tão grande de atribuições que precise permanecer em atividade durante seus períodos de descanso, ainda que longe da empresa, ou fique esgotado ao ponto de não encontrar forças para desfrutar de seu tempo livre.

 

A segunda hipótese acima descrita traduz as características do que a doutrina definiu como direito à desconexão do trabalho, considerado por alguns autores como direito fundamental do obreiro, e que será abordado em tópico pertinente.

 

Nada obstante, é necessário ressaltar, mais uma vez, que a configuração do dano à existência do trabalhador prescinde do adimplemento das parcelas correspondentes à jornada extraordinária laborada. Isso significa que, mesmo que o empregador remunere corretamente o empregado, se houver a devida comprovação de que, em decorrência das exigências do trabalho, houve prejuízo às atividades cotidianas, à vida afetiva e familiar ou ao projeto de vida do obreiro, estará caracterizado o dano existencial, podendo ser pleiteada a respectiva indenização.

 

 

 

4.  O PROJETO DE VIDA, A VIDA DE RELAÇÃO E O DIREITO À DESCONEXÃO COMO DESDOBRAMENTOS DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

 

É consabido que o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III da CR/88) é considerado a pedra-de-toque do ordenamento jurídico brasileiro, mais que isso, é um fundamento dotado de um valor constitucional supremo.

 

Para o constitucionalista Bernardo Gonçalves Fernandes (2016), a dignidade da pessoa humana é erigida à condição de meta-princípio, exigindo que a figura humana receba um tratamento moral apropriado e igualitário, de modo que cada pessoa seja tratada como um fim em si mesmo, nunca como o meio para satisfação de interesses de terceiros.

 

Nesta perspectiva, todos os direitos fundamentais – aqui abrangidos os direitos sociais e os direitos da personalidade – devem ser interpretados de forma compatível com o postulado da dignidade da pessoa humana.

 

Para Flaviana Rampazzo Soares (2007), a tutela da existência da pessoa resulta na valorização de todas as atividades que esta realiza ou pode realizar, tendo em vista que tais atividades são capazes de fazer com que o indivíduo se sinta feliz, exercendo, plenamente, todas as faculdades físicas e psíquicas. Além disso, segundo a autora, a felicidade é, em última análise, a razão de ser da existência humana.

 

Sabe-se que a convivência com os demais membros da sociedade faz parte da condição de ser humano. O indivíduo precisa dos outros, para assimilar as normas, os aprendizados e os valores da vida em sociedade, bem como para saber quem é e definir o próprio projeto de vida. E essa convivência concretiza-se, sobretudo, fora do ambiente laboral.

 

Outrossim, o projeto de vida consiste na possibilidade fática que um indivíduo tem de praticar, baseado em seu livre-arbítrio, os atos que julgue imprescindíveis à execução de seu planejamento de metas e aspirações pessoais (plausíveis e exequíveis) que dão sentido à sua existência e representam aspecto central de sua busca pela autorrealização (FROTA E BIÃO, 2010).

 

Sobre a sintonia entre trabalho e projeto de vida, é relevante transcrever o entendimento de Neide Rebouças de Oliveira, em seu livro “Trabalho e sentido para a vida”:

 

Ao mesmo tempo em que trabalha, a pessoa deve fazer um caminho na realização de seus ideais e encontrar prazer nesse percurso. O trabalho, para ter sentido, nunca pode estar dissociado da realização de um ideal e de uma motivação prazerosa e valorativa em relação ao ser realizado. Satisfação de prazer e realização de valores, juntos, como consequência do sentido proporcionado pelo trabalho.

O trabalho ideal é aquele que o melhor desenho de tarefas é capaz de satisfazer um grande número de funções vitais ao bem-estar psicológico e de motivar os indivíduos a continuarem a realizar suas atividades. (2016, p.35)

 

O princípio da dignidade da pessoa humana se mostra, ainda, intimamente ligado ao valor social do trabalho e aos direitos sociais (art. 6º, CF), dentre os quais se encontra o direito ao lazer, direito este, que, por sua vez, coaduna-se com as normas de higiene, saúde e segurança do trabalho e é um dos motivos pelos quais o constituinte se preocupou em limitar a duração da jornada, assegurar o direito às férias, dentre outros direitos previstos no art. 7º da Carta Magna.

 

 

 

4.1 DO DIREITO À DESCONEXÃO DO TRABALHO

 

Como se sabe, o meio de combater ou evitar a fadiga causada pelo exercício do labor é o lazer. E, segundo Amauri Mascaro Nascimento (2011), lazer não significa inatividade, ao contrário, é ocupação útil, mas agradável e não imposta.

 

O preclaro autor prossegue, aduzindo que:

 

O lazer atende, como mostra José Maria Guix, de modo geral às seguintes necessidades: a) necessidade de libertação, opondo-se à angústia e ao peso que acompanham as atividades não escolhidas livremente; b) necessidade de compensação, pois a vida atual é cheia de tensões, ruídos, agitação, impondo-se a necessidade do silêncio, da calma, do isolamento como meios destinados à contraposição das nefastas consequências da vida diária do trabalho; c) necessidade de afirmação, pois a maioria dos homens vive em estado endêmico de inferioridade, numa verdadeira humilhação acarretada pelo trabalho de oficinas, impondo-se um momento de afirmação de si mesma, de auto-organização da atividade, possível quando se dispõe de tempo livre para utilizar segundo os próprios desejos; d) necessidade de recreação como meio de restauração biopsíquica; e) necessidade de dedicação social, pois o homem não é somente trabalhador, mas tem uma dimensão social maior, é membro de uma família, habitante de um município, membro de outras comunidades de natureza religiosa, esportiva, cultural, para as quais necessita de tempo livre; f) necessidade de desenvolvimento pessoal integral e equilibrado, como uma das facetas decorrentes da sua própria condição de ser humano. (2011, p.771)

 

O sociólogo e cientista Domênico de Masi (2000) já vaticinava que o ócio é criativo, ou seja, o indivíduo necessita de tempo livre para pensar, para refletir, para fazer comparações, para socializar-se e, por que não, para desfrutar do lazer.

 

Nessa toada, a desconexão do trabalho corrobora a tese de que o trabalhador deve ser preservado em sua integridade física e mental, bem como deve ter sua vida familiar e social protegidas, concretizando, assim, dois direitos fundamentais assegurados pelo artigo 6º da Constituição Federal.

 

Consoante Vólia Bonfim Cassar (2014), o trabalhador tem direito a se afastar totalmente do ambiente de trabalho, preservando seus momentos de relaxamento, de lazer, seu ambiente domiciliar contra as novas técnicas invasivas que penetram em sua vida íntima.

 

Por consectário lógico, para desfrutar do seu direito ao lazer, o trabalhador precisa, primeiramente, desconectar-se do trabalho, o que, em uma sociedade na qual impera o alto uso das mídias tecnológicas, afigura-se desafiador. Para Souto Maior (2003) – instituidor da expressão “desconexão laboral” no mundo jurídico –, esta situação, em si mesma, já é um paradoxo que revela as contradições que caracterizam o chamado “mundo do trabalho”.

 

Segundo o referido autor, a primeira contradição está, exatamente, na preocupação com o “não-trabalho” em um mundo que tem como traço marcante a inquietação com o desemprego; a segunda, diz respeito ao fato de que o avanço tecnológico que está roubando o trabalho do homem, mas, por outro lado, é a tecnologia que o escraviza ao trabalho; em terceiro plano, deve-se ressaltar que se a tecnologia proporciona ao homem uma possibilidade quase infinita de se informar e de estar atualizado com seu tempo, de outro lado, é esta mesma tecnologia que, também, submete o homem aos meios de informação, uma vez que lhe impõe a necessidade de se manter constantemente informado para não perder espaço no mercado de trabalho.

 

E, por fim, o autor ressalta que o trabalho, no prisma da filosofia moderna, dignifica o homem, mas sob outro ângulo, é o trabalho que lhe retira esta dignidade, impondo-lhe limites enquanto pessoa, na medida em que avança sobre a sua intimidade e a sua vida privada.

 

Assim, os avanços tecnológicos experimentados na atual conjuntura mundial, como os smartphones, por exemplo, ao mesmo tempo em que trazem benefícios (aumento de interação social, entretenimento, etc.), contribuem para o desvirtuamento das normas que limitam a jornada laboral, uma vez que os trabalhadores tornam-se reféns da tecnologia que os mantém vinte e quatro horas por dia conectados e à disposição do empregador, transformando, assim, o direito à desconexão laboral em uma mera utopia.

 

A ocorrência de tal situação é verificada com facilidade em relação aos empregados que exercem funções de chefia e equivalentes, pois a própria CLT, em seu artigo 62, II, determinou que esta categoria de trabalhadores não se submete à limitação legal da jornada, tendo em vista que recebem gratificação especial pelo desempenho de função de confiança. Sobre o assunto, Souto Maior aduz que:

 

[...] os altos empregados estão sujeitos a jornadas de trabalho extremamente elevadas, interferindo, negativamente em sua vida privada. Além disso, em função da constante ameaça do desemprego, são forçados a lutar contra a “desprofissionalização”, o que lhes exige constante preparação e qualificação, pois que o desemprego desses trabalhadores representa muito mais que uma desocupação temporária, representa interrupção de uma trajetória de carreira, vista como um plano de vida, implicando crise de identidade, humilhação, sentimento de culpa e deslocamento social. Em suma, a sua subordinação ao processo produtivo é intensa, corroendo sua saúde e desagregando sua família. Veja-se, por exemplo, que muitos sequer têm tido tempo para tirar férias, pois que, diante do quase inesgotável acesso a fontes de informações e por conta das constantes mutações das complexidades empresariais, ficar muitos dias desligado do trabalho representa, até mesmo, um risco para a manutenção do próprio emprego. (2003, p. 7)

 

A ingerência do trabalho na vida pessoal dos obreiros foi objeto de uma pesquisa realizada em 2012 pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), na qual foi constatado que o trabalho está interferindo direta e prejudicialmente no tempo livre do trabalhador. Foram entrevistados 3.976 residentes em áreas urbanas das cinco regiões do país, todos com idade mínima de dezoito anos e com ao menos um trabalho remunerado na semana de referência do levantamento.

 

Segundo a pesquisa (IPEA, 2012, online), 45,4% dos entrevistados afirma ter dificuldade para se desligar totalmente do trabalho, mesmo após o horário de término de sua jornada diária, destacando como razões apontadas: a necessidade de ficar de prontidão, para a realização de alguma atividade extraordinária (26,0%); a necessidade de planejar ou desenvolver alguma atividade de trabalho, mediante internet, celular, etc. (8,0%); e necessidade de aprender um conjunto de coisas sobre o próprio trabalho (7,2%).

 

Outros dados da pesquisa confirmam a interferência do trabalho sobre o tempo livre do obreiro: Mais de um terço dos entrevistados (39,5%) considera que o tempo cotidianamente dedicado ao trabalho remunerado compromete a qualidade de vida. Isso ocorre principalmente por conta do cansaço e estresse gerados pelo trabalho (13,8%), devido ao comprometimento das relações amorosas e da atenção à família (9,8%), por causa do prejuízo causado ao estudo, ao lazer e ao esporte (7,2%), devido ao fato de afetar negativamente as relações de amizade (5,8%) e gerar perda de motivação para o próprio trabalho (2,9%).

 

E, ainda, quase a metade dos entrevistados (48,8%) apresenta reações negativas quando necessita dedicar parcela de seu tempo livre a atividades próprias do trabalho remunerado. Entre essas reações negativas, estão: necessidade de conformar-se por precisar manter o trabalho (36,7%), tristeza por não sentir prazer no trabalho (5,1%) e revolta por achar que o tempo livre deveria ser dedicado a outras atividades (que não o trabalho, 7,0%).

 

Além da comprovação estatística, é possível observar, também, que os relatos de prejuízos que afetam o aspecto psicológico dos trabalhadores sobem vertiginosamente. Devido ao assédio moral ou à rotina exaustiva, muitos acabam desenvolvendo, inclusive, doenças como depressão e síndrome do pânico, que acabam por limitar a vida do obreiro, uma vez que prejudicam sua convivência em sociedade.

 

Conforme artigo publicado por Cynara Menezes no site Carta Capital, os trabalhadores da linha de montagem de empresas estão entre os que mais sofrem os efeitos da jornada exaustiva. Segundo a autora, “há relatos de operários que acordam exaustos, porque sonham a noite inteira que estão montando e montando, sem parar” (2014, online).

 

Outro exemplo pertinente é o gozo de férias muitas vezes prejudicado pelas constantes intervenções do empregador com telefonemas ou e-mails, impedindo que o empregado desfrute de seu direito ao lazer de forma plena.

 

Diante desse cenário, o direito do trabalho, sendo um centro de positivação da garantia dos direitos humanos, evidentemente, não deve encarar este fato como normal ou, pior ainda, fixar normas que o legitime, pois o resultado é que uma geração inteira de pessoas qualificadas está sendo consumida no incessante ritmo alucinado do trabalho direcionado pelos comandos da produção moderna. (SOUTO MAIOR, 2003).

 

Com efeito, quando o empregador exige uma jornada extraordinária habitual e exaustiva, não concede férias e/ou não faz cumprir os horários de descansos, impedindo, consequentemente, que o trabalhador se recomponha física e psicologicamente, coloca em xeque os direitos fundamentais assegurados pela Constituição Federal.

 

 

 

5.  O DANO À EXISTÊNCIA DO TRABALHADOR E O POSICIONAMENTO DOS TRIBUNAIS BRASILEIROS

 

Em que pese o conceito de dano existencial seja relativamente novo no ordenamento jurídico pátrio, a jurisprudência vem se posicionando em consonância com a legislação e com o entendimento doutrinário, de modo que se pode afirmar que o postulado consagrado na Itália também encontra guarida no Direito Brasileiro.

 

Neste sentido, a decisão proferida nos autos do Recurso de Revista nº 523-56.2012.5.04.0292, da lavra do Ministro Luiz Philippe Vieira de Melo Filho:

 

RECURSO DE REVISTA DA RECLAMADA - DANO EXISTENCIAL - DANO À PERSONALIDADE QUE IMPLICA PREJUÍZO AO PROJETO DE VIDA OU À VIDA DE RELAÇÕES - NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DE LESÃO OBJETIVA NESSES DOIS ASPECTOS - NÃO DECORRÊNCIA IMEDIATA DA PRESTAÇÃO DE SOBREJORNADA - ÔNUS PROBATÓRIO DO RECLAMANTE. O dano existencial é um conceito jurídico oriundo do Direito civil italiano e relativamente recente, que se apresenta como aprimoramento da teoria da responsabilidade civil, vislumbrando uma forma de proteção à pessoa que transcende os limites classicamente colocados para a noção de dano moral. Nessa trilha, aperfeiçoou-se uma resposta do ordenamento jurídico àqueles danos aos direitos da personalidade que produzem reflexos não apenas na conformação moral e física do sujeito lesado, mas que comprometem também suas relações com terceiros. Mais adiante, a doutrina se sofisticou para compreender também [...] relações que potencialmente poderiam ter sido construídas, mas que foram suprimidas da esfera social e do horizonte de alternativas de que o sujeito dispõe. [...] o conceito tem sido absorvido e ressignificado para o contexto das relações de trabalho como representativo das violações de direitos e limites inerentes ao contrato de trabalho que implicam, além de danos materiais ou porventura danos morais ao trabalhador, igualmente, danos ao seu projeto de vida ou à chamada "vida de relações". Embora exista no âmbito doutrinário razoável divergência a respeito da classificação do dano existencial como espécie de dano moral ou como dano de natureza extrapatrimonial estranho aos contornos gerais da ofensa à personalidade, o que se tem é que dano moral e dano existencial não se confundem, seja quanto aos seus pressupostos, seja quanto à sua comprovação. Isto é, embora uma mesma situação de fato possa ter por consequência as duas formas de lesão, seus pressupostos e demonstração probatória se fazem de forma peculiar e independente. No caso concreto, a Corte regional entendeu que o reclamante se desincumbiu do ônus de comprovar o dano existencial tão somente em razão de o trabalhador ter demonstrado a prática habitual de sobrejornada. [...] dispensando o reclamante do ônus de comprovar o efetivo prejuízo à sua vida de relações ou ao seu projeto de vida. Portanto, extrai-se que o dano existencial foi reconhecido e a responsabilidade do empregador foi declarada à míngua de prova específica do dano existencial, cujo ônus competiria ao reclamante. Embora exista prova da sobrejornada, não houve na instrução processual demonstração ou indício de que tal jornada tenha comprometido as relações sociais do trabalhador ou seu projeto de vida, fato constitutivo do direito do reclamante. É importante esclarecer: não se trata, em absoluto, de negar a possibilidade de a jornada efetivamente praticada pelo reclamante na situação dos autos (ilicitamente fixada em 70horas semanais) ter por consequência a deterioração de suas relações pessoais ou de eventual projeto de vida: trata-se da impossibilidade de presumir que esse dano efetivamente aconteceu no caso concreto, em face da ausência de prova nesse sentido. Embora a possibilidade abstratamente exista, é necessário que ela seja constatada no caso concreto para sobre o indivíduo recaia a reparação almejada. Demonstrado concretamente o prejuízo às relações sociais e a ruína do projeto de vida do trabalhador, tem-se como comprovado, in re ipsa, a dor e o dano a sua dignidade. O que não se pode admitir é que, comprovada a prestação em horas extraordinárias, extraia-se daí automaticamente a consequência de que as relações sociais do trabalhador foram rompidas ou que seu projeto de vida foi suprimido do seu horizonte. Recurso de revista conhecido e provido. (TST-RR-523-56.2012.5.04.0292, 7ª Turma, Relator Ministro: Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, DEJT 28/08/2015). (Grifos acrescidos)

 

Como se vê, é judicialmente reconhecido que o reiterado descumprimento, por parte do empregador, do dever contratual, ao não respeitar o limite legal da sobrejornada ou deixar de conceder férias e períodos de descanso, viola o patrimônio jurídico personalíssimo do obreiro, por atentar contra a sua saúde física e mental, assim como a sua vida privada.

 

Todavia, há que se ressaltar que, conforme mencionado na decisão acima transcrita, o onus probandi da ocorrência de dano existencial é do próprio empregado, não sendo suficiente para tal propósito a mera alegação da ocorrência do dano ou a comprovação de jornada extraordinária, pois, como visto, a não concessão de férias por longo período e a sobrecarga de horas extras, de per si, não são condutas capazes de gerar o dano existencial. É preciso, quando do ajuizamento da ação, apresentar uma narrativa convincente, com os devidos elementos probatórios. Assim já se manifestou o TST, em outro precedente (TST - RR: 1548020135040016).

 

Por fim, cumpre salientar que, apesar do reconhecimento do dano existencial nas instâncias superiores, no âmbito regional e nas varas do trabalho do Estado do Rio Grande do Norte, ainda é possível encontrar decisões que deixam de conceder a indenização pleiteada por desconhecer esta figura jurídica ou confundi-la com o dano moral.

 

Neste diapasão, é oportuna a análise de um recente julgado do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, o qual reformou a sentença que havia julgado procedente o pedido de “danos morais existenciais” formulado pelo reclamante, fundamentando-se apenas na não caracterização nos elementos constitutivos dos danos morais:

 

[...] A reparação pretendida por dano moral decorrente da relação de trabalho pressupõe a prática de um ato ilícito ou a prática pelo empregador de procedimento nocivo à dignidade do trabalhador, bem como o nexo de causalidade entre os atos praticados pela empresa e o dano experimentado pelo empregado, a conduta abusiva do empregador que agride a ordem jurídica e gerar danos ao trabalhador que se refletem em sua tranquilidade, aviltando sua dignidade. [...] No caso dos autos, o argumento do reclamante é de que o excesso de horas de trabalho por dia a que foi submetido gerou dano moral, enfatizando que foi cerceado de seus planos futuros, profissionais e pessoais. [...] Portanto, o fato de o reclamante ter prestado serviços em sobrejornada não caracteriza, por si só, o dano moral, sendo, pois, indevida a indenização pretendida. (TRT-21 - RO: 0000012-49.2015.5.21.0011, Relator: Elizabeth Florentino Gabriel de Almeida, Data de Julgamento: 06/07/2016,  2ª TURMA)

 

Tal situação só vem a reforçar a premente necessidade de estudo e disseminação do tema abordado por este artigo.

 

 

 

6.  METODOLOGIA

 

Para elaboração deste trabalho foi realizada uma pesquisa bibliográfica e documental, com caráter exploratório, sobre o assunto.

 

A coleta de dados foi executada mediante leitura e análise de doutrina, artigos, leis e jurisprudência que tratam da temática de forma direta ou indireta. Além disso, pretendeu-se realizar uma pesquisa de campo nas Varas do Trabalho de Mossoró/RN, a fim de verificar com que frequência os empregados têm buscado a reparação pela ocorrência do dano existencial e como o judiciário local tem enfrentado o tema em suas decisões. Entretanto, tal pesquisa restou prejudicada, por se tratar de tema novo e pouco abordado até mesmo em âmbito nacional.

 

Verificou-se que alguns servidores questionados sequer tinham conhecimento do assunto e, em algumas, das poucas decisões proferidas a respeito, constatou-se uma confusão entre o dano existencial e o dano moral por parte do magistrado, conforme restou demonstrado no tópico anterior.

 

 

 

7.  CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Após o estudo do dano existencial decorrente da jornada de trabalho excessiva, é possível fazer algumas considerações.

 

É notório que a frustração do projeto de vida e da vida de relações devido à conduta patronal abusiva gera danos ao trabalhador. Isto porque este se vê impedido de desconectar-se do trabalho, deixando de conviver com sua família e de dedicar tempo suficiente para o lazer e para o estudo, de modo que fica mais suscetível de ser acometido por doenças ocupacionais, dentre outros prejuízos incalculáveis.

 

Neste trabalho foi realizada uma análise sobre a origem do instituto do dano existencial, suas diferenças em relação ao dano moral, hipóteses que ensejam a indenização e sua aplicabilidade no ordenamento jurídico brasileiro.

 

Através da pesquisa efetuada, foi possível verificar que a indenização pelo dano existencial na seara trabalhista não busca compensar perdas ou meros dissabores decorrentes da lesão aos direitos do trabalhador, pois o próprio ordenamento jurídico já possui punições específicas para tais infrações, como, por exemplo, o pagamento em dobro de férias não concedidas e o pagamento de horas extras acrescidas de, no mínimo, 50%. Na verdade, o instituto do dano existencial cria a responsabilidade adicional, no intuito de reparar as consequências advindas da violação destes direitos, as quais ultrapassam os limites profissionais, repercutindo diretamente na vida íntima do obreiro, limitando sua vida de relação e a execução de seu projeto de vida.

 

Foi possível constatar, também, que o lazer, enquanto direito fundamental do trabalhador, atende à necessidade que o ser humano possui de investir parte de seu tempo em seus projetos, de conviver com os seus familiares e amigos e, até mesmo, desfrutar de momentos de ócio, como forma de compensar as tensões da vida moderna, sendo essas, algumas das razões que levaram o legislador a disciplinar a duração do trabalho e os descansos obrigatórios.

 

Os avanços tecnológicos, ao mesmo tempo em que proporcionam as mais diversas benesses à sociedade contemporânea, também facilitam as constantes ingerências dos empregadores na vida particular do obreiro, uma vez que permitem que este mantenha contato com seus subalternos após o horário de trabalho, por meio de e-mails, aplicativos, redes sociais, et cetera.

 

Diante desse contexto, o direito do trabalho não pode quedar-se inerte, permitindo que o empregador, ao seu alvedrio, sobreponha as suas demandas ao que determina a legislação pátria.

 

Assim, a tutela jurisdicional faz-se necessária não somente para indenizar a vítima pelo dano, mas também pelo seu caráter pedagógico, servindo como fator de desestímulo à reincidência por parte do empregador.

 

Com isso não se está querendo dizer que o empregador não pode solicitar trabalho em hora extra dos seus subordinados, o que se busca é evitar que essas horas sejam prestadas de maneira habitual ou que o volume de trabalho seja de uma dimensão tal que obrigue o empregado a permanecer trabalhando durante seus horários de descanso.

 

Há que se ressaltar, todavia, que nem todos ilícitos sofridos pelo empregado caracterizam o dano existencial. Para tanto, é necessário que tenha ocorrido prejuízo real em seu ambiente familiar e social ou em seus projetos pessoais, o que deve ser comprovado em juízo.

 

A conquista jurídica e social do reconhecimento de tal espécie de dano deve ser reivindicada de forma séria e fundamentada, sob pena de banalização e descrédito.

 

Por fim, é necessário enfatizar a importância da continuidade do debate acerca da temática no meio acadêmico para evitar que, por desconhecimento da figura jurídica aqui abordada, alguns trabalhadores tenham seus pleitos indeferidos.

 

 

 

8.   REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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2017