MUNDO DO TRABALHO CONTEMPORÂNEO: da reconstrução da ideia de subordinação à relativização dos princípios

 

 

 

VERIDIANA TAVARES MARTINS

Bacharel em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Especialista em Direito do Trabalho pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Advogada.

 

 

 

SUMÁRIO: Considerações introdutórias; 1. O mundo do trabalho contemporâneo;  2. Reconstruindo a ideia de subordinação; 3. Relativização dos princípios no mundo do trabalho contemporâneo; Considerações finais.

 

 

 

CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS

 

Com o fim da escravidão surgiu o trabalho livre através a exploração do trabalho humano pelo capital. As mudanças da vida em sociedade transformaram também o mundo do trabalho, bem como a maneira como essa mão de obra é especulada. A intervenção do Estado nas relações entre os particulares tornou-se necessária, como forma de suprimir as desigualdades havidas nas relações laborais, em razão da notória fragilidade do trabalhador em face do empregador. Assim, nasce o Direito do Trabalho com o objetivo  de proteger o empregado, sujeito mais fraco na relação laboral, do poder do empregador.

 

Desde o nascimento do Direito do Trabalho a econômica expandiu-se criando postos de emprego que em tempos de outrora não existiam ou nem mesmo era imaginados. No sistema de produção existente à época de surgimento do Direito do Trabalho, o poder que o patrão tinha sobre o trabalhador era notório e indiscutível, não havendo dúvidas quanto à fragilidade do obreiro na relação laboral, e a consequente necessidade de ser protegido pelo Estado.

 

O Direito do Trabalho traz consigo princípios basilares que formaram e orientaram a própria construção desse ordenamento jurídico, sendo a base para a formação e interpretação das leis, preenchendo suas lacunas e servindo como elo entre a lei e o agente. Estes princípios são a base formadora e mantenedora do próprio Direito do Trabalho, o qual surgiu em um momento em que as relações laborais são marcadas pela forte desigualdade social com a economia arraigada ao desenvolvimento industrial.

 

Todavia, as transformações ocorridas nas relações de trabalho no período pós-industrial trazem à tona a necessidade de mudança nesse Direito do Trabalho que foi projetado, em sua origem, para o trabalhador fabril e que hoje abarca um número incontável de trabalhadores que apresentam tanto um perfil, como uma forma de debilidade diferentes daqueles para quem o Direito do Trabalho foi criado.

 

Compreender as questões sociológicas enfrentadas pelos atores da relação de trabalho e as mudanças ocorridas na sociedade faz-se necessário para a real compreensão do tema em debate. Assim, este estudo busca nestas transformações havidas no mundo do trabalho, sua estrutura e dimensões o seu objeto de pesquisa, estando dividido em três partes distintas, mas que em alguns momentos se entrelaçam.

 

Inicialmente o presente artigo apresentará ao leitor a realidade sócio-poítico-econômica do mundo do trabalho contemporâneo, na sequência passará a discorrer acerca das novas abordagens para a ideia de subordinação, reconstruídas pela moderna doutrina com o objetivo de assegurar a devida proteção ao trabalhador hipossuficiente e, por fim, ainda dentro do cenário do mundo do trabalho pós-industrial, este estudo apontara formas de relativizar a aplicação desmedida dos princípios do Direito do Trabalho.

 

Este artigo apresenta-se como resultado do uso do método dedutivo através de pesquisa bibliográfica, valendo-se tanto de obras da doutrina clássica como de novas propostas doutrinárias apresentadas por juristas da contemporaneidade.

 

 

1. O MUNDO DO TRABALHO CONTEMPORÂNEO

 

O trabalho assalariado é elemento natural do Capitalismo nascido na I Revolução Industrial, ocorrida no final do Século XVIII, que eclodiu com o surgimento da máquina a vapor, da substituição do homem pela máquina e a indústria têxtil.

 

A II Revolução Industrial, do final do Século XIX e primeiras décadas do Século XX, caracterizou-se pela tecnologia do aço, da metalurgia, eletricidade e eletromecânica, bem como surgimento da linha de produção fordista e taylorista. O espírito de classe toma forma e surgem os primeiros sindicatos,  o Estado começa a intervir nas relações de trabalho criando normas de ordem cogente de maneira a proteger o trabalhador de abusos cometidos por parte dos detentores do capital.

 

A intervenção do estado deu-se através da positivação dos Direitos Sociais, pois enquanto no capitalismo liberal o Estado era reativo, no capitalismo organizado ele assume um papel ativo. O reconhecimento de uma sociedade dividida em classes sociais desiguais faz surgir uma regulamentação do mercado de trabalho com caráter preservacionista do trabalhador. A inserção do homem no processo produtivo passa a ser efetivada através de contrato específico de trabalho.

 

Leandro do Amaral Dorneles de Dorneles[1] ensina, em um de seus estudos, que no chamado capitalismo organizado o Estado tentou “organizar” a composição das classes sociais de forma a conciliar os interesses do Capital e do Trabalho, com o reconhecimento social dos interesses dos trabalhadores, classe até então excluída, firmando-se um grande pacto entre Capital, Trabalho e Estado onde cada um desempenharia um papel específico no contexto social, de modo que seus frutos seriam repartidos entres os atores figurantes desse pacto.

 

Dentro do pacto social o papel do Estado foi o de gerenciar as renúncias do Capital e do Trabalho, dando azo ao Estado de bem-estar social o qual transformava o excedente liberado, seja pela tributação do capital ou dos rendimentos salariais, em capital social o qual consistia em investimento social e consumo social.

 

Com o pacto social o crescimento econômico geraria capital social, que por sua vez geraria aumento de consumo que geraria aumento da produção, a qual levaria a mais crescimento econômico. O capitalismo organizou-se de modo que suas estruturas produtivas garantissem o pleno emprego e melhorias nas condições de vida da classe trabalhadora, características da era fordista.

 

Contudo, o cenário socioeconômico continuou se transformando e no início da década de 1970, tendo por base vários fatores, dentre eles a alta tecnologia, surge a chamada III Revolução Industrial, a qual exige elevada qualificação da mão de obra, com a abolição dos trabalhadores especializados para torná-los especialistas multifuncionais, desestabilizando o antigo sistema econômico para dar origem ao capitalismo desorganizado.

 

A crise do petróleo ocorrida em 1973 que levou a dobrar o preço do barril, combustível da produção industrial e dos automóveis, foi mais um fator decisivo em uma crise que vinha se estendendo desde o final da segunda guerra. As indústrias passaram a ter problemas de abastecimento o que elevou os preços dos produtos finais e o aumento no custo do combustível dos automóveis freou o mercado consumidor.

 

Dorneles ainda observa que a produção em massa, típica do fordismo, baseava-se na racionalização da produção com a separação entre execução/ planejamento/meios de produção, somente se sustentava em uma sociedade de consumo de massa. A crise instalada na década de 70 no sistema de acumulação capitalista exigiu uma reformulação no sistema produtivo para um modelo de acumulação flexível, de modo que o pacto social foi completamente desestabilizado, em razão da impossibilidade de mantê-lo em face do novo cenário econômico.

 

O Japão com a economia abalada com o pós-guerra, dispondo de um espaço geográfico reduzido e de um mercado consumidor menor do que o das potências ocidentais, não conseguia se adequar ao modelo fordista de produção em massa. Assim, surge o Toyotismo, uma organização de produção flexibilizada e adaptada a atender rapidamente a pequenos e variados pedidos a um custo baixo, sendo estruturada de modo a reduzir os estoques pois era conduzida conforme a demanda do mercado consumidor.

 

Diferentemente do fordismo que tinha seu processo produtivo baseado em uma estrutura de padrões rígidos que conduziam à produção em massa, a acumulação flexível do sistema toyotista traz consigo uma flexibilização na organização do trabalho, pois se tornou necessário uma adaptação nos meios de produção – fosse no maquinário, fosse na exploração da mão de obra – para que os novos produtos conseguissem ser elaborados conforme a demanda do mercado. No toyotismo a produção é variável de modo que a inserção estável do trabalhador na cadeia produtiva constitui-se um entrave para a acumulação flexível.[2]

 

Em obra diversa, Dorneles destaca que inovação introduzida no sistema pós-fordista o Total Quality Control (TQC) o qual visa a eliminação de desperdício, dentre eles a “subutilização das pessoas”, para assim reduzir custos e tornar-se mais competitiva. O TQC rompe a estruturação hierárquica verticalizada, estabelecendo uma horizontalização entre os trabalhadores, que são divididos em grupos com certo grau decisório.

 

Além disso, o TQC deve estar em constante contato com o consumidor ao definir o parâmetro e o grau de satisfação dos produtos. Com isso, há um aparente deslocamento do centro decisório do qual emanam as decisões empresariais: pretensamente, não seria mais o empregador a tomar decisões, mas os círculos de controle de qualidade – formados pelos próprios trabalhadores – a partir das demandas críticas dos consumidores. Ao mesmo tempo em que o TQC dissipa parte do poder empresarial e estimula a maior participação do trabalhador no processo decisório, valorizando as suas ideias e estimulando a harmonia e o trabalho em equipe, revela um conteúdo ideológico inegável ao estar baseado na adesão irrestrita do trabalhador, de forma a afastar o seu espírito crítico e a sua possibilidade de resistência[3].

 

O toyotismo buscou assim a especialização do trabalhador o que culminou na polivalência dos operários e a melhor compreensão das etapas da produção. Seria, portanto, uma tentativa de criar um novo tipo de trabalhador, nem tão talentoso como os antigos artesãos, e nem tão braçais quanto os trabalhadores ao modo fordista.

 

Consequência natural das transformações socioeconômicas foi a necessidade de se rever o plano político, especialmente por influência da globalização e de ideias neoliberais. O Estado começa a perder seu poder e sua hegemonia quanto ao controle das relações comerciais e até trabalhistas, a medida que o detentor do capital passa a negociar com o empresariado de outros países e continentes. Tal fato levou os responsáveis pelos meios de produção, com o objetivo de manter um cenário mais competitivo, a buscar formas de diminuir custos através da redução de empregados e de salários, bem como de mudança nas formas de contratação e na jornada de trabalho,  o que se refletiu diretamente sobre o Direito do Trabalho.

 

O Estado do bem-estar social começa a ser um entrave para o desenvolvimento econômico e ideias de desregulamentação e flexibilização de direitos começam a surgir, assim como novas formas de contratação. É o declínio do capitalismo organizado e nascimento do capitalismo desorganizado.

 

O crescimento do mercado mundial para além de suas fronteiras faz com que seja possível desviar-se da regulação nacional da economia buscando inclusive modos de produção mais baratos em países periféricos. A ampliação dos ramos da economia, como a expansão do setor de serviços, levam a uma maior diversificação da classe operária enfraquecendo as entidades sindicais. Como consequência das transformações de ordem econômica e social no plano político entidades de classe e partidos de esquerda precisam frear seus ímpetos ideológicos e rever seus programas políticos.

 

Neste novo cenário que se desenha o Direito do Trabalho, embora mantenha sua característica central na proteção do trabalhador, começa a se tornar “menos duro”, passando a ter como meta não mais a ampliação dos direitos e sim a defesa dos postos de trabalho.

 

Amauri Mascaro Nascimento[4] destaca que um exemplo disto foi a Itália que no ano 2000 atingiu um índice de desemprego de 53,5% demonstrando a necessidade de um a reforma na legislação trabalhista. Em 2003 foi promulgada a Lei de Biaggi que indicava uma nova tendência na realidade do mundo do trabalho, não só dispensando a devida proteção aos trabalhadores, mas também para atender as necessidades das empresas diante das modificações ocorridas na estrutura da produção de bens e serviços, apresentando ideias garantistas e flexibilizadoras.

 

Neste quadro, haveriam de ser feitas adaptações e atualizações da legislação trabalhista em geral, buscando, tal como preconizado na Reforma Biagi, mais e melhores empregos, sem esquecer das peculiaridades dos que tentam ingressar no mercado de trabalho, dos que se encontram no meio do caminho, dos que estão na iminência de se aposentarem e, ainda, daqueles vários tipos de deficientes, credores de tratamento diferenciado, pela própria norma constitucional (art. 37).

A anterior ideia de proteção de forma geral e indistinta, agora requer nuances e gradações, considerando-se as fases da vida profissional, a idade, os conhecimentos e a experiência, as condições pessoais, etc.[5]

 

Outrossim, a sociedade pós-industrial também exige um novo perfil de trabalhador, apto a atender a necessidade do mundo moderno, pois de acordo com José Pedro de Camargo Rodrigues de Souza o “homo faber da Revolução Industrial, ligado a máquina, um apêndice dela, veio a ser substituídos pelo homo sapiens, que opera computador, raciocina e precisa de conhecimento para integrar, tudo isso fazendo dentro ou fora da empresa” [6].

 

As mudanças no cenário sócio-político-econômico fizeram com que a organização do trabalho sofresse uma profunda reestruturação, tornando-se um sistema de trabalho polivalente, flexível, integrado em equipe, menos hierárquico (ou com uma hierarquia horizontalizada), a qual tem como consequência o aumento das inúmeras formas de subproletarização, acompanhada da precarização das condições de trabalho em face de subcontratações através da terceirização da mão de obra, de contratos de trabalho parcial ou temporário.

 

A nova realidade do mundo do trabalho trouxe uma aparente liberdade nas relações de trabalhistas pois os postos de serviços não se baseiam mais apenas na linha de produção das industrias, a qual estava sob um nítida heterodireção. O trabalho manual começa a dividir espaço com o trabalho intelectual, mas isso não afastou do campo de proteção juslaboral o trabalhador operário, que apesar de aparecer de forma gradativamente mais discreta imprime papel impactante na cadeia econômica.

 

Acerca dessa miscigenação de trabalhadores Rodrigo Trindade de Souza faz a seguinte observação:

 

O que se faz presente é uma maior dificuldade de reconhecimento, pois a classe trabalhadora se trata de um ser social mais complexo. Abarca desde os setores dotados de maior qualificação (beneficiados pela intelectualização do trabalho gerado pelos avanços tecnológicos), até a massa de subproletariados, participantes da enorme economia informal. Ademais, é apenas com o aprofundamento da identificação dos laços que unem os diversos elementos que compõem essa nova classe trabalhadora que se poderá melhor compreender o atual mundo do trabalho e articular esses segmentos na luta contra a precariedade comum de suas relações de serviço.[7]

 

A sociedade pós-industrial é marcada pela polarização dos postos de trabalhos, divididos entre os trabalhadores altamente qualificados, os quais possuem relativa estabilidade, e os trabalhadores desqualificados, estes excluídos ou inseridos de forma instável no mundo do trabalho, o qual consagra formas de prestação de trabalho com subordinação invisível. A mão de obra da indústria torna-se mínima com a terceirização dos serviços considerados não essenciais à produção e consequente exigência da polivalência do trabalhador.

 

A ideia de “trabalho” com elemento indispensável para a dignificação do homem em sociedade começa a se tornar utópica na medida em que algumas formas de trabalho são desprestigiadas e desprovidas de proteção, levando a degradação do ser humano. Contudo, paralelamente a isso, no mundo contemporâneo surgiram formas de trabalho inexistentes a época de nascimento do direito preservacionista dos trabalhadores, bem como os novos obreiros apresentam características totalmente distintas dos operários para quem o Direito do Trabalho foi criado.

 

Verifica-se assim que a sociedade e o mundo do trabalho contemporâneo são voláteis, modificando-se conforme as necessidades corporativas ou individuais, o que dificulta garantir o caráter tuitivo do Direito do Trabalho, sem fazer com que ele perca sua essência, pois se tornou cada vez mais difícil identificar os trabalhadores que necessitam de sua proteção.

 

 

2. RECONSTRUINDO A IDEIA DE SUBORDINAÇÃO

 

Conforme apontado por muitos anos pela doutrina o destinatário do manto protetor do Direito do Trabalho é o indivíduo considerado empregado, sendo assim tratado a partir da conceituação trazida no corpo do art. 3º da CLT, o qual destaca que é empregado aquele que presta serviços de forma pessoal, não eventual, onerosa e sob dependência.

 

Os doutrinadores clássicos afirmam que a expressão “sob dependência” talvez não seja a que melhor represente o objetivo intrínseco da norma, a  qual tem sido interpretada como sendo sob “subordinação”, conforme explica Alice Monteiro de Barros ao dizer que “o termo genérico ‘dependência’ ou ‘subordinação’ é utilizado pela doutrina desde o século XIX, como critério   que distingue o contrato de trabalho dos que lhe são afins[8]. Objetivamente Amauri Mascaro do Nascimento afirma que “a legislação brasileira prefere o vocábulo dependência. Porém, a doutrina consagra a expressão subordinação[9].

 

Ao tratar sobre o tema Nascimento, em outros estudos, destaca que “a subordinação é um lado da moeda e o poder diretivo é o outro lado”[10], ou seja, se há poder diretivo exercido por uma das partes, há subordinação da outra parte.

 

Lorena Vasconcelos Porto[11] disserta que o poder do empregador fora exercido, em sua origem, através da imposição da disciplina, obrigando os indivíduos a adotarem condutas de forma tal que estes passaram a se tornar hábitos incorporados a suas rotinas. A ideia de disciplina está inserida no conceito clássico ou tradicional de subordinação à época do surgimento do Direito do Trabalho, a qual tinha como modelo econômico vigente a grande indústria, onde o operário trabalhava sob a vigilância do empregador, submetido à disciplina rígida que reduzia ao mínimo sua discricionariedade.

 

Visualizar a subordinação como contrapartida ao poder do empregador era uma tarefa relativamente fácil quando da origem do Direito do Trabalho, quando o empregado se resumia basicamente àquele trabalhador fabril que se submetia diariamente aos comandos do empregador, ficando lotado exclusivamente no interior das fábricas ao longo das linhas de produção, como aquelas típicas do fordismo.

 

O poder diretivo do empregador está inserido na acepção da subordinação subjetiva a qual se evidencia conforme o empregador emite ordens, fazendo valer seu poder sobre o empregado, diferentemente da subordinação objetiva para qual não há a necessidade que haja o exercício desse poder do empregador sob o empregado, basta inserção do trabalhador no organismo da empresa.

 

Contudo, o modelo de produção fordista perdeu espaço nas últimas décadas para o Toyotismo, o qual vem acompanhado de uma flexibilização  na forma de produção e consequentemente mudanças na organização do trabalho. Sob esta perspectiva verifica-se que a ideia de subordinação, requisito essencial para caracterização da relação de emprego e elemento determinante da proteção do Direito do Trabalho, resta atualmente prejudicada aos olhos  do que tradicionalmente definia-se como uma relação subordinada.

 

Dentro desta ótica surgem várias propostas de como tutelar os trabalhadores juridicamente hipossuficientes, as quais se dividem em duas correntes, uma delas mantendo a proteção quando do vínculo empregatício, para tanto, ampliando o conceito da subordinação jurídica e outra estendendo o objeto de proteção do Direito do Trabalho para além dos limites da relação de empregatícia.

 

Quanto a opção de revisão do conceito de subordinação no mundo contemporâneo tem-se na doutrina nacional a construção da subordinação estrutural de Maurício Godinho Delgado, subordinação integrativa de Lorena Vasconcelos Porto, bem como a ideia de subordinação estrutural-reticular de Marcos Menezes Barberino Mendes e José Eduardo de Resende Chaves Júnior.

 

A tese da subordinação estrutural desenvolvida por Maurício Godinho Delgado[12] vem sendo bem recepcionada pela doutrina e a jurisprudência moderna, que passou a admitir que a subordinação é uma conduta voltada para um procedimento produtivo, partindo da atividade desenvolvida e concentrando-se nela, inserindo-se num processo de produção de bens e serviços. Assim, a subordinação é definida dentro de um plano essencialmente objetivo, qual seja, pela integração do obreiro no processo produtivo empresarial. Nesse sentido, o trabalhador é subordinado quando a sua atividade se integra aos objetivos empresariais, situação comum em casos de trabalhadores eventuais e trabalhadores autônomos hipossuficientes.

 

Lorena Vasconcelos Porto[13], em análise através de processo de universalização da subordinação, propõe a ideia da subordinação integrativa, ampliando o conceito clássico de subordinação, mas sem afastá-la de sua concepção tradicional.

 

O propósito de universalização da subordinação leva em consideração que na grande maioria das relações de emprego a subordinação ainda se faz presente em sua acepção tradicional, de forma que a matriz clássica não pode ser abandonada e sim complementada com o que denomina subordinação integrativa. A referida autora parte da ideia da subordinação objetiva, mas não de forma ampla, pois conforme crítica apontada pela jurista, tal concepção abrangeria inclusive trabalhadores verdadeiramente autônomos. Com esta ideia, Porto vem doutrinariamente propor um critério que agregue à subordinação jurídica indícios capazes de excluir o trabalho autônomo e com isso cria a subordinação integrativa.

 

A partir da ideia de subordinação estrutural de Mauricio Godinho Delgado, José Eduardo de Resende Chaves Júnior e Marcus Menezes Barberino Mendes[14], constroem o conceito de subordinação estrutural-reticular. Para tanto os juristas ampliam o foco de busca das características verificadoras de relação subordinada, tirando-a da figura do empregado e redirecionando a análise para a nova organização produtiva na sociedade pós-industrial, chamada pelos autores de empresa-rede, e afirmando que “a ideia de rede empresta à subordinação jurídica um efeito reticular”.

 

A concepção da subordinação estrutural-reticular parte do estudo das novas estruturas corporativas, derivadas de coalizões empresariais, que modificaram a estrutura das relações de emprego. Nesta nova estrutura a “empresa-rede” coordena, precifica e controla a produção, mas deixa de fora da tutela juslaboral trabalhadores concebidos como autônomos dependentes, os quais apesar de possuir um controle relativo sobre o seu próprio trabalho inserem-se na atividade produtiva alheia, sobre a qual não possuem controle da atividade econômica. Nesse sentido, sempre que reconhecida a atividade econômica em rede, é necessário imputar a condição de empregador a todos os integrantes da rede econômica.

 

A partir desse cenário é que os mencionados juristas estendem a ampliação do conceito de subordinação, para os trabalhadores dito “autônomo- dependentes” pois se há semelhança entre eles e o empregado clássico, em face da isonomia dos trabalhadores consagrada na própria Constituição da República, a melhor interpretação seria não reduzir o potencial expansivo e protetivo do Direito do Trabalho.

 

A subordinação estrutural-reticular, portanto, revela-se como mais uma tentativa de aplicação do rol de normas trabalhistas a trabalhadores que, fruto do processo de reestruturação produtiva desencadeado ainda no século XX, não são identificados como empregados através do critério da subordinação clássica.

 

Quanto a segunda corrente, a qual pretende a ampliação do objeto de proteção do Direito do Trabalho para além das fronteiras da relação de emprego, é observada na Itália em razão do surgimento de um novo tipo de trabalhador, originado desse novo processo de estruturação produtiva, em face da falência do capitalismo organizado. Este novo trabalhador que vem surgindo, nem tão autônomo, nem tão subordinado, mas que não usufrui de garantias trabalhistas, em que pese necessite, implicou em uma revisão na legislação italiana.

 

Nasce então na Itália o conceito de trabalhador parassubordinado, uma mescla de trabalhador subordinado e do trabalhador autônomo. De acordo com Renata Orsi Bulgeroni[15] a primeira menção do trabalho parassubordinado na legislação italiana ocorreu através da Lei nº 741, de 14 de julho de 1959, que dispunha que competiria ao governo estabelecer normas jurídicas com força de lei aptas a garantir a tutela mínima das relações de colaboração que se concretizassem em prestações de obra continuativa e coordenada. A ideia de continuidade é o elemento diferenciador entre o trabalhador parassubordinado e o autônomo puro, ou seja, quando o trabalho do autônomo se presta durante período de tempo prolongado, ou seja, não se esgota em uma só prestação. A distinção entre esses dois tipos de trabalhadores estaria no fato de que enquanto o autônomo presta um serviço de natureza instantânea, ou seja, que se extingue com o cumprimento de apenas um resultado, o parassubordinado persegue a consecução de resultados que não se restringem à realização de apenas uma atividade.

 

Contudo, o trabalho parassubordinado foi mal usado, fazendo com o que várias relações de trabalho subordinado fossem travestidas em relações de trabalho parassubordinado, malfadando o instituto, razão pela qual o legislador italiano ampliou os requisitos para a configuração de uma nova modalidade de trabalho: o contrato a projeto, o qual tinha como objetivo impedir a utilização fraudulenta das relações de trabalho parassubordinado e garantir uma tutela mínima em favor dos trabalhadores.

 

Priscila Soerio Moreira[16] explica que elemento característico do contrato de trabalho a projeto é exatamente o projeto ou programa o qual deve se revestir do requisito da originalidade e da excepcionalidade, na acepção de atividade podendo ou não ser compreendida entre aquelas normas desenvolvidas pelo comitente, devendo ter duração pré-determinada ou determinável, conforme as características do projeto/programa. Neste aspecto, de acordo com o § 1º do art. 69 do Decreto Legislativo 276/2003[17] (Reforma de Biaggi) quando da ausência de um projeto ou programa de trabalho específico, a relação de trabalho será considerada subordinada por tempo indeterminada. O contrato a projeto vem na contramão da ideia de subordinação, pois objetiva identificar o trabalhador autônomo, ou seja, se a relação de trabalho não se enquadra em situação exigida para configuração do contrato a projeto, é considerada uma relação de trabalho subordinada.

 

Contudo, conforme esclarecido por Moreira, a reforma italiana, ainda que reconhecida que a relação de trabalho preenche o requisitos exigidos no contrato a projeto, assegura ao trabalhador direito de ser reconhecido como autor de invenção feita durante o contrato (art. 65 do D.Lgs. 276/2003), garante a suspensão do contrato em casos de gravidez ou doença do trabalhador  (art. 65 do D.Lgs. 276/2003), bem como aplica as normas em matéria de tutela contra acidentes de trabalho dispostas no art. 51 do D.Lgs. 488/1999.

 

As ideias trazidas neste estudo apontam a preocupação da doutrina de manter o propósito originário do Direito do Trabalho que é de o de proteger o trabalhador hipossuficiente. Quanto ao elemento hipossuficiência convém lembrar que quando do nascimento do Direito do Trabalho ela carregava consigo a ideia de desigualdade econômica entre patrão e empregado. A ideia de desigualdade econômica, por sua vez, pressupunha uma dependência econômica daquele que vende a força de trabalho para outrem que, em face do poder de comando, controla a relação de emprego impondo disciplina do empregado em razão de sua subordinação. Assim, na formação do Direito do Trabalho, a subordinação estava diretamente relacionada a dependência econômica, sinônimo de hipossuficiência, que dadas as transformações no mundo do trabalho evoluiu para vulnerabilidade, conforme apontado por Carmen Camino.[18]

 

Dentro desta perspectiva Leandro Amaral Dorneles de Dorneles[19] amplia a atuação protetiva do direito laboral em consonância com a nova configuração do mundo do trabalho, com a ideia de vulnerabilidade como foco do caráter tuitivo do Direito do Trabalho. Contudo, o referido professor não se limita a concepção genérica de vulnerabilidade, mas identifica um conjunto de tipos de vulnerabilidades que podem se apresentar juntos ou isoladamente, em maior ou menor intensidade, identificando a vulnerabilidade nos planos negocial, hierárquico, econômico, técnico, social e informativo.

 

Fato característico de todas as proposições de novas formas de enquadramento do trabalhador no mundo do trabalho apresentadas é o ideal de proteção ao trabalhador dependente, fraco, débil ou hipossuficiente, mantendo a matriz tuitiva que deu azo ao surgimento do Direito do Trabalho.

 

O ideal protecionista do Direito do Trabalho continua sendo o mesmo de quando de sua criação, o que mudou foi parte do público a quem ele é destinado. Contudo, se o objetivo protetivo do Direito do Trabalho é manter o equilíbrio entre empregado e patrão ele deve ser aplicado na dosagem compatível com esse desequilíbrio, observando-se a relação de trabalho em concreto, fazendo jus ao que orientam os seus princípios basilares.

 

 

3. RELATIVIZAÇÃO DOS PRINCÍPIOS NO MUNDO DO TRABALHO CONTEMPORÂNEO

 

Falar sobre a relativização dos princípios no mundo contemporâneo implica em reconhecê-los como elementos que não podem ser aplicados de forma indiscriminada, pois não são inegáveis ou axiomáticos, de modo que ocorrendo conflito entre eles cabe o sopesamento de um sobre o outro para que se decida daquele mais adequado.

 

Neste ponto, o papel que o magistrado exerce é de suma importância, pois é o intérprete e aplicador do direito nos conflitos das relações jurídicas. Para tanto, a função interpretativa dos princípios mostra-se essencial e eficiente na busca do equilíbrio das relações, pois na razão de ser de cada princípio está a própria razão fundamentada de sua aplicação. Um Direito do Trabalho positivado que trata todas as relações iguais, não distinguindo os diversos perfis de trabalhadores, torna-se inútil quando aplicado de maneira generalista, pois esta há desdenhar não só da importância, mas também do motivo que dá azo e sustenta cada princípio.

 

Neste sentido, parafraseando Eros Grau “o juiz é necessário porque cada caso é um caso[20]”, de modo que a necessidade de análise da situação fática concreta para a adequada aplicação da norma já resta definida no  art. 8º da CLT ao trazer a equidade como parâmetro para o julgamento.  A interpretação do direito é a interpretação da realidade, pois o ordenamento jurídico é formado com base nas relações sociais reais.

 

A aplicação dos princípios do Direito do Trabalho deve atender a realidade da situação fática vivida pelos atores da relação laboral, muitas vezes modificadas pela evolução da sociedade e das relações sociais, e não apenas interpretá-los como se todos fossem iguais, sob pena de se deturbar a função ideológica da justiça social.

 

Assim, as mudanças do cenário de aplicação do Direito do Trabalho exige uma releitura da aplicação dos princípios, pois conforme já referido o mundo do trabalho mudou exigindo dos operadores do direito uma releitura da ideia de trabalho subordinado, para bem de manter o manto protetor do direito laboral sobre aqueles trabalhadores que no mundo pós-industrial não se encaixariam com perfeição nas situações compreendidas na concepção clássica de subordinação.

 

A necessidade social de proteção ao hipossuficiente e vulnerável abriu os olhos da hodierna doutrina para a importância de se atualizar o conceito criado nos primórdios do capitalismo liberal e organizado à realidade do mundo contemporâneo, mantendo a matriz protetiva do Direito do Trabalho, contudo sem banalizá-lo.

 

Por isso é imperioso que aplicação dos princípios do Direito do Trabalho acompanhe a realidade do mundo do trabalho observada no capitalismo desorganizado do pós-guerra, mesma realidade que levou a doutrina e a jurisprudência a reverem o conceito de subordinação, verificada com base na hipossuficiência e vulnerabilidade do trabalhador. Deste modo, para evitar-se a distorção de valores faz-se necessário observar os tantos níveis de vulnerabilidade que podem acometer o trabalhador, aplicando os princípios do Direito do Trabalho na medida dessa debilidade, a fim de não se cometer um desequilíbrio às avessas.

 

A impossibilidade de total cisão entre os ramos do direito comporta mais um dos motivos pelos quais se torna impossível elaborar um rol de princípios próprios (ou únicos) do Direito do Trabalho, razão pelo qual muitos daqueles princípios elencados por doutrinadores como pertencentes à ciência juslaboral são apresentados por outros como parte dos princípios gerais do direito ou como institutos que visam manter o equilíbrio das relações jurídicas, concepção que se alinha com o que os interesses deste trabalho.

 

Neste sentido, o que para muitos é chamado de princípio da razoabilidade para André Araújo Molina[21], seria ferramenta para a solução de antinomias dentro de um sistema jurídico pós-positivista[22], incidindo para afastar a aplicação de regras jurídicas trabalhistas que possam ser violadoras da igualdade material. Para o citado jurista brasileiro não apenas a razoabilidade desempenha esse papel, mas também a proporcionalidade a qual serve como um instrumento de controle e sopesamento entre os princípios, “indicando as soluções proporcionais que atendam, na medida das possibilidades fáticas e jurídicas, todos os princípios em colisão, bem como protege o núcleo essencial dos direitos fundamentais.”

 

Depreende-se, assim, que a razoabilidade e a proporcionalidade dentro de um sistema jurídico pós-positivista atuariam na solução de paradoxos, reconhecendo a inexistência de princípios jurídicos absolutos. Se a ideia fundante do princípio da proteção (e seus desdobramentos) é o equilíbrio entre os atores da relação laboral, quanto mais munido de condições estiver  o trabalhador, menor deverá ser a intervenção do Direito do Trabalho na tentativa de igualar as partes da relação laboral, de modo que o juiz não está autorizado a substituir o legislador, negando a aplicação de normas jurídicas restritivas de direito, quando assim preferiu o Poder Legislativo em circunstâncias concretas. Não pode, assim, o intérprete-aplicador, sob a alegação do princípio da proteção, ampliar o nível de favorecimento pretendido pelo legislador, a despeito de ser a “proteção” vertente generalizante.

 

A doutrina e a jurisprudência tomaram o cuidado de reconstruírem o conceito de subordinação e, em casos como na Itália, inclusive alterar a legislação como forma de garantir proteção ao trabalhador hipossuficiente e vulnerável, pois se verifica nessas características condições que ensejam a proteção do Direito do Trabalho. Assim, se a debilidade do trabalhador é elemento fundamental a dar azo a ampliação do manto protetor trabalhista, conforme a proposta de Dorneles, essas mesmas condições devem ser avaliadas quando da aplicação dos princípios do Direito do Trabalho.

 

A avaliação do caso concreto visa aplainar as diferenças havidas entre os tantos perfis de trabalhadores, haja vista que o direito do trabalhado positivado é um só, de norte a sul do país, ou seja, a legislação é igual para todos, cabendo unicamente ao aplicador do direito, valendo-se das ferramentas construídas pela doutrina e jurisprudência moderna, evitar o mau uso do caráter protetivo do Direito do Trabalho.

 

Neste sentido, Carmen Camino aponta a boa-fécomo anteparo de eventuais tentativas de hipertrofiar a ideia de proteção[23], sendo que Alice Monteiro de Barros afirma que o princípio da boa-fé opõe ideais éticos às relações trabalhistas, como forma de trazer equilíbrio na aplicação dos princípios, afirmando que “o princípio da boa-fé exerce uma função flexibilizadora dos institutos jurídico, entre os quais se situa do contrato de trabalho[24].

 

Disto depreende-se que a proporcionalidade, a razoabilidade e a boa-fé podem servir de instrumentos de controle do uso indiscriminado dos princípios, garantindo o equilíbrio da relação jurídica. Contudo, somente podem ser empregadas para relativizar a aplicação dos princípios juslaborais, quanto da análise do caso concreto sub judice, razão pela qual também se fala em equidade, instituto que conforme Maurício Godinho Delgado, vem ao ordenamento jurídico retificar das distorções da lei, corrigindo as injustiças do comando abstrato perante a situação fática concreta, ou seja, é um critério de aplicação das leis, o qual permite adaptá-las a cada caso particular, suavizando o rigor da norma abstrata, tendo em vista as circunstâncias específicas do caso concreto.[25]

 

Essa necessidade de verificação da situação fática se apresenta na medida em que se faz de extrema importância verificar o grau de debilidade do trabalhador na relação laboral, a fim de se evitar o emprego inadequado das técnicas de proteção do Direito do Trabalho.

 

Os princípios do Direito do Trabalho são reflexos da autonomia dogmática deste ramo jurídico, nascendo juntamente com ele quando o mundo do trabalho apresentava-se imerso na realidade sócio-politico-econômica do capitalismo liberal que transitava para um sistema capitalista organizado. O trabalhador destinatário da proteção juslaboral era a materialização da ideia de submissão, vulnerabilidade e hipossuficiência, para quem se podia afirmar a aplicação  “às cegas” do princípio da proteção, pois não existia outra forma de relação de trabalho, se não aquela que deu azo à criação do Direito do Trabalho.

 

A ampliação do conceito de subordinação pela atual doutrina e jurisprudência, bem como as novas propostas para o emprego da proteção do Direito do Trabalho também merecem evidência quando se fala na aplicação dos princípios pelo intérprete-aplicador. Contudo, tal verificação não pode ser limitada a ocorrência de ampliação do perfil de trabalhadores que ensejam a proteção juslaboral, mas por questão de isonomia deve ser reconhecido que na contemporaneidade as relações de trabalho trazem atores com características distintas daqueles para os quais o Direito do Trabalho foi criado.

 

Com o emprego da equidade, através da análise do caso concreto, poderá o operador do direito verificar o grau de debilidade do trabalhador dentro da relação laboral em análise e assim valer-se dos institutos ora estudados  como forma de aplicar o princípio da proteção na exata proporção a que o trabalhador necessita, lembrando que “a diferença entre um remédio e um veneno está só na dosagem” [26]. Em uma análise metafórica o princípio da proteção é o remédio para curar a desigualdade havida entre as partes na relação laboral, contudo se “tomado” em excesso pode envenenar todo o ordenamento jurídico trabalhista.

 

Deste modo, havendo vários níveis de vulnerabilidade, conforme já referido, é imperioso que a aplicação dos princípios incida na proporção dessa debilidade, a bem que manter o equilíbrio formal da relação laboral, razão de ser do Direito do Trabalho.

 

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

A mudança da conjuntura sócio-politico-econômica que possibilitava a estabilidade do pacto social, onde Capital, Trabalho e Estado desempenhariam um papel específico no contexto social, e a consequente alteração na estrutura produtiva, transformaram a maneira como ocorriam as relações de trabalho, fazendo com que deixassem de ter a forma daquelas relações originárias da proteção juslaboral a época da formação do Direito do Trabalho.

 

A subordinação – elemento caracterizador da relação de emprego e alvo da proteção do Direito do Trabalho – tomou nuances diferentes e em muitas situações quase imperceptíveis, afastando trabalhadores que figuram hipossuficientes e vulneráveis em suas relações de trabalho do manto protetor trabalhista.

 

Quanto a este aspecto das relações de trabalho a doutrina necessitou fazer uma releitura da ideia tradicional de subordinação, abandonando o conceito arcaico preso a ideia de poder e disciplina, pois o modo de especulação da mão de obra também mudou, restando prejudicada a ideia do que tradicionalmente definia-se como subordinação, necessitando adaptá-la as novas formas como vem ocorrendo as relações de trabalho no mundo moderno.

 

Reconhecer a mudança no cenário em que estão inseridas as relações de trabalho não se presta apenas para ampliar o manto protetor juslaboral aos debilitados, mas de reconhecer a necessidade de afastar a dureza como os princípios do Direito do Trabalho veem sendo aplicados, tratando todas as relações como iguais, sem ater-se as peculiaridades de cada caso concreto.

 

Neste sentido, observou-se o importante papel do magistrado como intérprete-aplicador dos princípios, com o fim de evitar-se aplicação desmedida do princípio da proteção. Para tanto a literatura jurídica tem apontado a validade da utilização de vários institutos, inclusive comuns a todos os ramos do direito, capazes de evitar que o caráter tuitivo do Direito do Trabalho perca a sua essência e transforme-se em um causador de injustiças, por não tratar com o real equilíbrio as relações de trabalho.

 

A ideia fundante do princípio é geral, mas sua aplicação deve ser pontual, atendendo a realidade da situação fática vivida pelos atores da relação laboral, e não apenas aplicá-lo como se todas as relações fossem iguais.  Para tanto, de acordo com a doutrina estudada é possível o operador do direito valer-se da equidade, boa-fé, proporcionalidade e razoabilidade, como instrumentos de garantia de equilíbrio entre as partes quando da aplicação dos princípios, pois possibilitará tratar os desiguais na proporção de suas desigualdades.

 

Assim, é possível depreender que tanto a releitura do conceito de subordinação, como as novas propostas de extensão da proteção do Direito do Trabalho, como a aplicação dos princípios deste ramo do direito, tem como fundamento a vulnerabilidade e hipossuficiência do trabalhador, de modo que se torna condição sine qua non a análise particular de cada relação laboral, para verificar-se o grau de debilidade deste trabalhador e, apenas assim, poder-se relativizar ou não aplicação dos princípios do Direito do Trabalho, a partir dos instrumentos ora estudados.

 

Reconhecer as mudanças sofridas no mundo do trabalho e buscar que  o intérprete-aplicador analise o caso concreto para assim verificar o quanto um trabalhador é hipossuficiente e, a partir de então, valer-se dos institutos estudados para relativizar a forma de incidência dos princípios do Direito do Trabalho na relação laboral, na exata medida em que este trabalhador é vulnerável, mostra-se a melhor forma de evitarem-se iniquidades.

 


[1] DORNELES, Leandro do Amaral Dorneles de. A Transformação do Direito do Trabalho: da lógica da preservação à lógica da flexibilização. São Paulo: LTr, 2002, p. 40-50.

 

[2] DORNELES, Leandro do Amaral Dorneles de. A Transformação do Direito do Trabalho: da lógica da preservação à lógica da flexibilização. São Paulo: LTr, 2002, p. 95-106.

 

[3] DORNELES, Leandro do Amaral Dorneles de. Teoria Geral da Relação de Emprego e a Sociedade Pós-industrial: algumas reflexões. In: OLIVEIRA, Cinthia Machado de; DORNELES, Leandro do Amaral Dorneles de (org). Temas de Direito e Processo do Trabalho (Vol. I): Relação de emprego. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2012, p. 38.

 

[4] NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Direito Contemporâneo do Trabalho. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 370-72.

 

[5] RODRIGUES DE SOUZA, José Pedro de Camargo. Anotações sobre as Balizas Constitucionais Italianas para o Trabalho Autônomo, Subordinado e Parassubordinado. In: MANNRICH, Nelson (org). Reforma o Mercado de Trabalho: A experiência italiana. São Paulo: LTr, 2010, p. 85.

 

[6] RODRIGUES DE SOUZA, José Pedro de Camargo. Anotações sobre as Balizas Constitucionais Italianas para o Trabalho Autônomo, Subordinado e Parassubordinado. In: MANNRICH, Nelson (org). Reforma o Mercado de Trabalho: A experiência italiana. São Paulo: LTr, 2010, p. 85.

 

[7] SOUZA, Rodrigo Trindade de. Relações de Trabalho na Contemporaneidade: retitularização da classe trabalhadora e a tendência de redefinição dos marcos da relação de emprego e do trabalho. In: OLIVEIRA, Cinthia Machado de; DORNELES, Leandro do Amaral Dorneles de (org). Temas de Direito e Processo do Trabalho (Vol. I): Relação de emprego. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2012. p. 137.

 

[8] BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 7. ed., São Paulo: LTr, 2011, p. 209.

 

[9] NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. 27. ed., São Paulo: Saraiva, 2012, p. 669.

 

[10] NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Direito Contemporâneo do Trabalho. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 70.

 

[11] PORTO, Lorena Vasconcelos. A Subordinação no Contrato de Trabalho: uma releitura necessária. São Paulo: LTr, 2009, p. 40.

 

[12] DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 12. ed., São Paulo: LTr, 2013. p. 298.

 

[13] PORTO, Lorena Vasconcelos. A Subordinação no Contrato de Trabalho: uma releitura necessária. São Paulo: LTr, 2009, p. 253.

 

[14] CHAVES JÚNIOR, José Eduardo de Resende; MENDES, Marcus Menezes Barberino. Subordinação Estrutural-reticular: uma perspectiva sobre a segurança jurídica. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região. Belo Horizonte, LTr, vol. 46, nº 76, p. 197-218, jul./dez. 2007, p. 206-207.

 

[15] BULGERONI, Renata Orsi. Parasubordinação: origens, elementos, espécies e tutela. In: MANNRICH, Nelson (org). Reforma o Mercado de Trabalho: A experiência italiana. São Paulo: LTr, 2010, p. 123-124.

 

[16] MOREIRA, Priscila Soeiro. O Contrato a Projeto na Reforma Italiana de 2003. In: MANNRICH, Nelson (org). Reforma o Mercado de Trabalho: A experiência italiana. São Paulo: LTr, 2010,               p. 109-119.

 

[17] Legislação italiana: http://www.camera.it /parlam/leggi/deleghe /03276dl.htm.

 

[18] CAMINO, Carmen. Autonomia da Vontade no Direito do Trabalho (do chão de fábrica ao serviço público). 2010. 120f. Tese (Doutorado em Direito) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2010. p. 68-70.

 

[19] DORNELES, Leandro do Amaral Dorneles de. Hipossuficiência e Vulnerabilidade na Teoria Geral do Direito do Trabalho Contemporâneo. In: OLIVEIRA, Cínthia Machado de; DORNELES, Leandro do Amaral Dorneles de (org). Temas de Direito e Processo do Trabalho (Vol. II): Teoria Geral do Direito do Trabalho. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2013. p. 67-76.

 

[20] GRAU, Eros Roberto. Porque tenho medo dos Juízes: a interpretação/aplicação do direito e dos princípios. 6. ed., São Paulo: Malheiros Editores, 2014. p. 20.

 

[21] MOLINA, André Araújo. Teoria dos Princípios Trabalhistas: a aplicação do modelo metodológico pós-positivista ao Direito do Trabalho. São Paulo: Atlas, 2013. p. 39.

 

[22] Molina explica que o pós-positivismo revisita institutos do jusnaturalismo, com exacerbação da justiça das decisões e a efetivação dos direitos fundamentais, mas que também adota diversos institutos do positivismo, desejando a racionalidade e cientificidade, na medida em que o sistema da ciência do direito também é composto de regras, para cuja interpretação e aplicação o modelo metodológico positivista ainda é, em parte, satisfatório (p. 22).

 

[23] CAMINO, Carmen. Direito Individual do Trabalho. 2. ed., Porto Alegre: Síntese, 1999. p. 63.

 

[24] BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 7. ed., São Paulo: LTr, 2011. p. 147.

 

[25] DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 12. ed., São Paulo: LTr, 2013,           p. 170-171.

 

[26] Frase atribuída a Paracelso, pseudônimo de Phillipus Aureolus Theophrastus Bombastus von Hohenheim, médico e alquimista sueco do Século XVI.

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Abril/2016