A INFLAÇÃO E A ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA DOS VALORES DE FGTS DEPOSITADOS NAS CONTAS VINCULADAS DOS TRABALHADORES

 

 

 

MARCELO BARROSO KÜMMEL

Mestre em Integração Latino-americana pela UFSM e Especialista em Direito do Trabalho            pela UNISINOS. Professor de Direito do Trabalho do Curso de Direito do Centro Universitário Franciscano. Analista Judiciário do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região. Orientador.

 

CÁSSIO DE LIMA LOPES

Advogado-RS. Pós-graduando em Direito Tributário pela ESMAFE/RS – Escola Superior da Magistratura Federal do Rio Grande do Sul.

 

 

 

Resumo: O presente artigo versa sobre a necessidade premente de revisão do índice de correção do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, tendo em vista o poder corrosivo que a inflação tem exercido sobre este nos últimos quinze anos. A fim de atingir tal intento, analisa-se desde a criação do regime de estabilidade, – precursor do FGTS em termos de proteção do tempo de serviço – passando-se pela criação deste e sua evolução até a Carta Magna de 1988. Ato contínuo passa-se à análise do instituto pós Constituição, com as respectivas legislações que o regem e suas especificidades. Outrossim, verifica-se o quão prejudicial tem sido os efeitos inflacionários para o Fundo e faz-se a explanação dos motivos que fazem com que a Taxa Referencial não seja o índice adequado para reajustar os valores do mesmo. Por fim, explicita-se qual o índice que melhor atende a função de corrigir monetariamente o FGTS, evitando que o patrimônio de todos que são regidos pela CLT definhe cada vez mais e perca valor ao ser sacado nos momentos de maior dificuldade.

 

Palavras-chave: Fundo de Garantia do Tempo de Serviço; Correção Monetária; Atualização; Efeitos Inflacionários; Taxa Referencial; Índice Nacional de Preços ao Consumidor.

 

SUMÁRIO: Introdução; 1. O surgimento do FGTS; 2. O FGTS após a Constituição de 1988; 3. Correção zero: a perda do valor econômico das contas do FGTS;  4. Escolha do índice para substituição da TR; Conclusões; Referências.

 

 

 

INTRODUÇÃO

 

Assim como os demais ramos do Direito, a seara trabalhista contém incontáveis princípios. Estes, como referenciais que são, balizam e norteiam a atuação do julgador quando diante de um conflito. Nesta senda, apesar da já imensa demanda perante a justiça trabalhista hodiernamente, esta vem, nos últimos três anos, se deparando com mais uma grande reivindicação, e ao que tudo indica, mais uma vez, os princípios deverão ser a base fundante de toda a decisão emanada. Trata-se do pleito de milhares de empregados país afora acerca da atualização dos valores a eles creditados na sua conta vinculada do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), buscando uma salvaguarda ante a inflação estatal galopante.

 

O FGTS importa em direito alcançado aos empregados desde 1966, sendo que um de seus pontos mais questionáveis diz respeito ao índice a ser utilizado para sua correção.

 

Observe-se que a situação de defasagem do saldo do FGTS e a consequente perda do poder de compra dos trabalhadores, verificada desde o ano de 1999, atingem, hoje, milhões de brasileiros regidos pelo regime celetista. E o Poder Judiciário, como era esperado, vem frequentemente sendo acionado por infindáveis empregados desde a decisão emanada pelo Supremo Tribunal Federal em 2013, em julgamento concernente à ADI 4.425/DF, que considerou inconstitucional parte da Emenda Constitucional nº 62, de 9 de dezembro de 2009, que dizia respeito à correção monetária dos precatórios, então balizados pela Taxa Referencial (TR). Assim, observa-se nos últimos tempos uma verdadeira enxurrada de ações versando sobre uma possível atualização dos saldos de FGTS nos mais variados graus da jurisdição pátria. Nesta senda, não há um posicionamento das instâncias superiores sobre a questão, o que levou recentemente o Superior Tribunal de Justiça (STJ) a suspender o curso das ações até que o próprio Supremo, uma vez que fora provocado, se manifestasse sobre o assunto. Tal atitude, por óbvio, vem gerando uma insegurança jurídica imensa.

 

Destarte, nem mesmo o índice a ser utilizado para a atualização é unânime, o que vinha acarretando uma discrepância de valores nas ações cujos trabalhadores lograram êxito. Deve-se, pois, efetivar a implementação de um único índice balizador e apropriado à questão, o que acarretaria um (esperado) rigor técnico, mantendo, assim, coerência nas decisões emitidas por parte dos magistrados, o que hoje não ocorre.

 

Acrescendo-se a isto, a partir da decisão emanada pelas cortes superiores acerca da temática, as consequências produzidas afetariam direta ou indiretamente a esfera pessoal de todos os brasileiros. Como exemplo cita-se a alegação da Caixa Econômica Federal de que, se vencedora a tese da substituição da Taxa Referencial por índice inflacionário, os juros dos financiamentos habitacionais oriundos dos saldos de FGTS subiriam dos atuais 6,66% a 8,66% ao ano para 12,5% a 14,6% ao ano[1]. Na mesma senda, segundo a CEF, o próprio FGTS poderia ser extinto e o Sistema Financeiro Nacional como um todo poderia sofrer um colapso.

 

Deste modo, a contenda abarca não somente questões jurídicas, mas também circunstâncias e consequências que respingarão nos âmbitos social, econômico e político.

 

Tendo em vista tantos elementos, uma análise minuciosa e crítica da questão se fez necessária, e sua justificativa está plenamente caracterizada pelos gigantescos números, direitos e consequências que nela estão envoltos.

 

Para a realização do presente artigo utilizou-se o método de abordagem dedutivo, valendo-se, para tanto, de pesquisa doutrinária, legislativa e jurisprudencial, visto partir-se da questão da atualização monetária dos valores de FGTS nas contas vinculadas dos trabalhadores. Por sua vez, os métodos de procedimentos serão o histórico e o monográfico. O primeiro se faz necessário a fim de fazer a verificação das consequências da mudança – para todos os trabalhadores celetistas –, do regime de estabilidade para o de FGTS, analisando-se desde as origens do mesmo até os caminhos delineados após a Carta Magna de 1988. O segundo busca esclarecer, a partir de um estudo acerca da comprovação da defasagem nos valores, bem como de qual índice seria apto a melhor balizar a questão, qual a alternativa que melhor regula a resolução do conflito.

 

Por fim, insta salientar que o presente artigo se insere na linha de pesquisa do Curso de Direito do Centro Universitário Franciscano - Teoria Jurídica, Cidadania e Globalização. A Teoria Jurídica se faz presente no estudo doutrinário acerca dos direitos constitucionais e trabalhistas do empregado.  Já a Cidadania encontra-se intimamente presente no trabalho, uma vez que o saldo das contas de FGTS muitas vezes constitui a única salvaguarda do trabalhador e garante a ele a promoção de um mínimo existencial.

 

 

1. O SURGIMENTO DO FGTS

 

A fim de que se possa compreender de forma plena com se dá o funcionamento do FGTS, sua importância, função e como é regido nos dias atuais, há que se fazer um recorte histórico e entender como se deu sua formação. Desta forma, pode-se cotejar as evoluções do referido instituto em termos legais, bem como se seus objetivos, enquanto política pública nos anos que se seguiram, foram alcançados.

 

Entretanto, antes de tudo, outro regime deve ser analisado, mormente pelo fato de que foi a partir dele que viria a surgir a ideia de criação de um fundo que protegeria o tempo de serviço do trabalhador. Trata-se do regime da estabilidade no emprego.

 

Segundo Martins (2000, p. 26) a estabilidade primeiramente surgiu para os servidores púbicos e aduz que “a primeira norma que efetivamente tratou da estabilidade no setor privado foi o Decreto nº 4.682, de 24.01.1923, a chamada Lei Eloy Chaves constituindo-se num marco histórico”.

Assim, originalmente, dispunha a referida Lei:

 

Depois de 10 annos [sic] de serviços effectivos [sic], o empregado das empresas a que se refere a presente lei só poderá ser demitido no caso de falta grave constatada em inquérito administrativo, presidido por um engenheiro da Inspectoria [sic] e Fiscalização das Estradas de Ferro. (BRASIL, 1923)

 

Com o advento da Lei Eloy Chaves, surgiram as Caixas de Aposentadoria e Pensões dos Ferroviários, garantindo-lhes direito à aposentadoria, assistência médica, auxílio farmacêutico e outros benefícios de natureza previdenciária, além da previsão da estabilidade, conforme supracitado.

 

Posteriormente, a estabilidade viria a ser estendida aos trabalhadores de empresas de outras categorias, como as de navegação marítima, fluvial e as de exploração ferroviária dos Estados e Municípios. Em que pese a Constituição de 1934 (BRASIL, 1934), em seu art. 131, conceder a estabilidade aos operários e demais empregados de imprensa, bem como aos professores em seu art. 150, foi com a Consolidação das Leis do Trabalho, de 1943, que a matéria foi definitivamente uniformizada. Assim, está previsto no art. 492: “O empregado que contar mais de dez (10) anos de serviço na mesma empresa não poderá ser despedido senão por motivo de falta grave ou circunstância de força maior, devidamente comprovadas”.

 

Sobre o tema aduz Arouca (2010, p. 922):

 

Falta grave seria a mesma justa causa do art. 482, mas potencializada pela intensidade ou reiteração. O empregado acusado de falta grave poderia ser suspenso de suas funções até o final do processo, mas a sua despedida só se tornaria efetiva após a conclusão do inquérito acolhendo a procedência da acusação. Reconhecida a inexistência da falta, ficava o empregador obrigado a readmitir o empregado no serviço e a pagar-lhe os salários a que teria direito no período de suspensão, a menos que a reintegração fosse desaconselhável, diante do grau de incompatibilidade resultante do dissídio, hipótese em que seria convertida a obrigação em indenização dobrada.

 

Segundo Cassar (2012, p. 1233) a possibilidade de aquisição da estabilidade era motivo de acentuada insatisfação por parte dos empresários que alegavam que o trabalhador estável se tornava menos produtivo. Além disso, não contemplava a possibilidade de dispensa por motivo econômico ou financeiro, engessando economicamente as empresas.

 

Nesta senda, notara-se que nos anos que se seguiram após a fixação  da garantia da estabilidade por parte da CLT o instituto vinha perdendo, no mundo fático, sua razão de ser. Isto porque, na prática, ao invés de garantir o trabalhador no emprego – finalidade para o qual fora instituída –, ocorria justamente o contrário, uma vez que os empregadores achavam meios de despedir o empregado antes que ele completasse dez anos de efetivo serviço na empresa, justamente para não estabilizá-lo.

A doutrina da época ratificava tal entendimento, haja vista que

 

segundo as estatísticas apenas 1% dos empregados alcançavam a estabilidade. Os empregadores em auto-defesa [sic], mais do que natural, davam instruções aos seus departamentos de pessoal para relacionarem quais os empregados que deveriam atingir os 7 anos; e, entre 7 e 9 anos, eram invariavelmente dispensados. Perdiam êles [sic] o emprêgo [sic] e, por outro lado, perdia a emprêsa [sic] seus empregados já afeitos e habilitados às suas tarefas normais Cada grupo nôvo [sic]  de trabalhadores que chegava era mais tempo e mais dinheiro pôsto [sic] fora com a aprendizagem e adaptação, não se falando no tempo e dinheiro gastos para a seleção. Êste [sic], embora sombrio, era o panorama real da situação brasileira. (SILVA; SILVA, 1967, p. 71-72).

 

Problematizando a questão e evidenciando alguns dos entraves verificados acerca do instituto da estabilidade, Ferrante (1978, p. 146-147) aponta que a estabilidade afetaria negativamente tanto empresários quanto trabalhadores. A autora, além de ratificar o exposto pelos autores supracitados, elenca ainda outras objeções à legitimidade do referido instituto.

 

Segundo seu entendimento, com a sistemática prevista na CLT nos seus arts. 477, 478 e 497, referentes às indenizações devidas aos trabalhadores (estáveis ou não), havia uma primazia inerente aos empregados não produtivos. Isso se deve ao fato de que as empresas são pautadas por questões econômicas (lucros x prejuízos) e, uma vez estando em situações precárias, optariam por despedir seus funcionários menos recomendáveis, vindo a indenizá-los. Assim, de acordo com a autora, enquanto os bons continuariam na empresa até a aposentadoria (passando a receber do então INPS uma quantia mínima, insuficiente para garantir com dignidade seu sustento e de sua família) os maus empregados poderiam utilizar os valores de indenização para recomeçar sua vida profissional noutra empresa, com maiores possibilidades de vitória. Destarte, “essa última preocupação pode ser percebida através do depoimento dado por um empregado estável: ‘o que eu faço com a estabilidade? É um direito, mas só me serve para guarda-lo   na gaveta.’” (FERRANTE, 1978, p. 147). Pontua também a autora o fato de o ônus da prova em relação às faltas cometidas pelo empregado ser demasiado árduo de se conseguir, ficando o empresário refém das potenciais indenizações a ser pagas, o que poderia acarretar a própria falência da empresa.

 

Neste cenário, conforme elucida Martins (2000, p. 28) “O Programa de Ação Econômica do Governo para o biênio 1964/1966 previa a substituição eventual e paulatina do sistema de estabilidade por um sistema de seguro desemprego”. Já se vinha, pois, orquestrando-se no seio governamental, a ideia de colocar-se em pauta um sistema paralelo ao da estabilidade, com o objetivo de, supostamente, garantir um sistema efetivamente protetivo ao trabalhador. Os indícios tornaram-se contundentes quando, no início do ano de 1966, o então Presidente Humberto de Alencar Castelo Branco, discursou sobre a temática[2] e deixou aberta a real possibilidade da criação do fundo.

 

Ademais, acrescendo-se a isso, o TST, à época, por meio da Súmula nº 26, aduzia de maneira clara que “Presume-se obstativa à estabilidade a despedida, sem justo motivo, do empregado que alcançar nove anos de serviço na empresa” (BRASIL, 2003).

 

Assim, com a pressão econômica exercida por parte dos empregadores e com o respaldo estatal – tendo em vista o interesse do Estado nas rentabilidades do Fundo para utilização no financiamento das casas próprias  – foi aprovada em 1966 a lei que criava e regulamentava o FGTS. Explica Cassar (2012, p. 1234):

 

O resultado foi a criação da Lei nº 5.107/66, hoje revogada, criando um sistema alternativo que extinguiria com a estabilidade e, em contrapartida, dava outras vantagens, como o direito aos valores depositados mesmo nos casos de pedido de demissão (levantados depois de algum tempo e não com a terminação do contrato). O regime do Fundo de garantia do Tempo de Serviço era facultativo na época e liberou o mercado. Praticamente todos os empregados admitidos após a lei, já se viam obrigados a “optar” desde a admissão.

 

O novo regime protagonizou declarações das mais variadas no âmbito doutrinário, havendo quem fosse contra e quem o visse com bons olhos, já que, para estes, a estabilidade não havia cumprido sua função primordial.  O novo regime – vale salientar – era opcional (parte final do caput do art. 1º da Lei nº 5.107/66) e excludente ao antigo: ou o trabalhador optava pelo FGTS com suas prerrogativas e garantias e não mais fazia jus à estabilidade até então prevista – bem como os benefícios dela decorrentes –, ou não optava  e permanecia com as mesmas condições e direitos anteriormente previstos (na forma do art. 492 da CLT).

 

Dentre os benefícios decorrentes, estava a indenização de um salário pra cada ano de trabalho. Assim, irremediavelmente, conforme a remuneração do empregado ia aumentando, aumentava também, por consequência, sua indenização, caso fosse despedido sem justa causa.

 

Dessarte, dentre as vozes que se posicionaram diametralmente contra a instituição do FGTS estava Cesarino Jr. (apud AROUCA, 2010, p. 923). Aduzia o referido autor que, uma vez instituído o novo regime, o empregador gozaria de poderes para despedir o empregado sem maiores consequências ou receios, haja vista que a instituição do FGTS acabaria também com as indenizações e não somente com a estabilidade. Enfático, alegava e sustentava que “significa isto que os patrões ficam inteiramente livres para despedir, a seu inteiro talento e capricho, quem bem lhes parecer. Significa isto que, num retrocesso de todos os pontos de vista lamentável, fica restaurada a ditadura nas empresas” (CESARINO JR. apud AROUCA, 2010, p. 923).

Prudente era o posicionamento de Sampaio (1971, p. 28-29), que colocava a análise da Lei nº 5.107/66 sob o prisma tanto dos empresários quanto  dos trabalhadores. Para ele, o intérprete deveria escolher, quando de seu julgamento, se privilegiaria a produtividade das empresas ou a proteção do empregado, visto serem, em sua visão, excludentes entre si. Todavia, sua visão vinha no sentido de que se a referida Lei fosse instituída em um país  de pleno emprego, a manutenção do trabalhador na empresa teria eficácia quase total, devido à dificuldade do empregador de encontrar mão de obra disponível. Entretanto, pelo fato de no Brasil existir à época carência de emprego e excesso de mão de obra não qualificada “não teria o FGTS funcionalidade protecionista do trabalhador porque, facilitando a rescisão do contrato de trabalho, não asseguraria o princípio da permanência do emprego” (SAMPAIO, 1971, p. 28).

 

Defrontando a questão sob dois enfoques diferentes, o individual e o coletivo, assinala Süssekind (2002, p. 678):

 

Sob o prisma individual, o novo sistema trouxe certas vantagens para o empregado, o qual não perde o direito aos depósitos feitos em seu nome, qualquer que seja a forma de cessação do contrato de trabalho (teoria do crédito), podendo, inclusive, em determinadas hipóteses, levantá-los no curso da relação empregatícia. Contudo, sob o prisma coletivo ou social, criou alguns problemas, seja porque não motiva a integração do trabalhador na empresa – já que visa a assegurar-lhe a estabilidade econômica e não no emprego –, seja porque não dificulta a despedida de trabalhadores idosos, os quais dificilmente encontram novos empregos, seja porque facilita a despedida injustificada do trabalhador, incrementando, com isso, a rotatividade da mão-de-obra e desestimulando o empresário em investir na reciclagem de seus empregados e na prevenção de acidentes.

 

Outro ponto muito debatido à época era, também, o fato de o empregador só efetivamente admitir o empregado se este optasse pelo novel regime. Sobre este aspecto salienta Martins (2000, p. 32):

 

Era comum o empregado ser dispensado e readmitido logo em seguida, para que não adquirisse estabilidade no emprego, e a empresa normalmente nessas condições determinava que o empregado optasse no segundo contrato pelo FGTS, para, posteriormente, não ter direito à estabilidade.

 

Outrossim, tendo em vista as vantagens evidentes que decorriam da opção por parte do empregador pelo FGTS se chegava a dizer que o trabalhador “não optava, mas era optado”.

 

No decorrer dos anos, pois, era lugar-comum nas empresas a prática da imposição velada aos novos trabalhadores para serem optantes. No plano jurídico/legislativo era prevista a opção, mas no mundo fático ou o trabalhador optava ou não era empregado.

 

Os dois regimes coexistiram até 1988, quando a Constituição da República instituiu em seu art. 7º, III o instituto do FGTS, revogando tacitamente o art. 492 e seguintes da CLT. Tal revogação tácita, na lição Süssekind (2002, p. 678), ocorre para os contratos a partir de 1988, uma vez que o dispositivo celetista continua regendo os contratos dos trabalhadores não optantes, contratados antes de 1988, por força do direito adquirido à estabilidade (quando completados 10 anos de serviço na mesma empresa antes de 1988) ou mesmo da manutenção do regime da estabilidade até 04.10.1988 (empregados que não chegaram a adquirir a estabilidade, mas não tinham optado pelo FGTS antes da Constituição promulgada em 05.10.1988).

 

 

2. O FGTS APÓS A CONSTITUIÇÃO DE 1988

 

Cientes da tramitação realizada no Poder Legislativo de uma nova Constituição dentro em breve, um clima de incertezas e incógnitas quanto  ao tratamento a ser dado ao FGTS pairou entre os juslaboralistas nos anos anteriores a 1988. Tal foi relatado por Prunes (1988, p. 40):

 

Reúne-se a Assembléia [sic] Nacional Constituinte em nome do povo brasileiro. A vontade nacional democraticamente demonstrada será posta à prova. As duas correntes que jamais se conciliaram terão um último e decisivo embate. Os que dizem falar em nome dos empregados cerram fileiras por uma estabilidade ampla em sua abrangência, profunda em seu significado. A parte contrária, pelos empregadores e pelos segmentos de orientação liberal, apresenta igualmente argumentos que são ponderáveis. Contudo, a previsão de quem será vencedor é difícil de fazer.

 

Todavia, no data de 5 de outubro de 1988, com a efetiva promulgação da nova Carta Política, sanaram-se todas as dúvidas e definitivamente restaram frustradas todas as tentativas dos juslaboralistas no intuito de manter a estabilidade do obreiro, bem como seu direito à indenização do tempo de serviço. Tal fato se deu pela opção do legislador constituinte em abolir a estabilidade decenal até então prevista na CLT, mantendo tão somente o sistema de FGTS, que passava a ser único, não mais alternativo. Assim, ficara resguardada a estabilidade somente àqueles que dela já gozavam (em respeito ao direito adquirido) e em casos específicos, sempre provisória, como o do dirigente sindical e membro titular de Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA), por exemplo.

 

Segundo Lima Teixeira (2002, p. 645-646) com o novo regramento constitucional acerca do FGTS e a necessidade de correção dos pontos do instituto que se mostraram falhos nos anos que se passaram, era forçoso que se elaborasse uma nova legislação para reger a temática. Assim, relembra o autor que, após intensos debates sobre o anteprojeto e a participação de todas as bancadas com efetiva participação no Congresso Nacional, fora aprovada a Lei nº 7.839, de 12 de outubro de 1989, que revogava todas as normas que versavam sobre o FGTS, inclusive a Lei nº 5.107/66, sua criadora. Entretanto, logo no ano seguinte, tal lei fora também revogada, passando a Lei nº 8.036 de 11 de maio de 1990, a regulamentar a matéria, além de introduzir outras inovações.

 

A despeito de todas as opiniões favoráveis (ou não!) à manutenção do Fundo de Garantia por parte do legislador constituinte, fato é que o instituto faz parte da Carta Política de 1988 e não pode ser retirado do ordenamento constitucional senão pela elaboração de uma nova Constituição ou Emenda Constitucional.

 

Nesta senda, segundo conceito dado por Cassar (2012, p. 1237):

 

O Fundo de Garantia do Tempo de Serviço é a atual, única e genérica proteção legal ao tempo de serviço do empregado, em substituição ao antigo regime previsto na CLT – art. 478. Em favor do empregado são depositadas, sem qualquer desconto salarial, em instituições bancárias indicadas pela lei, importâncias mensais correspondentes a 8% da remuneração paga pelo empregador ou por terceiros (ex: gorjetas). Estas importâncias, de acordo com a legislação, poderão ser total ou parcialmente levantadas quando da terminação do contrato ou nos casos legalmente previstos (aposentadoria, morte, etc.).

 

Na visão de Martins (2000, p. 47) “o FGTS é um depósito bancário vinculado, pecuniário, compulsório, realizado pelo empregador em favor do trabalhador, visando formar uma espécie de poupança para este, que poderá ser sacada nas hipóteses previstas em lei”.

 

Assim, entende o autor que se trata de depósito bancário vinculado pelo fato de o empregador depositar em favor de um terceiro (empregado); pecuniário por ser somente em dinheiro, jamais em outras utilidades, e compulsório por não ter o empregador a opção de não fazê-lo, sendo seu dever legal.

 

Delgado (2011, p. 1206), a seu turno, assim conceitua:

 

O Fundo de Garantia do Tempo de Serviço consiste em recolhimentos pecuniários mensais, em conta bancária vinculada em nome do trabalhador, conforme parâmetro de cálculo estipulado legalmente, podendo ser sacado pelo obreiro em situações tipificadas pela ordem jurídica, sem prejuízo de acréscimo percentual condicionado ao tipo de rescisão de seu contrato laborativo, formando, porém, o conjunto global e indiferenciado de depósitos, um fundo social de destinação legalmente especificada.

 

Ao órgão máximo do sistema, o Conselho Curador, incumbe, na explanação de Lima Teixeira (2002, p. 647) “estabelecer as normas gerais e o planejamento do Fundo para nortear a ação do gestor da aplicação dos recursos do FGTS, o Ministério do Planejamento e Orçamento, e do agente operador, a Caixa Econômica Federal”.

 

Ainda o autor, trazendo à baila questões atinentes ao agente operador, relembra que com a extinção do Banco Nacional de Habitação pelo Decreto-lei nº 2.291, de 21 de novembro de 1986, a Caixa Econômica Federal passou a exercer a função, sendo o autêntico órgão executivo do sistema, e denominado agente operador. Dessarte:

 

Relativamente à aplicação de recursos nos projetos de habitação popular, infra-estrutura [sic] urbana e saneamento básico, incumbe à CEF alocar e aplicar recursos em projetos encaminhados pelo Órgão Gestor, além de proceder à análise econômico-financeira e jurídica destes, estabelecendo os procedimentos operacionais necessários a pô-los em execução, observando os parâmetros estabelecidos pelo Conselho Curador e as diretrizes de aplicação do Gestor. Incumbe, ainda, à CEF elaborar as contas do FGTS, encaminhando-as ao Gestor. (LIMA TEIXEIRA, 2002, p. 651)

 

Poder-se-ia continuar a discorrer acerca dos inúmeros órgãos cuja finalidade de existência paira sobre o FGTS, sobre suas incumbências, bem como sobre a aplicabilidade dos recursos oriundos de seu recolhimento, encontrando sempre um ponto ou outro (quiçá vários) passíveis de debate, discussão e aprofundamento. Contudo, acredita-se que na atual conjuntura, nenhum deles gerou tamanha repercussão e polêmica quanto a atualização dos valores, debates estes que tiveram seu marco inicial ainda nos idos anos 90, relativos à famigerada inflação e suas consequências.

 

Malgrado o instituto do FGTS ter seu regramento positivado em Leis próprias e específicas, na prática, a partir do Enunciado nº 98 do TST[3], coube ao Poder Executivo efetivar as atualizações “com enorme variação de critérios e índices para medir a inflação e o custo de vida, índices que puderam  ser manipulados para atender às conveniências da política econômica governamental”. (LIMA TEIXEIRA, 2002, p. 660)

 

O autor (2002, p. 660) ainda alerta que:

 

Nessa relação institucional, o Poder Executivo passou a ter carta branca para atualizar o valor das contas de acordo com os critérios variáveis e conjunturais da política econômica do momento, mesmo que isto implicasse em perdas substanciais para o patrimônio do trabalhador. E assim o fez.

 

Aduz Lima Teixeira (2002, p. 662) que a questão veio à baila, efetivamente, com o julgamento no Supremo Tribunal Federal acerca das perdas decorrentes dos vários planos econômicos instituídos com o objetivo de conter a hiperinflação. A cada transição de um plano para outro (Plano Bresser, Plano Verão, Plano Collor I, Plano Collor II) resultavam incontáveis perdas ao patrimônio dos empregados. Todavia, ao julgá-los, entendeu o STF no sentido de que as relações jurídicas estabelecidas do assalariado com o FGTS não eram de natureza contratual, mas, sim, institucional, não assistindo direito aos titulares das contas a regime jurídico específico de correção.

 

Muito embora, segundo o mesmo autor (2002, p. 662), o STF, ao julgar as perdas decorrentes de tais planos tenha dado ganho de causa à União na maior parte, impôs a ela o dever de repor as perdas inflacionárias de 16,65% referentes ao Plano Verão (de janeiro de 1989) e de 44,80% referentes ao Plano Color I (de maio de 1990) “não em razão das perdas reais havidas, mas porque o governo silenciara sobre as regras de correção do FGTS ao elaborar as Medidas Provisórias desses dois planos”.

 

Sobre a decisão se posiciona Lima Teixeira (2002, p. 662):

 

Roma locuta, causa finita. Mas a tese é questionável, porque a ninguém é dado causar dano a outem, por ação, omissão, imperícia ou imprudência. Se o Poder Executivo arroga a si mesmo tornar-se depositário e administrador de bens de terceiros, não nos parece jurídico que possa dispor desse patrimônio segundo critérios de conveniência, bastando para isto que o faça em lei – e, à época, com a facilidade de editar Medidas Provisórias a seu talante. Ademais, se a desvalorização da moeda, ou seja, se a inflação real é medida por índices econômicos que o governo tem como verdadeiros, tanto que os aplica em outras operações, parece estranho que possa criar paralelamente uma inflação fictícia e com base nela fazer a correção monetária de ativos de que não é proprietário, mas fiel administrador. Por isso, doutrinariamente, endossamos a corrente dos três eminentes ministros vencidos no julgamento RE 226.855-7-RS, data venia da maioria.

 

Dentre todos os eventos ocorridos desde a implementação do sistema de FGTS como único protetor ao tempo de serviço na Constituição de 1988,  o julgamento dos chamados “expurgos inflacionários” foram os de maior relevância. Após seu julgamento, em termos de modificações expressivas (ou possíveis modificações), o acontecimento de maior destaque e cujo deslinde alterou significativamente as visões dos trabalhadores acerca de seu FGTS foi a decisão do STF no sentido de não mais utilizar a TR como índice corretor dos precatórios, tese jurídica cuja repercussão é analisada neste trabalho.  Tal decisão, cujo teor será oportunamente explicado, deu azo às inúmeras ações trabalhistas cujo intuito principal visa a também ver substituída a TR como balizador das contas de FGTS. Por hora, todavia, passa-se a discorrer acerca do núcleo fundante das ações ora citadas: a correção zero das contas de FGTS por mais de uma década.

 

 

3. CORREÇÃO ZERO: A PERDA DO VALOR ECONÔMICO DAS CONTAS DO FGTS

 

A correção monetária do FGTS é o ponto nevrálgico de uma questão que tem gerado muita discussão e debate no âmbito judiciário, tendo em conta  o poder corrosivo que a inflação exerce sobre os agentes econômicos e a economia como um todo.

 

Segundo Luque e Vasconcellos (2012, p. 385) a inflação pode ser conceituada como um aumento contínuo e generalizado no nível de preços, ou seja, os movimentos inflacionários representam elevações em todos  os bens produzidos pela economia e não meramente o aumento de um determinado preço.

 

As causas da inflação são separadas, a fim de estudos didáticos no âmbito das Ciências Econômicas em três grandes grupos, a saber: inflação de demanda, inflação de custos e inflação inercial.

 

A inflação de demanda refere-se, basicamente, ao excesso de   demanda agregada em relação à produção disponível de bens e serviços (VASCONCELLOS, 2011, p. 351). É a causa mais comum, onde há “muito dinheiro a procura de poucos bens”.

 

Ainda segundo Vasconcellos (2011, p. 352-353) a inflação de custos, a seu turno, refere-se à oferta. Neste tipo, a demanda permanece a mesma, entretanto, a oferta sofre uma retração pelo fato de algum dos custos de produção ter seu valor aumentado. Algumas das principais razões de tal elevação de custos são os aumentos salariais (superando os aumentos da produtividade), os aumentos dos custos de matérias-primas (também chamados de choques de oferta) e a estrutura de mercado (quando algumas empresas que detém o monopólio ou oligopólio elevam seus lucros acima dos custos de produção).

 

Vale salientar que a inflação é um fenômeno complexo, com várias facetas e consequências. Dentre elas, e talvez aquela mais sentida pelas classes menos abastadas está, nas palavras de Luque e Vasconcellos (2012, p. 386), a redução relativa do poder aquisitivo das classes que dependem  de rendimentos fixos, os quais possuem prazos legais de reajuste.

 

Sobre a temática se posicionam Vasconcellos e Garcia (2006. p. 186) que asseveram:

 

Uma das distorções mais sérias provocadas pela inflação diz respeito à redução relativa do poder aquisitivo das classes que dependem de rendimentos fixos, com prazos legais de reajustes. Nesse caso estão os assalariados, que, com o passar do tempo, vão ficando com seus orçamentos cada vez mais reduzidos, até a chegada de um novo reajuste. Os comerciantes, os industriais e o próprio governo têm condições de repassar os aumentos de custos provocados pela inflação, garantindo, assim, a manutenção de sua parcela no produto nacional. Ademais, dentro da categoria assalariada, os que mais sofrem são as famílias de baixo nível de renda. Como todo salário que recebem destina-se a sua subsistência, elas não têm meios de aplicar seu dinheiro, de forma a se defender da inflação (não têm condições de indexar a moeda em seu poder).

 

Ademais, não obstante a constatação que as classes mais baixas são  as mais afetadas pelo fenômeno da inflação, sobre elas recai o chamado imposto inflacionário[4]. Tal fenômeno é facilmente constatado na medida em que as pessoas de menor poderio financeiro não possuem aplicações e, por consequência, também não mantêm consigo moeda que rende juros, pagando, assim, proporcionalmente mais imposto inflacionário do que as classes abastadas. Tal tributo é regressivo, e os pobres são os maiores atingidos por ele. Por esta razão Luque e Vasconcellos (2011, p. 386) afirmam que a inflação é um imposto sobre o pobre.

 

Atento às consequências que advém da inflação para o bolso do brasileiro, que perde poder de compra ao longo dos anos, o governo passou  a efetivar a correção monetária das aplicações financeiras. Assim, se não consegue coibir a inflação – visto esta constituir-se em fenômeno complexo e de difícil controle –, o governo ao menos se utiliza de ferramentas para que suas consequências não sejam danosas em demasia. Não se deve entender a correção monetária, então, como um aumento financeiro ou uma benesse estatal, trata-se, apenas, de garantia de que o “valor” que se aufere em termos financeiros em um dado momento se mantenha, senão intacto, ao menos em níveis aceitáveis no decorrer do tempo. Se assim não fosse e não houvesse correções monetárias, o dinheiro auferido ao longo dos anos cada vez “valeria menos”, ao passo que, com a subida dos preços, os bens e serviços se tornariam mais caros e o valor arrecadado se manteria o mesmo.

 

A busca pela correção monetária, no que tange ao FGTS, iniciou-se precipuamente com o advento da Lei nº 8.036/90, que hoje regulamenta a matéria. No art. 13 da referida legislação, há menção acerca de como se dá(ria) e deve(ria) ser efetivada. Todavia, com a finalidade de evidenciar que a Taxa Referencial não se presta como corretor monetário, mister se faça, antes, uma regressão histórica e se estabeleça em que momento econômico ela fora criada, sob quais circunstâncias e como, hoje, veio a ser utilizada como ferramenta para correção monetária tanto do FGTS como da própria caderneta de poupança.

 

A Taxa Referencial é uma taxa de juros instituída pela Lei nº 8.177, de  1º de março de 1991 – popularmente conhecida como Plano Collor II – em uma época de profunda busca pelo controle inflacionário por parte dos governantes do Estado Brasileiro.

 

Segundo Nota Técnica elaborada pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), à época da criação da TR “foi extinto um conjunto de indexadores que corrigiam os valores de contratos, fundos financeiros, fundos públicos, bem como as dívidas com a União, entre outros” (DIEESE, 2013, p. 04).

 

Neste sentido, esclarece a referida nota (2013, p. 04):

 

Assim, foram extintos, a partir de 1º de fevereiro de 1991, o Bônus do Tesouro Nacional (BTN) Fiscal, instituído pela Lei 7.799 de 10.07.89; o BTN referente à Lei 7.777, de 19.06.89; o Maior Valor de Referência (MVR) e as “demais unidades de conta assemelhadas que são atualizadas, direta ou indiretamente, por índice de preço”, conforme o artigo 3º da Lei em questão. Simultaneamente, o artigo 4º determinou que “a partir da vigência da medida provisória que deu origem a esta lei, a Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística deixará de calcular o Índice de Reajuste de Valores Fiscais (IRVF) e o Índice da Cesta Básica (ICB), mantido o cálculo do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC).” Alternativamente a estes indexadores extintos, o Banco Central (Bacen) passou a ter a incumbência de divulgar a Taxa Referencial (TR) sendo o seu cálculo referenciado na “...remuneração mensal média líquida de impostos, dos depósitos a prazo fixo captados nos bancos comerciais, bancos de investimentos, bancos múltiplos com carteira comercial ou de investimentos, caixas econômicas, ou dos títulos públicos federais, estaduais e municipais, de acordo com metodologia a ser aprovada pelo Conselho Monetário Nacional, no prazo de 60 dias, e enviada ao conhecimento do Senado Federal.”

 

Após a referida regulamentação e a instituição da TR efetivamente, fato relevante se deu a partir de 1999. Nesta época, ainda segundo a Nota Técnica elaborada pelo DIEESE (2013, p. 06), houve progressiva baixa na Taxa Básica de Juros da economia – a chamada Taxa Selic.

 

Assim, como a TR é calculada levando-se em conta, conforme supracitado, a remuneração mensal líquida média dos depósitos a prazo fixo (popularmente conhecidos como CDB’s) das principais instituições financeiras do país, cada vez que a Taxa Selic baixa, também se reduz a TR. Tal movimento, a partir de 1999, foi o propulsor do resultado que hoje se vê, qual seja: desde 1999 a TR não mais repõe a inflação.

 

Tal entendimento é clarificado pela Nota Técnica do DIEESE (2013, p. 06):

 

Por sua vez, o cenário de queda das taxas de juros pós-1999 acabou afetando diretamente a variação da TR. Isso teve impacto direto sobre a rentabilidade do fundo e, por outro lado, afetou também a remuneração dos cotistas. Se a composição da remuneração atual das contas vinculadas do FGTS é de 3% (a título de capitalização) acumulada à variação da TR (correção monetária), o movimento de queda da taxa de juros e as modificações na fórmula do cálculo da TR afetam negativamente a taxa, o que impacta também negativamente a remuneração das contas vinculadas do FGTS.

 

A seu turno, ao referir-se ao conjunto de leis que hoje regulamenta a matéria concernente à correção monetária do FGTS (Leis nº 8.036/90, 8.177/91 e 8.660/93), bem como sua aplicação, assevera Franco Filho (2014, p. 124):

 

Este é o conjunto de normas existente hoje no Brasil sobre esse tema, que, todavia, é inconstitucional, e, sendo assim, especialmente quanto  à inconstitucionalidade da TR e a existência de outros índices muito mais adequados, constata-se que as perdas decorrentes da aplicação equivocada dessa criticada taxa precisam ser corrigidas urgentemente. O valor depositado para o empregado está sendo remunerado com 0,247% de juros ao mês e mais nada, porque a TR ofende o art. 2º da Lei nº 8.306/90, que manda que os valores sejam corrigidos monetariamente.

 

Relembra o autor (2014, p. 125), destarte, o fato de o Supremo Tribunal Federal (STF) já ter se posicionado contra a aplicabilidade da TR em julgado proferido pelo então Ministro Moreira Alves, cuja ementa assim seguia:

 

Ação direta de inconstitucionalidade. Se a lei alcançar os efeitos futuros de contratos celebrados anteriormente a ela, será essa lei retroativa (retroatividade mínima) porque vai interferir na causa, que é um ato ou fato ocorrido no passado. O disposto no art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal se aplica a toda e qualquer lei infraconstitucional, sem qualquer distinção entre lei de direito público e lei de direito privado, ou entre lei de ordem pública e lei dispositiva. Precedente do STF. Ocorrência, no caso, de violação de direito adquirido. A Taxa Referencial (TR) não é índice de correção monetária, pois, refletindo as variações do custo primário da captação dos depósitos a prazo fixo, não constitui índice  que reflita a variação do poder aquisitivo da moeda. Por isso, não há necessidade de se examinar a questão de saber se as normas que alteram índice de correção monetária se aplicam imediatamente, alcançando, pois, as prestações futuras de contratos celebrados no passado, sem violarem o disposto no art. 5º, XXXVI, da Carta Magna. Também ofendem o ato jurídico perfeito os dispositivos impugnados que alteram o critério de reajuste das prestações nos contratos já celebrados pelo sistema de Plano de Equivalência Salarial por Categoria Profissional (PES/CP). Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente, para declarar a inconstitucionalidade dos arts. 18, caput e §§1º e 4º; 20; 21 e parágrafo único; 23 e parágrafos; e 24 e parágrafos, todos da Lei nº 8.177, de  1º de maio de 1991 (grifei).

 

Não obstante o FGTS ter substituído a estabilidade e, na visão majoritária da doutrina à época, conforme fora abordado, retirado um direito dos trabalhadores, hoje é com ele que o obreiro pode contar em momentos de dificuldade.

 

Sua função primordial é garantir, guarnecer, zelar pelo tempo de serviço do trabalhador, remunerando-o. Caso o trabalhador seja acometido de câncer, pode sacar o FGTS para ajudar a custear o tratamento; se for despedido sem justa causa, não ficará completamente desamparado e em necessidade, nem sua família, pois pode retirar os recursos do fundo para ajudá-lo enquanto se recoloca no mercado de emprego; quando for portador (ou seus dependentes) do vírus HIV, poderá utilizar os recursos para ampará-lo; quando tiver mais de setenta anos, quando a empresa em que trabalha for extinta, quando ocorrer desastre natural que o afete... enfim! Em todas as situações previstas no  art. 20 da Lei nº 8.036/90 poderá o empregado sacar o valor do FGTS a fim de que não fique desamparado, em desespero. É para isso que existe o fundo. E, por óbvio que pareça, é necessário frisar: são nos momentos de maior necessidade que as pessoas precisam de dinheiro.

 

Não se pode conceber a ideia de o trabalhador, no seu momento de maior dificuldade financeira, idealizar o saque do FGTS para assisti-lo e verificar que boa parte do valor foi completamente corroído pela inflação. Impossível não perceber quão ultrajante é a situação de constatar que o montante financeiro sacado, que outrora poderia lhe prestar grande auxílio, não mais o faz, pois, em decorrência de fatos alheios à sua vontade, perdeu valor. Vale registrar que a escolha pela aplicação dos recursos do FGTS não é do obreiro, tampouco do empregador, respondendo aquele pela falha do sistema.

 

O art. 2º da Lei nº 8.036/90 identifica a obrigatoriedade da aplicação de juros e correção monetária aos valores depositados a título de FGTS, de modo a assegurar a cobertura de suas obrigações. Assim, o referido artigo aduz que “O FGTS é constituído pelos saldos das contas vinculadas a que se refere esta lei e outros recursos a ele incorporados, devendo ser aplicados com atualização monetária e juros, de modo a assegurar a cobertura de suas obrigações.” (grifo nosso).

 

Entretanto, a Taxa Referencial (TR), índice implantado pela Lei nº 8.177/91 cujo escopo seria o de efetivar a correção monetária, e criada justamente com o intuito de impedir que a taxa mensal de juros do mês atual repercutisse a inflação do mês anterior, desde o ano de 1999 começa a não mais cumprir sua finalidade. Vale lembrar que, em estudo realizado por Basile (2013, p. 808-809) relativo à correção dos débitos trabalhistas (que também utilizavam a TR como índice corretor), a referida taxa, desde sua criação até dezembro de 1998, superou o INPC. Não obstante, o referido autor (2013, p. 809) aponta que,  por questões de ordem econômica, como a flexibilização do câmbio e sua consequente mudança do fixo para o flutuante, aliado à criação da taxa Selic que alcançou 45% ao ano em março de 1999, o perfil econômico do Brasil tinha começado a mudar. Assim, ao longo dos anos subsequentes, “a TR sucumbiu diante do INPC, em uma queda acintosa” (BASILE, 2013, p. 809).

 

Explica o autor (2013, p. 810):

 

Apenas para que se tenha uma ideia mais exata, enquanto, de março de 1991 até dezembro de 1998, a TR (aplicada pela Justiça do Trabalho) registrou variação acumulada positiva em relação ao INPC (aplicado pela Justiça Comum) de 25,28% (vinte e cinco vírgula vinte e oito por cento), no período entre janeiro de 1999 e dezembro de 2002 (com a mudança da política econômica no 2º mandato do Presidente Fernando Henrique Cardoso), a variação acumulada positiva foi reduzida a 1,74% (um vírgula setenta e quatro por cento).

 

Nesta senda, conforme o autor, a TR “perdeu completamente o seu potencial de recompor as perdas inflacionárias e o poder aquisitivo da moeda, transformando-se em um fator de injustiça quando aplicada na atualização monetária de um crédito [...]” (BASILE, 2013, p. 812). O autor (2013, p. 814) chega a tal entendimento depois de comprovar uma diferença de 43,12% da TR em relação ao INPC a partir do novo Código Civil Brasileiro.

 

Impossível não verificar a discrepância entre os percentuais que balizam o FGTS (3% de rentabilidade ao ano – juros que sempre foram inferiores, inclusive, aos da poupança, um dos investimentos notadamente com menor remuneração do mercado – acrescido da Taxa Referencial) e a flagrante perda no poder de compra decorrente da utilização da Taxa Referencial como balizador.

 

Ano após ano o empregado vê seu poder de compra minguar em decorrência de um Estado interventor que, mediante manobras fiscais efetivadas anos a fio, parece estar excedendo seu campo de atuação na medida em que invade a esfera individual do trabalhador, retirando-lhe o que é seu por direito.

 

Nesta linha de pensamento é que o Supremo Tribunal Federal (STF) considerou, em 2013, em julgamento concernente a ADI 4.425/DF, inconstitucional parte da Emenda Constitucional nº 62, de 9 de dezembro de 2009, que dizia respeito à correção monetária dos precatórios. Em seu voto,  o Ministro Luiz Fux fixa entendimento claro de que a Taxa Referencial (TR) – índice usado para corrigir os valores dos precatórios –, não seria o corretor apto, tendo em vista que não repunha as perdas inflacionárias e aduz: “Assim, o índice oficial de remuneração da caderneta de poupança não é critério adequado para refletir o fenômeno inflacionário” (BRASIL, 2013).

 

Ao continuar seu voto, o Ministro Luiz Fux (BRASIL, 2013) ainda sustenta:

 

Assentada a premissa quanto à inadequação do aludido índice, mister enfrentar a natureza do direito à correção monetária. Na linha já exposta pelo i. Min. relator, “a finalidade da correção monetária, enquanto instituto de Direito Constitucional, não é deixar mais rico o beneficiário, nem mais pobre o sujeito passivo de uma dada obrigação de pagamento. É deixá-los tal como qualitativamente se encontravam, no momento em que se formou a relação obrigacional”. Daí que a correção monetária de valores no tempo é circunstância que decorre diretamente do núcleo essencial do direito de propriedade (CF, art. 5º, XXII). Corrigem-se valores nominais para que permaneçam com o mesmo valor econômico ao longo do tempo, diante da inflação. A ideia é simplesmente preservar o direito original em sua genuína extensão. Nesse sentido, o direito à correção monetária é reflexo imediato da proteção da propriedade. Deixar de atualizar valores pecuniários ou atualizá-los segundo critérios evidentemente incapazes de capturar o fenômeno inflacionário representa aniquilar o direito propriedade em seu núcleo essencial.

 

Por analogia, entendem os autores das ações que se o índice de correção não fora apto no caso dos precatórios, por que haveria de ser no caso do Fundo de Garantia, se é a mesma TR que baliza ambos?

 

O trabalhador é inegavelmente o elo mais fraco da relação trabalhista, tanto que ao longo dos séculos tem-se tentado criar mecanismos para garantir sua salvaguarda contra as mais diversas explorações. É ele que também é o mais afetado pelo imposto inflacionário, e quem sofre as mais severas consequências do aumento geral dos preços. Assim, não sendo a correção inflacionária uma benesse e sendo o empregado hipossuficiente na relação, indaga-se: acaso a reposição dos valores obtidos a título de FGTS e corroídos pela inflação não merecem um olhar crítico por parte do Poder Judiciário quando da análise das ações em curso?

 

 

4. ESCOLHA DO ÍNDICE PARA SUBSTITUIÇÃO DA TR

 

Restando comprovado o fato de que os valores creditados a título de Fundo de Garantia necessitam ser atualizados, visto não só estarem defasados como em constante perda de valor, chega-se a outro questionamento: Qual índice apto a efetivar a correção no lugar da TR?

 

Segundo o Banco Central do Brasil (BRASIL, 2014-a), não há apenas um único índice apto a aferir a inflação, pois “a inflação é medida por meio  de diversos índices, divulgados por várias instituições, tais como o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a Fundação Getúlio Vargas (FGV), a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE)”.

 

Analisando-se cada um dos principais medidores inflacionários, verifica-se que cada um dos índices utilizados possui uma metodologia diferente, como os dias em que são apurados, os produtos que incluem em cada um, o peso de cada produto na composição geral além da faixa de população estudada.

 

Dentre os índices mais utilizados, como o INPC, o IPCA e o IGP-M, salutar o entendimento de Franco Filho (2014, p. 126-127) que, valendo-se  da Lei nº 12.382, de 25 de fevereiro de 2011, argumenta no sentido de ser o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) o corretor mais habilitado para exercer tal função.

 

Segundo o autor, a justificativa leva em conta que a referida lei corrige tanto o salário do trabalhador quanto os benefícios da Previdência Social. Assim, aduz o diploma legal em seu art. 2º:

 

Art. 2º Ficam estabelecidas as diretrizes para a política de valorização do salário mínimo a vigorar entre 2012 e 2015, inclusive, a serem aplicadas em 1º de janeiro do respectivo ano.

§ 1º Os reajustes para a preservação do poder aquisitivo do salário mínimo corresponderão à variação do Índice Nacional de Preços aos Consumidor – INPC, calculado e divulgado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, acumulada nos doze meses anteriores ao mês do reajuste.

§ 2º Na hipótese de não divulgação do INPC referente a um ou mais meses compreendidos no período do cálculo até o último dia imediatamente anterior à vigência do reajuste, o Poder Executivo estimará os índices dos meses não disponíveis (grifei).

 

Para além do entendimento esposado pelo referido autor, cujo embasamento é legal, há também outro fator muitíssimo importante que credencia o INPC como o índice de correção mais adequado ao caso em tela: a metodologia utilizada em cada um dos índices. Ao passar à análise de cada um, poderá se verificar como se chegou a tal constatação.

 

Segundo a Fundação Getúlio Vargas (2014, p. 03), o Índice Geral de Preços – Mercado (IGP-M) começou a ser calculado em maio de 1989, mediante contrato firmado entre a Confederação Nacional das Instituições Financeiras (CNF) e a própria Fundação Getúlio Vargas, ficando a cargo do Instituto Brasileiro de Economia (IBGE) calculá-lo.

 

A metodologia do IGP-M tem por base a mesma do Índice Geral de Preços - Disponibilidade Interna (IGP-DI) “resultando da média ponderada de três índices de preços: o Índice de Preços ao Produtor Amplo (IPA-M),  o Índice de Preços ao Consumidor (IPC-M) e o Índice Nacional de Custo da Construção (INCC-M)” (FGV, 2014, p. 03).

 

Sustenta, em documento elaborado para elucidar questões atinentes ao IGP-M, a FGV (2014, p. 03):

 

À semelhança do IGP-DI, a escolha desses três componentes do IGP-M tem origem no fato de refletirem adequadamente a evolução de preços de atividades produtivas passíveis de serem sistematicamente pesquisadas (operações de comercialização em nível de produtor, no varejo e na construção civil). Quanto à adoção dos pesos convencionados, cujos valores representam a importância relativa de cada um desses índices no cômputo da despesa interna bruta, justifica-se do seguinte modo: a) os 60% representados pelo IPA-M equivalem ao valor adicionado  pela produção de bens agropecuários e industriais, nas transações comerciais em nível de produtor; b) os 30% de participação do IPC-M equivalem ao valor adicionado pelo setor varejista e pelos serviços destinados ao consumo das famílias; c) quanto aos 10% complementares, representados pelo INCC-M, equivalem ao valor adicionado pela indústria da construção civil.

 

Vê-se, de pronto, que o IGP-M, por sua metodologia, não serve como balizador inflacionário no caso do presente trabalho, pois leva em conta em sua formação índices que em nada tem a ver com o consumo geral dos trabalhadores celetistas. Como exemplo, cita-se o Índice Nacional de Custo da Construção (INCC-M) e o Índice de Preços ao Produtor Amplo (IPA-M) cujo percentual é de 60%.

 

Relativamente ao IPCA e ao INPC frisa-se o fato de que, enquanto o IPCA “abrange as famílias com rendimentos mensais compreendidos entre 1 (hum) e 40 (quarenta) salários-mínimos, qualquer que seja a fonte de rendimentos, e residentes nas áreas urbanas das regiões” (BRASIL, 2014-b) o INPC, a seu turno “abrange as famílias com rendimentos mensais compreendidos entre 1 (hum) e 5 (cinco) salários-mínimos” (BRASIL, 2014-b).

 

Ora, a questão é clara: qual classe de trabalhadores é a que mais sofre as privações de uma despedida, do descobrimento de uma doença ainda incurável (como a AIDS), de um câncer e de todas as outras hipóteses de saque legalmente previstas no art. 20 da Lei 8.036/90? Quem dispõe de até quarenta salários-mínimos ou quem dispõe apenas de cinco? Uma variação nos preços dos alimentos da cesta básica atingiria com maior impacto qual das classes sociais?

 

Aduz o IBGE:

 

A razão maior para que o Índice Nacional de Preços ao Consumidor – INPC – tenha como referência populacional as famílias dessa faixa de renda prende-se ao fato de que é importante obter um indicador que reflita com precisão os efeitos das variações de preço nos grupos mais sensíveis. Estes grupos são aqueles que despendem a totalidade de seus rendimentos em consumo corrente (alimentação, remédio, etc.) e têm nível de renda baixo. (BRASIL, 2006, p. 31)

 

Analisando-se de maneira mais profunda, não se pode esquecer o porquê de o FGTS ter sido criado, sua função. O FGTS fora criado em substituição à estabilidade então prevista, com o intuito maior de proteger o tempo de serviço do obreiro. Assim, o INPC, por levar em consideração famílias com menor renda, menor poder aquisitivo, que despendem quase a totalidade do que auferem em consumo, é o índice que melhor atende aos objetivos criadores do FGTS. Se a função primordial do Fundo de Garantia é, conforme abordado anteriormente, guarnecer o empregado em tempos de dificuldade, e constatando-se por uma questão lógica e visível que aqueles que têm maiores carências financeiras são os mais afetados por qualquer eventualidade, constata-se que o INPC é o corretor que melhor se encaixa no perfil da grande maioria dos trabalhadores.

 

A utilização do INPC em substituição à TR também é defendida por Basile (2013, p. 816-817) que aduz que o INPC é “o único índice capaz de recompor satisfatoriamente as perdas inflacionárias e devolver o poder aquisitivo da moeda nacional”. Tal convicção baseou-se precipuamente na comparação da variação da TR frente ao INPC desde janeiro de 1991 até junho de 2013, mês a mês.

 

Consubstanciando o mesmo entendimento está o Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT4). Em julgamento recente de agravo de petição referente a correções de débitos trabalhistas, datado de 6 de maio de 2014, de lavra do Desembargador João Ghisleni Filho, o TRT4 se posiciona a favor da aplicação do INPC em substituição à TR. Assim, ao afastar a TR como índice apto a corrigir os débitos trabalhistas, se posiciona o Desembargador:

 

Nesse sentido, em que pese a existência de vários índices no mercado brasileiro (IPC, IGP, IGP-M, ICV, INPC e IPCA, dentre outros), é adequado que se utilize o INPC – Índice Nacional de Preços ao Consumidor, em razão da metodologia adotada para sua medição, qual seja, o índice mede o custo de vida nas onze principais regiões metropolitanas do país para famílias com renda entre 1 e 5 salários-mínimos (GHISLENI FILHO; VARGAS, op. cit., p. 45). Castro, Mattei e Reimann (op. cit., p. 106) informam que de acordo com as informações da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), de 2011, a remuneração média nacional ficava em R$ 1.902,13, cerca de 3,5 salários-mínimos, o que situa-se na faixa em que calculado o INPC. (BRASIL, 2014-c)

 

Ao continuar a fundamentação de seu voto, o Desembargador aludido sustenta também que a legislação pátria começa a aplicar o INPC como corretor da moeda em outras searas. Assim refere:

 

Importante mencionar, também, que a legislação nacional já começa a adotar o mencionado índice com o objetivo de correção do valor da moeda. Nesse sentido, a redação do art. 41-A da Lei nº 8.213/91, dada pela Lei nº 11.430/06, que estabelece o INPC como índice oficial de correção dos benefícios previdenciários. Da mesma forma, ainda no campo previdenciário, o índice de correção dos salários de contribuição (para apuração do cálculo dos benefícios) e a atualização dos valores pagos em atraso pela Previdência Social são feitos de acordo com  o INPC (arts. 29-B da Lei nº 8.213/91 e 31 da Lei nº 10.741/2003). (BRASIL, 2014-c)

 

Ademais, a Orientação Jurisprudencial nº 49 do mesmo Tribunal, – aprovada por unanimidade através da Resolução nº 6 de 2014 – é clara quando fixa entendimento de que o índice a ser utilizado para atualização dos débitos trabalhistas deve ser o INPC. Segue a referida Orientação:

 

ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA DOS DÉBITOS TRABALHISTAS. A partir de 14 de março de 2013, o índice a ser utilizado para atualização monetária dos débitos trabalhistas deve ser o INPC, diante da declaração de inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal, na ADI 4357, do uso da TR como fator de atualização monetária.

 

Neste sentido, conjugando-se o entendimento legal esposado por Franco Filho, o fato de que o INPC leva em consideração a variação de preços nos grupos hipossuficientes, o entendimento do TRT4 em questão análoga (correção de débitos trabalhistas) bem como o fato de o INPC já ser o índice utilizado como corretor em outras searas (como benefícios previdenciários e salários de contribuição) chega-se no entendimento de que o INPC é o índice de atualização oficial mais apto a substituir a Taxa Referencial.

 

 

CONCLUSÕES

 

Ante ao que foi apresentado no presente trabalho, após todo o contexto histórico, da formação e evolução do FGTS, bem como a evidente e factual perda do poder de compra dos empregados durante mais de uma década, conclui-se que o Poder Judiciário deve zelar pelo patrimônio de milhares de trabalhadores.

 

Para chegar a tal conclusão, teve-se que fazer um resgate histórico e comprovar que, assim como todos os direitos trabalhistas hoje estatuídos, também a proteção ao tempo de serviço do trabalhador foi conquistada por meio de um processo longo, de lutas e incontáveis desentendimentos anos a fio. Uma vez afastada a estabilidade (onde não foram poucos os que viram com maus olhos) e instituído o Fundo, restou claro que a única proteção ao tempo de serviço do obreiro é o FGTS, razão pela qual não se pode olvidar de mantê-lo em patamares que, no mínimo, acompanhem as perdas decorrentes dos índices inflacionários.

 

A Taxa Referencial desde o ano de 1999 vem, sucessivamente, perdendo seu potencial de recompor as perdas inflacionárias, tanto que o Supremo Tribunal Federal, em julgamento da ADI 4.425/DF, considerou inconstitucional parte da Emenda Constitucional nº 62, de 9 de dezembro de 2009 que utilizava a TR para correção dos precatórios. Se a questão da inaplicabilidade da TR sob a ótica do STF resta clara na questão dos precatórios, visto esta não se prestar ao papel que lhe foi atribuído, ilógico seria haver entendimento diferente em relação à correção do FGTS, visto tratarem-se da mesma TR em ambos os casos.

 

Assim, verificou-se que o índice corretor posto com intuito de fazer com que o patrimônio dos empregados não venha a se exaurir ainda mais, não mantém, não mais corrige e não cumpre sua missão.

 

Isto posto, muito embora tal decisão emane de maneira definitiva da Suprema Corte, acredita-se que uma opção a ser considerada é a substituição do atual índice, a Taxa Referencial, pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor, por entender-se que é o que melhor se enquadra para tal fim.

 

Chegou-se a tal entendimento agregando-se vários fatores, dentre eles o fato de o INPC já ser utilizado como corretor dos benefícios previdenciários, dos salários de contribuição (para verificação do cálculo dos benefícios), bem como a atualização dos valores pagos em atraso pela Previdência Social. Ademais, é o índice que melhor reflete a variação de preços dos produtos consumidos pela parcela menos favorecida da população, notadamente aquela que mais necessita dos recursos oriundos do FGTS para resguardá-la em momentos de dificuldade. Assim, o FGTS corrigido pelo INPC cumpre a finalidade primordial para o qual foi instituído: proteger o tempo de serviço do obreiro e ancorá-lo nos momentos de dificuldade mediante o saque dos valores sob as condições previstas em Lei específica.

 

 

Em que pese – por fim – ser de sabença dos operadores do direito a possibilidade de modulação de efeitos a ser efetuada pelo Supremo em determinados casos (vislumbrando-se a possibilidade de não acolhimento de pedido de pagamentos retroativos), não deve(riam) os Ministros, neste caso, pautando-se tão somente em argumentos de cunho político/econômico, deixar de conceder, ao menos, a mudança do índice corretor.

Conclui-se, pois, que o Estado não pode, por sua ineficiência em manter em níveis aceitáveis a inflação, causar danos ao patrimônio dos trabalhadores, pois a ninguém, nem mesmo a ele, é dado causar dano a outrem sem o direito à devida reparação.

 

 

REFERÊNCIAS    

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[1] Disponível em: . Acesso em: 28 out. 2014.

 

[2] “Burlado pelos patrões e deformado pela escassa minoria dos trabalhadores que o alcançaram, o instituto da estabilidade tornou-se um autêntico instituto de inquietação. A situação atual estimula o empregador a usar artifícios e a buscar, de qualquer modo, a dispensa por justa causa, a fim de se livrar do ônus latente, ou, então, a evitar que o empregado atinja 10 anos, indenizando-o antes de completar esse tempo, pelo meio de indisciplina e descaso pela produtividade do trabalhador que atinge a estabilidade” (AROUCA, 2010, p. 923).

 

[3] “FGTS. Indenização. Equivalência. A equivalência entre os regimes do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e da estabilidade da CLT é meramente jurídica e não econômica, sendo indevidos quaisquer valores a título de reposição de diferenças.” (LIMA TEIXEIRA, 2012, p. 660).

 

[4] O imposto inflacionário representa uma espécie de taxação que o Banco Central impõe à coletividade, pelo fato de deter o monopólio das emissões. O Banco Central pode pagar dívidas  e obrigações simplesmente emitindo mais moeda, ou seja, ele nunca tem perda de seu poder de compra (VASCONCELLOS; GARCIA, 2006, p. 186). 

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Fevereiro/2016